Por que eu tenho que ter uma opinião sobre a Crise na Grécia?

Isso pode parecer estranho pra nova geração, mas já teve um tempo em que pra fazer uma pesquisa, você tinha que torcer pra que o assunto pesquisado estivesse coberto por um verbete em uma enciclopédia. Pra falar a verdade, isso já parece estranho pra mim, que cresci tendo que fazer pesquisa na Enciclopédia Britânica. Mais estranho ainda é lembrar de um serviço que a enciclopédia oferecia, pros casos em que um assunto não estava lá, em algum lugar daqueles milhares de páginas: você podia escrever para um endereço e fazer a sua pergunta. Sim, você mandava uma carta, que seria respondida por um pesquisador! Pelo correio! Não lembro bem, mas acho que o processo todo, entre mandar a carta e ter a resposta, levava bem mais que um mês. No começo, tinha toda a expectativa de receber a carta de volta, mas depois de um tempo, acabava ficando meio desestimulante esperar aquele tempo todo pra receber uma resposta que, quando chegava, talvez nem interessasse mais. Devo ter usado esse serviço duas ou três vezes, no máximo. Naquela época, eu sonhava com um mecanismo que desse todas as respostas pras minhas perguntas, na mesma hora em que fossem formuladas.

Bom, o tempo passou e o Google tá aí. Temos acesso a todo tipo de informação, instantaneamente. Talvez, pra um adolescente de hoje, não seja tão instantâneo assim, afinal, você ainda tem que acessar um site, digitar etc, mas enquanto os chips não forem implantados diretamente no cérebro, pra resposta chegar no mesmo momento em que a pergunta for formulada, a gente vai ter que se virar com isso.

O resultado mais imediato dessa facilidade de acesso, é que nós estamos mergulhados num mar de informação inimaginável pra qualquer geração que já esteve por aqui antes de nós. Um dado recorrente nesse assunto é que uma única edição de um jornal contém mais informação do que uma pessoa poderia receber durante toda a vida no século XVII.

Mas sempre com a facilidade, vem alguma fatalidade. Já temos novos distúrbios surgindo, como a Angústia do Excesso de Informação. Pra algumas pessoas, é preciso estar sempre conectado e saber tudo o que está acontecendo, mantendo o fluxo de informação ininterrupto.

Quando a gente pensa em um fluxo, pensa em uma via de duas mãos. Se a informação entra, na forma de noticias, ela vai ter que sair, na forma de opinião. Antes, as opiniões ficavam confinadas dentro de um círculo delimitado pelo alcance da voz e do grau da inibição de cada um. As redes sociais acabaram com esse confinamento. A voz de qualquer pessoa pode ser levada através de um post para qualquer lugar do mundo em que houver uma conexão de internet. E a inibição, quando se está sozinho, na frente de uma tela, com ou sem a facilidade do anonimato, cai drasticamente. Desaparece, em alguns casos. Muita gente fica surpresa ao descobrir que aquela pessoa que parece tão pacata e tranquila, pode ser se transformar numa fonte borbulhante de agressividade quando vai dar a sua opinião sobre algum assunto.

“Alguém acha que esse bando de BURRO do Brasil vai ser alguma coisa daqui a 50 anos? 70? 100? Nada – burro só gera burro e mula!”

(Comentário retirado de site de notícias.)

Sempre se brincou que o Brasil tinha um número de técnicos de futebol equivalente à sua população,  já que todo mundo sabia exatamente o que fazer pra escalar a seleção e ganhar qualquer Copa. Com o acesso à informação e a facilidade de emitir uma opinião, hoje em dia todo mundo é especialista em tudo, desde economia até física quântica. E quando se é especialista, fica também a obrigação – ou a tentação – de se emitir uma opinião. Se o assunto em pauta é a crise na Grécia, por exemplo, você tem que ter uma opinião, de preferência que se resuma a ser contra ou a favor. Não pode existir meio termo ou contemporização. Uma situação só pode ser boa ou má, não pode ter um pouco dos dois. Se você tentar ver uma questão por dois lados diferentes, você está em cima do muro e, logo, não tem uma opinião. Até invocam um conceito bíblico pra isso, do Apocalipse, que diz que Deus vomita os mornos. Não acho um grande conceito, mas olha eu aí emitindo uma opinião em um assunto que pode elevar a temperatura de qualquer discussão. E antigamente, no tempo das enciclopédias, sempre se dizia que religião e política não eram coisas que se discutisse. Esse foi um conceito que foi demolido com a chegada das redes sociais, já que são as coisas que mais se discute hoje em dia, junto com comportamento de celebridades.

Mas essa época de extremos acaba transformando tudo em um Fla x Flu onde ninguém se ouve e só o que importa é dar sua opinião com CAPS LOCK, pra tentar ganhar no grito. Acho que talvez seja hora de fazer a opção pelo morno. Essa é uma opinião sem CAPS LOCK e sem muita certeza, em uma época e em um meio onde elas são sempre absolutas. Não precisa uma pesquisa muito profunda, basta uma lida em posts e comentários, pra ver que muita certeza absoluta por aí está sendo construída sobre areia movediça, que é o que acontece quando se constrói uma opinião a partir de pouca pesquisa, partindo de conceitos prévios e buscando só um lado de uma questão.

Enfim, construir uma opinião fundamentada dá trabalho. Por isso acho que dá pra se permitir não ter uma opinião sobre as opções gregas de se lidar com a sua crise, sem que isso gere uma angústia por não poder comentar o post de um amigo sobre o assunto. Um mundo sem tantos especialistas pode ser um mundo com mais harmonia.

         “Eu publicamente me declaro agnóstico. A lei da evolução é RIDICULA nunca vi um macaco virar homem, não gosto de bananas.”

                   (Outra opinião retirada de um comentário de um site de noticias.)







Nasceu 15 dias antes da chegada do Homem à Lua e é dramaturgo, roteirista, tradutor e produtor, mas conforme a ocasião, também pode ser operador de luz, de áudio, bilheteiro, administrador e contrarregra, ainda que não tenha sido camareiro, mas por pura falta de oportunidade. Questão de tempo, talvez, já que quando se faz teatro por aqui, sempre se cai na metáfora futebolística do bater escanteio e correr pra cabecear. Aliás, se aposentou do futebol na década de 80, quando morava em Campos do Jordão, depois de uma derrota por 6×0 para o time de uma escola adversária, cujo nome não se recorda. Ele era o goleiro.