Feirante que trabalha desde os 7 e viu a mãe tirar a própria vida diz que vive o hoje: ‘nada me abala mais’

Feirante que trabalha desde os 7 e viu a mãe tirar a própria vida diz que vive o hoje: ‘nada me abala mais’

Por Gabriela Gasparin

A feirante Viviana Novaes de Oliveira começou a trabalhar na feira aos sete anos e nunca mais parou. “Não tive infância”, enfatizou. Até hoje, é do pastel e caldo de cana que vende nas feiras que consegue o sustento para criar os dois filhos. E é por isso que, desde pequena, ela não sabe o que é ter finais de semana: “sábado e domingo são os melhores dias de feira”, explica. No decorrer dos anos, viu a mãe tirar a própria vida e, logo em seguida, seu pai que já estava doente também se foi.

Apesar dos pesares, é sempre sorridente que ela atende a clientela na feira. Aprendeu com a vida que tudo pode acontecer a qualquer momento. Desde que a mãe se foi, disse que carrega uma lição: vive um dia de cada vez.

“Eu não penso no dia de amanhã, eu vivo o hoje. Por isso eu sou sempre feliz. Hoje eu sou feliz, está ótimo. Não sei o amanhã, não pertence a gente.”

Resolvi conversar com ela antes de saber qualquer detalhe de seu passado, justamente porque a achei muito simpática ao vender caldo de cana na feira que tem perto da minha casa. Viviana brincava com a clientela, trocava sorrisos e tratava a todos muito bem.

“Eu posso estar triste com o que for porque aconteceu alguma coisa na minha casa, mas eu nunca deixo transparecer isso na minha feira. Eu acho que as pessoas não merecem o que eu vou passar, tenho que passar alegrias para os outros.”

E foi com a mesma alegria que ela me contou grande parte de sua vida, entre o preparo de um e outro caldo de cana aos clientes.

Cresceu e sempre trabalhou na feira. “A minha infância foi essa. Todo mundo saindo sábado para ir para a balada e eu estava no quintal raspando cana para meu pai vender. Eu não tive por bem dizer uma infância. Daí eu casei e sempre trabalhei. Sempre, sempre, sempre.

Casada há 12 anos, Viviana tem dois filhos, um de 11 anos e uma menina de 5. O marido dela trabalha com ela na feira. “A feira quem começou foi os meus pais e eu trabalho desde os 7 anos, eles faleceram e eu continuo na feira.”

Vivina até tinha outra profissão a seguir, pois fez um curso de auxiliar e técnico de enfermagem, mas achou mais garantido seguir no trabalho que sempre desempenhou. “Mas como a minha vida inteira eu trabalhei na feira, eu falei, não vou trocar o certo pelo duvidoso, e continuei na feira.”

Mãe que desistiu da vida

O pai faleceu um pouco depois que a mãe se foi. Ele tinha problema no rim, fez um transplante e o coração não aguentou.

A feirante contou que seus pais tinham se separado. A mãe dela não superou a separação e a saída que encontrou foi tomar veneno para rato no lugar do habitual leite com café. “Foi um choque, porque ele já estava doente, ficava uma semana em casa, duas no hospital, então a gente já estava mais ou menos preparado. Agora, a minha mãe a gente nem imaginava que ela ia fazer isso”, afirmou. “Foi muito difícil. Ela era uma pessoa que gostava de viver, estava sempre feliz, sempre alegre, e de uma hora para outra ela decidiu.”

E é por isso que Viviana acredita estar preparada para tudo na vida. “Depois de ter passado por isso, nada me abala mais no decorrer da vida, já foi um choque, mais o que eu posso ter? Depois do falecimento dela eu me sinto muito forte. Acha que tem alguma coisa para me abalar? Não tem.”

Sentido da vida

A feirante me disse que nunca tinha parado para pensar sobre o sentido da vida antes, mas respondeu minha pergunta: “eu acho assim, o que é ser vivo? Eu acho que na vida a gente tem que estar preparado para tudo, coisas boas, ruins.”

Disse que batalha por dias melhores. “Agora estou lutando porque mais para a frente tenho que estar sossegada, estar em paz com a vida. Como eu trabalho tanto e sempre trabalhei, eu quero descansar.”

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Viviana: “Eu posso estar triste com o que for, mas eu nunca deixo transparecer isso na minha feira.”

Vidaria é um projeto parceiro CONTI outra.

Por que eu tenho que ter uma opinião sobre a Crise na Grécia?

Por que eu tenho que ter uma opinião sobre a Crise na Grécia?

Isso pode parecer estranho pra nova geração, mas já teve um tempo em que pra fazer uma pesquisa, você tinha que torcer pra que o assunto pesquisado estivesse coberto por um verbete em uma enciclopédia. Pra falar a verdade, isso já parece estranho pra mim, que cresci tendo que fazer pesquisa na Enciclopédia Britânica. Mais estranho ainda é lembrar de um serviço que a enciclopédia oferecia, pros casos em que um assunto não estava lá, em algum lugar daqueles milhares de páginas: você podia escrever para um endereço e fazer a sua pergunta. Sim, você mandava uma carta, que seria respondida por um pesquisador! Pelo correio! Não lembro bem, mas acho que o processo todo, entre mandar a carta e ter a resposta, levava bem mais que um mês. No começo, tinha toda a expectativa de receber a carta de volta, mas depois de um tempo, acabava ficando meio desestimulante esperar aquele tempo todo pra receber uma resposta que, quando chegava, talvez nem interessasse mais. Devo ter usado esse serviço duas ou três vezes, no máximo. Naquela época, eu sonhava com um mecanismo que desse todas as respostas pras minhas perguntas, na mesma hora em que fossem formuladas.

Bom, o tempo passou e o Google tá aí. Temos acesso a todo tipo de informação, instantaneamente. Talvez, pra um adolescente de hoje, não seja tão instantâneo assim, afinal, você ainda tem que acessar um site, digitar etc, mas enquanto os chips não forem implantados diretamente no cérebro, pra resposta chegar no mesmo momento em que a pergunta for formulada, a gente vai ter que se virar com isso.

O resultado mais imediato dessa facilidade de acesso, é que nós estamos mergulhados num mar de informação inimaginável pra qualquer geração que já esteve por aqui antes de nós. Um dado recorrente nesse assunto é que uma única edição de um jornal contém mais informação do que uma pessoa poderia receber durante toda a vida no século XVII.

Mas sempre com a facilidade, vem alguma fatalidade. Já temos novos distúrbios surgindo, como a Angústia do Excesso de Informação. Pra algumas pessoas, é preciso estar sempre conectado e saber tudo o que está acontecendo, mantendo o fluxo de informação ininterrupto.

Quando a gente pensa em um fluxo, pensa em uma via de duas mãos. Se a informação entra, na forma de noticias, ela vai ter que sair, na forma de opinião. Antes, as opiniões ficavam confinadas dentro de um círculo delimitado pelo alcance da voz e do grau da inibição de cada um. As redes sociais acabaram com esse confinamento. A voz de qualquer pessoa pode ser levada através de um post para qualquer lugar do mundo em que houver uma conexão de internet. E a inibição, quando se está sozinho, na frente de uma tela, com ou sem a facilidade do anonimato, cai drasticamente. Desaparece, em alguns casos. Muita gente fica surpresa ao descobrir que aquela pessoa que parece tão pacata e tranquila, pode ser se transformar numa fonte borbulhante de agressividade quando vai dar a sua opinião sobre algum assunto.

“Alguém acha que esse bando de BURRO do Brasil vai ser alguma coisa daqui a 50 anos? 70? 100? Nada – burro só gera burro e mula!”

(Comentário retirado de site de notícias.)

Sempre se brincou que o Brasil tinha um número de técnicos de futebol equivalente à sua população,  já que todo mundo sabia exatamente o que fazer pra escalar a seleção e ganhar qualquer Copa. Com o acesso à informação e a facilidade de emitir uma opinião, hoje em dia todo mundo é especialista em tudo, desde economia até física quântica. E quando se é especialista, fica também a obrigação – ou a tentação – de se emitir uma opinião. Se o assunto em pauta é a crise na Grécia, por exemplo, você tem que ter uma opinião, de preferência que se resuma a ser contra ou a favor. Não pode existir meio termo ou contemporização. Uma situação só pode ser boa ou má, não pode ter um pouco dos dois. Se você tentar ver uma questão por dois lados diferentes, você está em cima do muro e, logo, não tem uma opinião. Até invocam um conceito bíblico pra isso, do Apocalipse, que diz que Deus vomita os mornos. Não acho um grande conceito, mas olha eu aí emitindo uma opinião em um assunto que pode elevar a temperatura de qualquer discussão. E antigamente, no tempo das enciclopédias, sempre se dizia que religião e política não eram coisas que se discutisse. Esse foi um conceito que foi demolido com a chegada das redes sociais, já que são as coisas que mais se discute hoje em dia, junto com comportamento de celebridades.

