Documentário mostra famílias que escolheram não matricular crianças na escola

Documentário mostra famílias que escolheram não matricular crianças na escola

Na época em que o primeiro filho nasceu, a atriz e cineasta francesa Clara Bellar dividia seu tempo entre o Rio de Janeiro, Paris e Los Angeles. Em vez de decidir por um desses locais para poder matricular o menino na escola, ela e o marido preferiram entender como crianças poderiam aprender de maneira livre e conviveram durante dois anos com famílias que optaram pela não escolarização. O resultado foi uma jornada que é mostrada no documentário “Ser e vir a ser – Vivendo e aprendendo”.

O filme é uma busca pelo “desejo inato de aprender”, conforme define a sinopse de divulgação. Ele explora o conceito de desescolarização (unschooling, na expressão em inglês) e apresenta famílias da Alemanha, Estados Unidos, França e Reino Unido que vivem ou vivenciaram essa experiência, além de ouvir educadores e especialistas no tema. Também é possível ouvir histórias e conhecer jovens que tiveram uma educação livre, porém, mais tarde optaram por ingressar no ensino formal em renomadas universidades. Segundo Clara, que é mãe de uma menina de um ano e um menino de 6, a intenção não é julgar a escola ou tentar apontar um único caminho, mas mostrar que também existem outras possibilidades para aprender. “O importante é informar para que as pessoas possam escolher, cada um para a sua família”, defende.

Confira a seguir alguns trechos da conversa com a cineasta.

Quais foram os primeiros questionamentos que surgiram quando você começou a pesquisar sobre desescolarização?

Quando ouvimos falar pela primeira vez sobre não escolarizar – e não apenas o fato de não ir para uma escola e fazer a escola dentro casa –, não entendíamos como era possível aprender sem a necessidade das coisas serem ensinadas. Estávamos muito formatados e não conseguíamos imaginar fora desse paradigma. Conhecendo as crianças que aprendem de maneira livre, descobrimos que elas aprendem vivendo. Como falou Alan Thomas, professor da Universidade de Londres, durante o filme, tudo o que você precisa para funcionar na sociedade, você vai aprender vivendo. Na verdade, se você vive em uma cultura com livros e coisas escritas nas paredes, no metrô, vai acabar lendo, escrevendo e aprendendo matemática básica – como fazer uma receita para mais pessoas ou dar trocos. Esse tipo de coisa, aprendemos fazendo.

Um dos questionamentos era se os pais precisavam saber de tudo. E na verdade, não. Eu pensava que seria preciso buscar tutores e professores particulares, mas vi que não era exatamente assim. Muito em breve se acham pessoas. Uma aposentada que mora no mesmo prédio pode ficar feliz em partilhar a paixão dela com um jovem. Eles não aprendem a fazer amizade por faixa de idade. Também existe muita troca com outros pais.

De que forma os pais devem estar preparados para isso?

O que os pais [ouvidos durante a produção do documentário] me falaram é que para as crianças aprenderem é preciso viver. O difícil é os pais fazerem um trabalho em si para não criarem muitas expectativas, não colocarem pressão e terem confiança – nas crianças e em si –, o que é muito difícil na vida. Eles reaprendem a ter autoconfiança quando começam a confiar mais nos filhos.

Nas famílias que aparecem no documentário é possível notar uma proximidade com a natureza. Você acredita que a desescolarização tem relação com um estilo de vida próprio?

É muito raro que a desescolarização seja apenas uma opção por uma maneira de instruir os filhos. A vida das pessoas apresenta uma volta para a natureza e a liberdade. Mas muitas pessoas no filme moram na cidade, só que as entrevistas são na natureza porque as crianças passam muito tempo fora. Elas não são presas entre quatro paredes. Quando eu ia conhecer uma família, muitas vezes ela estava fazendo uma atividade fora. Eu até descobri parques públicos em Paris que não conhecia. Foi interessante. Eles têm mais tempo na natureza, é verdade, mas isso não quer dizer que necessariamente moram fora da cidade.

A desescolarização não é possível para qualquer pessoa?

Eu prefiro falar que não é para qualquer um por causa do jeito que a sociedade está organizada. Mas aí existe um problema de sociedade que não tem nada a ver com uma questão de aprendizagem. Se todo mundo seria capaz em uma sociedade natural? Sim. É assim que os mais tradicionais funcionavam. É assim que as pessoas sempre aprenderam: vivendo, olhando, imitando e indo atrás dos seus interesses. Mas na sociedade do jeito em que está, claro que existem pessoas que podem ter alguma situação que não permitiria isso.

Mas eu vejo pessoas que decidiram sair da cidade e ganhar menos no trabalho. Conheci muitas pessoas que viram o filme no cinema na França e me contaram exemplos muito extremos. Uma mãe solteira, com dois filhos adolescentes, contou que eles viveram com 500 euros por mês durante anos. Esse é um exemplo extremo, mas todo mundo poderia. As pessoas reinventam a vida que realmente convém para elas.

As crianças, jovens e adultos não escolarizados que aparecem no documentário apresentam algumas características em comum, como o interesse pelas artes e a criatividade. A educação livre estimula o desenvolvimento dessas habilidades?

Como é falado no filme, toda criança tem essas características de criatividade e imaginação. Você começa uma história e eles inventam o fim. Isso é natural. Eu não acho que a desescolarização desenvolve mais. Mas eu acho que, na maioria das escolas, o fato de os alunos ficarem muitas horas sentados e fazendo o que os outros falam tira uma parte da criatividade. São outras necessidades. São as necessidades da revolução industrial, dessa coisa de escola para todos. Aí você não tem mais muito tempo de imaginação.

As crianças não escolarizadas, pelo menos a partir de observações no documentário, parecem não fazer muita separação entre o tempo do aprendizado e tempo da diversão. Como isso muda a forma de encarar o mundo e encontrar prazer nas coisas que se faz?

A gente não nasce com essa separação. Ela começa na idade em que a gente entra na escola. Minha filha com seis meses parecia que queria andar, e a gente acreditou. Ela estava tão decidida, mas demorou seis meses. Durante esse tempo ela ficou caindo e ficou frustrada, mas era lúdico. Não havia separação: “Agora vou trabalhar e fazer um passo e meio, depois eu vou brincar.” Não. Aprender é brincar; e brincar, o meu trabalho.

As duas coisas mais difíceis que as pessoas aprendem na vida inteira, que são andar e falar, ninguém vai ensinar. “Vamos trabalhar e vamos fazer uma hora de andar. Uma hora de falar português.” Isso não existe. Mas aí chega uma idade, como o Alan Thomas fala, e todo mundo tem que mudar a maneira de aprender. Aí falam “olha, você vai fazer uma coisa que não é sua, mas você vai ter a recompensa e poder brincar depois.” Aí começa a separar. É tão triste.

Alguns especialistas criticam o modelo pela questão da socialização, mas no filme percebemos que as crianças também convivem com outras crianças, jovens e adultos. Como essa mistura de idades diferentes pode enriquecer o aprendizado?

Eu acho que, mais uma vez, entra essa coisa de separação, agora por idades. Como não acontece isso, eu acho que socialização e o isolamento é o primeiro preconceito que cai porque você percebe que é ao contrário. Não é a socialização de estar com 20 crianças que nasceram no mesmo ano, no mesmo bairro (se for o caso de uma escola pública) e da mesma categoria social (se for uma escola privada) onde os pais têm rendas similares. Aí você não tem uma quantia representativa de crianças do seu país.

Um dos pontos que chama bastante atenção no filme é a fala de adultos que tiveram uma educação livre durante a infância e adolescência e, mais tarde, optaram por ingressar no ensino formal em grandes universidades. A desescolarização é um caminho flexível que possibilita entrar e sair dele?

Totalmente flexível. Eu conheço famílias em que um filho vai [para escola] e outro não. Não é uma coisa que você precisa decidir para 12 anos. É um dia de cada vez e o que funciona melhor para a pessoa. Dentro de cada família vai ser diferente para cada criança. Cada criança tem necessidades diferentes.

E como avaliar o aprendizado?

