A história de Ling e Maurice

A história de Ling e Maurice

Ling e Maurice estavam em uma excursão conhecendo o Chichén Itzá, uma cidade arqueológica maia localizada no estado mexicano de Iucatã, quando se conheceram quase na virada deste milênio. Ling fala chinês, Maurice, francês e os dois só se comunicam até hoje “muito bem” em inglês, ainda que cada um com seu sotaque. Ling é escritora e amante da filosofia e das ditas ciências exatas. Maurice é um francês alucinado que curte Lacan e artes marciais. Enfim, enroscaram as línguas, lamberam-se intensamente, amaram-se e foram morar juntos em Nova Iorque, onde Maurice conseguiu um emprego.

Ainda que duas pessoas quaisquer nesse mundão de meu deus sejam dois universos, Ling e Maurice eram dois, digamos, sistemas que viviam coisas absurdamente diferentes até mesmo quando estavam juntos, como por exemplo, fazendo amor. Maurice, que conjugava no passado, no presente e no futuro, imaginava o tempo como uma reta horizontal começando na esquerda e terminando na direita assim como muitos de nós escrevemos. O relógio, de fato, marcava a passagem de algo para ele e, ao gozarem, o sexo para Maurice terminava em um instante definido. Ling com sua mente moldada pelo mandarim não pensava sobre o que está para trás ou por vir já que nesta língua não há o que chamamos de pretérito, de ontem e nem de amanhã. Enfim, as coisas para ela se, por exemplo, aconteciam no que chamamos de Domingo, começavam (se é que podemos dizer assim) desde  xīng qī sìxīng qī wǔxīng qī liùe continuavam na xīng qī xīng qī èrxīng qī sān que são os dias da semana que vêm antes e depois do que na língua inglesa chamam de dia de Sol. Expliquei-me mal porque o português me limita. O que quero dizer é que, para Ling, a dança entre eles persistia ainda que a música não fosse mais ouvida.

Escutar as histórias de Ling, mesmo que ela as conte em inglês, causa uma confusão dos diabos na cabeça de Maurice. Ling tem uma cronologia própria dos orientais que é um desafio para qualquer um que deseje se aventurar no campo da sinologia ou que queira simplesmente conversar com uma chinesa. Ling não consegue conjugar o verbo “to be” com a mesma naturalidade de Maurice que fala je suis isso, je suis aquilo. O mundo material para ela sempre foi entendido como um mundo que constantemente se transforma e qualquer manifestação da realidade para Ling é dada sempre em uma forma dinâmica. Assim, voltando para o entrelaçamento de pernas que acontece entre eles,  a essencialidade dessa troca de fluidos não se apresenta diretamente para ela, mas é apenas mediada pela forma com que emerge. Já para Maurice, o mundo é formado por várias coisas que são, em grande medida, objetos materiais. Oras, em chinês, “coisa” nem sequer tem tradução equivalente porque eles consideram tudo como “fenômenos”. Como conjugar o verbo “ser” dentro de uma realidade em completa mutação?, essa é uma pergunta que Ling se faz sempre que tem que dialogar com Maurice em inglês.

Amar, esse verbo intransitivo para Mário de Andrade e um intrometido para mim, era infinito para Maurice assim como o é para muitos de nós mortais e ocidentais. L’amour c’est éternel!, pensava ele em francês quando lembrava de Ling que, por sua vez, via tudo em processo de natural geração, maturação, decadência e extinção, sejam objetos, animais, planetas, estrelas, galáxias… ou o amor. Traduzindo o que cada um diz para o português quando se ouve deles um “I Love You” no acariciar de suas línguas, Ling profere: eu continuo em você e Maurice, eu me identifico com você… ou algo assim. Mencionei isso somente para conseguirmos vislumbrar o que vem a ser a comunicação entre Ling e Maurice e os demais seres humanos. Como nos entendemos – se de fato nos entendemos – é um milagre.

Maurice acredita que escolheu viver com Ling pois, para ele, há uma cadeia causal. Ling percebe que amar a companhia de Maurice é um processo que ocorre completamente independente de sua vontade. Se ela pudesse escolher, escolheria não amar para não sofrer.

Percebam como as realidades de ambos são ímpares. Os átomos do corpo de Maurice, para ele, pertencem a ele somente. A despeito da física moderna nos mostrar que quando duas partículas emaranhadas estão distantes umas das outras elas ainda se comportam como uma entidade única, levando ao que Einstein chamou de ‘ação fantasmagórica à distância’, a ciência é tida como um conjunto de “teorias” ou “hipóteses” para muitos. Portanto, essa informação não é suficiente para alterar a sensação da existência de seres únicos que era, por exemplo, ele -Maurice – e outro independente que ele chama carinhosamente de “minha Ling”.

Os átomos de Ling, vejam vocês, têm uma história completamente distinta. Originaram-se no interior de estrelas como subproduto de uma atividade que produz sua energia ao fusionar alguns elementos. Eles se espalharam pelo espaço quando esses astros explodiram no final da sua vida e concentraram-se ao redor do Sol quando ele se formou, passando a fazer parte do planeta Terra e, finalmente, chegaram a formar o corpo de Ling. Um dia, esses átomos voltarão a se espalhar pelo espaço, independentemente do fato de Ling ter sido cremada ou sepultada. Para Ling, então, há muita coisa acontecendo além do seu “eu”. Seus desejos aparecem sem que sejam convocados. Ling não sabe onde ela começa e muito menos onde termina, mas entende que seu ser agora engloba o de Maurice.

De qualquer forma, independente do filtro usado pelo olhar de Ling ou de Maurice e como eles interpretaram o que entre os dois aconteceu, o que eles viveram é algo que no português traduzimos como “felicidade”, aquilo que funciona como a borboleta: quando a perseguimos nos escapa, quando desistimos de persegui-la, pousa em nós. Nem ela nem ele foi para aquela excursão em Chichén Itzá buscando alguma coisa além de entretenimento e quando menos esperavam o inseto supracitado invadiu o estômago de ambos.

Quando Ling conheceu Maurice, estava como sempre interessada em viver o presente que em seu idioma pátrio engloba os outros tempos verbais  tanto o passado quanto o futuro. Nem sei se foi certo isso que disse, pois para muitos chineses não há antes, durante e depois. Enfim, seja o que for, Ling observou a beleza de Maurice assim como a inteligência do lindo rapaz não somente como uma oportunidade, aquilo que vem ao nosso encontro, mas também como um tipo de disponibilidade, a abertura que temos de ter para acolhê-lo.

Maurice, por ter se desenvolvido dentro de um outro mundo onde é imposto a separação e a oposição dos tempos verbais, tinha-lhe o presente inacessível, pois, este foi reduzido no plano físico a um ponto sem extensão, ou seja, a um instante. Portanto, Maurice estava condenado, no plano metafísico, a viver de lembranças e se projetando em um ilusório caminho que só existe em mentes que separam o subjetivo do objetivo como funcionam as dos ocidentais. Ora, e desde quando viver passou a ser da ordem da travessia entre dois extremos? O “viver em si” é pensável do exterior? Para Maurice, essas perguntas sequer eram inteligíveis. Mas ainda assim, ele queria viver com sua Ling o futuro, assim por ele entendido, que lhe restava.

