Otto, o homem que amava os filhos

Otto era um imigrante que, depois de andar pelo mundo como embaixador, resolveu se estabelecer no país para que os quatro filhos, ainda jovens, pudessem criar algumas raízes.

Era um homem culto de educação formal, a mesma que passou aos filhos. Otto não cultivava paixões. Adorava ler e era um profundo conhecedor de arte e música clássica. Em seus momentos livres e de solidão, se dedicava as coisas que lhe tocavam o coração.

Um dia, depois de um almoço em família, como de habito, se retirou e foi ler um pouco. Seus três filhos mais velhos, já casados ou vivendo por conta própria, tinham retornado às suas casas. O mais novo tinha saído com amigos e só restavam ele e sua amada esposa, que se ocupava de colocar a casa em ordem.

Sem que percebesse, um de seus filhos tinha deixado em sua cabeceira um livro, “O Homem que Amava Caixas”.

O pequeno e poético livro de Stephen Michael King, conta a historia do menino que ama o pai, que, por sua vez, amava caixas. O pai não era capaz de demonstrar ao filho o quanto o amava, então ele passou a fazer milhares de brinquedos para o menino, demonstrando assim o seu amor.

Ele  leu e o releu diversas vezes. Seu coração estava apertado, como se uma mão o segurasse. Seus olhos lacrimejavam sem controle. Otto nunca tinha sido capaz de abraçar nenhum um de seus filhos. E dar-se conta disso aquela altura o deixou muito, muito triste.

Pensou em seu próprio pai, figura seca apesar de presente. Falecido há tantos anos. Otto jamais soube se era amado por ele. E chorou. Chorou pensando que estava envelhecendo e que seus filhos também não saberiam se eram amados por ele.

Ficou ali, sentado um bom tempo com seus próprios questionamentos.

Embora nunca tenha deixado totalmente de trabalhar, já tinha se aposentado há alguns anos.

Pensou e pensou até que, uma luz o iluminou, e se levantou com uma nova decisão. Iria se tornar alfaiate. Sim, alfaiate!

Nos meses que se seguiram, sem dizer nada a ninguém, Otto fez cursos aqui e ali, comprou uma máquina de costura e, em um dia de dezembro, num almoço qualquer, chamou os filhos em seu pequeno escritório, agora transformado com tesouras, tecidos e moldes.

Ninguém dizia nada. Ele então, ignorando a total perplexidade da família, se aproximou com um largo sorriso, jamais visto por eles e falou:

– Agora posso fazer seus ternos, mas para isso, preciso tirar suas medidas.

Todos sorriram desconcertados. Então, cada um deles foi se aproximando, e ao final de cada medida tomada, Otto os abraçava … e eles choraram.

 







Mineira de alma e carioca de coração, a artista plástica, escritora e designer autodidata Adriana Vitória deixou Belo Horizonte com a família aos seis meses para morar no Rio de Janeiro. Se profissionalizou em canto, línguas e organização de eventos até que saiu pelo mundo sedenta por ampliar seus horizontes. Viveu na Inglaterra, França, Portugal, Itália e Estados Unidos. Cresceu em meio à natureza, nas montanhas de Minas, Teresópolis, Visconde de Mauá, e do próprio Rio. Protetora apaixonada da Mata Atlântica e das tribos ao redor do mundo, desde a infância, buscou formas de cuidar e falar deste frágil ambiente e dos seres únicos que nele vivem.