Eu realmente não acho que deve ser avaliado. Tem um fato bem interessante no filme, na cozinha da Naomi [entrevistada no documentário], quando se fala “mas como você sabe que está expondo o suficiente?”. Você vê se a criança está bem. Uma criança que não estaria aprendendo, não estaria bem. Você, como pai, convive com ela e vê se está se desenvolvendo e se está entusiasmada quando acorda de manhã… se está indo à luta. Se [a criança] está, quer dizer que ela está aprendendo o que quer aprender e o que deve aprender. Se você vê que a criança está apagada, aí tem um problema. Se eu tivesse que resumir, unschooling é confiar e escutar uns aos outros. Você conversaria e acharia uma solução. Você veria qual necessidade fundamental da criança não está sendo satisfeita. Você acharia outras maneiras. Mas agora avaliar, não. Quem decide o que vai ser uma matéria?

Eu acho que não só não é necessário, como também não é saudável. Aí que começa perder a autoconfiança. Começa a se comparar com os outros. É uma condicionalidade de dizer que você não é suficiente. Eu adoro uma frase do Einstein que aparece no filme: “Todo mundo é um gênio. Mas, se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai passa a vida toda acreditando que é estúpido.”

Entrevista originalmente publicada no site Porvir, que promove a produção, difusão e troca de conteúdos sobre inovações educacionais. Via Opera Mundi.

A genialidade de Carl Sagan, no livro “O mundo assombrado por demônios”

A genialidade de Carl Sagan, no livro “O mundo assombrado por demônios”

Abaixo, segue uma mostra da genialidade de Sagan, restando esta muito bem demonstrada no livro O mundo assombrado por demônios. Vale a leitura e a meditação.

“Ele tinha um apetite natural pelas maravilhas do universo. Queria conhecer a ciência. O problema é que toda a ciência se perdera pelos filtros antes de chegar até ele. Os nossos temas culturais, o nosso sistema educacional, os nossos meios de comunicação haviam traído esse homem. O que a sociedade permitia que escoasse pelos seus canais era principalmente simulacro e confusão. Nunca lhe ensinara como distinguir a ciência verdadeira da imitação barata.”

“Os relatos espúrios que enganam os ingênuos são acessíveis. As abordagens céticas são muito mais difíceis de encontrar. O ceticismo não vende bem.”

“Ele simplesmente aceitou o que as fontes de informação mais difundidas e acessíveis diziam ser verdade. Por ingenuidade, foi sistematicamente enganado e ludibriado.”

“O físico britânico Michael Faraday alertou contra a tentação poderosa de procurar as evidências e aparências que estão a favor de nossos desejos, e desconsiderar as que lhes fazem oposição […]. Acolhemos com boa vontade o que concorda com nossas ideias, assim como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto todo preceito de bom senso exige exatamente o oposto.”

“Como um terremoto que confunde a nossa confiança no próprio solo que estamos pisando, pode ser profundamente perturbador desafiar as nossas crenças habituais, fazer estremecer as doutrinas em que aprendemos a confiar.”

“Essa é uma das razões pelas quais as religiões organizadas não me inspiram confiança. Que líderes dos principais credos reconhecem que suas crenças talvez sejam incompletas ou errôneas, e criam institutos para revelar possíveis deficiências doutrinárias?”

“Um extraterrestre, recém-chegado à Terra – examinando o que em geral apresentamos às nossas crianças na televisão, no rádio, no cinema, nos jornais, nas revistas, nas histórias em quadrinhos e em muitos livros –, poderia facilmente concluir que fazemos questão de lhes ensinar assassinatos, estupros, crueldades, superstições, credulidade e consumismo. Continuamos a seguir esse padrão e, pelas constantes repetições, muitas das crianças acabam aprendendo essas coisas. Que tipo de sociedade não poderíamos crias se, em vez disso, lhes incutíssemos a ciência e um sentimento de esperança?”

“A sedução do maravilhoso embota nossas faculdades críticas.”

“Quanto mais desejamos que seja verdade, mais cuidadosos temos que ser.”

“Aqueles que têm alguma coisa para vender, aqueles que desejam influencia a opinião pública, aqueles que estão no poder, diria um cético, têm um interesse pessoal em desencorajar o ceticismo.”

“Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso.”

“É impressionante como as emoções podem se acirrar sobre uma questão a respeito da qual conhecemos de fato muito pouco.”

“O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião. Thomas Hobbes, Leviatã.”

“Em nossa vida diária, incorporamos sem esforço e inconscientemente normas culturais que transformamos em coisas nossas.”

“Um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento. – Francis Bacon, Novum Organon (1620)”

“Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é evitar qualquer evidência do logro. Já não nos interessamos em descobrir a verdade. O engano nos aprisionou. É simplesmente doloroso demais admitir, mesmo para nós mesmos, que fomos enganados.”

“Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa – (…) – tal fato se torna muito mais do que uma busca pelo conhecimento. Nós o sentimos como um ataque pessoal.”

“Ninguém pode ser inteiramente aberto a novas idéias ou completamente cético. Todos temos que traçar o limite em algum lugar.”

“Conheço muitos adultos que ficam desconcertados quando as crianças pequenas fazem perguntas científicas. Por que a Lua é redonda? (…) ‘Como é que você queria que a Lua fosse, quadrada?’ As crianças logo reconhecem que esse tipo de pergunta incomoda os adultos. Novas experiências semelhantes, e mais uma criança perde o interesse pela ciência. Porque os adultos têm de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender. O que há de errado em admitir que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil?”

“O que elas querem que seja verdade, elas acreditam que é verdade.”

“Somos viciados em significados.”

“Os estereótipos são numerosos. (…) A interpretação mais generosa atribui esse modo de pensar a uma espécie de preguiça intelectual: em vez de julgar as pessoas pelos seus méritos e deficiências individuais, nós nos concentramos em uma ou duas informações a seu respeito, que depois inserimos num pequeno número de escaninhos previamente construídos. Isso poupa o trabalho de pensar, embora em muitos casos custe o preço de cometer uma profunda injustiça. Com isso, aquele que pensa por estereótipos também fica protegido do contato com a enorme variedade de pessoas, a multiplicidade de maneiras do ser humano.”

Fonte indicada: Fragmentos

Encontre o livro O mundo assombrado por demônios

O que eu vou ser quando meu filho crescer?

O que eu vou ser quando meu filho crescer?

Certa vez, num bate papo despretensioso com uma grande amiga e mãe de gêmeos, ela me disse: “Não sei o que vou ser quando eles crescerem”.

Em um primeiro momento essa frase me soou um pouco indigesta. Fiquei espantada com essa reflexão.

Pensei que, antes da maternidade, estamos empoderadas de uma identidade: somos mulheres, profissionais, amigas, ocupamos um lugar na sociedade e enfim, somos tudo que podemos ser num contexto “sócio-político-econômico-espiritual-familiar”.

Conversamos um pouco mais sobre sua preocupação, mas não aprofundamos o tema. Nos despedimos e fiquei pensando nessa indagação: “Não sei o que vou ser quando meus filhos crescerem”.

Fiz essa pergunta a mim mesma e confesso que minhas respostas foram bem vagas. Pensei que com todo o tempo que me sobrará quando meu filho não depender mais de mim que posso ser astronauta, física, arqueóloga, musicista ou veterinária.

Pensei nessas possibilidades, porque todas essas profissões eu desconheço, mas me sobrando tempo poderia me aprofundar em todos esses temas.

Lembrei-me da primeira semana que meu filho foi á escola. Tinha 1 ano e 6 meses. Tinha confiança extrema nessa escola para entregar meu filho e nessa fase de adaptação ficaria das 13:00 as 15:00 horas.

Essa foi nossa grande primeira separação. Obvio que ele chorou um pouquinho na porta da escola para se despedir e sai com o coração aos pedaços. Como psicóloga, sempre disse que os filhos são para o mundo e antes de ser mãe, achava que essa missão era fácil por ser óbvia.

Voltei para a casa, não quis assumir compromisso algum esse dia, pois talvez meu filho chorasse tanto que precisasse voltar para a escola e busca-lo mais cedo que o previsto.

De volta para a casa, senti um estranhamento estar com os braços vazios.  Casa que tem bebês tem um cheiro muito especial, um cheirinho delicado, encontramos apenas o cheiro de bebê e pela primeira vez nesse tempo todo, nos deparamos com a ausência dele.

Fiz um café e nesse dia meu marido também estava nessa missão comigo. Foi ideia dele colocá-lo na escola, afinal, como um bom pai, consegue preparar mais facilmente o filho para o mundo. Finalmente tomamos o café para aliviar o vazio e esperar o tempo passar e por alguns momentos achei que o relógio estivesse quebrado, pois o tempo não passava.