E saibam que, até hoje, esse casal vive junto. Ling, sem acreditar em  livre-arbítrio. Maurice, constantemente querendo entender o que ele é afinal. Essa questão que tanto o movimenta, ele jamais conseguiu traduzir para sua Ling de uma forma que ela o compreendesse, pois,  pelo menos na escrita chinesa, não há equivalente para o verbo “être” ou “to be“. Se o que um fala o outro assimila como é pensado por quem discorreu não sabemos. Possivelmente, pelo pouco que consegui relatar aqui, não. Nem sequer um consegue se apoderar das muitas perguntas do outro…

Há quem acredite que o amor está na soma das compreensões. Clarice Lispector, na contramão, disse que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Eu creio, depois de ter conhecido Ling e Maurice, que o entendimento entre quaisquer dois seres nesse planeta só acontece com a partilha de sentimentos como sofrimentos e alegrias. Afinal, sentir é pensar sem ideias, e por isso comungar sentimentos é, de alguma forma, um entendimento – visto que o Universo não tem ideias.

Ling e Maurice nasceram, como nós, com vários defeitos, mas não o de querer entender uma pessoa só com a inteligência. Ambos sabem que o que se pensa não pode ser assimilado pelo outro, seja pelo obstáculo da língua seja porque simplesmente a comunicação é mesmo um tipo de ilusão. E eles não estão nem aí para isso, pois, perceberam que compreender o que outra pessoa pensa é concordar ou discordar dela. Mas compreender o que um ser sente… ah aí é fazer com que dois universos sejam amalgamados pela eternidade – seja lá o que isso for.

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Agradeço a Júlio Camacho por ter me inspirado essa história.

Você já ouviu falar da personalidade empata? Saiba mais sobre ela aqui

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POR DAIANA GEREMIAS

Empatas são, basicamente, pessoas com uma sensibilidade extrema e que conseguem sentir as energias do ambiente e das pessoas que as cercam. Costumam ter grandes variações de humor, uma vez que a forma como se sentem é influenciada por sons, cheiros, lugares, animais e, inclusive, por aspectos climáticos. Por causa dessa hipersensibilidade, sentem-se sobrecarregadas frequentemente.

De maneira simples, a descrição acima define o que é ter uma personalidade empata. O termo, no entanto, tem formas diferentes de definição, já que é estudado por aspectos da psicologia, da neurociência e, inclusive, da ficção científica.

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Definições

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“Empatas são altamente sensitivos, são instrumentos afinados quando se trata de emoções. Eles sentem tudo, às vezes ao extremo, e são menos aptos a intelectualizar sentimentos. A intuição é o filtro pelo qual eles experimentam o mundo. Empatas são naturalmente doadores, espiritualmente sintonizados e bons ouvintes”, resumiu a psiquiatra Dra. Judith Orloff.

Para a ficção científica, empatas são pessoas com uma capacidade de ler as emoções dos outros “através de uma forma de percepção extrassensorial”. Não são telepatas, contudo, já que essa sensibilidade não significa que conseguem ler mentes – nesse sentido, podemos usar a conselheira Deanna Troi, de “Star Trek: A Nova Geração”, como exemplo de uma personagem empata.

“Ser um empata é muito mais do que ser altamente sensitivo, e não é algo limitado somente às emoções. Empatas conseguem perceber sensibilidades físicas e urgências espirituais, assim como apenas sabem quais são as motivações e as intenções das outras pessoas. Ou você é um empata ou não é”, escreveu Christel Broeuderlow no site The Mind Unleashed, que publica apenas conteúdos relacionados a novas descobertas e percepções sobre a mente e o comportamento humano.

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Como falamos muito em sensibilidade e energia ao definir empatas, é comum que pessoas mais céticas questionem essas definições, mas a verdade é que a Ciência também estuda esse tipo de temperamento. Nesta pesquisa, por exemplo, os cientistas mostraram que há relação entre crises de ansiedade e temperamento empata.

“Os resultados confirmam hipótese de que indivíduos com alta ansiedade social podem demonstrar um perfil social-cognitivo único com altas tendências cognitivas empáticas e alta precisão em atribuições de estados mentais e afetivos”, diz a conclusão do estudo.

Essa ligação entre uma personalidade empata e problemas de ansiedade e convívio social tem a ver com o fato de que, frequentemente, essas pessoas sentem uma verdadeira necessidade de ficarem sozinhas. Como são “esponjas emocionais”, ficam sobrecarregadas e absorvem os sentimentos de pessoas estranhas, inclusive.

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Essa questão de absorção emocional, quando estudada dentro da neurociência, avalia as diferenças das atividades cerebrais entre indivíduos empatas e não empatas. Em 2013 foi descoberto que a área cerebral ligada à empatia está localizada no giro supramarginal, que é parte do córtex cerebral e fica localizado perto dos lobos temporal e frontal.

Trata-se, basicamente, de uma região do cérebro cuja função é fazer a distinção entre nossas próprias emoções e as alheias. Quando precisamos tomar uma decisão muito rapidamente, por exemplo, essa região tem sua atividade reduzida.

Há muitos estudos que buscam compreender os mecanismos de empatia, inclusive quando se busca entender melhor a psicopatia – psicopatas não são capazes de sentir empatia. Ao que tudo indica, as atividades cerebrais dos psicopatas são opostas às dos empatas – enquanto os empatas sofrem com o sofrimento alheio, os psicopatas chegam a se divertir com ele.

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Quando o que está em questão é o cérebro dos empatas, podemos considerar também as atividades neuronais de espelho, que é o que explica como os empatas conseguem sentir tão rapidamente o que a outra pessoa está sentindo. Um experimento publicado na Scientific American comprovou que os empatas são realmente capazes de sentir o sentimento dos outros.

Para conseguir ter certeza disso, um grupo de voluntários teve suas atividades cerebrais monitoradas por meio de ressonância magnética, de modo que os cientistas conseguiram reconhecer esse comportamento neuronal espelhado. Enquanto eram monitorados, os participantes assistiam a filmes curtinhos que mostravam pessoas sendo tocadas.

“Os escaneamentos cerebrais revelaram que o córtex somatossensorial, que é um complexo de regiões cerebrais que processam a informação do toque, estava altamente mais ativo durante a apresentação dos filmes – ainda que os participantes não estivessem sendo tocados em momento algum”, explicou Jakob Limanowski, doutorando da Berlin School of Mind and Brain.

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É importante frisar que essas comprovações científicas têm relação com a empatia, mas não com a definição do indivíduo como empata. Essa definição, embora exista e seja aplicada por quem estuda o assunto, tem como base os estudos envolvendo apenas a empatia em si.

A psiquiatra Orloff, que citamos no início do texto, fez uma relação de perguntas que você pode fazer a si mesmo caso acredite que possa ser uma pessoa empata e queira tirar a prova dos nove. Confira:

  •         Eu já fui rotulado como “emocional demais” ou extremamente sensitivo?
  •         Se um amigo está nervoso, fico nervoso também?
  •         É fácil que alguém magoe meus sentimentos?
  •         Fico emocionalmente drenado em meio a multidões e preciso de um tempo sozinho para recarregar as energias?
  •         Sou afetado por barulhos, cheiros e conversas em excesso?
  •         Eu prefiro ir de carro aos lugares, em vez de pegar carona, para que assim tenha a liberdade de ir embora quando quiser?
  •         Eu como em excesso para lidar com o meu estresse emocional?
  •         Tenho medo de ser tragado por relacionamentos íntimos?

Orloff explica que, se você respondeu “sim” a mais de três dessas perguntas, é bem possível que você tenha um temperamento empata ou que, no mínimo, apresente fortes traços desse temperamento. A especialista diz que se reconhecer como empata é o primeiro passo para quem busca lidar melhor com os problemas que isso pode trazer, especialmente no que diz respeito a relações interpessoais.

