Quem julga livro pela capa perde grandes histórias.

Quem julga livro pela capa perde grandes histórias.

Vivemos um mundo de aparências, no qual a beleza externa de tudo e de todos é supervalorizada. Corremos atrás de marcas famosas, fachadas suntuosas, fotos virtuais irretocáveis e corpos perfeitos. Tentamos nos aproximar de pessoas ricas, para obtermos nosso lugar ao sol na terra da fantasia, onde a fama e o luxo imperam.

E, nessa toada, esvaziamos, a pouco e pouco, nossa essência mais íntima, que se perde em meio a tanta superficialidade. Tão acostumados ficamos com a valorização do belo e luxuoso, que acabamos por julgar também as pessoas a partir de materialidades visíveis. A beleza externa sobrepuja qualquer qualidade de caráter e de princípios e somos levados a julgar com base nas aparências, valorizando as coisas e as pessoas a partir do preço estampado nelas.

Queremos uma casa vistosa, com jardins ornamentais e cômodos bem distribuídos. Um carro novinho na garagem, móveis de revista, solários, piscina no quintal. Queremos quadros, vasos, porta-retratos, toalhas, mesas, camas e panelas. É importante impressionar quem olha e quem entra em nossa casa. Enquanto isso, esquecemo-nos de transformá-la em um lar com calor humano, interações sinceras, amor em profusão, verdades compartilhadas.

Desejamos passar uns dias em hotel de cinco estrelas, com ares-condicionados espalhados por todos os recintos, flores trocadas diariamente, atendimento VIP, piscinas de todo tipo, refeições de banquete. Desejamos cenários nababescos, para rechearmos nossas redes sociais de imagens que denotem o desfrute de uma vida bem sucedida. No entanto, permanecemos isolados dentro de nós mesmos, confinados ao wifi de nossos celulares, mecanicamente transitando pelo luxo, sem estreitarmos os laços ao menos com quem está no mesmo quarto conosco.

Ansiamos pelo carro novo, mesmo que às custas de boletos intermináveis, para podermos chegar aos lugares impressionando, provocando inveja, atraindo as atenções para o que podemos comprar. Ansiamos pelo celular de última geração, pelo tênis com molas inúteis ao nosso estilo de vida, pelas telas de sessenta polegadas, pela máquina europeia de café expresso. Porém, nossas dívidas crescem, nosso trabalho se estende a horas exacerbadas e nosso cansaço físico nos impede de perceber o olhar companheiro que nos aguarda em nossa casa, afastando-nos de nossos amores verdadeiros.

Precisamos ser amigos das pessoas endinheiradas, para transitarmos livremente por entre as órbitas das festas, dos clubes e dos restaurantes mais chiques. Precisamos fazer parte do círculo restrito dos colunáveis, de quem frequenta os bares da moda, de quem promove festas opulentas, de quem viaja para o exterior para comprar roupas e montar os enxovais. E, enquanto nos aproximamos disso tudo, distanciamo-nos dos amigos que sempre estiveram ao nosso lado e que gostam da gente de verdade.

O conforto material logicamente é importante, para que possamos descansar com qualidade e oferecer uma vida digna aos nossos familiares. Da mesma forma, nossas conquistas nos tornam mais felizes e realizados como pessoa. No entanto, é necessário que também cultivemos nossas relações com as pessoas que nos rodeiam, alimentando os sentimentos e os valores éticos que devem nortear nossas andanças e a troca de energia com gente que vale a pena, com quem ri e chora junto de nós com sinceridade.

Caso contrário, estaremos sozinhos e enfraquecidos nos momentos de tempestade, em que nada além do amor é capaz de nos resgatar. E, então, nada nem ninguém nos salvará de nós mesmos.

A vida por um fio.

A vida por um fio.

Quando um jovem cantor sertanejo perdeu a vida em um acidente de carro, levou muitos de nós a refletir sobre nossos atos – inclusive o de não usar cinto de segurança quando somos passageiros no banco de trás. Eu mesma já fui negligente muitas vezes.

A tragédia dos dois jovens, mortos tão prematuramente nos leva a algumas reflexões sobre a vida, sobre a nossa existência e sobre os riscos que corremos por vontade própria. É claro que não podemos viver e nem colocar nossos filhos dentro de uma redoma, mas é preciso cuidar-se e cuidar para que a vida – sendo uma aventura tão prazerosa – não seja interrompida por comportamentos imprudentes ou negligentes. Já falei sobre isso quando um rapaz decidiu beber numa maratona e acabou morrendo. O quanto colocamos a nossa vida em risco?

Não temos controle sobre tudo, todavia, o que pode ser evitado? Qual a linha que separa as incertezas da vida da nossa responsabilidade pelos nossos atos?

Um dos maiores abismos com o qual nos deparamos quando estamos vivos é a constatação total das incertezas. Alguns teóricos na área da psicologia dizem que tomar consciência da incerteza e da ausência de controle é um dos maiores sofrimentos do ser humano. Muitas vezes essa constatação vem pela morte trágica de alguém próximo ou pela nossa quase morte. Eu faço parte do grupo de pessoas não morreu por muito pouco e posso afirmar que essa experiência causa mudanças muito profundas na forma de ver e se relacionar com o mundo.

A nossa existência carrega como certo apenas o fato de que será finito. Morreremos. Acreditando ou não em “vida após a morte”, a verdade é que, aqui neste contexto de realidade perceptível, o que sabemos é que vai acabar um dia. O que temos até o dia do fim não sabemos. Não sabemos tampouco quando o fim vai chegar. Isso nos leva a duas grandes reflexões e posturas inversas:

-a vontade de viver tudo a todo custo e aproveitar o máximo sem compromisso algum porque vai acabar mesmo (muito comum entre os jovens);

-a vontade de se proteger porque o mundo não é seguro e a nossa vida é valiosa e por isso queremos vivê-la até o fim (mais comuns em pessoas mais maduras).

São extremos opostos e ambos funcionam como mecanismo de defesa para tentar não enxergar que viver é fazer nossa parte e mesmo assim saber que não vamos controlar tudo. O descompromisso total com o cuidar-se e o excesso de zelo são padrões não saudáveis de comportamento. O primeiro porque põe em risco a nossa vida e o segundo porque nos impede de viver. De um lado os fóbicos, e do outro os irresponsáveis. O caminho é procurar um equilíbrio no espaço entre estes dois extremos e perceber quando se pode e quando não se pode controlar as variáveis. É muito provável que a morte do jovem casal pudesse ter sido evitada se eles estivessem usando o cinto de segurança. Das nossas atitudes dependem muitas das consequências que virão. Da nossa fé em viver e em correr riscos, dependem as alegrias que experienciaremos.