E chegou a hora de buscá-lo na escola. Imaginamos que nos contariam que ele chorou, pediu e implorou pela mãe e pelo pai e todas as fantasias que rondam na grande primeira separação entre pais e filho. Entretanto, a professora e os funcionários da escola disseram que ele tinha ficado muito bem. Comeu, brincou e explorou o ambiente.

Confesso que fiquei um tanto perplexa, pois a separação para ele foi menos difícil do que para nós pais.

E, depois de passada a perplexidade, pensei que foi menos difícil para ele porque estamos fazendo um bom trabalho e por isso ele conseguiu se desprender de nós com certa facilidade. Confia no amor que sentimos por ele a ponto de estar seguro que voltaremos para buscá-lo.

E é assim que deve ser, pois pais bons colocam os filhos para fora do ninho. O maior desafio dos pais é criar os filhos para o mundo e prepará-los para as adversidades da vida.

Quando ele nasceu tive que reorganizar toda a minha vida. Diminuir minha agenda, fazer o tempo durar mais, ver menos meus amigos, deixar as leituras de lado, assistir menos filmes entre diversas outras adaptações. Fiz toda uma organização para ele ficar bem acomodado na minha vida e, de repente, eles está se independendo, já não precisa de fraldas, colo e se diverte sozinho ou com os amigos. E a mãe já não é tão necessária, começa a sobrar tempo. E o que fazer com esse tempo que sobra e que antes faltava?

Claro que continuarei a ser mãe, psicóloga, esposa, amiga e tudo que eu já sou, entretanto, fiz o tempo esticar tanto nos últimos anos que sobrará horas do meu dia, e, com todo o tempo que sobrar, talvez eu possa ser astronauta e física, arqueóloga e  veterinária e até cantora, tudo junto.

E se fizermos um bom papel de mãe e pai certamente os filhos irão embora algum dia e carregarão dentro deles tudo o que conseguimos passar de bom, e sempre voltarão quando quiserem, precisarem ou sentirem saudades.

Depois de cumprirmos essa missão com êxito, nos sobrará o tempo, e seremos melhores em qualquer coisa que decidirmos fazer, pois depois da maternidade mudamos nosso olhar sobre o mundo, somos menos exigentes, mais gentis, persistentes e, sobretudo, mais fortes. Sendo mais fortes, qualquer desafio ou sonho parece possível de ser alcançado, afinal, se conseguirmos colocar nossos filhos num bom caminho e prepará-los para as dificuldades do mundo, todo o resto é possível.

O amor é colorido

O amor é colorido

Quando se espera um filho, a primeira coisa que passa pela sua cabeça é “qual será o sexo do bebê?” Essa curiosidade parece tomar conta de meio dia da vida de uma mulher grávida e não é somente porque esta é uma questão das mais sérias, definitiva mesmo, que vai ou não responder às expectativas e desejos acalentados, às vezes,  por anos a fio (algumas mulheres desde meninas decidem se querem ser mães de meninas ou meninos), mas também é porque ela inaugura um período maravilhoso e ansiosamente esperado da maternidade: a fabulosa temporada de compras!

A partir do momento em que se sabe o sexo do bebê é dada a largada para uma corrida contra o tempo, afinal só temos cerca de 7 meses para comprar tudo (eu disse TUDO e algumas mulheres costumam levar isso ao pé da letra) o que sonhamos a vida toda para o nosso bebê e também uma corrida contra os nossos bolsos (e, por vezes, dos maridos), pois gastamos na gravidez muito mais do que conseguimos gastar em todos os Natais da nossa vida.  Também, pudera… a gravidez trás essa sensação de poder nunca antes experimentada, seja porque você tem o poder de criar uma vida, de gestá-la no interior de seu ventre ou o poder, de pela primeira vez, conseguir gastar mais do que o Ike Batista em suas melhores fases.

A descoberta do sexo do bebê é mais ou menos como ganhar na loteria (há mulheres que não têm mesmo, pelo menos é o que dizem, uma preferência definida). Você pode até não jogar, mas sempre pensa na possibilidade de ganhar e no que irá fazer quando a grana toda estiver nas suas mãos. Então, é mais do que justo que, ao descobrir se irá ter um menino ou uma menina, você queira comprar todas aquelas roupinhas lindas (gente tem coisa mais fofa do que roupa de bebê?), decorar o quarto dos seus sonhos (ainda que o resto de casa se pareça mais com um pesadelo) e gastar todas as suas economias (e a do marido, dos pais, quem sabe até da vizinha) comprando o enxoval mais lindo e maravilhoso de todo o mundo, pois é assim mesmo que as futuras mamães se sentem.

Alguns poucos casais preferem não saber o sexo do bebê até a hora do parto. Acredito que não haja muitos estudos sobre isso e não se sabe até o momento se é por algum tipo de superstição, crença religiosa ou se é apenas uma estratégia masculina para frear o consumismo desesperado que costuma assolar as grávidas na compra do enxoval. Sinceramente, fico com a terceira opção. Porém o não saber o sexo do bebê tem virado moda e é visto como algo cool, especialmente entre as celebridades que mais  parecem o Dalai Lama, de tanta serenidade que demonstram ao conseguir controlar a curiosidade natural sobre saber o sexo do bebê (a maioria de nós, no entanto, não parece ter conseguido alcançar tamanha elevação espiritual). Sinceramente acho que essa postura está mesmo relacionada ao status financeiro do casal, pois deixar pra comprar a maioria das coisas de última hora, só após o nascimento, sem lançar mão do milagre da multiplicação que permite o parcelamento das compras, só pode ser coisa mesmo de gente rica. Até porque, cá pra nós, nem o Pelé iria conseguir comprar todo um enxoval em peças verde ou amarelo que, como dizem por aí (há controvérsias!)  vão servir tanto para meninas quanto para meninos.

Apesar das compras, (vamos, admita! rs), serem um dos pontos altos da gestação, a fase em que a gente ainda não sabe o sexo do bebê também pode ser um período bem divertido. Quase todo mundo que você conhece vira vidente. Todos tentam advinhar o sexo do seu bebê e, pra isso, vale tudo: ver se você tem ou não uma dobrinha no queixo ao apertá-lo (algumas pessoas apertam tão forte que você passará a tê-la e até hoje não descobri se isso fez o seu bebê mudar de sexo), a simpatia do garfo e da colher, pegar um cordão e balançá-lo como um pêndulo e dependendo da direção que ele tomar, será menino ou menina, entre outras tantas. Não, realmente não irei contar aqui o que significa você ter ou não a dobrinha no queixo e o que quer dizer o modo como o seu cordão balança. Primeiro, porque não iria, de maneira nenhuma, estragar a alegria das suas tias, madrinhas e amigas e porque, sinceramente, percebi, ao longo das minhas próprias gestações, que esses critérios podem mudar, dependendo da memória de quem aplica esses “métodos infalíveis”. Tá bom, tá bom, admito que não acredito muito nessas coisas, mas pra seu consolo, às vezes elas podem dar certo (os famosos 50%) e é isso que mantém viva a reputação de muitas videntes que você encontrará pelo caminho. Agora, se no seu caso, sua tia ou madrinha for a mãe Diná, retiro tudo o que eu disse e pode sair comprando tudo já no segundo mês.

Uma coisa, tenho que admitir. Independente de qualquer crença, todo o carinho, o interesse e a atenção que você recebe nesses momentos é que, sem dúvida nenhuma, serão algumas das melhores coisas que você irá vivenciar durante a sua gravidez. E, pra falar a verdade, menino ou menina?  Tanto faz! Quando nasce, isso é o que menos importa. O que vale é que ter o seu bebê nos seus braços é uma felicidade tão grande que poucas experiências se compararão a isso. Será aquele amor nunca antes experimentado e que, independente da cor, seja ela rosa ou azul, fará você se sentir como se tivesse encontrado o pote depois do arco-íris, porque o amor, ah, esse é colorido!

Caçador de Aurora Boreal diz perder noção de espaço e tempo com luzes no céu

Caçador de Aurora Boreal diz perder noção de espaço e tempo com luzes no céu
Luzes da Aurora Boreal nem sempre são verdes. Tem azul, purpura, vermelho, explicou Brotto

“Em certo momento, um monstro verde veio do céu. Parecia que ele iria me abraçar ou me engolir. Eu fiquei com medo. Não tinha para quem perguntar se aquilo tudo era verdade. Será que estou sonhando? É tão lindo assim? Senti medo, senti encantamento. Desconfiei até mesmo daquilo que eu estava olhando, tamanha era a beleza. Aí foi paixão.”