A sensação de falta de energia, a dificuldade de se envolver demais em situações sociais ou com muitas pessoas, a necessidade extrema de solidão e a dificuldade de ver filmes ou séries com temas violentos e/ou dramáticos são alguns fatores que comprometem a vida social, afetiva e profissional dos empatas.

Nesse sentido, é preciso aceitar que esse é o seu tipo de personalidade. Ainda que a maioria das pessoas sinta pavor de solidão, o empata não precisa se sentir mal por realmente gostar de ficar sozinho. Empatas são pessoas que precisam estar longe das outras de vez em quando, justamente porque absorvem demais a energia delas.

Esses indivíduos podem se beneficiar de um tempo passado em contato com a natureza, de exercícios de meditação e yoga e, inclusive, deve aprender a dizer “não”, pois é bastante comum que as pessoas recorram aos empatas quando precisam de ajuda ou quando necessitam desabafar a respeito de algum problema muito íntimo – como são bons ouvintes e conseguem se colocar no lugar dos outros com extrema facilidade, empatas costumam dar bons conselhos, e pessoas adoram quem dá atenção e bons conselhos.

Empatas precisam respeitar as próprias necessidades, ainda que constantemente sintam vontade de ajudar aos outros. Se vão a uma festa cheia de amigos que adoram e sentem a necessidade de ir embora duas horas depois, é isso o que devem fazer. Não significa que não gostam de seus amigos ou da festa, mas que têm uma forma diferente de conviver socialmente. Independente de qual seja o seu temperamento, respeitar suas próprias necessidades é fundamental.

FONTE(S)

Mother Nature Network/Starre Vartan
Dra. Judith Orloff
Scientific American/Jakub Limanowski
NCBI
Huffington Post/Judith Orloff MD
The Mind Unleashed
Psychology Today/Christopher Bergland

Do original indicado: Mega Curioso

A verdade sobre o Big Brother, por Orwell, Marx, Foucault e Bauman

A verdade sobre o Big Brother, por Orwell, Marx, Foucault e Bauman

Nas ruas, em casa, no trabalho, na escola, nos shoppings, em qualquer lugar a que vamos, somos vigiados. Nada escapa aos olhos, digo, às lentes atentas das câmeras. Somos monitorados, invadidos, fiscalizados, escaneados e mais um pouco. Nada de privacidade, tudo se convergiu em púbico ou potencialmente em público. E não ousem pensar em nada diferente, pois a vigilância, nos nossos tempos é, em grande parte, voluntária.

O controle feito pelo Partido, “personificado” pelo Big Brother, no mundo distópico de Orwell, dá-se pela vigilância constante, a qual controla tudo, inclusive, os pensamentos dos indivíduos. Desse modo, o indivíduo deve estar integralmente sob o controle do Big Brother, que tudo vê e ouve. Assim, qualquer desvio de conduta, ainda que seja em pensamento, é considerado crime, o qual se chama “crimideia”.

Não há, portanto, a possibilidade de o indivíduo pensar por si mesmo, tampouco questionar a realidade posta pelo Partido. Bem como todo meio que propicie o autoconhecimento, como fazer algo sozinho, é visto como uma conduta imprópria e perigosa, a qual se chama “proprivida”. Ou seja, os indivíduos são despersonalizados e convertidos em autômatos controlados pelo Big Brother.

O mundo, em 1984, não difere em nada do nosso. A vigilância que sofremos contemporaneamente é tão autoritária e controladora quanto a do livro. Assim como no livro, somos dominados pela ideologia dominante, o que significa dizer, em termos marxistas, que a dominação não acontece pela força, mas sim pelo convencimento. Isto é, a realidade é moldada segundo as vontades da classe dominante, que nos vende como verdades as suas mentiras arquitetadas.

Essa falsa consciência da realidade, que aceitamos, no entanto, não é construída e controlada apenas pelo Estado. É o que bem atenta Foucault, uma vez que os mecanismos de poder, na sociedade capitalista, subdividem-se em microrrelações, de modo que ultrapassam o Estado e atingem a vida cotidiana. Sendo assim, a vigilância acontece em todas as esferas do convívio social, produzindo e impondo normas de comportamento e adequação.

Seguindo o modelo do panóptico, há uma visibilidade total do indivíduo, fazendo com que a sua vida privada também se converta em pública, a fim de que seja controlada nos mínimos detalhes. Esse aspecto torna-se possível pelos aparelhos tecnológicos e pela internet. Estes são como a teletela de Orwell e exercem a mesma função do Big Brother, qual seja, vigiar a vida das pessoas, assim como punir os inadequados.

A vigilância total das sociedades atuais deveria causar desconforto e falta de liberdade. Entretanto, as pessoas parecem estar à vontade e totalmente dispostas a contribuir ao controle. Imersas no conteúdo midiático, seguem as ordens do Big Brother, que lhes indica o que deve ou não ser feito, o que, em uma sociedade consumista, pode ser resumido como o que deve ou não ser (existe essa possibilidade?) comprado. Após isso, correm para as redes sociais, para que possam postar suas selfies, demonstrando para o Big Brother que, como bons companheiros, seguiram à risca os seus comandos.

Essa vigilância voluntária é o que Bauman chama de “vigilância líquida”, já que consentimos em não somente fazer parte, como também contribuir para o controle, desconsiderando todos os perigos de uma vida totalmente vigiada e controlada. Dentro de um modelo panóptico, isto é, de visibilidade total, a vigilância tornou-se liquefaz e, assim, capaz de ocupar todos os espaços.

Com uma vida vigiada, nós nos tornamos autômatos, sem vida e subjetividade, como os sujeitos do mundo de Orwell. Embora nos achemos diferentes e autênticos, nós nos comportamos da mesma forma, como se tivéssemos saído das páginas de 1984, vestindo os macacões azuis dos membros do Partido. Somos meros reprodutores do discurso do Big Brother, sem poder crítico e com a gama de pensamento reduzida. Insistimos em manter as teletelas ligadas o tempo inteiro e não hesitamos em demonstrar a nossa obediência à sua magnificência.

Estamos sob o controle do Big Brother, para Orwell, da ideologia, para Marx, do panóptico, para Foucault, e da vigilância líquida, para Bauman. Cercados de grades que ajudamos a construir, mas que fazemos de tudo para não enxergar, somos controlados em cada suspiro do nosso pensamento. Para não sermos inadequados, abdicamos da intimidade para nos tornarmos massa singular de lentes aprisionadoras e de microfones que impossibilitam qualquer palavra autêntica, já que, quando passamos a postar fotos de comida no Instagram, fica difícil acreditar que os sonhos não estão sendo monitorados.

Notas sobre a mulher dos sonhos

Notas sobre a mulher dos sonhos

Quando ela chegar, com seu ar vintage, com seus óculos graciosos e seu cabelo lindamente curto, você ficará desnorteado.

Ela terá todo o encanto com o qual sempre sonhou e ao te abrir um sorriso você irá fitá-la deslumbrado.

Mesmo sem nunca terem se visto antes, você a desejou nas noites perdidas e solitárias de sua vida. Ela sempre esteve lá, sentada ao seu lado, alisando seus cabelos, acariciando o seu rosto, deitando sobre seu peito.

E você contou para ela todos os segredos do seu coração e desejou que ela pudesse ser de carne e osso e ao desejá-la tantas e tantas vezes a vida decidiu desnudá-la como uma surpresa boa.

Então no mercado você a vê linda e desajeitada, derrubando produtos pelo chão e se oferece encabulado para carregar as compras dela. E ela gentil, tanto quanto você, permite que a acompanhe até o carro. Ela é intuitiva e reconhece que a sua presença mexe com ela de uma forma inexplicavelmente boa, como se tivesse encontrado alguém com o qual a intimidade fosse fácil e declarada desde sempre.