Viver não tem receita e quando uma tragédia se torna pública ela nos leva a refletir porque ilustra a nossa vulnerabilidade e os resultados das nossas imprudências. Busquemos então um caminho entre se esquivar e se arriscar. Sejamos prudentes e corajosos. Nem fóbicos, nem irresponsáveis. Vamos usar a observação como fonte de aprendizagem e de estímulo para a mudança de hábitos. Não deixemos que eventos como esses sejam amanhã esquecidos e que seja então preciso que mais alguém voe para fora do carro para nos lembrar de que é preciso sim, usar cinto de segurança. Amanhã podemos nós ser o exemplo que “acorda” o outro, porém, não estaremos mais aqui para mudar.

Por que a gente sente vergonha alheia?

Por que a gente sente vergonha alheia?

Por Vanessa Vieira

Se a visão de um colchão com pulgas provoca coceira alheia e um acidente de trânsito gera dor alheia, natural que testemunhar uma situação embaraçosa cause a famosa vergonha alheia. Por trás dessas sensações solidárias estão as estrelas da neurologia contemporânea: os neurônios-espelho. Essas células são especialistas em copiar: simulam no nosso cérebro o que está acontecendo com outra pessoa. E isso vale para movimentos e emoções. Foi o que mostrou uma pesquisa do Institut de Neurosciences Physiologiques et Cognitives de la Mediterranée, na França, que escaneou o cérebro de voluntários enquanto sentiam um odor desagradável e enquanto apenas assistiam a um vídeo de outras pessoas sentindo nojo. Em ambas as situações, as áreas ativadas no cérebro foram as mesmas.

O resultado é que, ao ver alguém experimentando uma emoção, nossa tendência é simular em nós mesmos o mesmo medo, tesão, alegria e, claro, a mesma vergonha. Isso vale inclusive para aquelas vezes em que aquela que consideramos a vítima não está nem aí, mas você está. “É como se nosso cérebro, ao identificar uma situação desafiadora, nos desse uma provinha para degustação”, diz Renata Pereira Lima, pesquisadora do Laboratório de Neurociência e Comportamento da USP. Ou seja, se você vê alguém pagando mico em um reality show e sente vergonha alheia, é seu inconsciente avisando: “não é pra você”.

Fonte: Superinteressante

Mais amor, por favor- Márcia Tiburi

Mais amor, por favor- Márcia Tiburi

Por Márcia Tiburi

Uma palavra e um gesto anacrônicos

Dizer amor em tempos de ódio é um gesto anacrônico. Um gesto inatual, fora de época. Portanto, um gesto que pode causar vergonha ou pelo menos inibição em quem se preocupa com a relação entre discurso e ação.

É o sentimento de inadequação diante da expressão do amor que está muito mais presente em nossas vidas atualmente. Quantas vezes não recuamos do desejo de manifestar amor por não saber como sua expressão pode ser recebida? Quantas vezes não o controlamos dentro de nós mesmos por achar que o amor não faz sentido? Pensar assim é inevitável quando todos nós estamos confusos com o que chamamos de amor porque a delicada planta do amor não anda tendo espaço para crescer nesse mundo em que a cultura do ódio avança tão rapidamente quanto o desmatamento da Floresta Amazônica, quanto a indústria bélica, o consumismo, os latifúndios, a economia dos ricos cada vez mais ricos, o autoritarismo…

Para bom entendedor, meia palavra basta, mas ela não tem sido a palavra amor. Quem diz amor se sente fora dos jogos de linguagem do nosso tempo. Isso quer dizer que a palavra e a coisa estão ligadas ao nível da ação, quem fala faz ou finge que faz. Por isso, também é possível falar amor da boca pra fora, como se pode dizer, correspondendo assim ao aniquilamento do amor por esvaziamento, algo tão desejável em nossa época que elogia a palavra amor apenas quando ela é transformada em balão de ar.

Fácil acabar com o amor quando o transformamos em um efêmero sopro de voz. “Fragmentos de um discurso Amoroso” de Roland Barthes talvez nos ajude a pensar nisso quando se propõe a ser mais a enunciação do amor do que um livro de análise sobre o amor. Talvez que o autor de um discurso amoroso que ande por aí não deva se calar, mas inevitavelmente terá que rever o que diz para poder expressar aquela parte do amor que não pode ser dita e que é a única que vale a pena dizer. (Quando vejo o livro de Barthes nas mãos de gente jovem, sei que estão apaixonados pela primeira vez e o leem porque o amor é algo tão estranho que precisa ser estudado para ser suportado…).

Nosso tempo se contenta com o efêmero sopro de voz e condena à morte a substância delicada e ao mesmo tempo densa que está contida no amor. Amor é, afinal, o nome de alguma coisa que deveria ser pronunciada com muito cuidado. Pois que se mata um Deus quando se diz o seu nome em vão. E é por isso mesmo que dizer “amor” hoje, quando se pode dizê-lo honestamente, porque seria bom que ele existisse, e não apenas porque se acredita que ele exista, pode ser um ato de redenção (naquele absurdo sentido de que podemos praticar o gesto impossível de salvar até mesmo os mortos da injustiça…). E, como tal, um ato de revolução, no seu sentido concreto, aquele ato que nos conecta com a tradição dos oprimidos de que falava alguém como Benjamin, um filósofo que, em um tempo sombrio que ainda é o nosso, lançou luzes no fim de um túnel sem fim…

O amor é histórico

O amor tornou-se a palavra que facilmente acoberta seu próprio contrário. Teríamos que fazer sua anamnese, lembrando que o amor é histórico, que é uma ideia tão boa quando perigosa. Remédio e veneno ao mesmo tempo. Talvez não exista palavra mais contraditória ou mais astuciosa para garantir desvios necessários: os que falam em nome do amor muitas vezes o falsificam com seu próprio nome. O ódio infelizmente é sempre verdadeiro.