Poderia ser um sonho ou até mesmo cenas de filme de ficção científica, mas a descrição acima é a mais pura realidade. É o relato de quando Marco Brotto, 44 anos, viu pela primeira vez os raios de luz da Aurora Boreal.

Brotto é um “caçador” de Aurora Boreal, como são chamadas as pessoas que saem pelos países nórdicos em busca de presenciar o mágico fenômeno. A história dele chegou até mim por indicação de uma amiga no Facebook. E foi assim que conheci a saga dele e o procurei para dar uma entrevista aqui pro Vidaria. Eu pouco sabia sobre Aurora Boreal, mas se já fico encantada com o céu iluminado numa noite de lua cheia em São Paulo, consigo imaginar o quão grande deve ser o encantamento ao ver tais raios de luzes no céu.  Ter conhecido a história dele e seu encantamento pelo fenômeno só reforça minha pergunta: qual é o sentido disso tudo?

contioutra.com - Caçador de Aurora Boreal diz perder noção de espaço e tempo com luzes no céu
Luzes da Aurora Boreal nem sempre são verdes. Tem azul, purpura, vermelho, explicou Brotto

Mas vamos à história de Brotto. O comerciante me contou que o acontecimento descrito no começo deste texto, um “marco” em sua vida, ocorreu em 2011, na Noruega. Ele estava sozinho e tinha ido ao país nórdico justamente em busca do fenômeno. As temperaturas chegavam a -16ºC e fortes nevadas levaram a uma sequência de cancelamentos de excursões coletivas que caçariam a Aurora.

Brotto não desanimou, alugou um carro e saiu a sós pela região. Com dicas da central de turismo local, encontrou pontos onde é possível ver o fenômeno. O que ele não imaginava é que conseguiria ver a Aurora na última noite de sua viagem.

Era a segunda vez que o comerciante viajava em busca das “mágicas” luzes no céu. A primeira tentativa foi em 2008, no Alasca, quando ele comprou um pacote de cruzeiro para a região. “Ingenuamente eu achei que durante todo o cruzeiro eu poderia ver a Aurora, que era só olhar para o céu e tudo ficaria verde.” Não deu certo porque os cruzeiros não chegam até o local das auroras, explicou.

Foi uma conversa entre amigos em 2007 que originou a perseguição de Brotto pelas Auroras. Ele estava com o grupo no Death Valley, nos Estados Unidos. “Conversávamos sobre as estrelas e sobre o silêncio assustador que tem no deserto. Veio daí a imaginação de como seria ver essas luzes verdes que vêm do Norte”, explicou. “Resolvi pesquisar. Deu nisso.”

De lá para cá Marco já fez 15 expedições para o Ártico. Já conheceu Noruega , Estados Unidos (Alasca), Canadá , Rússia , Islândia , Finlândia, Suécia e Dinamarca (Ilhas Faroá). “Falta a Groenlândia para fechar os países que o círculo polar ártico corta”, disse.

Somente na primeira viagem, ao Alasca, é que Brotto não viu a Aurora Boreal. “Depois disso eu tive muita sorte. Praticamente todos os dias eu consegui ver. Às vezes, durante a noite, vemos dois ou mais eventos”, relatou.

‘Arrepia tudo’

A Aurora Boreal é um fenômeno visual que ocorre no extremo norte da Terra. De acordo com o site “Só Geografia”, as luzes aparecem no céu função do contato dos ventos solares com o campo magnético do planeta (leia mais aqui).

Apesar da explicação científica, presenciar essas luzes não é apenas um fenômeno para se observar, mas sim sentir, segundo Brotto. “Eu digo que a gente não vê, a gente sente. Arrepia tudo. Mesmo no frio, parece que os poros abrem e você descarrega as coisas ruins e se purifica. É um encontro mágico com um fenômeno que você não acredita que está vendo, o céu em chamas verdes.”

Brotto relatou que a duração da Aurora é variável, sendo que ele já presenciou Auroras fantásticas de 3 minutos e outras de oito horas. “É adrenalina o tempo todo. No Alasca já teve noite que eu fui à caça às 4h da manhã, quando a maioria das pessoas acha que não tem mais Aurora.” Além da adrenalina, há o frio – ele explicou que usa cinco camadas de roupas, “uma cebola”, nas palavras dele.

Coach de Auroras

O que o move a sempre voltar e ver uma nova Aurora não é só o prazer de presenciar o fenômeno, mas sim de compartilhar tamanha beleza com os demais. Em 2014, após 10 viagens, passou a realizar, como coach, expedições para levar a experiência a outras pessoas, em parcerias com agências de turismo.

“É um assunto apaixonante, lindo, que me atrai pela realização de ajudar as pessoas a realizar seus sonhos. Eu acho que a gente tem que compartilhar informações, dividir conhecimento e experiência. Quando recebo um recado de alguém grato pela minha ajuda, me realizo.”

Aliás, Brotto compartilha uma série de fotos e informações a respeito das viagens na página www.auroraboreal.blog.br. Quem quiser ver suas lindas fotos também pode segui-lo no Instagram: @marcobrotto

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Brotto: ‘Quando vejo uma Aurora, perco totalmente a noção de tempo e espaço’ (Foto: Divulgação)

Cores

O caçador de Auroras explicou que nem sempre as luzes do fenômeno são verdes. “Tem azul, rosa, púrpura. O verde é o mais comum porque é o contato do plasma com o oxigênio da atmosfera, daí o nitrogênio forma verde e tons avermelhados. Quando a tempestade é mais forte, ela entra mais na atmosfera pegando mais nitrogênio nas baixas camadas, por isso aparece mais vermelho”, explicou.

Ele também lembrou que cada pessoa tem uma percepção diferente das cores. “Tem pessoas que simplesmente não veem os vermelhos. O azul e o verde são muitas vezes confundidos”, disse.

Apesar de toda a experiência e das expedições, o comerciante diz que ainda não consegue viver financeiramente apenas de ver a Aurora Boreal. Diz que é bastante econômico e que a maioria das viagens que faz é com recursos próprios.

Sentido da vida

Para Brotto, a vivência de ter visto a Aurora Boreal e o desafio que enfrentou para ver o fenômeno o fez pensar bastante sobre o sentido da vida. “Quando eu voltava sozinho da minha primeira Aurora, foi um marco na minha vida, retornou na memória a tentativa frustrada no Alasca, as dificuldades, o sonho, a persistência, o frio, e assim por diante. Hoje sou muito mais desapegado das coisas materiais, tento ser mais justo nas relações humanas, praticando empatia, me colocando o lugar dos outros.”

Ele disse acreditar que todo mundo pensa a respeito do sentido da vida. “Temos que viver intensamente todos os dias, não como se fosse o último, mas como se fosse o único. O último parece que temos que acelerar para fazer tudo de uma vez. O único é mais prazeroso e saboroso.”

Quando vê uma Aurora, Brotto diz que sai do tempo. “Quando vejo uma Aurora, perco totalmente a noção de tempo e espaço. Começo a pensar nas coisas que existem e não sabemos. Sentir a Aurora não é somente olhar para o céu e ver a chuva de luzes, vai muito além disso.”

Chove neste domingo

Chove neste domingo
Chove. Chove no domingo. Chove muito neste domingo.
Chove porque quero e também porque preciso que chova. 
Chove muito: por dentro e por fora de mim.
 
A gota que cai é a mesma lástima que respingo.
A lágrima que cai é a mesma chuva que lá fora se faz – gotas parecidas, motivos distintos.  Chove muito neste domingo. 
E assim eu o precisava.
 
À medida em que me intensifico, intensificam-se as gotas – para fora de mim. Em lágrimas, e rua, caindo, estreitas assim. 
A chuva lava minhas impurezas – porque também erro no amor (e admito).
 
Lava a mim. Lava a meu ser, minhas dores, meus receios e anseios.
A chuva que cai fora de mim é a chuva que eu preciso que caia. 
 
Deixo para com ela tudo o que não fui, tudo que não disse, tudo que não fiz. Toda oportunidade que adormeceu. Tudo que não compreendo: afinal, às vezes não compreendo nem a mim ou às nuvens chuvosas presentes em dias ensolarados. Ela vem e se intensifica, e quão mais forte se torna, mais sereno me comporto. 
 
Vou sentindo este manto, este velcro, este torpor. 
Sinto alegria e amenismo, esta hipérbole dentro de um senhor.
E também envelheço!
 
Acalmo-me quando a chuva se acalma. Vou-me quando ela se vai.
O banho não é de desígnios, mas de alma. 
 