Mas essa época de extremos acaba transformando tudo em um Fla x Flu onde ninguém se ouve e só o que importa é dar sua opinião com CAPS LOCK, pra tentar ganhar no grito. Acho que talvez seja hora de fazer a opção pelo morno. Essa é uma opinião sem CAPS LOCK e sem muita certeza, em uma época e em um meio onde elas são sempre absolutas. Não precisa uma pesquisa muito profunda, basta uma lida em posts e comentários, pra ver que muita certeza absoluta por aí está sendo construída sobre areia movediça, que é o que acontece quando se constrói uma opinião a partir de pouca pesquisa, partindo de conceitos prévios e buscando só um lado de uma questão.

Enfim, construir uma opinião fundamentada dá trabalho. Por isso acho que dá pra se permitir não ter uma opinião sobre as opções gregas de se lidar com a sua crise, sem que isso gere uma angústia por não poder comentar o post de um amigo sobre o assunto. Um mundo sem tantos especialistas pode ser um mundo com mais harmonia.

         “Eu publicamente me declaro agnóstico. A lei da evolução é RIDICULA nunca vi um macaco virar homem, não gosto de bananas.”

                   (Outra opinião retirada de um comentário de um site de noticias.)

3 inspiradores poemas de Cora Coralina

3 inspiradores poemas de Cora Coralina

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Não sei

Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura…
enquanto durar.

Humildade

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.”

Cora Coralina nasceu em 20 de agosto de 1889, e morreu na cidade de Goiânia em 10 de abril de 1985. Ela começou a escrever poemas quando tinha 14-15 anos de idade, e participou da Clube Literário Goiano de Dona Virgínia da Luz Vieira, mas ela só publicou seu primeiro livro (Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais) depois que seu marido morreu em 1965, quando ela tinha 75 anos.

Uma lição de vida: história zen ensina-nos a exercitar a amizade e a tolerância o tempo todo

Uma lição de vida: história zen ensina-nos a exercitar a amizade e a tolerância o tempo todo

Vídeo nos mostra o quanto as atitudes impulsivas, impensadas, produtos da ira e do desequilíbrio interior, podem ser danosas tanto a quem as pratica quanto aos seus circunstantes.

Uma mensagem muito necessária ao nosso tempo, num mundo onde ainda imperam a violência e o egoísmo.

“Os ninguéns”, de Eduardo Galeano

“Os ninguéns”, de Eduardo Galeano

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”

Eduardo Galeano

Fonte indicada: Textos para mudar o Brasil

E se fossemos nós todos artistas?

E se fossemos nós todos artistas?

Por Paula Peregrina

O artista assume seu lado obscuro, suas cores de contrastes inadequados, e só por isso pode manipulá-las criando novas composições. Dessas fraquezas e inadequações que todos temos, desse lado obscuro do qual nos ensinam a fugir, caso assumíssemos, caso questionássemos tudo o que sempre nos disseram que deveríamos ser, poderíamos.

***

Não há estudo científico necessário para identificar um artista. Ele ali, em meio a multidão, não precisa estar munido de seus quadros, nem ter ao colo um caderno aberto para anotação de suas ideias ou de seus poemas, não precisa estar fantasiado de palhaço ou com sapatilhas de dançarino, nem carregando um instrumento musical nas costas ou placa que advirta: “Sou artista!”. Ele estará lá, absorto – se sentindo incomodamente comum e diferente, ao mesmo tempo deslocado e íntimo de todos os lugares do mundo. Sua expressão, das linhas que se manifestam na face às roupas que combinam em seu corpo como uma mensagem para o meio, dizem da sua natureza irremediavelmente criativa, sonhadora, soturna e alegre ao ponto da extravagância.

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Cena do filme “Modigliani – Paixão pela vida”.

Não surpreende que a vida pessoal dos artistas interesse tanto às pessoas. Artista não é apenas aquele que reproduz técnicas no ateliê, que grava em estúdios, que toca em concertos, que dança em palcos, que atua em frente à câmara, que escreve meticulosamente em frente ao computador ou à máquina de escrever. A mão, o corpo, a mente, todas suas articulações e indomáveis instrumentos articulatórios, das sinapses no interior do corpo às incógnitas da alma, artista não é sequer quem tem obra reconhecida, quem é conhecido, mas é sempre reconhecido, seja pelos anônimos de um beco qualquer ou por um veículo de comunicação com função preestabelecida. Olham para ele e sabem. O escutam e sabem. Sua história é narrada por seus passos, por seus olhos, por seus abraços, pela presença e pela ausência de laços. Pela inquietação. Artista é aquele que funde a arte na vida, e por isso essa vida interessa tanto.

O artista é ingênuo, crédulo, aberto, sonhador e paradoxal, por ser também soturno, cético, cheio de regras incongruentes, desiludido. Vê possibilidade em tudo, vê arte emanando do interior das coisas mais repugnantes. Enxerga e revela as desconfortáveis potencialidades dos seres mais conformados: você pode ser, se quiser! Mas, se não quiser também, o problema é seu…

Porque assim ele vive a vida, como obra de arte, é que se faz artista, e não o contrário. E se para a produção da obra artística, essa oriunda das técnicas artesanais, ele imprescinde de conhecimento, não o é assim para tudo o mais? E se pudéssemos burlar todas as regras que nos enquadram entre padrões cinzentos e apagados ou vibrantes cores monocromáticas que contam falácias sobre um poder vazio, e nos tornássemos artistas da vida? A simplicidade disso é tão absurda que constrange, e tão perigosa que acovarda. É que como podemos ver em “Os Sonhadores”*, os personagens podem nos levar dos extremos do deleite à perdição das tragédias. E o que é isso, se não viver?

Que maravilhoso seria, olhar-se no espelho com o rosto amarrotado pelo travesseiro, atordoado pelo pesadelo, pela insônia ou pelo sonho confuso, e poder pintá-lo não segundo o que diz o catálogo de dicas de maquiagem, mas segundo o nosso desejo de expressão. Que libertação combinar os cortes, cores e panos das roupas segundo nosso próprio desejo, e não segundo as arbitrariedades dos “gurus da moda”, para dizermos através dos retalhos trabalhados sobre a nossa condição. Moda-arte, dá voz a escolha e não à etiqueta. Escolheríamos nossos objetos, os inventaríamos, criaríamos, modificaríamos e transformaríamos em parte do nosso cenário, do nosso figurino, do nosso conceito de si. E ainda, trabalharíamos a palavra para além das convenções, dos jargões do momento ou da polidez das normas, cantaríamos frases, desverbalizaríamos sentidos, pintaríamos com a boca, cantaríamos com a mão, escreveríamos com os olhos.

Nos tornaríamos subversivos, incômodos, incabíveis, contradizendo os limites do humano que faz de fora e para fora, fazendo de dentro para dentro, e fora o corpo revelando a alma, o que mais importa? Desmentiríamos as advertências que destruíram a juventude dos nossos avós, e a vaidade mórbida que tenta desvitalizar a adolescência até que ela se torne uma ignóbil caricatura da chama criativa, apaixonada, rebelde e, por isso, corajosa e desmiolada, capaz de mover montanhas simplesmente pela inocência em acreditar que pode fazê-lo.

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Cena do filme “Os Sonhadores”

Denunciaríamos o equívoco dos rótulos supostamente doados, mas que custam mais caro que a vida, nos embriagando “Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher”**. Nossas fumaças com poderes surrealistas – de cigarros, incensos, fogueiras ou do pensamento que se incendeia -; nos proporcionariam diálogos com Baudelaire, com Rimbaud, com John Lennon ou com nossa falecida avó, que agora na morte podendo enxergar além diria: está tudo bem, porque no fim, a vida é o que importa, e a vida não é longevidade mas o que fazemos dela enquanto a temos. A vida é um fim. Passados os tempos da embriaguez de sempre, daríamos espaço para sobriedade enlouquecida produzindo o novo e o vivo onde quer que estivéssemos: todo escritório, todo consultório, todo balcão de venda, toda sala de aula seria viva, potente, vibrante!