A palavra, como toda palavra carregada de uma beleza ideal, pode servir para acobertar seu contrário. Mas isso apenas quando o amor virou peça retórica como se faz com outras palavras. Prestemos atenção em como os autoritários adoram a palavra democracia, como os violentos usam cinicamente a palavra paz…

Mas quem fala do amor também pode estar, de algum modo, fora da ordem seja por adocicá-lo no sentimentalismo publicitário que vende coisas por meio de sensações e simulacões de sentimentos, seja por intensificá-lo na paixão amorosa possessiva e cruel que leva a crimes, a maldades de todo tipo que amantes praticam uns contra os outros. Lembremos que o amor romântico até hoje fez muitas vítimas porque, por mais belo e aconchegante que possa ser, ele sempre teve um preço. As mulheres sempre o pagaram enquanto foram, com seu próprio corpo, alma e ação, ao mesmo tempo, a moeda. O amor romântico estabeleceu-se a partir de raízes intimamente ligadas à misoginia. Mas lembremos ainda que pais e filhos também praticam muito desamor sob a cortina de fumaça da palavra amor. O amor, se não for mediado por algo que poderíamos chamar de “reflexão amorosa”, um estado de constante reflexão ética sobre o que fazemos em seu nome, é um grande perigo na vida das pessoas, pois se presta a toda forma de engodo.

Eu te amo

Fato é que a palavra ficou gasta em meio a tantas contradições e não podemos mais pronunciá-la honestamente. Quem hoje em dia pode dizer “eu te amo” sinceramente e não desconfiar de um cinismo que não se deixa medir? O amor virou uma mercadoria das mais baratas no mercado das relações humanas. Poetas honestos não tem mais coragem de usá-la. Do mesmo modo, amantes honestos, paradoxalmente, não se comprometem mais com ela. Os escolados na falsidade diária dos relacionamentos sabem que “eu te amo” é sinal de alerta para a mentira. A expressão gastou-se sem que tenha atingido sua própria verdade e serve para colocar o vazio do eu, sua inexpressão repetitiva, em cena. Ao dizer eu te amo, acreditamos que fazemos alguma coisa importante. Emitimos um conteúdo. Mas será mesmo?

Por isso, talvez seja bem mais honesto dar lugar entre nós a outros sentimentos menos pretensiosos como, por exemplo, o respeito. A justiça que se assemelha ao amor por sua condição de impossibilidade talvez seja muito menos impossível e faça mais sentido.

Talvez que, ao usar menos o termo amor, atualizando-o com menos eloquência por meio de outras palavras, estejamos praticando mais amor.

O amor é a descoberta do outro

E ainda assim o amor não pode ser jogado fora. Embora se trate, no seu caso, de algo de fato impossível, a antecipação prática desse ideal melhora o mundo. Torna esse mundo menos inóspito, menos cruel. O amor é assim um gesto negativo da ordem injusta do mundo. Talvez fosse essa a mensagem contida há tanto tempo no diálogo de Platão chamado O Banquete no qual vários filósofos e homens do seu tempo discutem o amor sem que nenhum deles consiga atingir uma definição perfeita. As mulheres não estavam ali não apenas pela habitual misoginia dos filosófos, mas porque o amor também não estava ali e os homens ali presentes não eram capazes de entrar em contato com essa grande figura da alteridade representada pelas mulheres e pelo amor. Sócrates é quem chama à memória a explicação de Diotima, uma sacerdotisa, ou seja, alguém que entra em contato com um deus, quem não poderia estar entre os meros mortais. O amor surgia nas palavras de Diotima como o desejo de alguma coisa que não estava presente, algo outro, algo que não estava jamais expresso e que nos chamaria para fora da experiência habitual. Levando a sério o que disse Diotima, o amor seria irrepresentável. E Sócrates sabia disso.

O que quer dizer que nunca estamos falando de amor quando falamos de amor. O que vale então para os pobres mortais é o desejo de amor. É o amor que queremos.

Ora o que é o amor senão o desafio da alteridade? Seja político, ético ou estético, esse desafio é o do encontro com o que não somos, com o estranho, com o que não se submete à nossa compreensão limitada, com o que não estamos acostumados. Certamente não pensamos que o amor seja hoje um desafio em sentido algum e é mais certo ainda que para este desafio não possamos nos preparar, pois não há mais tempo reservado para algo tão inútil. Não é assim que pensamos?

Pois é assim que, devorados pelo ódio que está na base do utilitarismo, o amor acaba.

Amour

Por isso, penso muito mais nas “provas do amor” do que nas palavras do amor. Para salvar o amor teríamos que dar provas e essas provas hoje são políticas e éticas, são provas que envolvem nossa razão e nossa emoção, provas que, pela ação, pudessem nos salvar de nosso caos cognitivo e afetivo.

contioutra.com - Mais amor, por favor- Márcia Tiburi
Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant em cena de Amour de M. Haneke

Essas provas precisariam ser concretamente amorosas. Precisariam ser mais do que discurso, mais do que palavras ao vento como folhas de uma árvore morta que demoramos a perceber que morreu.

Lembro de Amour, o filme de Michael Haneke que assisti em 2012. Depois desse filme fui ao cinema poucas vezes. Por meses tentei juntar os cacos da razão e da emoção que tinham sobrado da experiência. O filme de Haneke expressa muitas questões fundamentais sobre o amor, fala do amor, é o amor. Mas há uma questão bem simples e séria que nos servirá pra sempre: o amor nunca será fácil e provavelmente nunca combinará com o mundo que se entende com as coisas fáceis.

Publicado originalmente na Revista Cult

Nada nos satisfaz- Michel de Montaigne

Nada nos satisfaz- Michel de Montaigne

Se ocasionalmente nos ocupássemos em nos exa­minar, e o tempo que gastamos para controlar os outros e para saber das coisas que estão fora de nós o empregás­semos em nos sondar a nós mesmos, facilmente sentiríamos o quanto todo esse nosso composto é feito de peças frágeis e falhas. Acaso não é uma prova singular de imperfeição não conseguirmos assentar o nosso contentamento em coi­sa alguma, e que, mesmo por desejo e imaginação, esteja fora do nosso poder escolher o que nos é necessário? Dis­so dá bom testemunho a grande discussão que sempre houve entre os filósofos para descobrir qual é o soberano bem do homem, a qual ainda perdura e perdurará eterna­mente, sem solução e sem acordo:Enquanto nos escapa, o objeto do nosso desejo sempre nos parece preferível a qualquer outra coisa; vindo a desfrutá-lo, um outro desejo nasce em nós, e a nossa sede é sempre a mesma. (Lucrécio).

Não importa o que venhamos a conhecer e des­frutar, sentimos que não nos satisfaz, e perseguimos cobi­çosos as coisas por vir e desconhecidas, pois as presentes não nos saciam; em minha opinião, não que elas não te­nham o bastante com que nos saciar, mas é que nos apo­deramos delas com mão doentia e desregrada: Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição praticamente tudo o que é necessário para a vida; viu homens cumulados de riqueza, honra e glória, orgulhosos da boa reputação de seus ftlhos; e entretanto não havia um único que, em seu foro íntimo, não se remoesse de angústia e cujo cora­ção não se oprimisse com queixas dolorosas; compreendeu então que o defeito estava no próprio recipiente, e que esse defeito corrompia tudo de bom que fosse colocado de fora em seu interior (Lucrécio).