O estalar das gotas no chão ecoa e seu barulho simboliza o término de cada emoção que a gota representa. 
Mimetismo e analogia.
Animosidades e desígnios. 
O estalar das gotas pontua-me.
Me leva.
Me lava.

Alexandre Bonilha

Alexandre Bonilha é advogado, poeta às vezes e filósofo – quase – sempre, aprecia o “CONTI outra” desde quando começou.

Otto, o homem que amava os filhos

Otto, o homem que amava os filhos

Otto era um imigrante que, depois de andar pelo mundo como embaixador, resolveu se estabelecer no país para que os quatro filhos, ainda jovens, pudessem criar algumas raízes.

Era um homem culto de educação formal, a mesma que passou aos filhos. Otto não cultivava paixões. Adorava ler e era um profundo conhecedor de arte e música clássica. Em seus momentos livres e de solidão, se dedicava as coisas que lhe tocavam o coração.

Um dia, depois de um almoço em família, como de habito, se retirou e foi ler um pouco. Seus três filhos mais velhos, já casados ou vivendo por conta própria, tinham retornado às suas casas. O mais novo tinha saído com amigos e só restavam ele e sua amada esposa, que se ocupava de colocar a casa em ordem.

Sem que percebesse, um de seus filhos tinha deixado em sua cabeceira um livro, “O Homem que Amava Caixas”.

O pequeno e poético livro de Stephen Michael King, conta a historia do menino que ama o pai, que, por sua vez, amava caixas. O pai não era capaz de demonstrar ao filho o quanto o amava, então ele passou a fazer milhares de brinquedos para o menino, demonstrando assim o seu amor.

Ele  leu e o releu diversas vezes. Seu coração estava apertado, como se uma mão o segurasse. Seus olhos lacrimejavam sem controle. Otto nunca tinha sido capaz de abraçar nenhum um de seus filhos. E dar-se conta disso aquela altura o deixou muito, muito triste.

Pensou em seu próprio pai, figura seca apesar de presente. Falecido há tantos anos. Otto jamais soube se era amado por ele. E chorou. Chorou pensando que estava envelhecendo e que seus filhos também não saberiam se eram amados por ele.

Ficou ali, sentado um bom tempo com seus próprios questionamentos.

Embora nunca tenha deixado totalmente de trabalhar, já tinha se aposentado há alguns anos.

Pensou e pensou até que, uma luz o iluminou, e se levantou com uma nova decisão. Iria se tornar alfaiate. Sim, alfaiate!

Nos meses que se seguiram, sem dizer nada a ninguém, Otto fez cursos aqui e ali, comprou uma máquina de costura e, em um dia de dezembro, num almoço qualquer, chamou os filhos em seu pequeno escritório, agora transformado com tesouras, tecidos e moldes.

Ninguém dizia nada. Ele então, ignorando a total perplexidade da família, se aproximou com um largo sorriso, jamais visto por eles e falou:

– Agora posso fazer seus ternos, mas para isso, preciso tirar suas medidas.

Todos sorriram desconcertados. Então, cada um deles foi se aproximando, e ao final de cada medida tomada, Otto os abraçava … e eles choraram.

 

Para se apaixonar por quem quer que seja, faça isso

Para se apaixonar por quem quer que seja, faça isso

Há mais de 20 anos, o psicólogo Arthur Aron conseguiu fazer com que dois estranhos se apaixonassem em seu laboratório. No começo do segundo semestre de 2014 apliquei essa técnica na minha vida, e por isso acabei de pé em uma ponte a meia-noite, olhando um homem nos olhos durante exatamente quatro minutos.

Deixem que eu me explique. Horas antes esse homem me disse: “Suspeito que, com algumas coisas em comum, poderíamos nos apaixonar por quem quer que seja. Se é assim, como escolhemos alguém?”.

Era um conhecido da universidade com o qual cruzava de vez em quando na academia onde pratico escalada, e que me fez pensar “pode ser ele?”. Dei uma olhada no seu dia a dia no Instagram. Mas essa era a primeira vez que nos encontrávamos só nós dois.

“Na realidade, existem psicólogos que tentaram fazer com que as pessoas se apaixonassem”, eu disse, relembrando o estudo do doutor Aron. “É fascinante. Sempre quis experimentá-lo”.

Soube do estudo pela primeira vez quando estava no meio de um término. Cada vez que pensava em terminar, meu coração anulava a decisão do meu cérebro. Me sentia presa. Então, como boa acadêmica, me voltei para a ciência na esperança de que houvesse uma forma mais inteligente de amar.

Expliquei o estudo para meu conhecido da universidade. Um homem e uma mulher heterossexuais entram no laboratório por portas diferentes. Os dois sentam-se frente a frente e respondem uma série de perguntas cada vez mais pessoais. Depois se olham nos olhos durante quatro minutos. O detalhe mais cativante: seis meses depois, dois dos participantes estavam casados. Convidaram todo o laboratório para a cerimônia.

“Vamos testar”, ele disse.

Eu preciso admitir que nossa experiência não se ajusta ao estudo. Primeiro, estávamos em um bar, não no laboratório. Segundo, não éramos estranhos. Não só isso, me dei conta agora de que uma pessoa não sugere e nem está de acordo em testar uma experiência feita para criar um amor romântico se essa pessoa não está aberta ao que possa acontecer.

Busquei as perguntas do doutor Aron no Google; são 36. Passamos as duas horas seguintes passando o iPhone entre nós na mesa, fazendo as perguntas alternadamente.

Começaram de forma inócua: “Você gostaria de ser famoso? De que forma?”. E “quando foi a última vez que cantou sozinho? E para alguém?”.

Mas rapidamente tornaram-se mais inquisitivas.

Como resposta à provocadora “nomeie três coisas que você e seu companheiro aparentemente têm em comum”, me olhou e disse: “Creio que nós dois estamos interessados um no outro”.

Sorri e dei um gole na minha cerveja enquanto ele enumerou outras duas coisas das quais logo me esqueci. Trocamos histórias sobre a última vez que choramos e confessamos uma pergunta que gostaríamos de fazer para um adivinho. Explicamos nossas relações com nossas mães.

As perguntas me lembraram a famosa experiência da rã na qual o animal não percebe como a água vai esquentado até que seja tarde demais e ela esteja fervendo. No nosso caso, e como o nível de vulnerabilidade aumentava gradualmente, não notei que havíamos entrado no terreno íntimo até que estávamos dentro, um processo que normalmente pode levar semanas ou meses.

Gostei de aprender sobre mim através das minhas respostas, mas gostei ainda mais de aprender coisas sobre ele. O bar, que estava vazio quando chegamos, havia enchido quando fizemos uma pausa para ir ao banheiro.

Sentei sozinha na mesa, consciente do entorno pela primeira vez em uma hora, e me perguntei se alguém estava ouvindo nossa conversa. Se o fizeram, não me dei conta. Não percebi também que a multidão foi diminuindo a medida que ficava cada vez mais tarde.

Todos temos uma história sobre nós mesmos que contamos a estranhos e conhecidos, mas as perguntas do doutor Aron fazem com que seja impossível usá-la. Foi criada essa espécie de intimidade acelerada que me lembra o acampamento de verão: ficar acordada toda noite com um amigo novo, trocando detalhes de nossas curtas vidas. Com 13 anos, longe de casa pela primeira vez, parecia natural conhecer alguém tão depressa. Mas a vida adulta raramente nos oferece essas circunstâncias.

Os momentos nos quais me senti mais incômoda não foram quando tive de confessar coisas sobre mim, mas quando tinha de dar opiniões sobre meu companheiro. Por exemplo: “Compartilhe alternadamente algo que considere uma característica positiva de seu companheiro; um total de cinco coisas” (pergunta 22), e “diga a seu companheiro o que você gosta nele; seja muito honesto dessa vez e diga coisas que não diria para alguém que acabou de conhecer” (pergunta 28).

Grande parte das pesquisas do doutor Aron estão centradas em como criamos proximidade interpessoal. Concretamente, vários de seus estudos pesquisam as formas com as quais incorporamos os demais em nosso sentido do eu. É fácil ver como as perguntas animam o que chama de “autoexpansão”. Dizer coisas como “gosto da sua voz, das suas preferências em cerveja, a forma com que todos os seus amigos parecem admirá-lo” faz com que certas qualidades positivas de uma pessoa sejam explicitamente valiosas para a outra.

