​Fome de Pele

​Fome de Pele

“Precisamos de 4 abraços por dia para sobreviver. Precisamos de 8 abraços por dia para nos manter. Precisamos de 12 abraços por dia para crescer”. (Virginia Satir)

Li há algum tempo um artigo muito interessante sobre a importância do abraço. Vamos deixar claro que quando falo em abraço aqui eu me refiro àquele que envolve, que junta peito com peito, coração com coração e não o pouco acalorado tapinha nas costas.

Estudos dizem que ao abraçarmos o nosso cérebro libera substâncias como dopamina e serotonina responsáveis pela sensação de bem estar, calma e harmonia. Há ainda aqueles que afirmam que abraçar aumenta a imunidade, a autoestima e melhora também a saúde psicológica.

Muitas vezes já me peguei pensando sobre os abraços que dei e recebi na vida. Acho que o abraço é o mais sincero gesto de carinho que existe, pois é impossível ficar atrelado a alguém pelo qual não somos verdadeiramente afeiçoados. Pode-se dar um beijo rápido no rosto, mas um abraço demorado nessa pessoa não, a gente não consegue. E não vale, nesse caso, balançar a pessoa como sino para tirar a atenção do que realmente importa.

Abraçar implica se deixar envolver, se deixar fundir. Abraçar é uma sinfonia de batidas de coração, é um alinhamento de respirações profundas e uma confluência de mentes que se estimulam, se acarinham e se resguardam através do tato.

Nos meus vinte e poucos anos eu não abraçava muito. Lembro-me de ter um dia chegado em casa e tentado me lembrar qual era a última vez que eu tinha abraçado. Foi um exercício difícil, pois eu realmente não me lembrava. Felizmente isso muda quando temos por perto, por exemplo, familiares carinhosos, amigos sinceros, um amor para chamar de nosso e crianças. Sim, crianças são campeãs em abraçar. Elas em tenra idade sabem o que realmente importa na vida. É por isso que boas mães geralmente têm sua cota diária de abraços garantida. Elas não sofrem do que a psicologia chama hoje de “fome de pele”.

Mas, tem muita gente faminta passando por nós mundo afora. E quando falo muita gente, coloquem um número absurdo nessa equação. Aponta-se por ai que precisamos de doze abraços diários para ter as nossas necessidades afetivas plenamente supridas. Sim, vocês leram certo, não são dois, nem quatro, nem seis, mas doze abraços.

Você já deu doze abraços hoje? Acho que pouca gente dirá que sim. E eu ao ler esse número pensei nas vezes as quais fui ao médico por conta de uma rinite ou algo assim e sai de lá com um remédio prescrito. E se ao invés de um medicamento, facilmente encontrado em qualquer farmácia, o doutor me receitasse doze abraços para aumentar a imunidade, eu seria capaz de cumprir essa prescrição?

Um medicamente é rápido, você toma uma pílula por dia e resolve as coisas…por um tempo. Mas doze abraços não podem ser dados de qualquer jeito. É preciso que se ampliem os vínculos, que a gente estenda o alcance de nossas relações, é preciso mudar a forma de ver o mundo, os que nos cercam e nós mesmos.

Abraçar implica muito mais que entrelaçar braços. Abraçar exige que a gente esteja disposto a amar e a se deixar amar. Que a gente esteja pronto para perdoar e se deixar perdoar. Abraçar implica superar as rejeições e aceitar o conforto e o consolo do outro.

Um abraço diz de forma silenciosa que nós nos importamos, que nós estamos juntos, que nós deixamos de lado um monte de afazeres, que parecem imprescindíveis, para fazer o que realmente importa na vida.

Vamos abraçar?

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O Segredo da Felicidade

O Segredo da Felicidade
O povo feliz que foi capaz de pensar, falar e viver unicamente no presente, sem nunca passear pelo futuro ou regressar ao passado.

Imagine se um dia alguém afirmasse que existe um lugar no mundo onde as pessoas nascem e vivem em constante felicidade. O que você pensaria sobre essa pessoa?

Foi isso, dentre outras coisas, que afirmou Daniel Everett, um linguista americano, ao levar à comunidade científica seu conhecimento de décadas sobre uma pequena tribo de 400 índios que vivem às margens do rio Maici na divisa de Rondônia: os Pirahãs.

Na década de 70, ao chegar a essa tribo bastante isolada, John Everett, missionário na época, aprendeu a falar a diferente língua desse povo e notou que lhes faltavam alguns elementos linguísticos. Eles não tinham nomes para cores e não tinham ideia sobre números. Quando perguntada a quantidade de algo que lhe era posto na frente eles diziam pouco, muito ou suficiente. Eles não tinham mitos ou lendas e não conjugavam o passado nem o futuro.

Daniel percebeu, no entanto, que os índios daquela tribo eram sempre tranquilos e descontraídos e que nunca se agitavam ou pareciam preocupados.

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Pirahãs – Fotografia de Gabriel Bicho

Como podem viver sem números e como sabem as mães quantos filhos têm? Elas não sabiam precisar em números, mas sabiam seus nomes e tudo sobre cada um deles. Não sabiam quantas espécies vegetais e animais integravam seu habitat, mas tinham um conhecimento enciclopédico de cada uma delas. E o que mais chamava atenção era o fato de viverem no presente em tempo integral.

Quando a fome lhes vinha era só descer até o rio e pescar um peixe. Eles não se afligiam com o futuro e não carregavam arrependimentos pelo que um dia podiam ter feito no passado. Eles eram felizes.

Os cientistas se digladiaram discutindo questões meramente linguísticas apontadas pelo ex-missionário, como por exemplo, a capacidade desse povo de colocar ou não uma frase dentro da outra (recursividade), contudo uma luz acendeu na mente de muitos, algo que falava sobre tudo que aprendemos à respeito da felicidade.

E se vivêssemos, pensássemos e falássemos sobre o aqui e o agora apenas, como seria?

As crianças vivem esse júbilo, elas estão sempre despertas, curiosas e animadas. Tente explicar a uma criança que algo vai acontecer apenas em cinco minutos ou pergunte sobre seu dia e peça que conte tudo que aconteceu em detalhes. As crianças vivem inegavelmente no presente e a felicidade lhes parece inerente até que, certo dia, aprendem números e tempos verbais que conjugam o passado e o futuro.

Então crescem e passam à contar quanto tempo falta para ser o que querem ser. Contam as horas para um encontro, os dias para as férias, os anos para chegarem aos dezoito. Aprendem que a felicidade é composta por fragmentos alegres. Sendo adultos, afirmam genericamente que são felizes, contudo frente a qualquer frustração, decepção, descontentamento, arrependimento ou preocupação com o amanhã parece-lhes impossível afirmar tal coisa.

E se não somos felizes em determinado momento, o que é preciso para que o sejamos? Notem que agora já estamos falando de futuro.

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Fotografia de Gabriel Bicho

Para essa pergunta existem inúmeras respostas. Ter uma casa própria, entrar em uma boa faculdade, conseguir determinado emprego, relacionar-se com tal pessoa, gerar um filho, fazer uma viagem, fazer uma plástica, abrir o próprio negócio e por ai vai. Assim passamos a mover esforços para alcançar a tão sonhada felicidade.