Vocês se apresentam, mas isso pouco importa, pois você sabe que a amaria mesmo que ela não lhe desse palavra alguma, mesmo que ela te ignorasse no mercado, mesmo que ela dissesse que já tem outro a esperá-la em casa e recusasse a sua ajuda.

E nesse dia depois de você organizar as compras no porta-malas do carro dela, ela lhe diz do café da tarde que pretende fazer em seu pequeno apartamento e te pergunta se sua preferência é por chá ou café.

E estranhamente você já sabe que ela curte chá inglês e ela também entende de forma misteriosa que o seu gosto é para o café, assim como para os versos que você escreve para ela todos os dias.

Você é poeta. Ela é livre. Uma mulher que vive todas as suas possibilidades, que se joga no mundo em busca dos sonhos e viu em você um sonho que se desgarrou dela. Um sonho bom que por milagre tornou-se realidade.

No caminho vocês sorriem um para o outro e ela pergunta sobre a rádio e as músicas. Algo o leva a crer que ela gosta de Elvis Presley, e você até mesmo pensa em mencionar sua predileção por Luiza de Tom ou por Fascinação de Elis, mas no fim acaba preferindo o silêncio manso que se estende reconfortante entre vocês dois. Um silêncio de cumplicidade, de trocas de sorrisos e olhares.

Você se esquece do tempo ao lado dela, você se esquece que estacionou seu carro em uma vaga proibida e que provavelmente o guincho já deve tê-lo levado.

Ela diz que no prédio de três andares onde vive não tem elevador e você fica admirado ao ler na porta do apartamento dela o seu dia de aniversário seguido pelo mês de seu nascimento: Apto 16 – Bloco 2.

Ela joga a chave em cima do balcão da cozinha e pede que entre. E ao fazê-lo você aspira o ar da casa perfumada, cheio de uma essência que estranhamente lhe parece familiar. Ela aponta o banheiro, caso precise e pede que a ajude na cozinha. Fala que vão fazer um bolo de cenoura com cobertura de chocolate e então você se lembra que nunca fez um bolo antes.

Ela lhe sorri e diz que não tem problema, pois é uma boa professora. Que inclusive dá aulas de literatura em uma escola próxima. Você pensa em lhe falar dos poemas, mas resolve guardá-los no abismo de modéstia que abrange o seu eu.

Ela tira as fôrmas dos armários e das sacolas os ingredientes. Diz que vão fazer tudo, nada de massas prontas. Coloca nela um avental e busca um para você, envolvendo seu corpo com o dela para vesti-lo.

Você passa óleo em tudo e ajuda a bater a massa. Ela faz a calda e de vez em quando experimenta o chocolate lambendo os dedos de uma forma graciosa. Você finge esquecer que já fez amor com ela inúmeras vezes em pensamento e que a vontade de fazê-lo é mais forte agora do que nunca.

Assim quando colocam o bolo no forno e olham pelo vidro como duas crianças travessas, não é preciso muito para que seus olhos se toquem com cumplicidade.

Então vocês se levantam rápido, um pouco envergonhados, ligeiramente desconcertados pelos pensamentos sugestivos para os quarenta minutos nos quais o bolo ficará no forno.

Ela te pergunta se realmente é você. E você questiona de qual você ela se refere. Ela conta da mulher que o viu nas cartas e você lhe diz que também já sabia dela, mas não pelas cartas do tarot, mas pelo desejo de tê-la em carne e osso ao seu lado. Os mesmos olhos, o mesmo cabelo com uma mecha teimosa, os mesmos lábios desejosos que habitaram seu imaginário estão ali em sua frente.

Inusitadamente você sabe como tocá-la, você sabe como alcançar sua intimidade e trazer o melhor dela para o seu mundo. Então você se aproxima um pouco mais e desamarra o avental dela bem devagar e antes que ela lhe diga qualquer coisa, você tampa seus lábios com os dedos. Você nota naquele belo rosto feminino um traço de farinha e também percebe que a sua barba guarda resquícios da aventura a dois na cozinha, mas ambos se importam bem pouco com isso.

Você passa a mão pela cintura dela. Contorna a curva delicada daquele corpo de mulher que se moldou no seu tantas vezes na imaginação e delicado inclina a cabeça dela e a beija demorado, sentindo o gosto do chocolate com o qual ela se esbaldou durante a receita. Mas dentro do calor da boca dela o gosto parece repleto também de um delicioso toque de avelã. Sim, ela embriaga carinhosa todos os seus sentidos e o faz crer que tudo que viveu até ali valeu a pena. Ela o faz desdenhar a solidão que o acolheu tão bem até ali.

Você ouve o arfar profundo dela quando seus lábios se afastam e ao abrir os seus olhos encontra outros desejosos, moldados por um largo delineador escuro. Ela tem os cílios longos e carregados de um rímel preto e a cor de sua íris é a de um mar turquesa no qual você se afogaria sem clemência.

Ela te puxa pela mão e o leva até o quarto. Nele pequenas luzes de pisca pisca contornam a parede até a cama e na cabeceira a foto da cidade na qual você nasceu. Ela sorri, diz que sempre sonhou conhecer o lugar e você entende que algo maior tramou para que vocês dois finalmente se encontrassem.

Ela deixa que você tire a blusa dela, revelando os peitos macios emoldurados por um sutiã rendado e pede com os olhos que você faça amor com ela, mas ela não precisaria pedir por nada, pois você a deseja desde muito.

Assim, delicadamente intrínsecos, mergulhados de súbito na natureza um do outro, vocês se declaram mutuamente e a sua poesia transborda para os ouvidos dela em versos, palavras, gemidos e chamados.

E quanto o forno apita, indicando que podem resgatar de lá o bolo para o café, o apito se perde em meio às suplicas carinhosas de dois que se amaram antes mesmo de se conhecerem.

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Crianças na cama dos pais

Crianças na cama dos pais

Quando o bebê chega em casa, o instinto materno conduz para os cuidados desse novo ser. Ansiando pelo cuidado adequado, a mãe ou o casal decide colocar a criança no mesmo quarto e até mesmo na mesma cama que eles. Garantindo assim o cuidado extra que imaginam ter que despender ao recém nascido.

Para os pediatras, dormir com a criança pode causar acidentes fatais. “É alto o risco de sufocamento do bebê que dorme na cama com os pais”, diz o pediatra Sylvio Renan, autor do Blog do Pediatra. Para ele, o bebê deve permanecer no quarto dos pais em um moisés ou no carrinho só durante o primeiro mês de vida. “Isso diminui a ansiedade e facilita o aleitamento”, diz.

Mas, se seu filho já tem mais de um mês de vida, não há razões para que ele permaneça no mesmo quarto que seus pais. Há questões subjetivas implicadas também considerada “fatais” pelos psicanalistas.

Ao ocupar a cama dos pais, a criança ocupa outro lugar subjetivo na família que não é o dela. Podemos nos perguntar: quem dorme com a mãe? Porque o pai deve dormir com a mãe? E porque os adultos dormem juntos?

Um casal dorme junto para estreitar a relação, torná-la íntima a ponto de haver relação sexual. Certo?

Então o que uma criança faz na cama de seus pais? Que relação estreita é essa entre mãe e filho ou pai e filho que é necessário dividir o espaço de intimidade, inclusive sexual e do corpo erotizado?