Sobrevivendo para contar história tanto ou mais do que antes, e mais que isso: vivendo, poderíamos sentir a alegria de estarmos fazendo exatamente o que estamos fazendo, e ficaríamos ainda mais alegres de vermos o outro fazendo exatamente o que ele está fazendo – teríamos a consciência empática da importância de toda e qualquer atividade, e toda e qualquer atividade seria criativa, por ser feita por uma pessoa que libertou sua criatividade para fruir em cada gesto seu, logo, o homem gari estaria varrendo criativamente a rua, e os sons da sua vassoura roçando e transformando o chão corrompido em espaço limpo, deixando aqui e a ali uma folha para nos lembrar da lamentação e renovação constante das árvores, seria artista: veríamos a arte das coisas simples. Ele sorriria para nós, nós sorriríamos para ele, seríamos todos cúmplices.

Poderíamos correr pela rua quanto tivéssemos vontade, sem preocupações sobre nos considerarem loucos e disso vir a difamação: seríamos todos assumidamente loucos, com o orgulho infantil de quem entende instintivamente não ser a loucura uma doença, mas a doença uma possibilidade tanto da loucura quanto da pretensa normalidade. Dançaríamos na chuva, apaixonados pela vida, sentindo-nos abençoados pelas maravilhas diárias que ela nos traz e que antes ignorávamos pela banalização: agradeceríamos as pesadas nuvens enegrecidas pelo banho nosso de cada dia, pelos rios correndo, pelas belas cachoeiras, pelas ondas do mar que por vezes adotam surfistas em seu seio, pelo líquido essencial que bebemos e nos dá movimento ao corpo, pelo frescor, pelas canções deliciosas compostas por todas as manifestações da água no mundo.

Olharíamos as flores, até mesmo os capins resistentes que nascem rompendo os meios-fios, recitando poesias sobre a resistência e o desejo de existir, ainda que comum, beleza singela de folhas brancas e delicadas, rodeando a porosa rodela amarela que deseja miniaturizar uma simbologia do sol.

Extasiados, entusiasmados, envolvidos com o mundo, nos sentiríamos acolhidos para mergulhar em nossas dores, paixões e delicadezas, para insuflar alegrias ou experimentar prazeres. Fossemos todos artistas, não nos contentaríamos em contemplar o fantasma da vida daqueles que se fizeram enquanto obra de arte, e disso produziram obras: nos interessaríamos pela própria vida, e como obra mínima teríamos a existência – existiríamos todos como obra de arte.

*Referência ao filme “Os Sonhadores” de Bernardo Bertolucci.

** Referência à prosa poética de Charles Baudelaire

A reprodução no CONTI outra foi autorizada pela autora.

Minha escola é a vida

Minha escola é a vida

Das muitas gírias que já escutei por aí uma que me agrada muito é: “Quem é você na noite?”. É uma referência ao fato de que somos insignificantes na noite, onde todos os gatos são pardos. Menos importância, aliás é o conceito-chave para esse convite à “não ser ninguém na noite”.

Lembro-me uma vez quando presenciei na fila do Festival de Teatro uma cena que me marcou muito, uma pequena confusão e um fulano-de-tal fala para o funcionário no caixa “Você sabe com quem está falando?”. Sim, essa é uma prática mundial, não é só aqui que acontece não e ninguém está livre dessa horrível tendência que eu chamo de “se dar muita importância”.

Recentemente vivi algo parecido, era meu aniversário e eu queria fazer tudo, trabalhar, celebrar com amigos e receber um abraço da minha mãe, do meu pai e do meu avô. Passei rapidamente na casa da minha mãe e com a garagem alugada, parei no posto de gasolina ao lado. Pedi licença ao frentista para deixar o carro ali por cinco minutos e ele negou. Disse que essa era a ordem e eu não poderia parar ali, imediatamente sucumbi ao mal de “me dar muita importância” e iniciei o discurso: – Sou cliente há anos , vou abastecer, etc.” Nada disso convenceu o frentista que foi irredutível. Depois disso liguei para reclamar para o proprietário no maior estilo onde-já-se-viu e ele confirmou que essa era a ordem, não importa quem fosse. Ainda braba, prometi nunca mais voltar lá.

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Enfurecida como estava, nada me fazia enxergar o quanto de importância eu estava me dando e que eu estava de fato errada. Nada menos o meu pai, quando contei para ele, ele disse: “- Você está errada, se todo mundo fizer isso os clientes dele não terão onde parar o carro!”. E hoje entendo que não adianta falar em gentilezas e políticas da boa vizinhança e “não custas!” em situações como essa. Se eu desejo tratamento igual para todos, tenho que entender que não sou mais importante que ninguém, o que vale para mim deve valer para todos e esse é o verdadeiro sentido de comunidade e de igualdade de direitos.

Mas, nós temos essa estranha mania de “nos darmos muita importância” e assim nos escondemos atrás dos títulos, status, bens e posses. Em uma sociedade onde dinheiro é poder essa prática é extremamente perigosa e muito comum. É perigosa porque beneficia poucos e exclui a maioria. E uma prática que exclui a maioria não tem valia nenhuma para o coletivo.

Na reunião de condomínio dessa semana revivi essa situação, uma das condôminas irritada com uma situação que lhe afetou iniciou seu discurso colocando todos os seus títulos “na mesa” e eu me entristeci por ela e por todos nós. Fiquei triste ao me dar conta de como atualmente nossos direitos e nossa voz estão tão diretamente ligados ao que temos e à títulos. Ela, enquanto condômina, tinha direito de ser ouvida, independente de sua profissão ou extrato bancário. O nosso direito de voz é um direito que temos como seres humanos que somos. Ponto.

Eu hoje tento fazer esse exercício constantemente de “me dar menos importância”, pois se quero uma sociedade mais igualitária onde todos possam ser ouvidos, primeiramente preciso aprender que não sou mais importante do que ninguém.

Eu também aprendi com a vida que títulos não trazem felicidade. Esse lance de status é uma grande ilusão e fico feliz de ter tido coragem para me libertar disso. Eu não quero me esconder atrás de um diploma ou um cargo. Inclusive quando abri mão de um emprego estável e do cargo de empresária (ou melhor, micro-empresária) para me tornar professora de inglês, descobri como todo ofício é nobre e sou infinitamente mais feliz hoje. Pensei nisso também enquanto “rasguei” diplomas (incluindo de mestrado) quando troquei de profissão. Do tal mestrado não quero o título, hoje tenho a certeza de que o que valeu mesmo foi a experiência em si.

E na próxima vez em que me perguntarem “o que eu faço da vida” ou “quem sou”, responderei com muito orgulho: coleciono pores-do-sol e sorrisos, divago em todas as horas, sonho com o dia em que todas as vozes sejam ouvidas, acredito em utopias. Minha escola é a vida.

Veja o trailer oficial da nova adaptação da história do Pequeno Príncipe para o cinema

Veja o trailer oficial da nova adaptação da história do Pequeno Príncipe para o cinema

Eu desconheço a existência de livros infantis. Trata-se de uma classificação inventada por pessoas que nada entendem de contos e, menos ainda, da poesia do existir.

Pra mim, o que existe é uma boa história que pode ser interpretada de pronto por pessoinhas de menor bagagem de vida e com maior poder imaginativo, mas que, conforme essas pessoas vão somando velinhas em sucessivos aniversários, podem ser lidas de modo mais profundo e maduro, tendo observados outros pormenores, outros encantamentos, outras nunces sem, contudo, perder a beleza da interpretação primeira.

O Pequeno Príncipe não é uma história infantil. É uma história escrita com os olhos da infância e que pode ser interpretada e sentida com o visão de todas as idades.

A estréia oficial do Brasil será em 20 de agosto. A nova adaptação do principezinho para os cinemas é francesa e foi dirigida por Mark Osborne.

Confira a sinopse:

Uma garota acaba de se mudar com a mãe, uma controladora obsessiva que deseja definir antecipadamente todos os passos da filha para que ela seja aprovada em uma escola conceituada. Entretanto, um acidente provocado por seu vizinho faz com que a hélice de um avião abra um enorme buraco em sua casa. Curiosa em saber como o objeto parou ali, ela decide investigar. Logo conhece e se torna amiga de seu novo vizinho, um senhor que lhe conta a história de um pequeno príncipe que vive em um asteróide com sua rosa e, um dia, encontrou um aviador perdido no deserto em plena Terra.

E assim, mais uma vez, fãs de todas as idades se unirão para assistir à versão cinematográfica da vida do menino de cabelos dourados e sorriso gargalhado que cativou os nossos corações para sempre.

Confira o trailer!