O anseio por ela é lucrativo. Ser feliz não. Necessidades para que sejamos felizes são criadas todos os dias. Um mundo de dinheiro gira em torno disso.

Daniel Everett não conseguiu vender a própria crença religiosa aos Pirahã, pelo contrário, a abandonou. Contudo foi agraciado com o segredo mágico da felicidade. Até mesmo o fotógrafo rondoniense Gabriel Bicho que tirou as fotos que ilustram esse texto afirmou ter percebido nesse povo algo diferente, definido por ele como uma imensa doçura na voz e olhares de profundidade sem igual.

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Fotografia de Gabriel Bicho

E sobre o que pensaríamos nós sobre alguém que nos viesse afirmar que existe no mundo um grupo de pessoas que vive em constante felicidade…certamente pensaríamos que este alguém é mentiroso. E foi assim que o linguista americano foi taxado por muitos da comunidade científica e por tantos outros que não faziam parte dela, tendo recebido após a publicação de seu artigo no periódico “Current Anthropology” em 2005 uma enxurrada de e-mails nada amigáveis.

A questão se tornou tão interessante que gerou um documentário intitulado “The Amazon Code – The Grammar Of Happiness”,o qual aconselho imensamente. O linguista americano nunca mais voltou à tribo, apesar de o desejar e tendo em vista o notório destaque dado aos Pirahã depois que Daniel os lançou frente ao mundo científico, o governo brasileiro se apressou em levar até a tribo uma escola para ensinar os números, o passado e o futuro e uma televisão para mostrar-lhes como é feliz este nosso mundo.

Essa rápida iniciativa mascarou o que de relance pareceu brilhar aos olhos de todos. Sair um pouco (ou muito) das amarras do sistema pode ser uma boa resposta para nossas indagações sobre a felicidade. Contudo tendo aprendido a viver de acordo com as regras dele, a felicidade nos será lamentavelmente vendida a conta gotas.

“Palavras são mágicas, são como encantamentos sublimes que nos levam para onde quisermos, seja esse onde um lugar ou uma pessoa”. Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Hoje eu acordei sangrando

Hoje eu acordei sangrando

Seria uma bênção acordar sangrando. Haveria testemunhas para esse fato impossível de ser ignorado. Há sangue! Procura-se por um ferimento, uma causa, um trauma. Ninguém sangra à toa. Mas há quem sangre de forma secreta, silenciosa, solitária. A depressão é um tipo de hemorragia interna; só que o que sangra é a alma.

Os mesmos olhos que custaram uma eternidade para receber a visita acolhedora do sono, não são capazes de despertar. Ardem, pesam, parecem conter milhões de micropartículas de areia. Os olhos são visíveis; a insônia e a fadiga, não. Às vezes, alguém do lado de fora pode até perceber “Puxa, você está com olheiras. Tá tudo bem?” ou “Como seus olhos estão vermelhos! Está resfriado?”. Não, não está tudo bem! E, não, não é resfriado. Mas, a maior parte dos parceiros da depressão está acostumada a fingir que não sente nada. E, na maioria das vezes, responde automaticamente “Sim, está tudo bem. Deve ser apenas um resfriado.” O resfriado é fácil de compreender, todo mundo está autorizado a ter. E o “tudo bem” é o que o outro espera ouvir, para poder ficar “tudo bem” pra ele também. Complicado?! Ahhh… É! Muito complicado!

A expectativa de vida é reduzida para as pessoas que sofrem de depressão; assim como a sua capacidade de conviver, produzir, pensar e interagir. Indivíduos deprimidos são mais suscetíveis a diversas doenças como diabetes, fibromialgias, disfunções hormonais e enxaquecas. Desequilíbrios no sistema nervoso (que é responsável pela sensibilidade à dor) ou no sistema límbico (que é responsável por reger as emoções) causam uma dupla disfunção: a dor crônica pode levar à depressão, assim como o inverso também é comprovado. Só nos Estados Unidos, o consumo de antidepressivos aumentou 400% em 20 anos. Mas, historicamente, depressão é um conceito que apareceu ainda ontem. Por séculos, ela foi uma doença cheia de mistérios conhecida como melancolia.

Estamos atolados num tipo de epidemia do desconforto emocional: há mais pessoas deprimidas do que jamais houve. Uma piada sarcástica diante de uma época em que ser feliz é quase uma obrigação. Todo mundo quer ser feliz, bonito, rico, bem-sucedido, amado e, se possível que tudo isso venha num passe de mágica, com pouco ou nenhum esforço. E, quando o mundo todo parece estar se divertindo numa festa para qual não fomos convidados, vem um vago sentimento de tristeza. No entanto, é preciso cuidado: tristeza não é, nem de longe, a mesma coisa que depressão.

O ritmo e estilo de vida que insistimos em comprar a preços altíssimos, nos lança numa montanha-russa de angústia e ansiedade que pode levar a sensações prolongadas de tristeza e apreensão. Ficamos muito vulneráveis aos apelos de uma sociedade inquieta que exige de nós o máximo, a excelência, a última gota. É como caminhar numa estrada sem luz, desconhecida e cheia de obstáculos: nunca sabemos o que está por vir. Só nós mesmos é que podemos nos salvar dessa armadilha. Parar. Respirar. Rever. Avaliar. Escolher. Escolher é a única forma lúcida de administrar o que vale a vida. Talvez a única forma de evitar que a tristeza se prolongue a ponto de encontrar uma confortável morada dentro de nós. Mas, isso ainda não é depressão. Depressão é doença, não é falta de coragem para enfrentar as vicissitudes da vida; não é artifício para chamar a atenção; não é frescura; não é falta do que fazer. Depressão não se cura sozinha ou à custa de repouso e Vitamina C, qual uma virose. Não é contagioso, mas coloca quem a carrega, muitas vezes, em situações de isolamento. A Organização Mundial da Saúde sinaliza para a forte possibilidade de que em 2030 a depressão venha a ser a doença mais comum do mundo, ultrapassando os problemas cardíacos e o câncer. O que torna isso ainda mais preocupante é que estamos ainda flertando com ela, não a conhecemos o suficiente para compreendê-la.

Engana-se, no entanto, aqueles que associam a doença depressiva ao cenário caótico da modernidade. Na Grécia antiga, os filósofos associavam a melancolia à superioridade intelectual e à personalidade social seletiva, sem qualquer aproximação com o conceito de doença. O médico inglês Thomas Willis, foi o primeiro a relacionar a melancolia à mania (em meados do século XVII), definindo o que seria um ciclo maníaco-depressivo. Neste mesmo século, Robert Burton, um filósofo, aponta para os costumes sociais como os grandes disparadores dos estados de melancolia. A primeira tentativa de categorização psiquiátrica sobre melancolia foi realizada no final do século XVIII com Pinel, por meio de observações clínicas e agrupamento de sintomas, e então, com a instauração do saber psiquiátrico no Século XIX, a melancolia foi transformada em doença mental, sem qualquer sinal de romantismo literário. Esquirol a denominou de “lipermania” ou “monomania triste” e Jean Pierre Falret de loucura circular, aproximando a melancolia da mania. Foi então que, no final do século, Emil Kraepelin integrou a melancolia à loucura maníaco-depressiva, fundindo-se em seguida à psicose maníaco-depressiva.