Desde Freud sabemos que há sexualidade infantil e que essa sexualidade passa por fases, onde a criança descobre seu corpo e o prazer que pode obter dele. Ao deitar-se constantemente com um adulto, o mesmo influência nessa sexualidade, com a proximidade demasiada do corpo da criança com o corpo do adulto, podemos ter certeza de algumas consequências- que vão desde insegurança, alterações alimentares e de qualidade de sono até sentimentos de incapacidade, angustia ou fobias.

Ao ser mantida no lugar que não é dela, o lugar da cama que deveria ser do parceiro afetivo do progenitor, a criança é incumbida, inconscientemente, de ser um parceiro numa posição diferente ao de filho.Vê-se no lugar de seu pai ou de sua mãe e angustia-se pela impossibilidade de ser. É impossível para a criança ser o adulto que ocupa a outra metade da cama.

Sabe-se que a criança, em determinado momento de sua infância, identifica-se com um dos progenitores. Consegue resolver suas inquietações quanto ao amor despedido hora para um, hora para outro de seus pais. Identifica-se com ser homem ou ser mulher. Como fazê-lo se esta ocupando antes mesmo de sair desse conflito, o lugar designado, na cama, de ser esse homem ou essa mulher? Veja que há uma escolha objetal em jogo e fica muito mais complicado se esse jogo for entre os lençóis de seus pais.

A relação de dependência afetiva também é mantida. A criança que permanece no quarto dos pais, também permanece naquele primeiro mês de vida onde não podia cuidar-se minimamente. A estada no quarto ou na cama dos pais, assegura-lhe um ser incapaz de crescer e de cuidar-se sozinha.

Mais grave ainda quando a criança já é um pré-púbere. Como amar outra mulher se ocupo o lugar de um homem na cama de minha mãe? O pré adolescente que se encontra ainda na cama de seus pais, além de infantilizado, também se vê proibido de amar um outro que não esteja no triângulo entre ele e seus pais.

Muitos pais se tornam dependentes da estada do filho em suas camas. Causando-lhes fortes dores psíquicas. Tornando-os escravos de uma infância a serviço do desejo do outro. Esses pais desfazem-se de suas vidas sexuais. Um ciclo de dependência e angustia se criam.

A criança ainda pode se sentir tão poderosa a ponto de nortear a vida da família. “Sua majestade o bebê” pode tudo. Decidir o que come, onde vai, o que compra e inclusive quando seus pais terão intimidade e se terão.  O quarto e a cama de seus pais também serão são seu reino e sua coroa.

(Autor: Raquel Romano, psicóloga, psicanalista e psicopedagoga)

(Fonte: http://rrclinicapsi.com.br)

Conteúdo disponibilizado pela nossa página parceira Fãs da Psicanálise.

Beasts of no nation, o filme (a devastadora história das crianças soldados da África)

Beasts of no nation, o filme (a devastadora história das crianças soldados da África)

O arrebatador filme Beasts of no Nation é baseado no romance homônimo do escritor norte-americano, descendente de nigerianos, Uzodinma Iweala.

Primeiro longa-metragem da Netflix, aclamado pela crítica, com direção magistral de Cary Fukunaga e atuações irretocáveis do estreante Abraham Attah, no papel de Agu, o garoto que perde a inocência para se transformar em soldado numa guerra civil, e do ator Idris Elba, como o Comandante dos rebeldes.

Agu é uma criança feliz que vive com os seus pais e irmãos. Sorridente, imaginativo, amado pela família e pelos amigos, é um menino normal como outro qualquer da sua idade.
Nos primeiros minutos do filme, Agu diverte-se e brinca com outras crianças, tenta vender a moldura de uma televisão, em que diz ser uma “TV da imaginação”, recebe o carinho da mãe, uma bronca do pai, brinca com o irmão mais velho, vai à igreja com a família, enfim vive a sua infância.

Mas a guerra e sua brutalidade chegam ao seu vilarejo… É a África. Podia ser a Síria, o Curdistão, o Iraque, a América Latina ou qualquer outro bolsão de miséria que tanto nos cerca, que nos faz tão próximos e iguais.

No meio de uma disputa entre o governo e rebeldes, o vilarejo de Agu é devastado pelo exército. Enquanto seus habitantes são brutalmente caçados e executados, o menino consegue fugir para a selva.

Ao ser encontrado pelos rebeldes, sozinho e assustado, Agu é cooptado e obrigado a se transformar em um guerrilheiro. Neste momento vamos testemunhar a sua transformação, numa atuação esplendorosa do jovem Attah, que através dos seus olhos nos mostra, ao longo do filme, a perda da sua inocência, sonhos e esperança.

O Comandante a princípio é um personagem carismático e paternal, mas na verdade é um homem cruel e impiedoso, que doutrina as crianças, com seu discurso hipnótico e dançante, a combaterem como bestas sanguinárias.

No início do seu treinamento, a oração de Agu é apenas uma: “Deus, quero ver a minha mãe de novo. O Tenente diz que lentamente estamos vencendo a guerra. Então, se o Senhor quiser, posso acha-la novamente. Só o Senhor sabe disso.”

E assim, com medo da morte e de não rever a mãe, Agu segue com a nova “família”. Sem imaginar os horrores que encontrará pela frente. Sem imaginar que jamais voltará a ser a criança que um dia foi.

No meio de tanta violência e maus-tratos, Agu faz amizade com Strika, numa ótima interpretação de Emmanuel Nii Adom Quaye, que vira seu companheiro de infortúnio e dor. A amizade dos meninos é comovente, pois apesar de brutalizados são capazes ainda de chorar, juntos, todas as dores vividas.

Amadurecido e embrutecido, Agu sabe que sua infância está perdida. Não há mais pelo que sorrir e seus olhos agora são tristes e vazios. Sob sua ótica infantil ele nos diz:

“Todos que conheço estão morrendo. E eu penso: Se essa guerra um dia acabar, não posso voltar a fazer coisas de crianças. A guerra está consumindo tudo. Folhas, árvores, terra, pessoas. Consome tudo. Faz as pessoas sangrarem em toda parte. Somos como animais selvagens sem ter para aonde ir.”

E cheio de tristeza, como se estivesse conversando com Deus, pergunta:

“Sol, por que está brilhando neste mundo? Estou esperando para pegar você com as minhas mãos, espremer tanto que não poderá brilhar mais. Assim, tudo será sempre escuro e ninguém terá que ver todas as coisas terríveis que estão acontecendo aqui.”

Há almas que mesmo sujeitas as piores atrocidades relutam em ser totalmente corrompidas. É o caso de Agu. A sua desolação mostra que ele não sente orgulho pelo que fez, o que ele sente mesmo é saudade da família e vontade de ser criança novamente.

Mais: sente falta da humanidade que perdeu e que, no seu íntimo, ainda pode recuperar. Triste Agu. Triste humanidade. Triste somos todos enquanto a barbárie existir.

Segundo as Nações Unidas, milhares de meninos e meninas são combatentes em mais de 20 países. Seguem abaixo os alarmantes dados colhidos do site da ONU:

No Afeganistão, as crianças são recrutadas por forças nacionais e em casos extremos, usadas como homens-bomba. Em alguns territórios da Síria e do Iraque controlados pelo Isil, crianças de pelo menos 12 anos passam por treinamento militar e também são utilizadas para carregar bombas em ataques suicidas, segundo a nota de Zerrougui e da Unicef.

Na República Centro-Africana, onde a violência sectária continua sendo um problema, meninos e meninas de oito anos de idade são recrutados para o combate por todos os lados em conflito.