 

Conheça a história que deu origem à animação “O conto da princesa Kaguya”

Conheça a história que deu origem à animação “O conto da princesa Kaguya”

Conheça a história que deu origem à animação japonesa “O conto da princesa Kaguya”, dirigida por Isao Takahata, e que estreou no Brasil no último dia 16 de julho:

“Um dia, enquanto caminhava pela floresta de bambu, um velho, sem filhos chamado Taketori no Okina (竹取翁? “O Velho que colhe Bambu”) se deparou com um misterioso e brilhante talo de bambu. Depois de cortá-lo, ele encontrou dentro dele uma criança do tamanho de seu polegar. Ele alegrou-se por ter encontrado uma menina tão bonita e a levou para casa. Ele e sua esposa criaram-na como sua própria filha e a chamaram de Kaguya-hime (かぐや姫 precisamente, Nayotake-no-Kaguya-hime “princesa de bambus flexíveis espalhando luz”). Depois disso, Taketori no Okina descobriu que sempre que ele cortava um talo de bambu, dentro encontrava uma pequena pepita de ouro. Logo ele ficou rico.

Kaguya-hime cresceu e se tornou uma mulher de tamanho normal e de beleza extraordinária. No começo, Taketori no Okina tentou mantê-la longe de pessoas de fora, mas, com o tempo, a notícia de sua beleza se espalhou. Eventualmente, cinco príncipes apareceram à casa de Taketori no Okina para pedir a mão de Kaguya-hime em casamento. Os príncipes persuadiram Taketori no Okina para que Kaguya-hime escolhesse um deles. Kaguya-hime inventou tarefas impossíveis para os príncipes, concordando em se casar com a pessoa que conseguir trazer um item específico.

Naquela noite, Taketori no Okina disse aos cinco príncipes o que cada um devia trazer. Ao primeiro foi dito para trazer a bacia de pedra de Buda na Índia, ao segundo um ramo de jóias da ilha de Horai, ao terceiro o manto lendário do rato de fogo da China, ao quarto, uma joia colorida do pescoço de um dragão, e, ao príncipe último, o búzio que nasceu de uma andorinha. Percebendo que era uma tarefa impossível, o primeiro príncipe voltou com uma tigela , mas depois de perceber que a tigela não brilhava com a luz sagrada, Kaguya-hime percebeu a farsa. Da mesma forma, outros dois príncipes tentaram enganá-la com falsificações, mas também foram descobertos. O quarto desistiu depois de cruzar o caminho de uma tempestade, enquanto o último príncipe perdeu a vida (gravemente ferido em algumas versões) em sua tentativa.

Depois disso, o Imperador do Japão, Mikado, veio ver a bela Kaguya-hime e, ao apaixonar-se, pediu-lhe para casar com ele. Embora ele não tenha sido submetido aos testes impossíveis que haviam frustrado os príncipes, Kaguya-hime também rejeitou o seu pedido de casamento, dizendo-lhe que ela não era de seu país e, portanto, não poderia morar no palácio com ele. Ela ficou em contato com o Imperador, mas continuou a repelir seus pedidos e propostas de casamento.

Naquele verão, sempre que via a lua cheia, Kaguya-hime ficava com os olhos cheios de lágrimas. Apesar de seus pais adotivos terem ficado muito preocupados e a terem questionado, ela não foi capaz de dizer-lhes o que estava havendo de errado. Seu comportamento tornou-se cada vez mais errático até que ela revelou que ela não era deste mundo e que deveria retornar ao seu povo na lua. Em algumas versões deste conto, diz-se que ela foi enviada para a Terra devido a uma punição temporária por algum crime, enquanto em outras, ela foi enviada à Terra para sua própria segurança durante uma guerra celestial. O ouro que Taketori no Okina tinha encontrado era de fato um salário do povo da Lua, enviado para pagar pela estadia de Kaguya-hime.na terra

Kaguya volta à Lua, feita por Tosa Horomichi.
À medida que o dia de seu retorno se aproximava, o Imperador pôs muitos guardas ao redor de sua casa para protegê-la do povo da lua, mas quando uma embaixada de “seres celestiais” chegou à porta da casa de Taketori no Okina, os guardas foram cegados por uma estranha luz. Kaguya-hime disse que, embora ela amasse seus muitos amigos na Terra, ela devia retornar com o povo da Lua para a sua verdadeira casa. Ela escreveu as cartas de despedida para seus pais e para o Imperador, em seguida, deu aos seus pais a sua própria túnica como uma lembrança. Ela então pegou uma pequena amostra do elixir da vida, junto à carta ao imperador, e deu-o a um oficial de guarda. Quando ela entregou a ele, o manto de penas foi colocado sobre os ombros, e toda a sua tristeza e compaixão pelas pessoas da Terra foram esquecidos. A comitiva celeste levou Kaguya-hime de volta à Tsuki-no-Miyako (literalmente “A Capital da Lua”), deixando seus pais adotivos da terra em lágrimas.

Seus pais adotivos ficaram muito tristes e logo ficaram doentes e de cama. O oficial voltou ao Imperador com os itens que Kaguya-hime lhe tinha dado no seu último ato mortal, e relatou o que havia acontecido. O Imperador leu sua carta e foi tomado pela tristeza. Ele perguntou a seus servos: “Qual lugar da montanha é mais próximo ao céu?”, Ao que responderam que era a grande montanha de província de Suruga. O imperador ordenou a seus homens para levar a carta até o cume da montanha e queimá-la, na esperança de que a sua mensagem chegaria a princesa distante. Os homens também foram ordenados a queimar o elixir da imortalidade, pois o imperador não queria viver para sempre sem ser capaz de vê-la. A lenda diz que a palavra imortalidade ( 不死 fushi ou fuji’) tornou-se o nome da montanha, Monte Fuji. Diz-se também que o kanji para a montanha, 富士山 (literalmente “Montanha Abundante em guerreiros”), é devido ao fato de o exército do Imperador ter subido as encostas da montanha para realizar o seu objetivo. Diz-se que a fumaça da queima ainda sobe até hoje. (No passado, o Monte Fuji tinha muito mais atividade vulcânica).”

Fonte indicada: Wikipédia

Assista ao trailer do filme:

Eu, Jesus e o Magistério

Eu, Jesus e o Magistério

Por Elika Takimoto

É comum na minha profissão – que é ser professora – encontrar colegas desanimados. O pior dessa apatia é a (ilusória) nostalgia. Ficam lamentando dos alunos que não temos mais e vivem dizendo: “no meu tempo…” Aff.  O próprio professor se deprime apoiado em uma nebulosa memória do aluno perfeito que foi no passado. Tratemos do que temos na nossa frente e entendamos e aceitemos essa nova realidade de braços abertos. Se ele não sabe as operações básicas da matemática, reclamar disso não vai fazer com que ele aprenda. Se ele acha que ao ler Cinquenta Tons de Cinza, Paulo Coelho e similares está se aproximando do mundo da literatura cabe a você alfabetizá-lo. Se ficar no terreno do imaginação sonhando com o perfeito e apegado ao passado não vai produzir nada.

O desânimo reina e o discurso de que os alunos estão cada vez piores prevalece. Mas pensemos em um figura conhecida por todos: Jesus. Quer você seja cristão, ateu, budista, hare chrishna, não importa. Se mora no Brasil, sabe de quem estou falando e um pouco de sua história (ou lenda). Recordemos.

Jesus, dizem, teve 12 alunos que foram todos escolhidos por ele. Nós temos, em cada turma, em torno de 40 cujo fato de estarem sentados na sua frente nada tem a ver com a nossa vontade e o nosso conhecimento em relação a eles.

Os 12 alunos de Jesus tinham aula dia e noite. Foi tempo integral se não me engano por três anos. Os nossos alunos nos veem duas vezes na semana ou nem isso.

Os 12 alunos de Jesus largaram tudo para segui-lo. Os nossos sequer largam do celular e não querem acompanhar nem por cinco minutos nossos pensamentos.

Jesus fazia milagres. Diriam alguns colegas, nós também. Concordo, mas Jesus falava levanta-te e anda para um paraplégico que saía correndo pelas ruas de Israel ou algo que o valha. Ou seja, o que estou querendo dizer é que Jesus não dava somente aulas teóricas, mostrava na prática o que a sua ciência era capaz. Melhor ainda: as aulas eram ao ar livre. No mais, Jesus andou sobre as águas enquanto nós temos que tomar cuidado para não tropeçar no tablado. Ele transformava água em vinho. Nossos alunos sequer frequentam laboratórios ou têm aulas práticas e quando as têm é manca, pois carece de uma certa magia.