O nosso apetite é indeciso e incerto: não sabe con­servar coisa alguma, nem desfrutar nada da maneira certa. O homem, julgando que isso seja um defeito dessas coi­sas, acumula e alimenta-se de outras coisas que ele não sabe e não conhece, em que aplica os seus desejos e espe­ranças, honrando-as e reverenciando-as; como diz César: Por um vício comum da natureza, acontece termos mais con­fiança e também mais temor em relação às coisas que não vimos e que es­tão ocultas e desconhecidas.

Michel de Montaigne, in ‘Ensaios’, via Citador

Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais- ANA GOSLING

Não estamos preparados para sermos pais dos nossos pais- ANA GOSLING

“…Quanto mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de sentirem-se cansados…”

Por ANA GOSLING

Nascemos filhos. E esperamos ser filhos para sempre. Mimados, educados, amados. Que nossos pais invistam doses cavalares de amor em todo nosso caminho pela vida. Que, quando a vida doer, haja um colo materno. Que quando a vida angustiar, encontremos neles um conselho sábio. E, quando isso nos falta, há sempre uma lacuna, um sentimento estranho de sermos exceção.

Mesmo adultos, esperamos reconhecer nossa meninice nos olhos dos nossos pais. Desejamos, intimamente, atenções miúdas, como a comida favorita no dia do aniversário ou a camiseta do time de futebol se estamos na casa deles.

Não estamos prontos para trocar de lugar nesta relação.

É difícil aceitar que nossos pais envelheçam. Entender que as pequenas limitações que começam a apresentar não é preguiça nem desdém. Que não é porque se esqueceram de dar o recado que não se importam com a nossa urgência. Que pedem para repetirmos a mesma frase porque não escutam mais tão bem – e às vezes, não está surdo o ouvido mas distraído o cérebro. Demora até aceitarmos que não são mais os mesmos – que dirá “super-heróis”? Não podemos dividir toda a nossa angústia e todos os nossos problemas porque, para eles, as proporções são ainda maiores e aí tudo se desregula: o ritmo cardíaco, a pressão, a taxa glicêmica, o equilíbrio emocional.

Vamos ficando um pouco cerimoniosos por amor. Tentando poupar-lhes do que é evitável. Então, sem querer, começamos a inverter os papéis de proteção. Passamos a tentar resguardar nossos pais dos abalos do mundo.

Dizemos que estamos bem, apesar da crise. Amenizamos o diagnóstico do pediatra para a infecção do neto parecer mais branda. Escondemos as incompreensões do casamento para parecer que construímos uma família eterna. Filtramos a angústia que pode ser passageira ao invés de dividir qualquer problema. Não precisam preocupar-se: estaremos bem no final do dia e no final das nossas vidas. Mas, enquanto mudamos esses pequenos detalhes na nossa relação, ficamos um pouco órfãos. Mantemos os olhos abertos nas noites insones sem poder correr chorando para a cama dos pais. Escondemos deles o medo de perder o emprego, o cônjuge ou a casa para que não sofram sem necessidade e, aí, estamos sós nessa espera; não há colo nem bala nem cafuné para consolar-nos.

Quanto mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de sentirem-se cansados.

Então pode chegar o dia em que nossos pais se transformem, de fato, em nossos filhos. Que precisemos lembrá-los de comer, de tomar o remédio ou de pagar uma conta. Que seja necessário conduzi-los nas ruas ou dar-lhes as mãos para que não caiam nas escadas. Que tenhamos que prepará-los e colocá-los na cama. Talvez até alimentá-los, levando o talher a sua boca.

E eles serão filhos piores porque lembrarão que são seus pais. Reagirão as suas primeiras investidas porque sabem que, no fundo, você acha que lhes deve obediência. Enfraquecerão seus primeiros argumentos e tentarão provar que ainda podem ser independentes, mesmo quando esse momento tiver passado, porque é difícil imaginarem-se sem o controle total das próprias rotinas. Mas cederão paulatinamente, quando a força física ou mental reduzir-se e puderem encontrar no seu amor por eles o equilíbrio para todas as mudanças que os assustam.

Não será fácil para você. Não é a lógica da vida. Mesmo que você seja pai, ninguém o preparou para ser pai dos seus pais. E se você não o é, terá que aprender as nuances desse papel para proteger aqueles que ama.

Mas, se puder, sorria diante dos comentários senis ou cante enquanto estiverem comendo juntos. Ouça aquela história contada tantas vezes como se fosse a primeira e faça perguntas como se tudo fosse inédito. E beije-os na testa com toda a ternura possível, como quando se coloca uma criança na cama, prometendo-lhe que, ao abrir os olhos na manhã seguinte, o mundo ainda estará lá, como antes, intocável, para ela brincar.

Porque se você chegou até aqui ao lado dos seus pais, com a porta aberta para interferir em suas vidas, foi porque tiveram um longo percurso de companheirismo. E propor-se a viver esse momento com toda a intensidade só demonstrará o quanto é grande a sua capacidade de amar e de retribuir o amor que a vida lhe ofereceu.

A crônica acima foi originalmente publicada na Obvious Magazine, em 12.12.2015 e encontra-se também no blog da autora- Blog da Ana, local que conferimos e indicamos sem ressalvas. 

16 filmes excelentes que foram baseados em histórias reais

16 filmes excelentes que foram baseados em histórias reais

Ouvimos por aí e repetimos às vezes sem perceber que “a vida imita a arte”. Mas, com um bom filme baseado em fatos reais na mão, vemos o poder que a arte tem, quando imita a vida.

São histórias reais, algumas assustadoras, outras com provas de força, liberdade e superação. Algumas histórias, realmente, não parecem possíveis. Outras, são boas lembranças de como dá para ter um final feliz.

1. O Exorcismo de Emily Rose

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O filme de terror conta uma história real, e pra lá de assustadora. Emily Rose, na verdade, era Anneliese Michel, uma garota alemã que começou a ter problemas aos 16 anos, em 1968, com tremedeira incontrolável, diagnosticada com  epilepsia.

Foram muitos ataques, depressão e a garota foi internada para tratamento, quando começou a ter visões em suas orações diárias. Com o tempo, as visões e vozes que ouvia começaram a sair do controle, mas os médicos não acreditavam nela e a igreja não queria se envolver com um exorcismo (por conta da polêmica e dos restritos processos e sintomas que a igreja considerava possessão).