Já na República Democrática do Congo, os meninos são enviados para o campo de batalha, enquanto as meninas são usadas como escravas sexuais. No Sudão do Sul, foram alistadas milhares de crianças-soldado.

As crianças que sobrevivem a essas dolorosas experiências carregam danos, emocionais e físicos, na maioria das vezes para sempre irreparáveis. São crianças do mundo, são nossas crianças, são o futuro.

Quando o bom é justamente não vencer!

Quando o bom é justamente não vencer!

Vencer na vida. O que significa isso? É dinheiro? É amor? É alguma vitória que só a alguns caiba e a outros não? Uma expressão bem usada, mas desconfio demais da sua adequação. Não existe essa vitória tão ampla, tão ostensiva, tão contundente. A vida de todos passa pelos altos e baixos, vitórias e derrotas, ainda bem.

Justíssimo que se lute por vitórias, mas tão importante quanto o foco no êxito, é o discernimento para identificar batalhas perdidas, disputas desleais, provocações inúteis. Essa é a boa derrota, a que liberta, não oprime, não humilha, não trapaceia.

Ganhar a razão numa discussão em troca tão somente da última palavra é uma grande tolice. E um crachá de chatice.

Entrar numa disputa por afeto é certeza de ferimentos e muita mágoa espalhada pelo chão. E afeto não se disputa nem negocia.

As vaidades também oferecem uma briga feia, daquelas em que geralmente se mostra os defeitos alheios por não se ter qualidades suficientes para apresentar. Melhor passar.

Briga por poder, por reconhecimento, por vantagens, por prestígio… se para tudo isso é necessária uma briga, a vitória não é legítima. Não é conquistada, é tomada.

Como na brincadeira da dança das cadeiras, vale pensar que, se para sentar na última cadeira e vencer é preciso deixar alguém cair sentado no chão, talvez a grande vitória seja dividir a cadeira e ambos sentarem.

A vida não está mais para este tipo de brincadeira.

A melhor vitória é uma consciência em paz.

Evitando acidentes com animais durante a queima de fogos do Natal e Réveillon

Evitando acidentes com animais durante a queima de fogos do Natal e Réveillon

Por Feliciano Filho

A tradicional queima de fogos do Natal e Réveillon , que para os humanos é um momento de felicidade e descontração, pode trazer riscos aos animais domésticos. Por isso, é preciso que as famílias estejam atentas à sua sensibilidade em relação aos estouros provocados pelos fogos de artifício.

Por terem uma audição extremamente aguçada, é comum apresentarem um comportamento agitado e sinais de pânico. Existe a possibilidade de fugirem, se perderem e/ou serem atropelados. Há, ainda, riscos como de enforcamento com a própria coleira, acidentes em janelas e portas, quedas de locais altos, como varandas de apartamentos, sem contar o perigo de queimaduras. Alguns animais apresentam até convulsões, sendo os cães os mais sensíveis da lista. Todos esses fatores podem levar o animal a óbito – por isso a atenção nesse período deve ser redobrada.

“Quem cuida de animais, principalmente os que vivem em locais urbanos, deve prestar muita atenção. Quando em pânico, o animal se sente desorientado e tende a correr sem destino. Em datas comemorativas, é difícil encontrar atendimento emergencial disponível caso haja acidentes”, aponta o ativista em proteção animal, Feliciano Filho. “Por isso, cuidados extras são indispensáveis nesses dias. Uma providência importante é colocar dados de contato na coleira do animal, para que possa ser encaminhado à sua família, caso fuja. Se possível, colocar mais de um número de telefone, para agilizar a localização do responsável.”

Para evitar o sofrimento dos animais, Feliciano aponta alguns cuidados que irão garantir sua segurança e bem-estar:

• Acomodar os animais em ambientes em que já estejam acostumados, para que se sintam em segurança

• Fechar portas e janelas

• Verificar se os abrigos dos animais estão bem fechados

• Evitar muitos animais em um mesmo abrigo, especialmente cães, para que não haja brigas

• Uma boa dica é acostumar aos poucos os animais ao barulho, levando-os para perto da TV ou do rádio e ir aumentando o som devagar. Assim, ele não será surpreendido de forma inesperada com o barulho dos fogos

• Evitar deixá-los amarrados para não provocar enforcamento

• Em casos extremos, alguns veterinários indicam o uso de tampões de algodão nos ouvidos. Nesse caso, é preciso atenção ao tamanho desses tampões, para que não entrem no duto auditivo do animal

• E, o mais importante: nunca medicar o animal sem orientação do veterinário

Fonte indicada: Epoch Times

Conheçam também essa dica!!! Truque do pano: proteja o cachorro do barulho feito pelos fogos de artifício

A moça no vídeo poderia ter sido eu.

A moça no vídeo poderia ter sido eu.

O marido chega em casa e diz para a esposa:

-Acho que as mulheres precisam se preservar mais sabe! Olha esse vídeo.

Antes de ver o vídeo ela o fuzilou com os olhos. Nunca lhe desceu pela goela esse papo de preservação. O que precisa ser preservado é o meio ambiente!

Ela ia começar o discurso quando ele se aproximou o mostrou-lhe o vídeo. Duas mulheres caminhavam pelo parque da cidade. Uma delas vestia uma calça de ginástica branca e uma blusa colorida. A calça estava colada no corpo – como são praticamente todas as calças que nós mulheres usamos quando fazemos qualquer atividade física – e dava para ver que o bumbum dela era bonito.

O vídeo foi filmado por um homem que caminhava logo atrás delas. Chegou ao casal porque o cinegrafista amador compartilhou o mesmo para um grupo de amigos do What´s app, provavelmente porque gostou dos glúteos dela.

A única coisa que a esposa disse ao marido quando terminou de assistir ao vídeo foi:

-Poderia ter sido eu! Eu tenho muitas dessas calças e também caminho no parque. Você já pensou que poderia ter sido eu a acusada de não me preservar? Eu também tenho bumbum bonito, porém não autorizaria que o filmasse. O que esse homem fez é crime. Ele a filmou e compartilhou o vídeo sem o consentimento dela.

A conversa entre o casal terminou ali. Contra fatos não existem argumentos.

A verdade é que mais da metade dos vídeos compartilhados nos grupos masculinos não têm a autorização de suas protagonistas. Os razões mais comuns para que um vídeo com conteúdo sexual seja compartilhado são: a vingança e falta de caráter. Homens costumam se vingar de ex-parceiras exibindo-as em momentos sexuais. Mulheres traídas são algozes das mulheres expondo o que encontraram no aparelho celular dos maridos ou namorados. Homens sem caráter algum; machistas e inseguros em sua sexualidade compartilham vídeos que faziam parte do que acontecia “entre quatro paredes” ou de mulheres desejáveis talvez porque nunca as terão como parceiras sexuais.

Todos nós sabemos que muitas mulheres ganham a vida de prostituindo e a internet tem sido um bom meio de divulgarem seu trabalho. Nada contra. Estão mostrando seus corpos e consentindo que seus vídeos e fotos se disseminem feito vírus nos aparelhos celulares dos homens. O crime acontece quando a filmagem e/ou compartilhamento são feitos sem consentimento. Não importam as razões, é crime. E se você ainda tem dúvida sobre isso é só se lembrar do compartilhamento desenfreado das fotos do corpo do cantor Cristiano durante a preparação para o funeral.

O machismo é como pele para muitos homens e, na maioria das vezes, porque eles são inseguros e mal resolvidos em sua vida sexual. As vistas grossas feitas pela sociedade às atitudes assim é nociva a todos nós. Não somos nós mulheres que temos que nos preservar e usar talvez um calção de futebol masculino ou uma burca para caminharmos nos parque sem sermos filmadas. São vocês homens que tem que nos respeitar e entender que ao usarmos um biquino ou uma roupa de ginástica, não estamos lhes autorizando a nos filmar e nem tampouco a compartilhar o vídeo.