A Escala de Depressão de Beck ou Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory, BDI, BDI-II), criada por Aaron Beck e publicada em 1961, que consiste em um questionário com 21 itens de múltipla escolha, é um dos instrumentos mais utilizados para medir a severidade de episódios depressivos; seu desenvolvimento é um divisor de águas que marcou a mudança de comportamento entre os profissionais de saúde mental. Anteriormente a depressão era entendida como o efeito de pressões psicológicas externas, aliadas à interação entre as motivações conscientes e inconscientes do indivíduo deprimido. O conceito original desse pressuposto foi desenvolvido por Sigmund Freud. A Escala de Depressão de Beck propõe tratar o diagnóstico da depressão, considerando sua manifestação a partir de perguntas que abordem questões mentais advindas dos próprios pensamentos dos pacientes.

Na sua versão atual, o questionário é desenhado para pacientes acima de 13 anos de idade e é composto de diversos itens relacionados aos sintomas depressivos, tais como: desesperança; irritabilidade e cognições (culpa ou sentimentos de estar sendo punido); assim como sintomas físicos como fadiga, perda ou ganho de peso e diminuição da libido. Existem três versões da escala: a BDI original, publicada em 1961 e revisada em 1978; a BDI-1A; e a BDI-II, publicada em 1996. A escala é largamente utilizada como ferramenta para medida por profissionais de saúde e pesquisadores em uma variedade significativa de contextos clínicos e de pesquisa. Desnecessário alertar para o fato de que soa no mínimo ingênuo e simplista tentar reduzir algo tão complexo quanto a depressão a uma série de lacunas marcadas com “X”!

Conviver com a depressão e com os depressivos é um desafio diário de coragem, tolerância, persistência e compaixão. Os pacientes vivem num espaço de tempo e lugar em dimensão diferente dos indivíduos que não convivem com as alterações involuntárias de humor; tudo lhes parece fútil, ou sem real importância; perdem a capacidade de ver o mundo em cores; lutam para ignorar a cratera que sentem no peito, causada pela incapacidade de sentir alegria. As crianças e adolescentes, são atingidas por um complicador ainda mais cruel: muitas vezes, em vez de parecerem tristes, mostram-se irritáveis e agressivos. O deprimido, com frequência, julga-se um peso para os familiares e amigos, muitas vezes mesmo que não chegue a considerar a ideia de por fim à própria vida, nutre desejos de que a morte chegue simplesmente.

E, como mais uma das maravilhas científicas do mundo moderno, no meio dessa aparente situação de trevas emocionais, surgem as “milagrosas drogas antidepressivas” e “reguladores de humor” que, sem dúvida, reduzem os efeitos e arranham a casca da depressão e seus efeitos aparentes e observáveis. Meses de introdução, acerto de dosagem e troca de medicamentos; até que psiquiatra e paciente cheguem a um acordo para determinar o que, quanto e quando será administrado para que os efeitos colaterais sejam menos devastadores do que viver com a depressão. Acerto de medicação; comprometimento do paciente, familiares e outros envolvidos; acompanhamento indispensável de terapia comportamental cognitiva ou psicanálise; acenam para uma convivência menos sofrida com o desafio da depressão.

Alcançar a cura, ou a remissão dos sintomas não é, nem de longe, uma tarefa simples. É jornada que envolve a todos que estiverem minimamente relacionados a quem luta para permanecer inteiro até o fim de cada dia, ainda que amanheça sangrando invisivelmente.

Ana Macarini

Amor, Admiração e Vaidade – Flávio Gikovate

Amor, Admiração e Vaidade – Flávio Gikovate

O encantamento amoroso deriva da admiração, que pode estar fundada em critérios não muito sábios, por exemplo, na aparência física.

Assim, a pessoa pode se sentir envaidecida pelos olhares que a beleza do parceiro provoca e negligenciar a importância das virtudes morais no relacionamento.

Para mais informações sobre Flávio Gikovate

Site: www.flaviogikovate.com.br
Facebook: www.facebook.com/FGikovate
Twitter: www.twitter.com/flavio_gikovate
Livros: www.gikovatelojavirtual.com.br

Esse blog possui a autorização de Flávio Gikovate para reprodução deste material.

Pequenos desatinos

Pequenos desatinos

Há certas coisas que, por minúsculas que sejam, desatinam tanto que chegam a tirar nossas boas e saudáveis noites de sono. Um início de namoro, sem a certeza de que realmente esse é o momento certo ou a pessoa esperada para se começar algo tão sério; adotar um filhote de labrador, só porque assistiu ao filme Marley&Eu e saiu suspirando do cinema, encantada com a história de carinho e dedicação do casal feliz com o cão; um corte de cabelo mal resolvido! Ah! Este, com certeza, movimenta cada fibra do corpo e a autoestima da pessoa, provoca uma queda brusca, e não há paraquedas que resolva.

Outro dia, li uma crônica de Clarice Lispector que falava sobre o espanto do filho ao vê-la depois de ter cortado o cabelo. Parecia que faltava algo de essencial nela, só porque cortou o cabelo bem curto e se foi uma parte da sua aparência diária. É que cabelo é tão parte da gente como a alma, possui movimento, cheiro, chama a atenção, sabe viver sozinho, tem vida própria. Pura analogia com outros fatos, qualquer identificação não será mera coincidência.

Quando tomamos certas decisões que mexem com nosso estilo e desarticulam o fluxo do nosso cotidiano habitual, muitas vezes nem imaginamos como o eu – esse interior mais íntimo da gente – pode não entender e levar a coisa a sério demais, cobrando alto preço por algo que em pouco tempo voltará ao normal.

O que devemos levar em conta é o presente que temos, repleto de desafios e aceitações todos os dias, de como acordamos e nos vestimos de forma diferente para o mundo sem percebermos como realmente somos ou conquistamos um novo estado de total desconhecimento próprio. Para uns, funciona, para outros, não. Só não vale levar um desatino tão a sério a ponto de não sair vivo dele.

Quem dera fôssemos tão programados assim, para não sofrermos desses longos desatinos que misturam tudo ao nosso redor. Mas qual a graça de tudo se ficássemos assim, tão distantes da gente? Precisamos sim, de uma boa dose de desatino, mas que não ultrapasse nossa sutil percepção do que podemos fazer com nossa realidade. E assim, podemos nos alternar entre desatinos saborosos e uma realidade menos nua e crua.

“Por que escrevo?” 19 depoimentos que você precisa conhecer

“Por que escrevo?” 19 depoimentos que você precisa conhecer

Por que você escreve?