Anos depois, em 1974, o pastor Ernst Alt solicitou permissão para realizar um exorcismo. Nesse ponto, ela insultava, batia e mordia sua família, não comia comida, mas aranhas e moscas, andava nua, fazia necessidades pelo chão, dormia no chão frio e quebrava imagens santas e crucifixos. Ernst acreditava que estava possuída por seis demônios. Foram várias sessões de exorcismo, ela melhorou por um tempo, mas ela piorou, estava doente com pneumonia, febre e inanição, até que morreu durante o último exorcismo.

2. Argo

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Há boatos de que a história por trás do ganhador do Óscar, Argo, é uma farsa por causa do final arranjado. O fato é que ela é dessas delirantes e cheias de emoção: narra os esforços de espionagem para tirar do Irã 55 fugitivos, uma equipe completa que foi feita refém na invasão do complexo diplomático dos EUA em Teerã, hospedados secretamente na casa do embaixador do Canadá.

Um agente da CIA, Tony Mendez, entra no Irã se fingindo de produtor de um filme de ficção científica em busca de locações no país. Enrola uns dias na capital e, na hora de sair, traz consigo os fugitivos, dizendo que faziam parte de sua equipe.

3. Prenda-me Se For Capaz

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O filme que fez super sucesso sobre o golpista multifacetado interpretado por Leonardo Di Caprio, é inspirado na história de Frank William Abagnale Jr.

Frank começou com fraudes bancárias fazendo cheques sem fundo, cheques falsos, identidades falsas para abrir contas em bancos. Depois, por dois anos, ele se disfarçou de piloto da famosa companhia americana Pan Am e ganhou centenas de viagens para o mundo todo (pilotos ganham passagens gratuitas), mas nunca voou um avião.

Depois, como no filme, passou-se por pediatra, advogado e professor, na década de 60. Ele foi preso, mas depois solto com a condição que ajudasse o FBI com outras fraudes. E assim ele começou a trabalhar como consultor legítimo. Mais tarde fundou a Abagnale & Associates, onde adverte o mundo dos negócios sobre fraudes, e organiza palestras e aulas pelo mundo. Abagnale é agora um multi-milionário. Sucesso!

4. Na Natureza Selvagem

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A história emocionante desse longa ganha destaque também pela trilha sonora de tirar o fôlego. Na história real que inspirou o filme, Chris McCandless doou o seu fundo universitário no total de 17 mil euros para uma ONG, começou a viajar no seu carro, abandonou-o, foi de boleia até o Alasca e dirigiu-se a um caminho coberto de neve.

Assim começava, no Alasca, sua vida selvagem, levando apenas 10kg de arroz, uma espingarda de calibre 22 com cartuchos, uma máquina fotográfica e uma pequena seleção de livros – incluindo um guia, de plantas comestíveis da região. Christopher então encontra uma espécie de van e passa a morar nela. Após ter sobrevivido mais de 100 dias, ele morreu em agosto de 1992 graças a uma planta venenosa. O seu corpo foi encontrado duas semanas depois, no começo de setembro.

5. O Escafandro e a Borboleta

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A produção francoamericana rendeu uma indicação ao Oscar e tem uma das histórias mais emocionantes que eu já vi. A história real por trás do longa é de Jean-Dominique Bauby, editor da fashionista Elle, que aos 43 anos de idade sofreu um AVC que paralisou seu corpo todo, a não ser uma pálpebra, que ele começou a usar para se comunicar com as pessoas. É uma prova de que o ser humano tem uma força imensurável dentro de si.

6. O Discurso do Rei

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Outro ganhador de Oscar, uma história triste e delicada, sobre a superação de um Rei de sua gagueira. O rei na vida real, George VI (pai da rainha Elizabeth II), numa época sem fonoaudiologia, procura auxílio em um terapeuta de fala pouco convencional e com técnicas pra lá de inusitadas. A parceria dá certo a tempo de seu grande discurso e os dois começam uma amizade.

7. Marley e Eu

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O best seller que deu origem ao filme também é inspirado em uma história real. Jenny e John compram um cachorrinho que tinha tudo para ser o melhor amigo da família. Mas o bichinho não é um comportado cãzinho. Ele come tudo que vê pela frente, arma as maiores confusões e deixa seus donos completamente malucos. Mas, como todo bom cachorro, ele faz tudo com amor canino que só um bichinho pode ter. O final é super triste e lembra a gente de como, por mais incontroláveis que nossos animais de estimação sejam, eles são nossos melhores amigos.

8. O Pianista

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O filme que eternizou Adrien Brody no papel do pianista Władysław Szpilman, dirigido por Roman Polanski, conta a história real de um famoso pianista judeu-polonês que trabalha numa rádio e vê seu mundo ruir com o começo da Segunda Guerra Mundial e a Invasão da Polônia em 1939.

A estação é bombardeada pelos alemães e Szpilman junto com outros judeus vão tendo seus direitos gradativamente retirados: primeiro o dinheiro diminui, depois eles devem usar faixas no braço para identificá-los e finalmente são exilados para o gueto até serem enviados para um campo de concertação. Mas ele é salvo por um amigo policial. Trabalhando como escravo, começa a contrabandear armas para um levante. O resto da emocionante história dele merece ser visto na tela. O filme ganhou três Oscars.

9. The Runaways

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O filme que traz a clássica cena do beijo lésbico entre Kristen Stewart e Dakota Fanning de arrepiar a nuca de qualquer pessoa, é inspirado na história da girl band Runnaways, que quebrou padrões de “músicas feitas por garotas”, com vocais pesados, letras libertadoras e uma atitude bem rock’n’roll.

O filme sobre a banda só de garotas peca fatalmente em um ponto: para economizar tempo e deixar o foco em Joan Jett e Cherie Currie, eles ignoraram parte importante da história da banda, que são as muitas bateristas que o grupo teve ao longo de sua carreira. Mas o filme vale pelo som sujo e incrível.

10. Amistad

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Esse longa conta a triste e real história do navio Amistad, que trazia escravos negros contrabandeados de Serra Leoa para Cuba. No filme, um dos escravos, Cinqué, consegue abrir a fechadura de suas algemas e libertar uma série de outros presos. Eles começam uma rebelião, com a inteção de levá-los de volta para casa. A história é cheia de emoção, morte e muita luta em busca de liberdade. Vale cada minuto e ganhou diversos prêmios de cinema na Europa e EUA.