Ainda assim, após 3 anos o que aconteceu justamente na última prova do quarto bimestre? Os seus três melhores alunos caíram no sono enquanto Jesus chorava sangue. O tesoureiro do grêmio delatou o mestre ao diretor por trinta pontos na média final. Pedro, o líder da turma, negou que Jesus havia lhe dado aula três vezes diante do coordenador da disciplina. E os outros nove? Fugiram. E sequer deram as caras no dia que Jesus estava sendo crucificado pelos pais dos alunos e por toda a sociedade.

Ah sim. Tem João. Ele foi até lá mas o que fez ele para impedir o linchamento? Pois é. Nada. Ainda que consideremos João como o aluno que deu certo teremos um sucesso de menos de 10% dessa empreitada, considerada baixíssima, diga-se de passagem, pelos padrões do MEC.

Jesus estava morto. Mas o carinha entregou os pontos, chutou o balde ou desanimou? Não. Acreditem. Apesar de toda essa história, ele voltou três dias depois para dar aula de recuperação nas férias. Reuniu todos que não tiveram média para passar de ano e disse: eu em verdade vos digo que vos darei mais uma chance. Jesus, como sabem, gostava usar a segunda pessoa do plural.

Qual foi a surpresa de Jesus quando Pedro, considerado um de seus melhores alunos, presidente do grêmio perguntou: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?” . Mas gente…  Um de seus alunos mais inteligentes não havia aprendido patavinas!

Rendimento de todo o esforço de Jesus ao final: 0%. Jesus padeceu? Não. Dá-lhe novos milagres, exercícios, aulas práticas explicadas com muitas parábolas para os alunos entenderem, vinho, pão, trilhas ao ar livre… nada. Ao final, Jesus sobe aos céus no meio do clarão das nuvens, um espetáculo que se compara aos fogos de Copacabana na virada do ano, e babau. Nunca mais voltou mas, bem ou mal, todos se lembram do que ele disse (até mesmo quem nunca teve aula com ele diretamente) quando a porca torce o rabo porque os que o ouviram perceberam que Ele acreditava no que dizia e tinha amor verdadeiro pelo o que fazia.

Então, meu caro colega de trabalho, se com Jesus que foi Jesus assim contam que aconteceu, por que tem se descabelado? Primeiro de tudo lembremos de como a auto estima e a confiança de Jesus era enorme: o cara simplesmente dizia que era o Filho de Deus e mandava ver. Nós estamos enriquecendo psicólogos, psiquiatras e a indústria de fármacos. Qual professor já não teve o pesadelo de perder o controle total de uma sala, especialmente na noite mal dormida que antecede o primeiro dia de aula? Segundo: como melhorar? Oras, eu não sei ao certo, mas tenho alguma ideia inspirada nessa lenda (assim considero) de Jesus.

A história conta que o Mestre disse: Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo. Quem quiser ser líder deve ser servidor. Se você quiser liderar, deve servir. Então, meu amigo, pergunte-se qual o motivo de ensinar tal coisa, qual a relevância, qual a utilidade de tal leitura. O professor é o primeiro que deve saber como tal conhecimento transformou a sua vida. Você acha que já está formado e preparado para esses novos alunos dando a mesma aula que lhe deram há 20 anos atrás? Que tal vencer a si mesmo para começar?

Os artistas de hoje foram aqueles que foram rebeldes na época de escola ou os que tinham o nome entre os dez primeiros melhores alunos em nota? Será que a sua irritação com a turma indisciplinada não é uma espécie de raiva por saber que eles estão querendo aprender algo que lhes seja de fato útil?

Enfim, inspiremo-nos em Jesus e parafraseemo-lo: Ame o seu aluno como a si mesmo e não faça com ele o que você não quer que façam com você.

Tiques e a Síndrome de Tourette

Tiques e a Síndrome de Tourette

Por Ana Gabriela Hounie

O que são Tiques?

De acordo com o DSM-IV, tiques são movimentos involuntários, súbitos, rápidos, recorrentes, não rítmicos e estereotipados. Aparecem também na forma de vocalizações (barulhos). Ocorrem de forma contínua ou em acessos. Às vezes são precedidos por uma sensação desconfortável, chamada de sensação premonitória e frequentemente seguidos por uma sensação de alívio. Geralmente desaparecem durante o sono e diminuem quando da ingestão de álcool e durante atividades que exijam concentração. Ao contrário, são exacerbados pelo estresse, fadiga, ansiedade e excitação. Podem ser suprimidos pela vontade, mas ao custo de elevada tensão emocional.

Os tiques complexos podem organizar-se e serem ritualizados, o que os torna, às vezes, difíceis de diferenciar das compulsões, que seriam precedidas de fenômenos cognitivos (idéias) e acompanhados de sinais autonômicos (ansiedade, palpitações, tremores, sudorese), enquanto que os tiques são geralmente precedidos de fenômenos sensoriais (sensações premonitórias) sendo seguidos de alívio.

O que é a Síndrome de Tourette?

É uma síndrome em que aparecem tanto tiques motores como vocais, não necessariamente ao mesmo tempo. Os tiques geralmente aparecem por volta dos sete anos, variando dos 2 aos 15 anos. Em geral, apresentam-se na forma de tiques motores simples, como piscadelas dos olhos. O início das vocalizações ocorre posteriormente ao dos tiques motores, na idade média de 11 anos, frequentemente na forma de pigarro, fungadelas, tosse, exclamações coloquiais entre outras. Em alguns casos os tiques vocais são os primeiros sintomas a surgir.

A coprolalia, emissão involuntária de palavras obscenas (palavrões) é encontrada em menos de um terço dos casos. Talvez haja alguma influência cultural, já que é encontrada seis vezes mais na Dinamarca do que no Japão. A copropraxia (gestos obscenos involuntários) é encontrada entre 1 e 21% dos casos. A ecolalia (repetir palavras ouvidas) e ecopraxia (repetir gestos vistos) e a palilalia (repetir as próprias palavras) são encontradas em menos da metade dos casos. Estima-se que um terço dos pacientes apresente remissão completa ao final da adolescência, outro apresente melhora dos tiques e o restante continue sintomático durante a vida adulta. Remissões espontâneas foram relatadas em 3 a 5% dos casos.

A intensidade dos tiques é variável, desde quase imperceptíveis, como um leve levantar de ombros, até tiques aparatosos como saltos ou fortes latidos. As vezes são “camuflados” em atitudes corriqueiras como por exemplo, afastar o cabelo do rosto, ajeitar a roupa e são reconhecidos pelo seu caráter repetitivo. Após a instalação do quadro, os sintomas passam a apresentar flutuação na intensidade, principalmente na adolescência. Uma série de comportamentos se associam à ST, como o hiperativo, o automutilatório, distúrbios de conduta e de aprendizado, além dos sintomas obsessivo compulsivos (SOC). Alguns autores observaram que mais de 40% dos pacientes com a ST apresentavam TOC. Aproximadamente 90% dos portadores da ST tem sintomas obsessivos.

O que causa a Síndrome?

A causa da ST permanece desconhecida. Sabemos da influência de fatores genéticos, neurobiológicos entre outros. Diversas linhas de pesquisa sobre o tema. Abaixo estão listados uma série de achados sobre o tema:

Os estudos com gêmeos e famílias tem fornecido evidências de que há uma transmissão genética da vulnerabilidade à ST. A taxa de concordância para a ST entre gêmeos monozigóticos é maior que 50%, enquanto que, para os dizigóticos, é cerca de 10%.

Os resultados dos estudos que tentam estabelecer uma relação entre eventos perinatais (relacionados ao parto e nascimento) adversos e a ST são conflitantes. Dois estudos não conseguiram verificar essa associação, enquanto outros encontraram 1,5 vezes mais complicações durante a gestação de mães de crianças com tiques quando comparadas a controles normais.

Os tiques apresentam piora diante de eventos estressantes, não necessariamente desagradáveis. Há associação entre o conteúdo dos tiques, seu início e os eventos marcantes na vida das crianças portadoras de ST. Assim, não se devem negligenciar os fatores psicológicos no curso do transtorno.

Um grupo de pesquisadores encontrou, em estudos com Ressonância Magnética Cerebral, diferenças estruturais nos gânglios da base e no corpo caloso de portadores da ST. Estudos com Tomografias de emissão (PET e SPECT) revelam, em geral, hipometabolismo e hipoperfusão em regiões do córtex frontal e temporal, no cíngulo estriado e tálamo. Tais achados sugerem alterações no circuito córtico-estriado-talâmico.