 

É realmente surpreendente ouvir o que alguém admira sobre você. Não sei por que não nos dedicamos a dizer elogios para todo mundo a todo momento.

Acabamos a meia-noite, e levamos muito mais tempo para terminar do que os 90 minutos do estudo original. Olhei ao meu redor, no bar, e fiquei com a impressão de que acabava de despertar. “Não foi tão mal – eu disse – Definitivamente menos incômodo do que seria a parte de nos olharmos nos olhos”.

Ele duvidou e perguntou: “Acha que deveríamos fazer isso também?”.

“Aqui?”, olhei o bar. Eu achava muito estranho, muito público.

“Poderíamos ir para a ponte”, ele disse, virando para a janela.

A noite estava quente e eu estava completamente desperta. Caminhamos ao ponto mais alto e depois viramos para ficar cara a cara. Toquei lentamente meu celular para colocar o cronômetro.

“Valendo”, eu disse, respirando profundamente.

“Valendo”, ele disse, sorrindo.

Eu esquiei em desfiladeiros inclinados e estive pendurada em uma parede rochosa atada com um pedaço curto de corda, mas olhar nos olhos de alguém durante quatro silenciosos minutos foi uma das experiências mais emocionantes e aterradoras da minha vida. Passei o primeiro par de minutos simplesmente tentando respirar de forma adequada. Ocorreram muitos sorrisos nervosos até que, finalmente, nos sentimos confortáveis.

Sei que se diz que os olhos são a janela da alma, ou coisa parecida, mas o xis da questão não era somente que eu estava olhando para alguém, mas que estava olhando para alguém que me olhava. Quando aceitei a aterrorizante ideia da qual havia me dado conta e dei tempo para que ela assentasse, cheguei em um lugar inesperado.

Eu me senti corajosa e em um estado de assombro. Parte desse assombro foi por minha própria vulnerabilidade e parte veio pela estranha forma de fascinação que ocorre quando dizemos uma palavra repetidamente até que perde seu significado e se transforma no que realmente é: uma união de sons.

Foi o que aconteceu com o olho, que não é uma janela para nada, mas um conjunto de células muito úteis. O sentimento associado com o olho se desvaneceu e eu me vi impactada por sua surpreendente realidade biológica: a natureza esférica do globo ocular, a musculatura visível da íris, e o cristal suave e úmido da córnea. Era estranho e gostoso.

Quando o alarme tocou, estava surpresa… E um pouco aliviada. Mas senti também uma espécie de perda. Já estava começando a ver nossa noite com as lentes irreais e pouco confiáveis da retrospecção.

Muitos de nós pensamos no amor como algo que nos acontece. Em inglês, “we fall in love”, caímos no amor. “We get crushed”, ficamos esmagados.

Mas algo que gosto nesse estudo é como ele assume que o amor é uma ação. Leva em consideração que aquilo que importa para meu companheiro também me importa, porque temos pelo menos três coisas em comum, porque mantemos relações próximas com nossas mães e porque ele deixou que eu o olhasse.

Eu me perguntei o que sairia daquela interação. Pelo menos, pensei que me daria material para uma boa história. Mas agora me dou conta que a história não é sobre nós; é sobre o que significa ter o incômodo de conhecer alguém, que por sua vez e na realidade é uma história sobre o que significa nos conhecerem.

Com certeza você não pode escolher quem te ama, ainda que eu tenha passado anos com a esperança contrária, e também não pode criar sentimentos românticos baseados somente no que lhe convém. A ciência nos diz que a biologia importa; nossos feromônios e hormônios trabalham muito nos bastidores.

Mas apesar de tudo isso, comecei a pensar que o amor é mais flexível do que acreditamos. O estudo de Arthur Aron me ensinou que é possível – simples, até – gerar confiança e intimidade, que são os sentimentos que o amor necessita para prosperar.

Você provavelmente está perguntando se ele e eu nos apaixonamos. Bem, aconteceu. Ainda que seja difícil dar todo o mérito ao estudo (poderia ter acontecido de todas as formas), as perguntas nos ofereceram um caminho para uma relação que sentimos como voluntário e deliberado. Passamos semanas no espaço íntimo que criamos essa noite, esperando para ver no que poderia se transformar.

O amor não nos aconteceu. Estamos apaixonados porque tomamos a decisão de está-lo.

Mandy Len Catron dá aulas de escrita na Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, e está trabalhando em um livro sobre os perigos das histórias de amor.

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times em 9 de janeiro, onde em apenas uma semana teve 5,2 milhões de leitores e foi compartilhado 365.000 vezes no Facebook e mais de 14.000 no Twitter.

© The New York Times

Se você quer ler (e testar) as 36 perguntas mencionadas no artigo, aqui estão.

Estas são as 36 perguntas que farão você se apaixonar por qualquer um

Estas são as 36 perguntas que farão você se apaixonar por qualquer um

Mandy Len Catron publicou no dia 9 de janeiro um artigo no The New York Times (que traduzimos em Verne) e no qual narra como se apaixonou com a ajuda de 36 perguntas elaboradas pelo psicólogo Arthur Aron.

Embora a escritora tenha usado as perguntas de Aron para se apaixonar e para que se apaixonassem por ela, Aron colocou-as em seu estudo como uma ferramenta para gerar intimidade, não necessariamente amorosa, de forma gradual. O objetivo era ajudar os psicólogos a criar uma relação próxima no contexto de um laboratório, de modo que fosse possível manipular e estudar as variáveis desta relação.

Quando Aron testou o questionário, distribuiu alguns dos participantes em casais de homens e mulheres. Um dos casais que participou e se conheceu neste estudo acabou se casando seis meses mais tarde.Segundo explicou Aron à revistaWired, em 2010, “a última vez que entrei em contato com eles, ainda estavam juntos”.

Quer dizer, é possível que este questionário, criado para que as pessoas se abram aos poucos, realmente funcione. Nós o reproduzimos a seguir se alguém quiser testá-lo (sob sua responsabilidade). O estudo original exige que se trate de alguém completamente desconhecido. Recomenda-se empregar 45 minutos: quinze para cada conjunto de perguntas, embora tanto Mandy Len Catron quanto estes dois voluntários do The Guardianprecisaram de mais tempo. Os participantes devem ler em voz alta uma pergunta cada um, embora os dois devem responder todas.

Quando terminarem o questionário, os dois devem se afastar e responder às perguntas feitas pelos pesquisadores. No estudo original não se menciona a necessidade de olhar nos olhos durante quatro minutos ao terminarem, mas não é desaconselhável:funcionou para Mandy Len Catron.

Grupo I

1. Se pudesse escolher qualquer pessoa no mundo, quem convidaria para jantar?

2. Gostaria de ser famoso? De que forma?

3. Antes de fazer uma ligação telefônica, você ensaia o que vai falar? Por quê?

4. Para você, como seria um dia perfeito?

5. Quando foi a última vez que cantou sozinho? E para outra pessoa?

6. Se pudesse viver até os 90 anos e ter o corpo ou a mente de alguém de 30 durante os últimos 60 anos de sua vida, qual das duas opções escolheria?

7. Tem uma intuição secreta de como vai morrer?

8. Diga três coisas que acredita ter em comum com seu interlocutor.

9. Por quais aspectos de sua vida você se sente mais agradecido?

10. Se pudesse mudar algo em como foi educado, o que seria?

11. Use quatro minutos para contar a seu companheiro a história de sua vida com todo o detalhe possível.

12. Se amanhã pudesse se levantar desfrutando de uma habilidade ou qualidade nova, qual seria?

Grupo II

13. Se uma bola de cristal pudesse contar a verdade sobre você, sua vida, o futuro ou qualquer outra coisa, o que lhe perguntaria?

14. Há algo que há muito tempo deseja fazer? Por que ainda não fez?

15. Qual é a maior conquista que conseguiu em sua vida?

16. O que mais valoriza em um amigo?

17. Qual é sua lembrança mais valiosa?

18. Qual é sua lembrança mais dolorosa?

19. Se você soubesse que vai morrer daqui a um ano de maneira repentina, mudaria algo em sua maneira de viver? Por quê?

20. O que significa a amizade para você?

21. Que importância tem o amor e o afeto em sua vida?

22. Compartilhem, de forma alternada, cinco características que consideram positivas em seu companheiro.

23. Sua família é próxima e carinhosa? Acha que sua infância foi mais feliz que a dos demais?

24. Como se sente em relação a sua mãe?

Grupo III

25. Diga três frases usando o pronome “nós”. Por exemplo, “nós estamos neste aposento sentindo…”

26. Complete esta frase: “Gostaria de ter alguém com quem compartilhar…”.

27. Se fosse terminar sendo amigo íntimo de seu companheiro, divida com ele ou com ela algo que seria importante que ela soubesse.