No livro Por que escrevo?, organizado por José Domingos de Brito como parte da série “Mistérios da Criação Literária”, a pergunta parece ser feita a todos os mais variados cânones da literatura, da poesia, e do jornalismo – pessoas que, enfim, constroem e desconstroem com palavras. De A a Z, as respostas vão sendo traçadas uma a uma, em um espírito íntimo em meio ao qual o leitor tem, certas vezes, a impressão de ouvir da boca de seu grande ídolo as razões que o levaram a tal árdua profissão . Enquanto Allen Ginsberg diz que escreve porque gosta de cantar quando está só, Gabo diz que escreve para que seus amigos o amem mais. E assim o livro nos mostra, em uma coletânea despretensiosa e sem ornamentos — e com uma rica bibliografia sobre o ofício da escrita —, das respostas mais simples e definitivas às mais reflexivas, abrangentes e complexas possíveis.

Aqui vão algumas delas*:

01. Allen Ginsberg:
“(…) Eu escrevo poesia porque gosto de cantar quando estou só (…) Eu escrevo poesia porque minha cabeça contém uma multidão de pensamentos, 10 mil para ser preciso (…) Eu escrevo poesia porque não há razão, não há porquê. Eu escrevo poesia porque é a melhor forma de dizer tudo que me vem à cabeça no intervalo de um quarto de hora ou de toda uma vida.”

02. Augusto dos Anjos:
“A princípio escrevia simplesmente
Para entreter o espírito… Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propulsão consciente.

Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as 24 horas do dia!

Riam de mim, os monstros zombeteiros.
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre…

Tenha a sorte de Cícero proscrito
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!”

03. Carlos Drummond de Andrade:
“Posso dizer sem exagero, sem fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de suas inquietações, seus problemas íntimos, que os projetou no papel, fazendo uma espécie de psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista no meu tempo, em Minas.”

04. Clarice Lispector:
“Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que foi essa que segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.”

05. Fernando Pessoa:
“Eu escrevo para salvar a alma.”


06. Fernando Sabino:

“Tenho a impressão de que se eu soubesse responder a essa pergunta deixaria de ser escritor. Não haveria condição. Não saberia dizer, não. Está além da minha compreensão. Esta pergunta é tão grave como se perguntassem: ‘Por que vive? Por que ama? Por que morre? ‘. Talvez eu escreva para atender a essas três presenças que são as únicas que existem na vida de um homem. No verso de Eliot: ‘Birth, copulation and death’; eu diria ‘nascimento, amor e morte’. Não sei por que escrevo. Eu nasci, virei homem e vou morrer.”

07. Gabriel García Márquez:
“Para que meus amigos me amem mais.”

08. George Orwell:
“Meu ponto de partida é sempre um sentimento de proselitismo, uma sensação de injustiça. Quando sento para escrever um livro, não digo a mim mesmo: ‘Vou produzir uma obra de arte’. Escrevo porque existe uma mentira que pretendo expor, um fato para o qual pretendo chamar a atenção, e minha preocupação inicial é atingir um público. Mas não conseguiria escrever um livro, nem um longo artigo para uma revista, se não fosse também uma experiência estética. Quem se dispuser a examinar meu trabalho perceberá que, mesmo quando é uma clara propaganda, contém muito do que um político de tempo integral consideraria irrelevante. Não sou capaz de abandonar por completo a visão de mundo que adquiri na infância, nem quero. Enquanto viver e estiver com saúde, continuarei a ter um forte apego ao estilo da prosa, a amar a superfície da Terra, a sentir prazer com objetos sólidos e fragmentos de informações inúteis. De nada adianta tentar reprimir esse meu lado. O trabalho é conciliar os gostos e os desgostos arraigados com as atividades essencialmente públicas, não individuais, que esta época impõe a todos nós.”

09. Jean-Paul Sartre:
“Porque a criação só pode encontrar seu acabamento na leitura; porque o artista deve confiar a outro a tarefa de concluir o que ele começou; porque somente através da consciência é que ele pode se ter como essencial a sua obra e toda obra literária é um apelo. Escrever é apelar ao leitor para que ele faça passar à existência objetiva o descobrimento que empreendi por meio da linguagem.”

10. João Cabral de Melo Neto:
“Por que escrevo é um negócio complicado… Eu tenho a impressão de que a gente escreve por dois motivos. Ou por excesso de ser — é o tipo do escritor transbordante, como a maioria dos escritores brasileiros; é uma atitude completamente romântica — ou por falta de ser. Eu sinto que me falta alguma coisa. Então, escrever é uma maneira que eu tenho de me completar. Sou como aquele sujeito que não tem perna e usa uma perna de pau, uma muleta. A poesia preenche um vazio existencial. Às vezes, eu escrevo porque quero dizer determinada coisa que eu acho que não foi dita; às vezes, porque me interessa que conheçam meu ponto de vista. Às vezes, escrevo também por prazer.”

11. José Saramago:
“Antes eu dizia: ‘Escrevo porque não quero morrer. ‘ Mas agora eu mudei. Escrevo para compreender. O que é um ser humano?”

12. Julio Cortázar:
“(…) O fascínio que uma palavra produzia em mim. Eu gostava de algumas palavras, não gostava de outras, algumas tinham certo desenho, uma certa cor. Uma de minhas lembranças de quando estava doente (fui um menino muito doente, passava longas temporadas de cama com asma e pleurisia, coisas desse tipo) é a de me ver escrevendo palavras com o dedo, contra uma parede. Eu esticava o dedo e escrevia palavras, e via as palavras se formando no ar. Palavras que eram, muitas vezes, fetiches, palavras mágicas. Isso é algo que depois me perseguiu ao longo da vida. Havia certos nomes próprios — e sei lá por quê — que para mim tinham uma carga mágica. Naquela época havia uma atriz espanhola que se chamava Lola Membrives, muito famosa na Argentina. Bom, eu me vejo doente — aos sete anos provavelmente — escrevendo com o dedo no ar Lo-la-Mem-bri-ves, Lo-la-Mem-bri-ves. A palavra ficava desenhada no ar e eu me sentia profundamente identificado com ela. De Lola Membrives, a pessoa, eu não sabia muita coisa, nunca a tinha visto e nunca a vi. Na realidade, eram meus pais que iam ver as peças onde ela trabalhava. E foi nesse mesmo momento que comecei a brincar com as palavras, a desvinculá-las cada vez mais de sua utilidade pragmática e comecei a descobrir os palíndromos, que depois apareceram nos meus livros… Desde muito pequeno, minha relação com as palavras, com a escrita, não se diferencia da minha relação com o mundo em geral. Eu não acho que nasci para aceitar as coisas tal como estão, tal como me são oferecidas.”

13. Manuel Bandeira:
“Na verdade, faço versos porque não sei fazer música… Jamais senti que meu destino fosse a Poesia, sobretudo assim com esse P maiúsculo que pressinto na sua garganta. Creio que se fui poeta em alguns momentos, só o fui por incidente patológico ou passional.”