11. I Love You Phillip Morris

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Mais uma história de um golpista, dessa vez apaixonado. Esse drama + comédia é sobre o impostor, artista, e fugitivo de prisões múltiplas Steven Jay Russel, que se apaixona por Phillip Morris enquanto estão presos na mesma cela.

Quando Morris é liberado da prisão, Steven arma um plano mirabolante para juntar-se a ele quatro vezes, a última da forma mais louca de todas. Jim Carrey interpreta Steven, e o filme definitivamente vale a pena.

12. Elefante

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Vencedor da Palma de Ouro em 2003, Elefante é inspirado no massacre de Columbine, quando dois típicos estudantes adolescentes de famílias de classe média, como quaisquer outros, invadem um conceituado colégio onde estudam e atiram contra vários colegas e professores do local. O filme é delicado e super sério, com a direção de Gus Van Sant.

13. Quebrando a Banca

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A história real do estudante do MIT Ben Campbell, que precisa pagar as mensalidades de sua faculdade, mas não tem dinheiro, é muito boa. Ele ganha centenas de milhares de reais em poucos meses da forma menos esperada possível: pelas cartas. Recrutado por um professor, ele passa a fazer parte do grupo dos mais talentosos estudantes da escola, que todos os finais de semana vão a Las Vegas, com falsas identidades e com as suas mentes brilhantes, são capazes contar as cartas e ganhar. Mas o mundo dos cassinos não é legal com os contadores de carta, é?

14. 127 Horas

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Esse filme, que causou muita aflição na galera nos cinemas em 2010, estrelado pelo polêmico James Franco, conta a história real da odisséia de Aron Ralston, o escalador que ficou preso em uma abertura entre duas pedras pelo braço por 127 horas e filmou tudo. No filme agoniante, ele suspira, tem delírios, quase morre de sede, e tem que arrancar o próprio braço com um canivete sem ponta. Mas, calma, ele sobrevive e está vivo até hoje contando a história.

15. O Massacre da Serra Elétrica

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Um dos filmes de terror mais famosos de todos os tempos, O Massacre da Serra Elétrica é vagamente inspirado na história real do serial killer Ed Gein. Com um orçamento baixo para a época, o filme segue cinco adolescentes em uma viagem pelo Texas durante a década de 70 – quando são abordados pelo vilão Leatherface, munido com sua motosserra e sua máscara feita com a pele de suas vítimas.

Ed tinha uma mãe superproterora e hiper religiosa e um pai alcóolatra e abusivo, além de sofrer bullying no colégio por ser “sensível”. Dizem que os assassinatos que Ed cometeu eram especialmente de mulheres, possivelmente na tentativa de reconstruir sua mãe e simular a presença dela. Surgiu suspeita de ele ter tido relações sexuais com esses cadáveres, mas ele disse que cheiravam muito mal para tal ato. Ew!

16. Bling Ring

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O mais novo sucesso de Sofia Coppola recria a história de cinco jovens que formaram uma quadrilha de fanáticos por fama e dinheiro. Eles usam a internet para monitorar onde celebridades moram e onde estão para tramar assaltos às suas casas. Na vida real, a gangue roubou as mansões de famosos como Paris Hilton, Lindsay Lohan e Orlando Bloom. Sofia Coppola utiliza a produção para criticar o culto moderno de idolatria aos famosos.

Por Julia Bueno redatora, ObaOba.

5 filmes para comprender a Psicanálise

5 filmes para comprender a Psicanálise

Por Leonardo Valle/ Foto: Divulgação

1. Freud, além da alma (EUA, 1962)

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Biografia do pai da psicanálise. Ele descobre o papel do inconsciente e sua manifestação pelos sonhos, ao investigar a histeria em mulheres com sintomas de doenças sem causas físicas.

2. Jornada da alma (França, 2003)

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A história é baseada nas correspondências trocadas entre os psicanalistas Freud e Carl Jung — que futuramente cortariam relações —, o enredo do filme mostra o tratamento da paciente histérica Sabina Spielrein por Jung, que consistia na associação de palavras e análise de seus sonhos.

3.Princesse Marie (França, 2006)

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Catherine Deneuve faz a princesa Marie Bonaparte, paciente e amigade Freud.

Com a tomada de Viena pelos nazistas, ela gasta boa parte da sua fortuna para salvar Freud, que era judeu.

4. A invenção da Psicanálise (França, 1997)

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Documentário sobre a história da psicanálise. Traz a única gravação da voz de Freud, feita durante uma entrevista em 1938.

Há ainda relatos de Jung sobre o primeiro encontro com o mestre.

 

 

5. Segredos de uma alma (Alemanha, 1926)

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O professor Mathias procura ajuda de um psicanalista após desenvolver medo constante de facas.

O filme teve seu roteiro aprovado por Freud e possui semelhanças com um caso clínico real, conhecido como “O Homem dos Ratos”.

A obra é considerada o primeiro flerte entre cinema e psicanálise.

Fonte : Revista VivaSaúde/ Edição 102

Ansiedade Generalizada

Ansiedade Generalizada

Nós a chamamos de TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizado). Segundo o manual de classificação de doenças mentais (DSM. IV), é um transtorno caracterizado pela “preocupação excessiva ou expectativa apreensiva”, persistente e de difícil controle, que perdura por seis meses no mínimo e vem acompanhado por três ou mais dos seguintes sintomas: inquietação, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular e perturbação do sono. Nestes casos, o nível de ansiedade é desproporcional aos acontecimentos geradores do transtorno, causa muito sofrimento e interfere na qualidade de vida e no desempenho familiar, social e profissional dos indivíduos. O transtorno da ansiedade generalizada pode acometer pessoas de todas as idades, desde o nascimento até a velhice. Em geral, as mulheres são mais afetadas do que os homens.

Além dos já citados (inquietação, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular) existem outras queixas que podem estar associadas ao transtorno da ansiedade generalizada como palpitações, falta de ar, taquicardia, aumento da pressão arterial, sudorese excessiva, dor de cabeça, alteração nos hábitos intestinais, náuseas, aperto no peito, dores musculares. Os sintomas podem variar de uma pessoa para outra.

Como os sintomas podem ser comuns a diferentes quadros clínicos; é fundamental estabelecer o diagnóstico diferencial de síndrome do pânico ou fobia social, por exemplo. O diagnóstico do TAG leva em conta a história de vida do paciente, a avaliação clínica criteriosa e, quando necessário, a realização de alguns exames complementares.