28. Diga a seu companheiro o que mais gostou nele ou nela. Seja muito honesto e diga coisas que não diria a alguém que acaba de conhecer.

29. Divida com seu interlocutor um momento embaraçoso de sua vida.

30. Quando foi a última vez que chorou na frente de alguém? E sozinho?

31. Conte a seu interlocutor algo que já gosta nele.

32. Há algo que seja muito sério e que não se deve fazer piadas a respeito?

33. Se fosse morrer esta noite sem possibilidade de falar com ninguém, o que lamentaria não ter dito a uma pessoa? Por que não disse até agora?

34. Sua casa está pegando fogo com todas suas coisas dentro. Depois de salvar seus entes queridos e seus bichos de estimação, sobra tempo para fazer uma última incursão e salvar um único objeto. Qual escolheria? Por quê?

35. De todas as pessoas que formam sua família, qual morte seria mais dolorosa para você? Por quê?

36. Divida um problema pessoal e peça a seu interlocutor que conte como ele ou ela teria agido para solucioná-lo. Pergunte também como acha que você se sente em relação ao problema que contou.

Para se apaixonar de qualquer um, faça isto: o artigo no qual Mandy Len Catron conta como encontrou o amor graças a estas 36 perguntas.

Fonte indicada: El País

As grandes transições na vida – Flávio Gikovate

As grandes transições na vida – Flávio Gikovate

Passamos por algumas transições no decorrer da vida. A acomodação pode gerar maior resistência a certas fases mesmo que elas impliquem uma mudança para melhor.

Quando criança, os cuidados da mãe tornam a vida agradável. Logo vem a vontade de se tornar adolescente, fase desejada mais pelas meninas devido a aspectos da vaidade. A transição para a fase adulta é vista como desagradável durante a puberdade, pois irá integrar responsabilidades próprias dos adultos. A velhice traz consigo o medo da morte e a negação de uma fase que poderia ser muito harmoniosa por conta do maior tempo livre.

Para mais informações sobre Flávio Gikovate

Site: www.flaviogikovate.com.br
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Twitter: www.twitter.com/flavio_gikovate
Livros: www.gikovatelojavirtual.com.br

Esse blog possui a autorização de Flávio Gikovate para reprodução deste material.

Deixe Sangrar

Deixe Sangrar

Complico, reclamo e deixo doer. Não pretendo me abdicar do meu lado humano para me tornar um não sei o que. Não cegarei meus olhos para dizer que está tudo bem ou melhor, enquanto o mundo está desabando ao meu redor. Muito menos irei sorrir e atuar, quando o mundo estiver desabando dentro de mim. Deixarei a elegância para as passarelas quando minhas emoções pedirem para borrar os olhos. Não é que elas mandem em mim, simplesmente não vejo sentido em negar uma parte da minha existência para atender a um certo imperativo de felicidade ditado não sei por quem nem para quê. Não é que eu queira mergulhar na minha tristeza até me afogar, mas vamos combinar, senti-la faz parte da vida.

Não vou colocar salto alto para fazer alguém pensar que estou por cima, embora também não esteja por baixo – estou por dentro, lá no fundo, descansando dos apuros no covil duro no qual se transformou, neste momento, a minha alma. Também não recusarei minhas lembranças das coisas boas que acabam de partir, muito menos trairei meus sonhos, ou apagarei os acontecimentos fictícios produzidos pela minha imaginação. Ela deve estar tentando resolver o que não compete à razão. Deixe-a assim.

Andarei por aí distraída, me orientando por sinais verdes e vermelhos, olhando o cinza do asfalto enquanto penso e o azul do céu para esvaziar meus pensamentos. Observarei cada pássaro pensando no quanto seria bom poder voar, e que ainda que eu tivesse asas, o peso do acontecido agora me pressionaria tão intensamente contra o chão, que meus passos deixariam rastros de rachaduras. Ando rachando as durezas e deixando no maleável esculturas vazadas dos meus pés inquietos. É que outro dia eu estive flutuando em levezas, e talvez por inveja, aqueles que não a podiam despertar em si, resolveram me encher de esperanças obesas, que ingenuamente aceitei, e agora, será assim, até que caminhe o suficiente para me livrar de todo esse excesso.

Não forçarei minha face a nada, nem expressão de farra, nem expressão de dor. Estarei íntegra em cada momento, deixarei fluírem minhas cores, guardarei as lágrimas para os quartos e os banheiros, só porque é assim que eu sou. E quando ficar embriagada, escreverei cartas que nunca serão enviadas, poemas que depois serão apagados, e mandarei mensagens pelo vento, apenas para não te dar o gosto de ouvir minha voz nem em pensamento. Falarei dos meus pessimismos e das minhas decepções, assim como outrora – e certamente, como voltarei a fazer; falei dos meus sonhos e dos meus amores.

Continuarei amando. Derramando amor pelo mundo, sorrindo pela chuva, pelas nuvens sempre em fuga pelo céu, pelos pássaros cantando às 17 horas em pleno centro sujo da cidade como se fossem um despertador para a vida. Continuarei sorrindo pelas flores que nascem fora de época, e pelas que nascem no tempo certo também. Cantarei gargalhadas pelas besteiras fúteis da internet, pelas passagens cômicas perspicazmente elaboradas pelos meus miolos tortos de tanto mudarem de lugar, pelas sacadas sutis no sarcasmo e na ironia de certos autores.

Não me envergonharei mais pelas palavras dispensadas, fossem doces ou amargas – eram sinceras, pelos olhares trocados, pelas incoerências e confusões. Não cobrarei por culpa, nem me sentirei culpada. É apenas como as coisas são. Quando somos abençoados com um sentimento intenso, podemos por um momento viver como figuras divinas, seres mágicos que como tudo podem, simplesmente se entregam, arriscam, permitem-se embriagar com o elixir das experiências fantásticas, dessas peculiaridades das coisas compartilhadas sem a intervenção das usuais barreiras neuróticas.

Mas como não se pode ficar para sempre nesse torpor, e como há todo um “lá fora” que vem nos perturbar, seja pelas experiências mortas que nos assombram, seja pelas vozes sábias que nos aconselham sem nunca seguir a direção da própria língua, logo contaminamos nossa fonte de afetos honestos com dúvidas e exigências curriculares: “Porque para estar ao meu lado tem que…”, retumbavam verbalizantes seus passos para trás. Só que não tenho vocação para preencher requisitos. Não estou procurando por uma profissão disfarçada de paixão.

Porque para me acompanhar neste caminho no qual me arrisco, é preciso ter vontade de seguir e ter coragem de sangrar. E só. Algo como ser assumidamente e apaixonadamente humano.

Segurança íntima

Segurança íntima

Que medo que dá, e esta emoção nos toma conta a cada momento. Já nem sabemos mais medo de quê, porque tudo parece ameaçador nesses tempos incertos. O certo é que ele espreita: podemos cair, bater, ser atacados, roubados, adoecer. Algo pode nos fazer mal, ou a alguém que amamos. Podemos perder as coisas que conquistamos, a caro custo. O medo é uma fera indomada para a qual não ousamos olhar de frente. Sentir-se totalmente em segurança é uma utopia. Não temos saída. Do nascimento à morte, da manhã à noite, os riscos são constantes e tudo é um grande ciclo de apostas.

Mergulhados nas incertezas do mundo e na nossa condição de impotência diante desta emoção que tanto nos perturba, vamos buscando as rotas de fuga, que podem melhorar ou piorar ainda mais nossa condição frágil de seres humanos. Afinal, fugir é muito mais fácil do que encarar o monstro de frente ou, eventualmente, convidá-lo para um amistoso chá. Antes do encontro com nossos horrores internos, já começamos a imaginar o massacre, então corremos sem pensar, sem rumo, para longe de nós mesmos.

A fuga constante de algo que sequer conseguimos desenhar no pensamento, também nos desgasta e fere. A busca de algum alívio acaba custando muito caro a nós e aos nossos. Não há saída. Viver exige coragem. Rezamos, pedimos pela sorte, barganhamos os prazeres da vida, negociamos as saídas que tragam algum fôlego para seguir. Mas o cansaço chega, o temor é destilado e toma conta das emoções, transformando pensamentos em doenças. Precisamos, enfim, buscar alguma proteção de nós mesmos. Porque atacamos o próprio coração, tão precioso, na busca desesperada de alívio.