Os estudos sobre um possível substrato neuroquímico na ST são também conflitantes. A principal hipótese estudada envolve uma hiperatividade dopaminérgica, visto que os neurolépticos, antagonistas da dopamina, geralmente promovem uma grande redução dos tiques. Na mesma linha de raciocínio, os estimulantes como o metilfenidato, a cocaína, a pemolina e a L-dopa causam exacerbação dos tiques.
A elevada incidência de ST e tiques no sexo masculino levanta a hipótese de que estejam relacionados à exposição do Sistema Nervoso Central a altos níveis de testosterona e/ou outros hormônios masculinos. Há relatos de casos que envolvem esteróides androgênicos na exacerbação de sintomas da ST entre fisiculturistas que abusam destas substâncias. Há um relato de flutuações dos tiques na ST relacionadas ao ciclo menstrual, com exacerbação na fase pré-menstrual.

A presença de anormalidades no Eletroencefalograma (EEG) de pacientes com ST é controvertida. Os achados são insignificantes, não se justificando o uso do EEG na investigação rotineira da ST. As anormalidades encontradas são inespecíficas e não há evidências de atividade paroxística diretamente relacionada aos tiques.

Alguns autores sugerem a possibilidade de que tiques, alguns transtornos do movimento, sintomas obsessivo-compulsivos e hiperatividade, possam estar relacionados à presença de anticorpos antineurais (contra o cérebro) decorrentes de infecções estreptocócicas. De fato, algumas pessoas começam a apresentar ou pioram de seus tiques depois de terem infecções de garganta. Entretanto, ainda não é rotina tratar os tiques com antibióticos, seja de forma curativa, seja de forma profilática.


Como são tratados os Tiques e a Síndrome de Tourette?

O tratamento da ST consiste em duas abordagens associadas: o tratamento psicossocial e o farmacológico. Antes de inicia-lo, deve-se fazer uma avaliação dos tiques quanto à localização, freqüência, intensidade, complexidade, e interferência na vida diária. O ambiente escolar, familiar, os relacionamentos, os fenômenos associados devem ser investigados e analisados. Faz-se necessário um julgamento criterioso quanto à necessidade de medicação.

Até o presente momento, não há tratamento curativo, sendo o medicamento útil no alívio dos sintomas. A filosofia do tratamento é conservadora para evitar a medicação desnecessária, utilizando-a sempre nas menores doses possíveis. Apenas 60% dos portadores requerem medicação supressiva de tiques. O tratamento psicológico inclui orientação aos pais e familiares, àqueles que convivem com a criança, como seus educadores. É importante fornecer informações a respeito da doença, suas características e o modo de lidar com o doente. Deve-se cuidar para que ocorra o mínimo de estigmatização. Evitar atitudes superprotetoras que favoreçam a manipulação da doença por parte da criança.

Quando necessário deve-se indicar psicoterapia. Há relatos de casos tratados com psicoterapia comportamental, embora, em geral, tenha valor limitado. A psicoterapia dirigida ao insight tem sua importância na medida em que estabelece conexões entre os sintomas e os conflitos psíquicos subjacentes, facilitando o seu entendimento e manejo.

Uma técnica dentro da Terapia Comportamental, chamada Reversão de Hábito, tem sido utilizada com sucesso no controle dos tiques. A técnica consiste basicamente em aprender a perceber quando os tiques vão ocorrer para então tentar suprimi-los ou modifica-los. Por exemplo, um tique desagradável e que cause embaraço como acenar para pessoas desconhecidas, pode ir sendo modelado, com esforço e treino, para um comportamento mais aceitável ou imperceptível como passar a mão no cabelo ou no corpo.

Onde Procurar Assistência

Em maio de 1996 foi criada a ASTOC – Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo. Trata-se de uma organização voluntária nacional, que oferece orientação quanto ao diagnóstico e tratamento do TOC e da ST, além de desenvolver várias atividades dirigidas aos seus associados, como palestras, grupos de ajuda, distribuição de material educativo e cadastramento de profissionais interessados em atender pacientes com este tipo de patologia. Para um primeiro contato com a ASTOC, os interessados podem ligar para (11) 3541-2294 ou pelo e-mail : [email protected].


Ana Gabriela Hounie

Psiquiatra
Pós Graduada da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Fonte: Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo

A companhia do outro

A companhia do outro

Por Patrícia Dantas

Estava olhando na direção de si. De si? Como poderia? Teria permissão? Entre um olhar e outro perdido, descobria-se num invólucro ainda por conhecer.

Não se conhecia, não podia, não tivera afetos na vida para tanto. Mas tinha uma pureza estranha como a de quem finca os pés no chão pela primeira vez – a inocência de quem conhece a sensação de um momento único.

“Meu espetáculo é minha forma de viver das próprias entranhas. Do ato.” – Refletia, estupefato. Era tudo o que queria ouvir da sua consciência, como se não necessitasse de mais nada para sobreviver, apenas de suas palavras breves soprando no íntimo.

Por um instante, pausado, atônito como um velho sábio a contemplar o infinito, reparara a sombra de outro homem rondando atrás de si. Era um intruso, tinha certeza. Ali só tinha espaço para ele. “Quem ousaria me deter agora que estou prestes a convocar meus demônios interiores para prestar contas já quase esquecidas? ” – Murmurava, ofegante.

A luta dele era intocável e desconhecida. Só ele seria atingido e teria que sair ileso para continuar sua vida de poucos acontecimentos.

Trazia um hóspede dentro de si como uma segunda pessoa a lhe habitar, um segundo ser que sabia tomar decisões em horas impróprias, e sentia todo o seu inconsciente como um hospedeiro terrível, provocando-o, tecendo pensamentos vergonhosos que lhe manchariam a existência.

Lembrou-se do pacto, da negociação com ele mesmo. Teria ele esquecido àquela manhã nublada, numa rua estreita onde ficava sua pequena casa, que entregara todos os seus planos e pensamentos para seu novo amigo? Momento de solidão e desespero. A cura por uma amizade boba, pela companhia inventada.

Não podia se arrepender agora. Sentia como se tivesse trocado de corpo e se despido. Era o puro toque de um novo ser. Ele não continuava o mesmo, teria mudado e muito, mas ainda lhe restara a mínima consciência de quem era e por que continuava naquela condição de usurpador de si mesmo.

Quem o teria levado assim, tão levianamente? Ele era outro, assim como às vezes acontece conosco e não sabemos se realmente fizemos algum acordo dentro de nós, em momento de entrega e confissão. Seremos outros tão rapidamente, o que não é possível dar conta a um só tempo.

Respirou profundo, quase morrendo em si. Decidira experimentar ser tudo que lhe aguardava – como desejara – e passar para sua nova existência. Ninguém precisava saber sobre sua escolha. Havia o cuidado em mostrar as nesgas do outro ser que planava sobre sua vida.

Até onde poderia ir? O que poderia fazer com tamanha possessão em si? Ser outro. Poder agir como duas pessoas. Provar de circunstâncias diferentes com atuações diversas. E jamais confessar que fora induzido por suas forças desconhecidas.

Lembrou que já estivera fora de si em outros momentos –inescapável -, mas soubera voltar sempre, sem medos ou culpas por aceitar tal companhia. Tivera pares e acompanhantes em cada etapa da vida, como ciclos em constante movimento.

Gostava de se deixar ver e perceber como era: por completo, desnudo, imprevisível. Outros.

O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultados

O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultados

É vísivel na clínica psicológica o aumento no número de idosos que vem procurando processos psicoterápicos como forma de ajuda na superação de problemas. Tal fato, por si só já reflete uma mudança na forma como a velhice vem sendo percebida e das possibilidades vivenciais dessa fase.

Na minha experiência no atendimento aos idosos, os motivos que trazem o idoso para o consultório são os mais variados: problemas de relacionamento, episódios depressivos, ansiedade, processos de luto, relacionamento familiar, necessidade  de adaptação ou reabilitação diante de uma doença ou condição de dependência, anorexia, dificuldade para perder peso, sexualidade, perdas cognitivas, alcoolismo, aposentadoria, entre muitas outras.

Como qualquer outra fase do desenvolvimento humano, a velhice é um momento que exige mudanças e adaptações, nas quais estão presentes ganhos, perdas, potencialidades e limitações.

Fase que produz no imaginário humano uma série de concepções, fantasias, crenças, imagens, idéias, sentimentos, etc.

De acordo com nosso contexto sócio-histórico, nossas experiências e histórias de vida e das informações que recebemos das mais diversas mídias, vamos construindo nosso imaginário, lidando com o envelhecimento e com a velhice, seja a nossa ou a do outro.