O tratamento do TAG inclui o uso de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, feito com prescrição e supervisão médica, e a terapia comportamental cognitiva. O tratamento farmacológico geralmente precisa ser mantido por seis a doze meses depois do desaparecimento dos sintomas e deve ser descontinuado em doses decrescentes. Não se deve interromper a medicação antes da liberação do médico, pois há grande risco de retorno dos sintomas, que muitas vezes voltam piores.

A principal característica do Transtorno de Ansiedade Generalizada é a preocupação excessiva. Você preocupa-se excessivamente com coisas que são improváveis ​​de acontecer, ou sente-se tenso e ansioso durante todo o dia sem motivo real? Todos nós ficamos ansiosos, às vezes, mas se as suas preocupações e os seus medos são tão constantes que interferem na sua capacidade de levar a sua vida adiante, não conseguindo relaxar, você pode estar a ser afetado pelo transtorno de ansiedade generalizada.

A ansiedade generalizada é mentalmente e fisicamente desgastante. Drena a sua energia mental, eventualmente impede-o de dormir e relaxar, colocando o seu corpo em estado de alerta. Mas você não tem de sofrer desesperadamente por causa disso. Você pode libertar-se  disso e aprender a acalmar a sua mente ansiosa, assim como criar junto com seu psicoterapeuta um conjunto de estratégias que lhe permitem clarear o seu pensamento e fazer avaliações mais assertivas das situações que requerem a sua atenção.

Fiquem atentos ao nível de ansiedade nos tempos atuais. Falta água, falta energia, nosso poder aquisitivo caiu e a recessão gera altos níveis de desemprego. A violência, as epidemias, para onde olhamos a algo a temer. O mundo anda amedrontador e a nossa resposta é sempre o medo – e é do medo que nasce a ansiedade.

A mensagem de Natal do Papa Francisco de 2014 já mostrava o quanto ele é especial…

A mensagem de Natal do Papa Francisco de 2014 já mostrava o quanto ele é especial…

Crédito Editorial: giulio napolitano / Shutterstock.com

O Natal costuma ser sempre uma ruidosa festa; entretanto se faz necessário o silêncio, para que se consiga ouvir a voz do Amor.

Natal é você, quando se dispõe, todos os dias, a renascer e deixar que Deus penetre em sua alma.

O pinheiro de Natal é você, quando com sua força, resiste aos ventos e dificuldades da vida.

Você é a decoração de Natal, quando suas virtudes são cores que enfeitam sua vida.

Você é o sino de Natal, quando chama, congrega, reúne.

A luz de Natal é você quando com uma vida de bondade, paciência, alegria e generosidade consegue ser luz a iluminar o caminho dos outros.

Você é o anjo do Natal quando consegue entoar e cantar sua mensagem de paz, justiça e de amor.

A estrela-guia do Natal é você, quando consegue levar alguém, ao encontro do Senhor.

Você será os Reis Magos quando conseguir dar, de presente, o melhor de si, indistintamente a todos.

A música de Natal é você, quando consegue também sua harmonia interior.

O presente de Natal é você, quando consegue comportar-se como verdadeiro amigo e irmão de qualquer ser humano.

O cartão de Natal é você, quando a bondade está escrita no gesto de amor, de suas mãos.

Você será os “votos de Feliz Natal” quando perdoar, restabelecendo de novo, a paz, mesmo a custo de seu próprio sacrifício.

A ceia de Natal é você, quando sacia de pão e esperança, qualquer carente ao seu lado.

Você é a noite de Natal quando consciente, humilde, longe de ruídos e de grandes celebrações, em silêncio recebe o Salvador do Mundo.

Um Feliz Natal a todos que procuram assemelhar-se com esse Natal.
Papa Francisco

25 de dezembro de 2014

É Proibido- Alfredo Cuervo Barrero

É Proibido- Alfredo Cuervo Barrero

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso,
só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Alfredo Cuervo Barrero

Nota da página: O poema acima anteriormente foi publicado como sendo de Pablo Neruda, porém a autoria correta é de Alfredo Cuervo Barrero.

Se não quiser adoecer fale de seus sentimentos.

Se não quiser adoecer fale de seus sentimentos.

Emoções e sentimentos que são escondidos, reprimidos, acabam em doenças como gastrite, úlcera, dores lombares, dor na coluna.
Com o tempo, a repressão dos sentimentos, a mágoa, a tristeza, a decepção degenera até em câncer.
Então, vamos confidenciar, desabafar, partilhar nossa intimidade, nossos desejos, nossos pecados.
O diálogo, a fala, a palavra é um poderoso remédio e poderosa terapia.
Se não quiser adoecer – “tome decisão”.
A pessoa indecisa permanece na dúvida, na ansiedade, na angústia.
A indecisão acumula problemas, preocupações, agressões.
A história humana é feita de decisões. Para decidir, é preciso saber renunciar, saber perder vantagens e valores para ganhar outros.
As pessoas indecisas são vítimas de doenças nervosas, gástricas e problemas de pele.
Se não quiser adoecer – “busque soluções”.
Pessoas negativas não enxergam soluções e aumentam os problemas. Preferem a lamentação, a murmuração, o pessimismo.
Melhor acender o fósforo que lamentar a escuridão. Somos o que pensamos. O pensamento negativo gera energia negativa que se transforma em doença.
Pequena é a abelha, mas produz o que de mais doce existe.
Se não quiser adoecer – “não viva sempre triste”.
O bom humor, a risada, o lazer, a alegria, recuperam a saúde e trazem a vida longa. A pessoa alegre tem o dom de alegrar o ambiente em que vive.
Se não quiser adoecer – “não viva de aparências”.
Quem esconde a realidade, finge, faz pose, quer sempre dar a impressão de estar bem, quer mostrar-se perfeito, bonzinho etc. Está acumulando toneladas de peso… Uma estátua de bronze, mas com pés de barro.
Se não quiser adoecer – “aceite-se”.
A rejeição de si próprio, a ausência de auto-estima faz com que sejamos algozes de nós mesmos. Ser eu mesmo é o núcleo de uma vida saudável.

Autoria desconhecida

Via: Cult Carioca

Artigo erroneamente atribuido ao Dr. Drauzio Varella. Embora existam inúmeras públicações na internet lhe atribuindo a escrita, o Dr Drauzio já teria explicado em entrevistas não ser o autor de “Se não quiser adoecer fale de seus sentimentos”. Deixamos a nota para que as pessoas saibam da informação.