O que fazemos na cama e com quem fazemos é problema nosso. Escolhemos os nossos parceiros assim como vocês e temos direito ao mesmo respeito. O fato de uma mulher caminhar pelo parque usando calça de ginástica não significa que ela não está se preservando nem deixando de se dar ao respeito.

As burcas são utilizadas por mulheres muçulmanas. Acredito que nos dias de hoje eu não precise promover a reflexão sobre isso. A maldade e a malícia estão nos olhos de quem vê. Se você ainda não se convenceu, lembre-se que poderia ter sido eu ou que poderia ter sido a sua filha.

Em um mundo cujas relações estão sendo tão movidas por Tinder, Snapchat e nudes, se eu puder deixar um pedido a vocês mulheres eu deixo estes: Se relacionem com confiança. Criem vínculos. Lembrem-se de que sexo é algo muito bom quando se pode relaxar por estar segura de que aquela foto ou aquela performance vai ficar entra as boas e velhas quatro paredes.

Psicanálise para iniciantes e curiosos

Psicanálise para iniciantes e curiosos

A Majestade: O Divã

O Divã em psicoterapia, na maioria das vezes, representa um objeto de muito medo ao paciente que está iniciando o processo de psicanálise e, outras vezes, é fonte de curiosidade. Para que serve  o divã em psicanálise?

Esse artigo despretensioso tem como  objetivo: explicar aos curiosos, desmitificar e ao mesmo tempo enaltecer esse instrumento de trabalho tão precioso para alguns psicanalistas como é o estetoscópio é para o médico.

A Invenção: O divã foi introduzido por Freud no tratamento psicanalítico depois que abandonou o uso da hipnose, pois observou  que muitos de seus pacientes não se deixavam hipnotizar e a “cura” dos sintomas da histeria era temporário.

E desde então, Freud passou a utilizar a Associação Livre. Esse método consiste que o paciente deite-se no divã e relate ao analista tudo e qualquer coisa que lhe passe a mente. Pode ser conteúdos atuais e corriqueiros, pensamentos, emoções e lembranças.

O Objetivo: O divã tem uma dupla função, uma se refere ao analisando, pois ao se deitar, coloca-se numa posição de recolhimento, sem olhar para a figura do psicanalista, possibilitando assim, um contato maior consigo mesmo, facilitando as lembranças, sentimentos e emoções.

Dessa forma, consegue recordar suas vivências e queixas sem o olhar do analista, e consegue estar seguro para fazer suas livres associações, esse é o material trabalhado em psicanálise.

O segundo objetivo, está ligado ao analista que é mantê-lo protegido dos olhares curiosos de seus pacientes. O analista deve ser neutro e aberto a escutar qualquer conteúdo, portanto, se o profissional  tiver a preocupação de vigiar suas expressões faciais e a postura o todo o tempo do atendimento, impede de concentrar-se totalmente nas palavras que cada paciente traz e o que essas palavras provocam no analista.

Modo de usar:  A poltrona do analista deve estar sempre atrás do divã, ou seja, os olhares do paciente e do analista não se encontram. Esse posicionamento, permite que o analisando tenha uma experiência incomum, pois não enxerga seu interlocutor e concentra-se profundamente em seus processos mentais. E permite que o analista sinta-se livre para absorver o conteúdo de cada paciente que está em atendimento.

O paciente só vai para o divã depois das entrevistas iniciais, pois é depois dessa avaliação que se define a demanda do paciente e como será conduzido o processo analítico. Sendo assim, o uso do divã marca o inicio do processo psicanalítico.

Importante lembrar que o divã é um instrumento de trabalho do psicanalista, mas não a condição única de trabalho em psicanálise.

Quem será essa figura estranha que nos contempla do espelho?

Quem será essa figura estranha que nos contempla do espelho?

Mudar, trocar, arejar, arriscar-se. É preciso coragem para mudar! Mais que coragem, é preciso paciência com aqueles que não estão prontos para entender a mudança! Mudanças assustam. Pegam desprevenido. Trazem desconforto.

Quando há mudanças à nossa volta, precisamos olhar o diferente e procurar nele algum sentido; ou desafio. Depois, precisamos parar por alguns instantes e olhar a nossa própria imagem no cenário novo. E, olhar-se é um grande risco.

Muitas vezes, não temos a menor ideia de quem somos, realmente! Imaginamos uma imagem projetada de nós mesmos; envoltas em artifícios de personagem. As outras pessoas veem outra coisa. Nunca saberemos quem somos aos olhos dos outros!

Quantas vezes já teremos assustado aqueles que convivem conosco; seja de perto ou de longe. Nossa alegria, ou melancolia, assustam! Nosso amor desmedido ou comedido, assusta! Nossa forma avassaladora ou cautelosa de demonstrar paixão pelo que fazemos, assusta!

Da mesma forma, há no mundo tantas coisas que aos olhos dos outros são triviais, passageiras, ou irrelevantes, mas nos enchem de temor. Pequenas ou grandes descompassos do mundo que nos tomam de surpresa ou nos fazem recuar.

Há tantas coisas incompreensíveis à nossa volta: ganância; intolerância; agressividade; frieza. Ingredientes de um estilo de vida que teimamos em ambicionar, acreditando que haverá alívio para a nossa falta de jeito em lidar com nossas fragilidades.

Queremos ser fortes; destemidos; corajosos. Sem perceber, permitimos que essa ambição cobre de nós um preço excessivamente alto. Abdicamos do direito de nos conhecermos um pouco melhor, vivemos com pressa, amamos com pressa. Exigimos demais, de nós e do outro.

O que pode nos salvar do perigo de nos acostumarmos com a cara feia; com o jeito desastrado de quem não permite erros; com a insatisfação permanente daqueles que querem sempre um pouco mais de nós; com o gelo dos olhos de quem não enxerga além de si mesmo!?

Nossos olhos, assustados e cansados merecem uma pausa. Vamos fechá-los por uns instantes. Respirar. Sentir o corpo amolecer e alma escoar o medo de não ser aceito, admirado, desejado. Só por uns instantes.

A coragem de romper um ciclo automático de vida pode nos salvar do abismo. Sejamos fiéis àquilo que ousamos sonhar um dia. Paremos de concordar silenciosamente com quem nos rouba o brilho nos olhos. Tenhamos fé em nós mesmos para abrir mão de uma armadura dourada que pesa muito mais do que adorna. Tomemos nas mãos o nosso próprio destino. Tenhamos pelo que nos orgulhar. Porque quem não honra sua própria missão nesse mundo não é digno de si mesmo; nunca reconhecerá em seu reflexo no espelho alguém em quem se pode confiar.

Posso não saber para onde irei, mas sei bem para onde nunca mais voltarei

Posso não saber para onde irei, mas sei bem para onde nunca mais voltarei

O futuro pode ser planejado, desejado, repleto de metas a serem alcançadas e, ainda assim, sempre será incerto, improvável, impossível de ser previsto com exatidão. No entanto, desejar e lutar por um amanhã melhor e mais feliz nos faz bem, alimentando nossas forças em sempre querer continuar, inesgotavelmente, haja o que houver. Nessa jornada, devemos estar seguros quanto ao que idealizamos, bem como quanto ao ontem e aos lugares a que não poderemos mais voltar, para nossa própria sobrevivência. Há lugares para onde nunca mais devemos voltar. Jamais.