14. Moacyr Scliar:
“Quando criança, eu era adicto à literatura, não podia ficar sem ler. A minha conexão com a vida acontecia via literatura. Eu lia para aprender a viver, para saber o que fazer. É claro que isso provoca muitas desilusões, muitos choques, porque a vida não é a literatura. Assim, quando comecei a escrever, foi porque lia. Outra razão é que meus pais foram grandes contadores de história. Numa noite quente como essa, as pessoas do meu bairro se reuniam para contar histórias, o que, desde muito cedo se incorporou em mim, passou a ser uma coisa que eu também queria fazer, só que à minha maneira, escrevendo.”

15. Paulo Francis:
“Escrevo romances para me perpetuar, para ter fama, glória, dinheiro, amor, essas coisas comezinhas da vida.”


16. Rachel de Queiroz:

“Acho que para cada escritor há uma razão diferente. No meu caso, num certo sentido, é o desejo interior de dar um testemunho do meu tempo, da minha gente e principalmente de mim mesma: eu existi, eu sou, eu pensei, eu senti, e eu queria que você soubesse. No fundo, é esse o grito do escritor, de todo artista. Creio que o impulso de todo artista é esse. É se fazer ver. Eu existo, olha pra mim, escuta o que eu quero dizer: tenho uma coisa pra te contar. Creio que é por isso que a gente escreve.”

17. Sérgio Milliet:
“Quer saber de uma coisa? Não acredito na predestinação literária. São circunstâncias acidentais que fazem o escritor e é o acaso de um primeiro êxito que o leva a perseverar. Um homem de inteligência média faz qualquer coisa; basta que a vida o exija. Qualquer camarada de algumas letras escreveu versos na mocidade; se não continuou, foi porque outra coisa lhe interessou.”

18. Truman Capote:
“Sou um escritor essencialmente horizontal. Não posso pensar mais do que quando estou encostado, com um cigarro nos lábios e uma xícara de café ao alcance da mão. A xícara de café pode ser trocada por um copo de vodka, não há por que ser maníaco. Não uso máquina de escrever, redijo à mão, com lápis. Trabalho quatro horas por dia durante quatro meses por ano. Sou um estilista: me preocupa mais onde colocar uma vírgula que ganhar o prêmio Nobel.”

19. William Faulkner:
“Para ganhar a vida.”

E você, por que escreve?

*Todos os depoimentos acima transcritos pertencem à coletânea “Por que escrevo?”, organizada por José Domingos de Brito (editora Novera), com suas respectivas fontes individuais.

Por Mariana C. Santos
Fonte indicada: Homu Literatus

Para um sono ansioso, um travesseiro de concreto.

Para um sono ansioso, um travesseiro de concreto.

Enfim, chega o esperado momento do descanso, aquele soninho bom, a gente tranca as portas, pega a água, escova os dentes e parte para o sono dos justos. Mas, no que deita, a cabeça começa com o zigue-zague insistente, descontrolado, desnorteado, jorrando pensamentos, resoluções, saudades, pendências, listas, planilhas, mágoas, lembranças… E, vira pra lá, vira pra cá, os olhos esbugalhados, o sono se foi para outro planeta e está longe de querer voltar.

Começa então a conversa com o travesseiro: – Nossa, tenho que me organizar amanhã, pagar as contas, comprar as pilhas do controle, ligar para marcar médico, responder duzentos e-mails, fazer a lista da feira… Ah, vou trocar a foto do perfil, cancelar aquela assinatura…

E o travesseiro fica desconfortável, parece de pedra, mal humorado, irritado com tanta ladainha, num momento que era para ser relaxante, suave e tranquilo. Nem com umas batidinhas e afofadas ele se rende. Agora está em estado de total protesto! Não me acha merecedora de uma boa noite de sono e deixa claro que que não vai compartilhar com esse momento neurótico. E mais, meu malandro travesseiro fica de tal forma impassível e rígido que me desperta enfim para a lição que eu preciso aprender nesta noite insone: Tudo pode esperar, nem tudo é tão urgente nem importante a ponto de sequestrar meu sono, nada pode ser tão avassalador para travar uma coluna cervical, salvas raras e justificadas exceções . Não, não será possível agendar médicos, exames, manicures, atendimentos neste horário; Não, ninguém quer ver a foto nova do perfil neste momento; Não e não, resolver brigas e mal entendidos agora não! Também não, ainda que as contas tenham vencido, elas terão que esperar para o dia seguinte. Então, para que tanta ansiedade? Há algo trocado nas agendas, pois que o que deveria ter sido vivido no dia, toma o espaço da noite com fúria e suores e bruxismos! Penso na minha covardia ao enfrentar o dia. E ele chega. E o literal pesadelo começa na manhã seguinte da tal noite mal dormida, o pescoço doendo, o raciocínio lento, as urgências da madrugadas embaralhadas e esquecidas e o travesseiro lá, lindo e fofo, mostrando que tudo poderia ter sido diferente e confortável. O dia urge! Quem sabe mais tarde, se eu tiver aprendido a lição. Urgente sou eu!

8 coisas que os pais de crianças com síndrome de Tourette querem que você saiba

8 coisas que os pais de crianças com síndrome de Tourette querem que você saiba

 

A síndrome de Tourette (ST) é um transtorno neurológico acompanhado por movimentos involuntários, ou tiques, “frequentes, repetitivos e rápidos”. Mas isso não quer dizer que as pessoas com síndrome de Tourette vivam berrando, apesar da visão estereotipada comum.
Para ter uma ideia mais completa, falamos com alguns pais e mães que dirigem várias filiais da TSA e fizemos uma lista de pontos que os pais de crianças com a síndrome gostariam que você soubesse sobre a condição de seus filhos.

1. A síndrome de Tourette não é incomum.
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma em cada 360 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos de idade recebe o diagnóstico de síndrome de Tourette. A maioria dos casos é classificada como leve ou moderada.

2. As pessoas com síndrome de Tourette geralmente não ficam gritando palavrões o tempo todo.
Quando a mídia mostra personagens com ST, geralmente retrata o transtorno como uma espécie de doença do xingamento. Pense na personagem de Amy Poehler em “Gigolô por Acidente”. Os pesquisadores dizem que na realidade apenas 10% a 15% das pessoas com ST vomitam palavrões de modo incontrolável. Mas é difícil desmontar o estereótipo.

“Quando meu filho recebeu o diagnóstico de Tourette, a primeira coisa que falei foi: ‘Mas ele não fica xingando'”, disse ao Huffington Post Susan Breakie, líder da TSA em Delaware e mãe de um filho que tem a síndrome. “Era assim que eu via a síndrome, por causa do que tinha visto no cinema e na TV.”

3. Na verdade, as crianças com síndrome de Tourette não apresentam todas os mesmos sintomas.
Os tiques – “movimentos e vocalizações repetitivos, estereotipados e involuntários” – podem assumir várias formas. Piscar, fazer caretas, dar de ombros, movimentos bruscos com a cabeça ou os ombros, pigarrear, fungar, sons de grunhido – esses são apenas alguns dos tiques citados pelo Instituto Nacional de Transtornos Neurológicos e Derrames.