Mas, afinal, como percebemos a velhice e o processo de envelhecimento?

Será que podemos caracterizar essa população de uma maneira única e geral? Ou temos que pensar numa multiplicidade de condições em que os idosos possam estar vivenciando e que ajudam a definir características mais específicas?

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Penso que a segunda possibilidade seja mais tangível que a primeira. Isso porque, dependendo das condições biopsicossociais de um idoso, de sua história de vida, etc, muita coisa pode mudar em relação a forma como ele vive, como é visto em nossa sociedade e quais suas necessidades de ajuda e suporte.

Nesse sentido, a ciência destaca duas condições essenciais: a senescência e a senilidade.

A primeira, caracteriza-se pelo curso natural do envelhecimento, sem a presença de condições patológicas que possam interferir significativamente na qualidade de vida do idoso.

Já a senilidade, manifesta-se pela presença de patologias que alteram o curso normal do processo de envelhecimento, como é o caso das doenças crônico-degenerativas e das demências, por exemplo.

Mas como é feita essa distinção em nossa sociedade?

Para além das definições presentes na área da saúde, essa divisão também é realizada pelo imaginário social, por meio das crenças e concepções acerca da velhice.

Acredito que hoje temos algumas visões bastante opostas. Por um lado há os que veem a velhice como a “melhor idade”, construindo uma imagem positiva, na qual o idoso, afinal, pode desfrutar da vida e do tempo, com saúde e vitalidade. Por outro, existem os que veem essa fase como uma fase de decrepitude, marcada pela solidão, pelas limitações e pela dependência.

Qualquer visão unilateralizada tem seus perigos, uma vez que não permite que também vejamos o outro lado da moeda!

Uma visão estereotipada e negativa em relação ao próprio envelhecimento pode afetar negativamente o autoconceito e a autoestima do idoso, influenciando a forma como lida com situações da vida, suas perspectivas futuras, seu envolvimento social, em atividades prazerosas e seus relacionamentos interpessoais.

Além disso, pode aumentar a probabilidade de conformidade com condições precárias de saúde, diminuindo adesão a tratamentos.

Pode fazer com que o idoso e suas necessidades sejam negligenciadas ou então supervalorizadas e superprotegidas, seja pela família, pelos profissionais da saúde ou pela própria sociedade.

Ao mesmo tempo, uma visão idealizada e extremamente positiva, pode dificultar a elaboração de momentos de dificuldades e perdas, tanto por parte dos próprios idosos, mas também dos que com eles convivem.

Por isso, “envelhecer bem” depende de um delicado equilíbrio entre as perdas e os ganhos vindo com o envelhecimento. É preciso compreender que cada fase da vida tem seus desafios e objetivos a serem cumpridos e isso não é diferente na velhice.

O problema é quando queremos negar essa fase e ficamos apegados a uma imagem de juventude que o próprio corpo físico não suporta mais e então sofremos por não querer seguir adiante. Ou então acreditamos que não existe qualquer desafio e realização pessoal nesta fase e nos entregamos ao tempo e à espera da finitude, sem planos e metas para o futuro.

No atendimento aos idosos no consultório, percebo que nesta fase as pessoas são capazes de fazer um reexame da própria vida; com reorganização e reorientação da personalidade, agora de uma maneira mais realista que em outras fases da vida. Conseguem deixar pra trás as bagagens extras e sem importância e podem recuperar tesouros que foram deixados para trás.

Assim, quando passam a viver de forma mais verdadeira e vinculadas com quem realmente são, assumem maior responsabilidade pelo seu bem estar pessoal, vivendo com mais qualidade.

Quando as perdas são inevitáveis, o atendimento psicológico, seja no consultório, no hospital ou na própria casa do paciente (home care), torna-se um espaço valioso para que possam resgatar os recursos necessários para enfrentar a situação. Além de todo o acolhimento, escuta e cuidado que podem receber nestes momentos tão delicados, imprescindíveis para uma boa recuperação.

Assim, a psicoterapia voltada para a terceira idade se transforma em uma ferramenta preciosa para que os idosos possam enfrentar satisfatoriamente os desafios trazidos por essa nova fase da vida.

Cada passo é uma conquista e acrescentar “vida aos anos” traz maior significado para os anos de vida!

contioutra.com - O atendimento psicológico ao idoso: benefícios e resultadosMarcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

A Cegueira Humana

A Cegueira Humana

Por Monaliza Montinegro

Um Brasil diferente. É isso que todos desejam. Opinam, discutem, brigam, gritam, compartilham informações na “era da reprodutividade técnica”[1]. Estamos “vivendo em um país sedento, um momento de embriaguez”[2]. E nos intervalos de sobriedades, há uma realidade que precisa ser discutida. Uma realidade social dura, escancarada aos olhos de todos e uma realidade política que não mais se sustenta.

O legislativo parece ter perdido o sentido da norma. Políticos esquecem o fim social e pacificador da legislação e passam a coordenar suas ações sempre agindo contra a oposição. Eleitores apoiam suas escolhas no lado puramente partidário, como se os partidos e as pessoas que os compõem fossem mais importantes do que o próprio tema que está sendo votado ou discutido.  Com isso, chega-se a um resultado que não agrada nem a pobres, nem a ricos e, tão menos, aos miseráveis.

Um dia me disseram/Quem eram os donos da situação/ Sem querer eles me deram/ As chaves que abrem essa prisão. (Engenheiros do Hawaii)

Não nos tornamos gigantes, como já foi ventilado pela grande mídia. Sequer suportamos o peso de nossas ideias diante do imenso bombardeio de mensagens mascaradas de bondade. Grandes são os que olham para todos os lados, não apenas para uma direção.

A verdade é que nos sentimos pequenos perante tamanhas arbitrariedades. Mas, o que precisamos mesmo é tirar os joelhos do chão e, de pé, começar a dar saltos mais altos. E, às vezes, é preciso muita iniquidade para que isso ocorra, para que as mentes sejam inquietadas.

A história nos mostra que quando somos empurrados para trás da forma mais brusca ganhamos impulso para começar caminhar com mais força e tenacidade. Foi preciso que a ditadura militar atingisse o seu mais alto grau de estupidez para que todos contra ela se rebelassem.

E tem sido assim. Quando o CONAMP tentou suprimir da Defensoria Pública o direito ao manejo de ações coletivas, ela se fortaleceu. Todos passaram também a vestir o verde. O STF ficou verde, o Senado ficou verde. Até o Cristo Redentor ficou verde, da cor da pátria amada, que é também a bandeira da Defensoria Pública. Não só a luta da defensoria fortaleceu, como também fortaleceu aos necessitados que terão cada vez mais seus corações invadidos pelo verde da esperança em um mundo mais próxima da justiça.

Cada vez que tentam impor o cinza, as cores aparecem como resposta. Cada vez que as pedras são atiradas, mais preconceitos são tirados do caminho. Quem imaginou um dia um padre e um pastor unidos em um ato de amor lavando os pés de uma transexual? Quem imaginou evangélicos da Tradicional Igreja Batista levantando a bandeira Deus Cura a Homofobia? Quem imaginou um Papa levantar a bandeira colorida? As cores invadirem as redes sociais? As cores  do respeito à diversidade. As cores que mudam a vida.

Enquanto a vida imita o vídeo, a lucidez quer ter seu lugar. Por isso, mais do que nunca, a atitude é uma necessidade e todo o descaso do Estado e da própria sociedade com os adolescentes e adultos crescem em um mundo que a eles nada oferece, todo esse desejo forçado de colocar na prisão quem já está preso pela desigualdade, fará um virada na história. Quem vier viver, “verá”. É só querer “enxergar”.

Habermas e o processo de comunicação.

Habermas tem razão. A porta de entrada para essa mudança é uma comunicação livre, racional e crítica.  O aspecto da legitimidade da norma só pode ser desenvolvido adequadamente com base no conceito de autonomia e democracia, com base na possibilidade de que os destinatários das normas do direito se vejam também como autores dessas normas.[3]

Para Habermas todas essas “patologias sociais” são  resultados de perturbações na reprodução simbólica do mundo da vida.  Perturbações na reprodução cultural e midiática, as quais, para ele, tem levado a fenômenos de perda de sentido, provocando na integração social estados de anomia, e  nas socializações produzindo psicopatologias[4]. A realidade é que o foco de preocupação social deveria iniciar com uma reforma nos meios de comunicação, uma vez que esses têm se mostrado mais influentes nos últimos tempos do que a própria pena de prisão.