Não volte aos mesmos erros, aos conhecidos descaminhos, mas reaprenda com cada tombo, superando as próprias falhas e lidando saudavelmente com as limitações que todos temos. O ontem deve permanecer lá atrás, ancorando nosso aprendizado contínuo, de forma a redirecionarmos nossas energias em direção a acertos que nos tornarão cada vez mais humanos e mais felizes.

Não volte ao lar que já se desfez, ao colo que não acolhe, ao vazio solitário de uma companhia dolorida. Devemos ter a coragem de colocar um ponto final em tudo aquilo que nos enfraqueceu e nos diminui, tolhendo-nos a tranquilidade de um respirar livre. O nosso caminho deve ser transparente e leve, sem pesos inúteis que atravancam o nosso ir em frente.

Não volte às promessas quebradas, ao relacionamento fracassado, que em nada acrescentou na sua vida, ao incessante dar as mãos ao vazio, ao compartilhamento unilateral, ao doar-se sem volta. Todos merecemos nos lançar ao encontro de alguém verdadeiro e que seja repleto de recíprocidade enquanto se dividem os sonhos de vida. Todos temos a chance de encontrar uma pessoa que não retorne menos do que doamos, que não nos faça sentir a frieza da solidão acompanhada.

Não volte aos amigos hipócritas, às pessoas que se baseiam em interesses escusos para permanecerem ao seu lado. Amizade deve ser soma, gargalhada, brilho nos olhos e ritmo no coração. Caso não nos faça a mínima falta, caso não nos procure sem razão, nenhum relacionamento pode ser tido como verdadeiro. É preciso poder contar com alguém que permaneça ao nosso lado, mesmo após conhecer nossas escuridões, pois é essa sinceridade que sustentará nossos ânimos nas noites frias de nossa alma.

Não volte ao emprego desumano, que achata os sentidos, não reconhece seu valor, apenas criticando e pedindo sempre mais e mais, sem lhe dar nada em troca. Procure uma ocupação onde os minutos não pareçam uma eternidade, onde obtenha reconhecimento, onde possa atuar como personagem principal da própria vida. Não abra mão daquilo que você é, daquilo em que acredita, ou ninguém reconhecerá a grandeza que possui dentro de si.

Sim, não há como prever o futuro, tampouco controlá-lo. Cabe-nos cuidar do nosso aqui e agora com todo o cuidado que o hoje merece, para que diariamente preparemos, aos poucos, um caminho menos árduo, um amanhã que dê continuidade aos nossos esforços em sermos felizes. Agirmos refletidamente, enfim, nos poupará de atravessar caminhos tortuosos e solitários, sob lamentações e arrependimentos. Porque, tendo plantado paixão verdadeira, tendo cultivado relacionamentos sinceros, colheremos, certamente, sorrisos e abraços de gente de verdade, gente com a intenção de ser feliz bem juntinho, sempre.

Carta de despedida para quando eu ficar

Carta de despedida para quando eu ficar

Quando eu ficar, despeça-se dos óculos de lentes coloridas. Não aqueles transparentes, para colorir e acalmar a vista num dia de sol. Você já teve, quando criança, um daqueles óculos feitos de cartolina ou papelão colorido, com uma imagem predefinida estampada em lugar das lentes? É desse tipo de óculos que estou falando… despeça-se deles, os deixe na infância, ou, ainda, use-os só de vez em quando, de brincadeira, para divertir-se com aquilo que sabe que não é real. Fora isso, tire-os, guarde-os para os momentos lúdicos, deixe-se ver-me viva, em movimento, em constante transformação.

E nas vezes em que eu engatilhar umas balas de desafeto apontando em sua direção, despeça-se dos escudos, cale minha ira com flores, é fácil, é certo, eu irei ceder, sempre preferi flores a armas. E essa ofensiva não passa às vezes de uma irreflexão mecânica, dessas que se ativam de tão acostumados estamos a ter que nos defender no percurso da vida. Sobrevivência, sim, mas, de quando em quando, somente uma digressão. Despeço-me das pontarias, das balas, dos gatilhos.

Sei que muitos admiram a qualidade de ter facilidade em partir, em abandonar, em desapegar-se, em estar sempre deixando para trás. Eles não sabem que para quem sempre parte, o fácil mesmo é se deixar ir e não ficar. Despeça-se dos enganos. Não chame de liberdade a fragilidade dos meus laços, que se tornaram escorregadios tomados pelo lodo dos contratempos. Despeça-se das falsas admirações, critique-me se necessário, mas por isso e não pelo contrário.

Quando eu hesitar em seguir em frente, para esse duvidoso progresso que só se sustenta na lei do rompimento com os conflitos, transforme em dança esse meu movimento de “vai não vai”, dê ritmo, deixe os atritos para os pés que se intercalam no chão, eu irei me abalar, eu irei me embalar, não sou feita de aço. Despeça-se da indecisão, deixe as palavras confusas transformarem-se em música, quando na dança se tornarem conscientes de sua insuficiência em comunicar algo que por si só faça sentido.

E se dissolvidos pelos percalços nos perdermos em palavras agressivas, desprovidas de razão ou emoções definidas, quando a desconfiança nos convencer em ceder a bárbaros ataques gratuitos, desfaça-se dos encontrões violentos, deixe que os corpos se encontrem em abraços, despeça-se das minhas palavras estúpidas, eu me despirei delas e também esquecerei das suas.

Quando eu ficar, mas me desviar com os olhos, simulando a ausência na minha presença integral tão imaturamente, pegue meu rosto com suas mãos, suavemente, minhas articulações não são tão rígidas quanto faço parecer. Coloque-me em direção ao seu rosto, insista para que eu te veja, para que olhe nos seus olhos, deixe que os nossos silêncios se resolvam.

Mas, se mesmo depois de tudo, partir for o que resta, pelos desígnios da vontade ou pela falta dessa, seja minha, seja a sua decisão – que no fim não há decisão dessas que se faça só, mas que só se faz pela impossibilidade do encontro dos desejos, que se faz pelo desencontro dos tempos – despeça-se. Despeça-se dos ares de indiferença e da rigidez dos movimentos, da distância forçada, do receio de um envolvimento que seja vão.

Já te contaram que a vida é feita de momentos? Talvez tenha descoberto por si mesmo, talvez essa desilusão sobre a eternidade tenha te atropelado com o carro desgovernado da realidade frágil da vida, que vai sem nem sempre dar a chance de uma despedida.

Não se engane dizendo que não existe algo do que se despedir, só porque uma vez te disseram, ou tantas vezes disseram que acabaram por lhe convencer, que algumas coisas são e outras não são. Pergunte a si mesmo, e provavelmente descobrirá que, embora não seja como deveria ser, ainda assim é.

Então, despeça-se, mesmo que seja para não saudar futuramente o remorso. Dê cores negras ao luto mesmo que ele agora não seja o seu. Despeça-se e tenha certeza, que é desses encontros e desencontros que é feita a vida, e por mais que tentem nos convencer que somos feitos para o orgulho, somos feitos para viver, para ir, para vir, para voltar, para amar sem fórmulas ou padrões.

Tenha certeza que ora somos pássaros, mas outras somos apenas uma pena à deriva na ventania.

Tenho saudades da carícia dos teus braços- Florbela Espanca

Tenho saudades da carícia dos teus braços- Florbela Espanca

Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me entontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (…) Tenho saudades da seda amarela tão leve, tão suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmão, que eu nunca tive ninguém que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços defendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer.

Florbela Espanca, in “Correspondência (1920)”

 

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