“Você pode conhecer uma pessoa com ST e depois conhecer uma segunda pessoa com a síndrome que é completamente diferente da primeira”, falou Michelle Guyton, membro do Conselho de Diretores da TSA NA Grande Washington e mãe de um menino com ST, em entrevista ao Huffington Post. “Para entender a síndrome de Tourette, a melhor coisa é passar tempo com alguém que tem a síndrome.”
Sheryl Kadmon é diretora executiva da TSA no Texas e mãe de dois filhos com o transtorno. Ela diz que outra coisa que é bom lembrar que os sintomas podem se intensificar ou amenizar com o tempo, de modo imprevisível.

4. As crianças com síndrome de Tourette muitas vezes também sofrem problemas de saúde mental.
O CDC informa que 86% das pessoas com ST apresentam ao mesmo tempo um problema de saúde mental, comportamental ou de desenvolvimento, como TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) (63%) ou ansiedade (49%). Mais de um terço também tem transtorno obsessivo-compulsivo. Isto dito, o diagnóstico de ST não precisa ser assustador.

“É muito difícil para essas crianças se saírem bem na escola, mas se pudermos intervir e explicar à escola o que precisa ser feito, elas podem ter resultados muito bons”, diz Kadmon. “No final, a maioria das crianças com ST tem prognóstico ótimo.”

5. A pessoa com síndrome de Tourette não faz essas coisas para chamar a atenção, mas porque realmente não consegue se impedir de fazer.
A síndrome de Tourette é um transtorno neurológico; logo, os tiques são 100% involuntários. De acordo com Breakie, pessoas nos grupos de apoio que ela promove já tiveram colegas lhes mandando “parar com isso” ou até professores mandando-os para fora da sala de aula por “distrair a atenção dos outros alunos”.

Breakie explicou: “As pessoas não entendem que ninguém tem esses tiques porque quer. É o cérebro da pessoa que a manda fazer isso. Não é possível controlar os tiques, assim como não é possível segurar um espirro ou outra coisa do gênero.”

6. A síndrome de Tourette não é uma deficiência intelectual.
Sheryl Kadmon diz que as pessoas muitas vezes supõem que uma criança com ST tenha uma deficiência intelectual, mas esse é o caso de apenas 12% das pessoas com o transtorno.

“Temos uma população de crianças com funcionamento intelectual de alto nível, mas que podem ter dificuldade em demonstrá-lo porque seu corpo faz movimentos e ruídos que elas não conseguem controlar”, comentou Kadmon.

7. Se o professor para tudo na sala de aula quando uma criança tem tiques, isso não ajuda.
Quando um aluno com ST começa a dar batidinhas na mesa ou fazer um barulho, o melhor que o professor tem a fazer é aceitar o fato e continuar com a aula, disse Breakie. Se o professor parece compreensivo, os alunos muitas vezes seguem seu exemplo.

“Os professores não interrompem tudo quando um aluno chega à escola com resfriado forte, tossindo ou espirrando”, ela disse. “Então não deviam interromper nada quando um aluno fica pigarreando ou mexendo o pé o tempo todo.”

E, segundo ela, a mesma coisa se aplica aos pais dos alunos.

“Se os pais são compreensivos, sua atitude é transmitida a seus filhos. Eles poderiam comentar: “Seu colega tem síndrome de Tourette. Tudo bem. Ele não consegue controlar seus movimentos, mas é um garoto bacana, mesmo assim.”

8. As crianças com síndrome de Tourette são iguais às outras.
Michelle Guyton comentou: “Elas são como outras crianças quaisquer. Meus filhos, por exemplo, gostam que as pessoas lhes perguntem sobre a síndrome. Eles preferem explicar às pessoas o que acontece do que ver as pessoas manter distância ou julgá-los, sem se dar ao trabalho de saber o que eles têm. O importante é ter um diálogo aberto e entender que essas crianças são pessoinhas maravilhosas, ótimas, inteligentes e talentosas que precisam ser incluídas no grupo.”

Por Rebecca Adams

Fonte indicada: Brasilpost

Brasil fica entre piores em ranking de tratamentos paliativos a pacientes terminais

Brasil fica entre piores em ranking de tratamentos paliativos a pacientes terminais

O Brasil ficou na antepenúltima posição em um ranking de 40 países que avaliou tratamentos paliativos para pacientes em estado terminal.

O estudo, feito pela consultoria Economist Intelligence Unit, analisou a disponibilidade, o custo e a qualidade destes tratamentos. Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia lideraram o ranking geral. O Brasil ficou na 38ª posição, à frente apenas de Uganda e Índia.

A lista incluiu 30 integrantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outros 10 países com dados disponíveis.

“Os países na lanterna incluem, sem surpresa, países em desenvolvimento e dos Brics, como China, México, Brasil, Índia e Uganda, onde, apesar de exceções notáveis de excelência… avanços em prover tratamento no fim da vida são lentos”, disse o estudo.

“Não é surpresa encontrar países como Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia no topo do ranking, dado a relativa riqueza, infraestrutura e longo reconhecimento da importância de desenvolver estratégias nacionais de saúde no fim da vida”.

Diferenças culturais

O Brasil também ficou nas últimas posições no quesito disponibilidade de tratamentos, ocupando a 36ª posição, à frente apenas de Eslováquia, Portugal, Rússia e China. Essa lista também foi liderada por Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Austrália.

Sheila Payne, diretora do Observatório Internacional para Tratamento no Fim da Vida, disse que a baixa pontuação de nações em desenvolvimento “se deve à falta de financiamento e reconhecimento nestes países sobre políticas públicas de saúde em tratamento paliativo”.

contioutra.com - Brasil fica entre piores em ranking de tratamentos paliativos a pacientes terminais

O relatório também aponta para razões culturais que influenciam no tratamento dado a pacientes terminais, como os tabus fortes sobre morte em países como Japão, China e na Índia, onde muitas família preferem ocultar do paciente sua real condição médica para protegê-lo.

Já nos Estados Unidos, parece imperar a política do “manter vivo custe o que custar”, sugere o texto.

“Somos o epicentro das tecnologias que nos permitem deixar as pessoas vivas por mais 60 dias sem nenhuma melhora no resultado, mas com um aumento substancial nos custos”, disse Paul Keckley, diretor-executivo do Centro Deloitte para Soluções de Saúde, braço da consultoria Deloitte, citado no relatório.

“E quanto mais fundamentalista, evangélico ou conservador (for a família), menos as pessoas irão desafiar a opinião médica ou pedir por algo que não seja recomendada pelo médico”.

Conhecimento público de tratamentos

O Brasil também ficou nas últimas posições no ranking de conhecimento público sobre tratamentos disponíveis no fim da vida.

Numa escala que mediu o nível de conhecimento de 1 a 5, o Brasil ficou no grupo 2, junto com Finlândia, Índia, Itália, México, Portugal, Rússia, Suíça, entre outros países. Bélgica, Irlanda e Grã-Bretanha lideraram a lista.

Fonte indicada BBC Brasil

Para frente é que se ama.

Para frente é que se ama.