Ansiosos, deprimidos, ou com alguma das dezenas de doenças mentais fabricadas no mundo contemporâneo, buscamos soluções junto às autoridades que, sobrecarregadas, falham vez após outra. A Segurança Pública torna-se uma piada neste caos, afinal, claramente não funciona. Além de inseguros, estamos revoltados com os outros, focados no que poderia vir de fora para nos salvar. E não vem.

Pois bem, e se pudéssemos, enfim, buscar nas entranhas de nossas emoções, este encontro corajoso com nossos monstros? E se talvez, numa tentativa desesperada, mas corajosa, buscássemos uma negociação com esses bichos terríveis do pensamento? Seria possível então, no embate, perceber que o tamanho do medo é bem maior que os riscos efetivos. Acredite, o monstro pode diminuir diante de um olhar firme e lúcido dos fatos.

E que tal tentar obter a segurança diante da certeza de que nada pode ser controlado? Afinal, as pessoas são incontroláveis, o mundo gira o tempo todo e o tempo é veloz. Pairando em meio a tudo isso, não há certezas. Mas pode haver paz, na medida em que o medo torna-se um aliado. E no fim,  vamos descobrir que tudo não passa de um sonho. A vida é plástica, tudo passa enfim, e sob os auspícios e olhares brilhantes das estrelas, prosseguimos na aventura sem fim da consciência. Sejamos piedosos então, em nome da frágil condição comum a todos os seres.

Dessas coisas que um homem só compreende quando alguém aprende a chamá-lo de pai

Dessas coisas que um homem só compreende quando alguém aprende a chamá-lo de pai

Meu pai tinha acabado de fazer 19 anos quando eu cheguei por aqui. Vinha ele de um tempo difícil: antes de mim, minha mãe havia dado à luz uma menina, minha irmãzinha, que, desgraçadamente, nasceu e viveu poucas horas. Então, quando completei o primeiro dia de vida, ele deve ter se sentido um sujeito de posse de sua benção.

Nasci no último dia do primeiro mês de 1974. Meu pai, Nivaldo de Jesus Gomes, era pouco mais que um adolescente que já trabalhava desde a infância. Pintor de ofício, dava outras cores às casas de sua cidade alaranjada, Araraquara, e tinha ares e físico de atleta. Vestindo camisetas ilustradas que ele mesmo pintava, corria maratonas no calor generoso da Morada do Sol.

A lembrança mais antiga que eu tenho dele não é bem uma cena. É um sentimento. Eu era então o filho único, muito apegado às mulheres da minha casa – mãe, bisavó, avó, duas tias – e meu pai uma noite me tirou das barras das saias delas e me levou com ele a um lugar que os araraquarenses conheciam como “a quermesse do Carmo”.

A única imagem que guardo dessa noite é a de uma porção de batatinhas sobre uma mesa de plástico. O resto é só um punhado de sensações: susto com o primeiro rojão, pavor com a sequência infinita de estouros da queima de fogos, medo de que aquilo não acabasse nunca, desespero de criança que chora. E alívio quando meu pai me botou nos ombros e fugiu comigo dali.

Ele me salvou! Minha lembrança mais antiga do meu pai é o sentimento de ter sido salvo por ele de uma guerra.

Hoje, muitos anos e tantas guerras depois, continuo fechando os olhos quando um rojão estoura. Meu filho João é assim também. Avesso a barulho, explosões, trovoada, gritaria. E eu vivo atento a cada chance que a vida me dá de acudi-lo do foguetório.

Compreendi, entre meia dúzia de outras coisas, que não há urgências profissionais, reuniões inadiáveis, compromissos da vida prática tão importantes quanto o chamado silencioso de um filho. Por mais que a crise econômica, a ameaça de desemprego, o aquecimento global, a invasão extraterrestre nos ponham medo, nada preocupa tanto quanto a febrinha de nada que visita nossos pequenos em qualquer terça-feira à noite. Não há dinheiro que pague estar perto dos nossos quando o rojão estoura. E acho no fundo que esse amor é o que nos salva.

Peço a Deus que sigamos assim. Por perto. Dispostos, atentos, esforçados, calorosos. Com ânimo para pintar a sala ou correr uma maratona. Ora mais distantes, ora mais próximos. Mas sempre por perto. E que nunca nos falte um bocado de amor e uma porção de batatinhas.

Feliz Dia dos Pais, minha gente!

Do vinil aos fones de ouvido

Do vinil aos fones de ouvido

Quatro horas da manhã. O som emitido pelo despertador sinaliza que meu dia começou. A música se faz presente na minha vida já daí, desse despertar matinal. Depois ela segue meus ouvidos quando pego o ônibus com destino à faculdade. Duas horas de duração de viagem são preenchidas pela minha playlist eclética. A trilha serve para passar o tempo, isso quando ela consegue vencer minha batalha interna entre ouvir a música ou me deixar cair no sono quase incontrolável.

Vivi numa época em que a música saia de um CD. Meus pais já são da época em que a música era gravada em fitas cassetes. Meus avós já são da época do vinil. E a vida é esse ciclo. Uma vitrola em que as pessoas são como discos ritmados organicamente, em constante movimento, mas que um dia para de girar e então troca-se de disco. E a música tem dessas coisas! Esse despertar de uma nostalgia desde a canção de ninar quando ouvimos ainda bebê, até aquela trilha que embala o primeiro amor ou até mesmo aquela canção que marca as noites de solidão — sofrência!

Hoje a música, tecnicamente falando, já é um padrão de arquivos de áudio, também conhecido como mp3. Cabe aqui, cabe acolá, cabe dentro do radinho do Zé da padaria até no meu celular! Essa é a magia da música, a universalidade de se fazer som em diferentes ritmos, melodias, lugares, tempos e povos. Cada nota emitida é capaz de arrancar lágrimas, de abrir sorrisos, de levar à outra dimensão. E me vem à memória o pensamento de uma amiga que diz que a música por si só tem o poder de transcender. “Quase um orgasmo musical!”, brinca a gente.

Mas esse jeito fácil de possuir determinada música é bem diferente de alguns tempos atrás. Velhos tempos! Antes quando escutávamos uma música, geralmente na rádio, o desejo de tê-la nos preenchia. Logo vinha a vontade de conseguir um CD com aquela canção. O gosto de escutá-la várias e várias vezes trazia a sensação de que naquele momento aquela música marcava o instante. E isso resultou na nostalgia de hoje, na lembrança de está brincando no meio da sala enquanto minha tia varria a casa escutando aquela canção tocada no rádio. Para ela o rádio era o entretenimento das manhãs, a trilha sonora dos afazeres domésticos.

Aí veio minha adolescência e com ela as espinhas, os dramas juvenis e o auge do mp3. A música agora poderia ser compactada e colocada tanto em CDs virgens, quanto nos celulares, em iPods, no computador, enfim, acompanhou os passos da tecnologia. E acompanhou também os meus passos, melhor dizendo, os meus ouvidos, nas tardes fazendo deveres do colégio, nas férias na casa da prima, nas noites de crises existenciais. A música permeia entre o novo e o antigo, o high-tech e o retrô. Todavia acima de tudo ela não fica velha, mas sim eterniza gerações.

Encontro um baú musical. Abro e me deparo com: Anos 50, o rock de Elvis Presley e a bossa nova de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Anos 60 e 70, a popularidade dos Beatles e o nascer da MPB, bem como dos movimentos punk, hippie, black power e com eles enraizada a música que lhes representa. Anos 80 e 90, o grunge de Nirvana e o pop de figuras como Madonna, Michael Jackson e Cindy Lauper. E dos anos 2000 para cá vêm se propagando os mais diversos ritmos, as mais variadas sonoridades e estilos, desde o funk ao indie, desde o pagode ao folk. Muito disso eu não vivi, não naquele tempo, não naquele instante. Contudo hoje posso colocar meus fones de ouvidos e transcender para qualquer momento, posso navegar nas ondas sonoras de cada um desses ritmos, independente de idade, pois o magnifico da música é que ela não tem data de validade.

Por André Luís

“André Luis é um jornalista em formação e metido a escritor. Maldito clichê. Sentimental às avessas, amante de música, livros, filmes, séries e outras coisinhas a mais. Pode ser encontrado no facebook: https://www.facebook.com/andre.anddy e no e-mail: [email protected]. “

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