O que acontece é que todo o processo de comunicação tem se voltado a favor do individualismo, da meritocracia, do direito penal máximo, do isolamento daquelas pessoas que são consideradas indesejáveis e do culto ao direito penal do inimigo. Dessa forma, toda a sociedade passa a crer e a coordenar suas ações como se de fato vivêssemos em um estado de guerra e toda a solução para o caos estivesse na ordem penal, na intimidação e na sanção.

Despreza-se a moral, a família, os costumes, a consciência, a mídia, a religião e todos meios de vigilância que exercem mais influência no indivíduo do que o próprio sistema penal. Assim, fica facilmente camuflado o papel da mídia, principalmente na construção da realidade social e no processo de escolha dos inimigos da sociedade.

A produção do lema “país da impunidade”, onde temos um dos mais altos índices de encarceramento do mundo, nos faz esquecer que cultivamos o direito penal mínimo para quem detém o poder e o direito penal máximo para que esteja afastado dele. E essa estrutura é observada desde o processo de fabricação de leis até o processo de aplicação e execução da sanção. E assim seguem de mãos dadas a ignorância, a manipulação e a desigualdade.

Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago x Realidade Atual:

Nesse cenário vem bem a calhar a ideia de José Saramago, no livro Ensaio a Cegueira, onde é criado um ambiente semelhante ao que vivemos hoje. No metáfora de Saramago, aos poucos muitas pessoas vão sendo contagiadas por uma cegueira branca e a responsabilidade daqueles poucos que conseguem ver vai aumentando até que apenas uma única pessoa no livro, a mulher do médico, tenha visão.

O contexto narrativo descreve da forma mais cruel as reações do ser humano ao estado de necessidade, a baixa auto estima, ao abandono etc. Mostra também como é fácil o contágio dessa cegueira através do medo, no momento em que até os Santos da Igreja ficam de olhos vendados. Saramago mostra que um mundo cego é um mundo sem ética, sem moral e cheio de barbárie.

A narração mostrou várias faces da natureza humana e a principal consequência dessa falta de visão pode ser vista na descrição da primeira cegueira ocorrida no livro, quando o personagem ficou cego ao dirigir seu veículo e “de repente, a realidade tornou-se indiferenciada a sua volta”.[5]

E assim segue  o drama, onde o escritor consegue narrar bem três tipos de cegueira do mundo contemporâneo. A primeira é a cegueira daqueles que não possuem qualquer poder de autodeterminação, uma vez despidos de sua individualidade, passam a se identificar como coisa abandonada, desconhecendo a noção de individuo quando são isolados em um antigo hospício e esquecidos pelo Estado; a segunda, a cegueira daqueles que são dominados pelo medo e com isso passam também a cometer atrocidades; e a terceira, e mais cruel, a cegueira dos opressores que se aproveitam do momento em que todos estão cegos para mostrar sua face mais cruel.

Trazendo para a nossa realidade, o mais preocupante é a cegueira ocasionada pelo medo e esse trecho ilustra bem isso: “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui.”[6]

E o medo cega e segue dominando nações. Essa foi a temática de Mia Couto em uma conferência sobre segurança pública, citando o poeta Eduardo Galeno, enfatizou: os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os motoristas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de ser atropelados. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras… E completou  o escritor moçambicano: há quem tenha medo que o medo acabe.[7]

Nesse momento, em que em o medo reduz o homem à essência humana, quando o egoísmo mostra a sua pior face, vem a pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto para inquietar nossos corações quem nos salvará da bondade dos bons? [8]Quem na democracia nos salvará do medo da maioria? Quem nos salvará daqueles se dizem compadecidos com a situação dos adolescentes renegados e mesmo assim confessam conscientemente que desejam mandá-los pra prisão? Daqueles que afirmam preliminarmente não serem racistas mas são contra cotas para negros? Dos que se dizem não homofóbicos mas são contra casamento homoafetivo?  Dos que criam o cenário para que os que se dizem reis rasguem as leis? Dos que operam as leis e rasgam a justiça?

A cegueira moral de Zygmunt Bauman:

Quem nos salvará da cegueira moral que parece ser mais contagiante em tempos de redes sociais? Quem fará os bons entenderem o que concluiu Bauman que o mal não está restrito às guerras ou às circunstâncias nas quais pessoas atuam sob condições de coerção extrema, que o mal maior está dentro de cada um, na frequência na insensibilidade diária diante do sofrimento do outro, na incapacidade ou recusa de compreendê-lo e no desejo de controlar a privacidade alheia?[9]

 Como fazer as pessoas entenderem que maldade e a miopia ética se ocultam naquilo que consideramos comum e banal na vida cotidiana  e sobretudo na forma que externamos isso. Como conter o botão de “compartilhar” das redes sociais, que dá liberdade ao emissor da mensagem na medida em que aprisiona suas vitimas? Dos que compartilham as notícias sem questionar a sua veracidade? Como explicar as pessoas que nem tudo que está ali é certo, se a maioria sequer consegue distinguir humor de realidade?  Como fazer o olhar se voltar para quem não está nas redes sociais, se essas pessoas estão em algum lugar no mundo em que não podem ser vistas?

Teoria da Cegueira Deliberada:

Encontrei uma explicação para isso na Teoria da Cegueira Deliberada. Aquela criada pela Suprema Corte Americana, também conhecida como Conscious Avoidance Doctrine” (doutrina do ato de ignorância consciente), que deu origem a “Teoria das Instruções da Avestruz”, que os concursos públicos adoram.

A teoria criada para explicar o comportamento criminoso no delito de lavagens de capitais aduz que há um comportamento criminoso quando o agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens dela decorrentes e age como se fossem um avestruz, enterrando a cabeça deliberadamente para não ver.

Fez-me pensar que as bases dessa teoria poderiam ser transportadas para a cegueira humana. A cegueira descrita por Saramago “dos cegos que veem e dos cegos que vendo, não veem.” E por fim, cheguei a conclusão de que muitos de nós somos coautores das atrocidades praticadas todos os dias contra as pessoas que são excluídas da sociedade,  muitos que se colocam deliberadamente no estado de cegueira para dele auferir vantagem.

 Quem ocupa o trono tem culpa/Quem oculta o crime também/Quem duvida da vida tem culpa/Quem evita a dúvida também tem” (Engenheiros do Havaí)

Vejo uma luz na esperança de que as crianças, adolescentes e todos os adultos que estão nessa berlinda, possam a ter consciência de que também do outro lado existe alguém que enxerga um mundo através deles. Todos lutando para que ninguém venha a limitá-las como a música diz no refrão: “somos quem podemos ser/sonhos que podemos ter”

Nesse sentido,  a metáfora do escritor português deixou sobre os nossos ombros o peso que carregou no livro uma única mulher. Isso me faz crer em um mundo real no qual seja  possível a sabedoria vencer a falta de percepção. Talvez, a claridade ocasionada por essa “cegueira branca” provoque um intervalo na escuridão, assim como na composição musical.

Nesse ponto, em que convergem a literatura, a música e a realidade, José Saramago, Bauman e Gessinger  tem nos passar uma mensagem: quando muitos estão ficando cegos, devemos incorporar com mais altivez a responsabilidade de termos olhos para ajudar o outro a recuperar a lucidez e a procurar dentro de si algo que está se perdendo a cada dia: “uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.  Esse talvez seja um dos caminhos para salvação.

Esse artigo foi publicado originalmente em nossa página parceira:

contioutra.com - A Cegueira Humana

[1] Disponível em http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf (acesso em 04.07.2015)

[2] Disponível em http://letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/12899/ Somos Quem Podemos Ser (acesso em 04.07.2015)

[3] NOBRE, Marcos e TERRA, Ricardo. Um Guia de Leitura de Habermas. Direito e Democracia. Malheiros Editores LTDA. São Paulo. 2008.

[4] HABERMAS, Jurgen. Uma conversa sobre questões da toeria política. Novos Estudos. Cebrap: São Paulo.1997.

[5] SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras. 24º reimpressão, 2002.

[6] SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Companhia das Letras. 24º reimpressão, 2002

[7] Disponível em http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2013/05/31/mia-couto-ha-quem-tenha-medo-que-o-medo-acabe/(acesso em 04.07.2015)

[8] MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA. São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994

[9] BAUMAN, Zygmunt. LEONIDAS, Donskis. Cegueira Moral: A perda da sensibilidade na modernidade líquida.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

Sobre a autora:

Monaliza Maelly Fernandes Montinegro. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; Analista do Seguro Social com formação em Direito; Aprovada no concurso da Defensoria Publica do Estado da Paraíba.

Email: [email protected]

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