Um tropeção. É isso mesmo. O amor é um tropeção que a gente dá quando não espera. Acontece no susto. Já viu alguém tropeçar de propósito? Já viu um sujeito escolher “agora eu vou encher o pé naquela pedra ali e vai doer muito!”? Pode acontecer, mas será falso, ridiculamente fingido, forçado, irreal.

Imagine a pessoa determinar “agora eu vou gostar daquele ali, isso, vou me apaixonar sem freio e depois vou amá-lo e ver no que dá”. É possível, mas cadê a graça? E o inesperado, o frio na barriga? Amor não se premedita. Simplesmente acontece. O amor é um tropeção!

Vem de repente, vem mesmo. Ligeiro como o escorregão no piso inofensivo, a mordida súbita do cachorro fofo, o estouro da lâmpada que queima, o pneu que fura do nada. Lá está você, caminhando na vida, e uma topada violenta lhe tira a cor e a unha do dedão. E a cara de bobo? O amor, tal qual um tropeção, deixa a gente com cara de besta. Quem tropeça quase sempre olha em volta à procura de uma testemunha do incidente. Com a maior cara de idiota. Tudo bem, ninguém viu, deixa eu sair logo daqui.

Mas a quem tropeça, a impressão que dá é de que todo mundo em volta viu e agora comenta baixinho, segurando o riso: “olha lá, o fulano tropeçou! Riam dele!”. No ônibus lotado, os passageiros se divertem com a cena, e uma leveza inesperada rompe a tensão da viagem, os passageiros sentados decidem oferecer seus lugares aos que estão de pé. “Senta um pouco você, eu já descansei bem!”. E todos riem gostoso da sua cara de bobo tropeçando lá fora. Nos carros, motoristas raivosos desistem de buzinar e insultar os outros, divertidos que estão com o seu número de circo. O boato corre e de repente o mundo inteiro já sabe. Nas escolas e hospitais, nas repartições públicas e bancos e empresas multinacionais, nas bolsas de valores e na casa daquela sua tia com procuração para cuidar da vida alheia, o assunto irresistível da vez é o seu tropeção.

O amor é assim. Você topa com ele de cheio e, tentando não cair, cambaleia quatro passos à frente, se reequilibra do jeito que dá e só vai parar dois metros adiante. Porque, entre tantas outras qualidades, o amor é o ofício de nos jogar para a frente na vida!

Dependendo do tamanho do amor, o tropeção resulta em queda, sim. Tem amor que derruba mesmo! Implacável, contundente, faz o amante ganhar o chão. Mas é um tombo sempre, sempre para a frente. Quem cai, levanta, bate a sujeira da roupa, cuida de um e outro joelho esfolado, um pulso aberto, um coração partido e segue a vida, dois passos à frente de quem ainda não passou por isso.

Amor de verdade, amor no duro, não segura e nem atrasa a vida de ninguém! Chacoalha, empurra, desequilibra, vez ou outra derruba a gente junto com a sacola da feira, espalha as mexericas na calçada. Mas nos leva sempre para a frente. O amor é o que nos deixa melhores! Nunca piores.

O que empata, amarra, prende, cerca, encurrala, acorrenta, restringe, diminui e atrasa tem qualquer outro nome. Menos amor. Quem se sente preso ao outro já não tem amor. Quem sente a vida andando para trás já não ama. Se é para estarmos juntos, com amor, vamos em frente! E que a vida decida até quando nossos rumos serão os mesmos.

O amor é a topada divina no caminho, a dor que nos lembra: “você ainda vive!”. É um sinal de vida. E o sentido da vida é para a frente! Só tropeça no amor quem anda por aí, quem vive em movimento. Quem cai e quem levanta. É pra você e é para mim. O amor é para todos aqueles que caminham pela vida!

Animação mostra como o arriscar-se da paixão pode levar a plenitude

Animação mostra como o arriscar-se da paixão pode levar a plenitude

“Tumbleweed Tango” é uma animação que, em cerca de 3 minutos, nos torna cúmplices da paixão entre dois balões que estavam perdidos em um deserto cheio de cactos. Presenciamos o entregar-se a um relacionamento que necessita de total confiança, adaptação e parceria. Ao som do tango e da dança mútua, um caminho é trilhado em busca da plenitude.

Vejam!

O amor não é lindo.

O amor não é lindo.

O amor não é lindo.

O amor pode ser bobo, engraçado, confortável, amigo, familiar, humano, chato, dramático. Mas o amor não é lindo.

Talvez o pré-amor seja bonito, instigante, misterioso, encantador. Talvez o nascimento do amor seja lindo. A explosão de uma energia bela, grande, a magia do sentimento reciproco, a descoberta um do outro, o encontro de químicas.

Mas, ao caminhar, tantos outros predicados se aglutinam ao amor que ele se torna outro, talvez grande, talvez forte, mas não lindo.

No amor cotidiano, o frio na barriga é substituído pela segurança de um ombro amigo. Os beijos apaixonados, pelos carinhos afetuosos. O jogo da conquista, pelos hábitos.

O que coloca cor nos dias não é mais as descobertas um do outro, o tesão à flor da pele, o amor diário se equilibra na leveza, na ternura, nas conversas, na habilidade em manter acesa a chama. Nas individualidades preservadas e partilhadas.

Compartilha-se contas, problemas, dores de cabeça, mal hálitos, olheiras,  neuroses, vícios, gripes e TPMs mas também compartilha-se companheirismo, mãos dadas, amizades, taças de vinho, ideias, empreitadas, férias malucas, planos, caretas, piadas, corpos cansados, inícios de dietas, descobertas, séries de TV favoritas, livros, rasteiras, corridas bestas na rua, cabelos brancos, segredos, eventos chatos, comidas preferidas, camisetas velhas, banheiros, camas, silêncios.

A magia do amor acaba, mas fica a beleza do caos. Fica o amor imperfeito, e isto é quase um pleonasmo!

Percebe-se que o encantamento é efêmero, mas as louças sujas são eternas. O último iogurte na geladeira desaparece, mas a lembrança do primeiro beijo e do primeiro olhar permanecem.

O amor cotidiano aprende a criar as próprias leis em uma selva chamada casa, desenvolve-se uma linguagem própria feita de sons (às vezes de bichos), de frases pela metade, de olhares que dizem textos inteiros, de silêncios que gritam, de corpos que se denunciam.

O amor é quase uma transmutação genética, misturam-se e adaptam-se os cheiros, os temperos, os jeitos, os pensamentos, as células, as contas bancarias, as agendas, os gostos, as partes do corpo.

Amar é cortar as unhas do pé do companheiro, espremer uma espinha nas costas alheia, é aprender a ler pensamentos, dialogar até nos sonhos, ter ideias ao mesmo tempo. É viver um pouco num segundo corpo. É cuidar e se deixar cuidar. É opinar na roupa, na redação, no trabalho, no corte de cabelo. É aprender a mentir de vez enquanto, tudo para não desencadear brigas desgastantes e que pouco importam.

Por essas e outras é que eu digo que o amor não é lindo, pelo menos não no sentido romântico do termo. Mas no sentido pós-moderno, talvez o amor seja a mais alta expressão do belo.