ROSELY SAYÃO – Adultos fora de controle

ROSELY SAYÃO – Adultos fora de controle

A mãe de uma garota de oito anos me contou que está vivendo uma situação de conflito muito intensa com o marido cujo resultado, ela acredita, deverá ser a separação. Enquanto eles não tomam a decisão final e efetivamente se separam, vivem de conflito em conflito, diariamente.
A maior preocupação dessa mãe, além da situação estressante que ela experimenta, relaciona-se a um fato ocorrido dias atrás.

Num desses desentendimentos entre a mulher e o marido, eles trocaram acusações, xingamentos pesados e chegaram até a “pequenas agressões físicas”, segundo suas palavras. O problema é que só então perceberam que a filha assistia a tudo, com expressão bastante assustada.
Desde então, a menina chora por qualquer coisinha e até mesmo sem motivo algum. Várias vezes se desespera com fatos simples de sua vida, como, por exemplo, não conseguir deixar o cabelo do jeito que gostaria. Será que a garota ficou traumatizada com o que viu? Essa é a maior preocupação dessa mãe.

Aproveito esse incidente para comentar um aspecto da vida na atualidade: a facilidade com que os adultos têm se descontrolado. Você pode observar isso, caro leitor, todos os dias.
Seja no espaço público, seja no ambiente de trabalho, nas relações sociais presenciais ou virtuais e, inclusive, na intimidade das relações familiares, tudo é motivo para justificar o descontrole de pessoas adultas.

Expressões de raiva, de irritação e de braveza, por exemplo, são distribuídas sem nenhuma economia ou constrangimento. Aliás, em geral, com uso de muita grosseria. Pessoas muito próximas (como um casal em vias de se separar), parentes e colegas de trabalho usam e abusam do descontrole verbal e até mesmo físico. Como chegamos a esse ponto?
Muitos pensadores da atualidade têm realizado análises a respeito de um fenômeno que, talvez, tenha relação íntima com esse fato: a infantilização do mundo adulto.

Tomemos um exemplo: a busca da aparência jovem e de acordo com determinados padrões estéticos. Você não se assusta, leitor, quando vê a imagem de alguém que se descontrolou nessa busca?
Faces completamente lisas e juvenis, sustentadas por pescoços envelhecidos, com lábios e bochechas exageradamente pronunciados são apenas alguns exemplos gritantes das consequências do descontrole dessas pessoas.

O que isso tem a ver com infantilização?

Quem não teve a oportunidade de observar uma criança em busca de algo que deseja e que, para obter o que quer, ignora totalmente a realidade? Adultos que buscam algo sem fazer a análise da realidade agem de modo infantil, portanto.
Falemos agora das emoções. Existe algo mais infantil do que deixar as emoções fluírem de modo desajeitado, desastrado até, sem conseguir conter sua expressão mais forte?

Esse é o comportamento típico de quem ainda não aprendeu como reagir a sentimentos agitados e só conhece uma maneira de lidar com eles: colocar tudo para fora. Isso acontece antes de a criança crescer, amadurecer e passar pelo processo de socialização.
Temos agido assim, com a maior naturalidade: os sentimentos se agitam dentro de nós? Deixamos que saiam em seu estado mais primitivo.

Não temos de nos preocupar apenas com o fato de que algumas crianças terão de arcar com consequências pessoais por terem sido testemunhas de cenas de descontrole de adultos próximos, com quem elas têm vínculos afetivos fortes.
Temos de considerar toda uma geração de mais novos vivendo rodeada por adultos que, com frequência, se comportam de maneira infantil e acham isso muito natural. Que lições são essas que temos passado às crianças?

Via Cult Carioca

RUBEM ALVES – Natal, A estória do menininho

RUBEM ALVES – Natal, A estória do menininho

Minhas netas: o Natal está chegando. Todo mundo fica agitado, é preciso comprar presentes no cartão de crédito, fazer dívidas a serem pagas no outro ano, preparar comilanças… Mas, afinal de contas, por que tanto agito? Eu acho que a maioria se agita sem saber porque. E, se soubessem, não se agitariam… Pois eu vou dizer o que penso do por que do Natal. O Natal é o dia em que se para tudo a fim de se contar e a fim de se ouvir uma estória, a mais bela e a mais simples jamais contada. Todo esse agito por causa de uma estória? É.Vocês, que gostam do Harry Potter, fiquem sabendo: a estória do Natal é uma estória do mundo dos mágicos, dos bruxos, das fadas, das varinhas de condão, dos encantamentos. As estórias têm poderes mágicos. Vocês já notaram que, quando a gente ouve uma estória que nos comove, ela entra dentro da gente, faz a gente rir, faz a gente chorar, faz a gente amar, faz a gente ficar com raiva? As estórias dos mundos dos mágicos saltam das páginas dos livros onde estão escritas, entram dentro da gente e se alojam no coração.

Quando isso acontece a estória fica viva, toma conta do nosso corpo e da nossa alma, e nós passamos a ser parte dela. Pois a estória do Natal faz isso com a gente. Quando vai chegando o Natal eu fico com saudade das músicas antigas de Natal (tem de ser das antigas; as modernas não servem) e começo a folhear meus livros de arte, onde estão as pinturas do presépio. É muito simples: um menininho que nasceu em meio aos bois, vacas, ovelhas, cavalos, jumentos… Era menininho pobre.

Mas diz a estória que quando ele nasceu aconteceu uma mágica com o mundo: tudo ficou diferente: as árvores se cobriram de vaga-lumes, as estrelas brilharam com um brilho mais forte, e até uns reis deixaram os seus palácios e foram ver o nenezinho. A visão do menininho os transformou: eles largaram suas coroas, jóias e mantos de veludo junto com os bichos, na estrebaria. Quem vê o menininho fica curado de perturbação. Perturbados são os adultos que, ao falar sobre Deus, imaginam um ser muito grande, muito poderoso, muito terrível, ameaçador, sempre a vigiar o que fazemos para castigar.

Pois o Natal diz que isso é mentira. Porque Deus é uma criancinha. Ele está muito mais próximo de vocês do que dos adultos. E foi essa mesma criancinha que, depois de crescida, disse que para estar com Deus bastava voltar a ser criança. Se os adultos, antes de comprar presentes e preparar ceias, se lembrassem da estória, eles ficariam curados da sua doidice. Na noite do Natal que se aproxima, antes de abrir os presentes, antes de começar a comedoria, peça ao seu pai ou à sua mãe: “Por favor, conte a estória do menininho…” E, se eles não souberem contar, peça que eles leiam esse poema sobre o Menino Jesus escrito por um poeta que queria ser menino, por nome de Alberto Caeiro.

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver.
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro.
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta.
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales.
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

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