Como Caetano estacionando o carro Afeta Shakespeare

Como Caetano estacionando o carro Afeta Shakespeare

Segundo Caetano, você precisa saber da piscina, da margarina, da Carolina, da gasolina, mas segundo uma parte da imprensa, você precisa saber que o Caetano estacionou o carro no Leblon numa quinta-feira, no dia 10 de março de 2011. Só isso. A notícia é essa. Caetano Estacionou o Carro no Leblon. E não era uma denúncia, por ele ter estacionado em local proibido, nem um flagrante, por ele estar se dirigindo a um lugar suspeito. Ele apenas estacionou o carro e alguém, no portal Terra, achou que era notícia e publicou o fato com três fotos. Infelizmente, em nenhuma delas Caetano aparece estacionando o carro. Mas talvez tenham achado que pudesse ser uma redundância que não acrescentaria nada à notícia, sei lá, e temos que nos contentar em ver Caetano atravessando a rua depois de estacionar o carro. De qualquer forma, o dia 10 de março de 2011 entrou para a história do jornalismo brasileiro. Em 2015, teve até evento para comemorar os 4 anos do feito.

E é importante que se comemore, todos os anos a partir de agora. Não, obviamente, para celebrar o feito, mas para questionar. E são várias questões. Por que a cobertura jornalística da vida de celebridades fascina tanto? O quanto essa cobertura tem de impacto na sociedade?

Dá para levantar várias outras questões, mas acho que a gente pensar no impacto pode ser interessante, porque ele é maior do que se pode imaginar em um primeiro momento. É só dar uma olhada na resposta que o músico Herbie Hancock deu em uma entrevista de 2013, quando perguntaram por que o jazz não faz mais parte da cena pop:

Porque não é mais a música que importa. As pessoas não querem mais saber da música em si, mas sim de quem faz a música. O público está mais interessado nas celebridades e em como determinado artista é famoso do que na música. Mudou a maneira como o público se relaciona com a música. Ele não tem mais uma ligação transcendental com a música e sua qualidade. Quer apenas o glamour.

É triste. Mas não é recente. No século XVIII, quando o culto a Shakespeare começou com força, os esforços logo se concentraram em descobrir quem era o homem por trás da obra. E as descobertas não foram animadoras. Os poucos documentos relacionados a ele que foram encontrados, apontavam mais um homem de negócios, que lidava com grãos e fazia empréstimos com juros, do que um homem de teatro ou poeta sensível. Mesmo o seu testamento não ajudou muito, já que lá não há menção nenhuma a livros para serem distribuídos, mas em compensação, ele deixa para a sua mulher a “segunda melhor cama” da casa.

Logo, começaram a surgir as hipóteses de que aquele homem nascido em uma cidade pequena e rural, com acesso reduzido à educação, não podia ser o mesmo artista que escreveu uma obra onde aparecem, no total, 29.000 palavras diferentes, sendo 2035 palavras cunhadas ou registradas pela primeira vez por ele. (só para comparação, a versão do Rei Jaime da Bíblia, contemporâneo de Shakespeare, emprega somente 6.000 palavras diferentes). O autor tinha que ser alguém da nobreza ou um grande filósofo, evidentemente.

E assim, começou a busca por um candidato que melhor se encaixasse no perfil que se imaginava para o autor daquelas peças. Teorias foram desenvolvidas, conspirações imaginadas e muito tempo e esforço foram empregados para provar que Shakespeare era uma farsa. Até gente como Mark Twain e Freud embarcaram nessa, quando poderiam ter utilizado o tempo de forma mais produtiva. Ou não.

A última semana foi marcada por uma reforma ministerial, ameaças de Impeachment e novas denúncias contra Eduardo Cunha, mas segundo o ranking das notícias mais lidas do UOL, essas foram as que ficaram em primeiro lugar, a cada dia:

24/09/15 – Rafael Ilha desfalca A Fazenda 8 de última hora e é substituído

25/09/15 – Cantora é cotada como nova parceira de Chimbinha

26/09/15 – Mike Patton salta do palco e cai sobre grade no no Rock in Rio

27/09/15 – Protagonista morre no fim da 1ª fase de “Além do Tempo”

28/09/15 – Mães fazem ensaio nu com os filhos para mostrar a mulher real

29/09/15 – Yasmin Brunet nua chocou os pais? Nada! Eles viviam pelados

30/09/15 – Apresentadora de afiliada da Globo morre aos 32 anos

01/10/15 – Por engano, mulher envia foto do seio para o chefe por app

02/10/15 – “Eu sou o viagra dele”, afirma mulher de Stênio Garcia

03/10/15 – Jogador errou o pênalti, mas salvou time por saber a regra

Quem lê tanta notícia?, pergunta Caetano. Bom, pelo jeito, nós lemos. Mas não impunemente.      O que é bom, pra manter o samba de Roberto Silva, lançado em um disco de 1961, sempre atual. Ou não.

O Jornal da Morte

Veja só esse jornal, é o maior hospital
Porta voz do bang-bang e da policia central
Tresloucada, semi nua, jogou-se do 8º andar
Porque o noivo não comprava maconha pra ela fumar.

Um escândalo amoroso com os retratos do casal
Um bicheiro assassinado em decubito dorsal
Cada página é um grito, um homem caiu no mangue
Falta alguém espremer o jornal pra sair
Sangue, sangue, sangue….

“A fraternidade tem subtilezas”, por Fernando Pessoa

“A fraternidade tem subtilezas”, por Fernando Pessoa

Hoje, como me oprimisse a sensação do corpo aquela angústia antiga que por vezes extravasa, não comi bem, nem bebi o costume, no restaurante, ou casa de pasto, em cuja sobreloja baseio a continuação da minha existência. E como, ao sair eu, o criado verificasse que a garrafa de vinho ficara ao meio e voltou-se para mim e disse: “Até logo, sr. Soares, e desejo melhoras”.

Ao toque de clarim desta frase simples a minha alma aliviou-se como se num céu de nivens o vento de repente se afastasse. E então reconheci o que nunca claramente reconhecera, que nestes criados de café e de restaurante, nos barbeiros, nos moços de frete das esquinas, eu tenho uma simpatia espontânea, natural, que não posso orgulhar-me de receber dos que privam comigo em maior intimidade, impropriamente dita…

A fraternidade tem subtilezas.

Uns governam o mundo, outros são o mundo. Entre um milionário americano, um César ou Napoleão, ou Lenine, e o chefe socialista da aldeia – não há diferença de qualidade mas apenas de quantidade. Abaixo destes estamos nós, os amorfos, o dramaturgo atabalhoado William Shakespere, o mestre-escola John Milton, o vadio Dante Alighieri, o moço de fretes que me fez ontem o recado, ou o barbeiro que me conta anedotas, o criado que acaba de me fazer a fraternidade de me desejar aquelas melhoras, por eu não ter bebido senão a metade do vinho.

Fernando Pessoa, em “Livro do Desassossego”, nota 24 (pág. 57)

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