Quem perdeu foi quem te deixou

Quem perdeu foi quem te deixou

Ninguém consegue lidar direito com a rejeição, quando se é largado, quando se é preterido e trocado por outra pessoa. Talvez seja porque, nessas situações, acabamos por acreditar que não somos dignos do amor de ninguém, o que fere ainda mais a nossa autoestima, estendendo o nosso luto sentimental além da conta. Já não basta a dor da perda, somos levados a também ficar tentando encontrar os nossos erros, o que fizemos ou deixamos de fazer para que o relacionamento ruísse.

Infelizmente, quando somos deixados para trás, num primeiro momento parece que negamos todas as dificuldades e dissabores que contaminavam há tempos o relacionamento e enxergamos somente o que houve de bom no parceiro e naquilo que se viveu junto. E, se quem nos deixou era alguém com tantas qualidades como pensamos, logicamente o erro somente pode ter partido de nós mesmos, ou seja, a culpa fatalmente recairá sobre nossas cabeças.

Da mesma forma, tendemos a supervalorizar os momentos bons que passamos juntos com o ex, como se eles fossem capazes de compensar todas as dores, todo o desgaste, todas as falhas e mentiras que minaram, a pouco e pouco, aquela relação. E, assim, as músicas, os filmes, objetos, lugares, viagens, tudo parece evocar em nós os momentos idos, lembrando-nos que estaremos sozinhos de agora em diante. E nos martirizamos ainda mais, achando que não conseguiremos suportar, que não conseguiremos prosseguir sozinhos.

É comum tentarmos procurar, de início, em nós mesmos os motivos que levaram ao fim de um relacionamento, como se toda a responsabilidade fosse nossa. Frente ao avassalamento sentimental em que somos jogados enquanto o outro vai embora, acabamos nos sentindo vazios de tudo, inclusive de qualidades que possam nos tornar alguém interessante, alguém por quem valha a pena se apaixonar. Com isso, vamos carregando em nossos ombros os focos causadores da separação, enquanto a imagem do parceiro se torna leve e isenta de qualquer responsabilidade sobre nossa dor.

Por mais que seja difícil, deveremos manter nossos pensamentos em ordem, agarrando-nos ao entendimento lúcido das causas do rompimento, bem como visualizando as suas consequências com um olhar mais otimista, para que consigamos respirar sozinhos. É preciso que tenhamos em mente a noção exata de que existem duas pessoas num relacionamento amoroso e ambas são responsáveis pela manutenção do amor, ambas necessitam guiar-se pela verdade e ambas possuem sua parcela de culpa para que não tenha dado certo.

Quando nossas vidas se pautam por vivermos aquilo em que acreditamos, em sermos o que somos e em sentirmos o que temos verdadeiramente dentro de nós, jamais estaremos oferecendo menos do que poderíamos, ou seja, teremos a certeza de que fizemos o nosso melhor e nos doamos com sinceridade e entrega honesta, transparente. E, se tudo isso não foi suficiente para que o outro permanecesse ao nosso lado, não foi por culpa nossa, mas sim porque ele é que não estava preparado para dividir e compartilhar sonhos e verdades. Não temos nada a ver com os medos, com as inseguranças ou com as covardias alheias.

Enfim, se o sofrimento da separação é inevitável, mantenhamos sempre aqui dentro de nós o nosso melhor, tudo aquilo que sustenta nossas verdades, que alimenta os nossos sonhos, pois assim estaremos menos enfraquecidos para enfrentar o mundo e abrir as portas que se encontram à nossa frente, todos os dias, enquanto durar a intensidade da força que move nossa busca incansável pela felicidade.

A culpa nossa de cada dia

A culpa nossa de cada dia

 

“A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos”.

(Thoreau)

Para cada ação, milhões de juízes.

A expressão de opiniões parece ter pulado a cerca do bom senso; ou as redes sociais trouxeram isso à tona, ou libertaram de vez o “direito a inquisidor” de cada um de nós.

Outro dia me peguei adivinhando os “donos das postagens” no Facebook, apenas pela postagem em si, consegui isso dez vezes seguidas e fiquei meio perplexa. As coisas têm se tornado obvias demais. As pessoas têm sido previsíveis e se me permitem, pouco pensantes.

Culpa de quem?

Pronto, agora posso começar o meu texto!

Já se perguntou o que a “culpa” tem feito na sua vida?

Pois eu respondo:

-Um estrago!

Vivo rezando “…mas livrai-me da autocrítica, amém”.

Por quê?

Porque estamos todos presos em um círculo vicioso na busca de culpados para tudo, enquanto que, dialeticamente vivemos paralisados, feito estátuas catatônicas, adoecendo simplesmente por errar, e ao errar, enfrentar a aterrorizante pergunta:

“O que os outros vão pensar, dizer, achar?”

Julgamos, culpamos e condenamos sem dó, enquanto morremos de medo por achar ou saber que farão o mesmo conosco.

Criamos a prisão perfeita para nós mesmos.

Se Deus castiga, imagina o vizinho da frente?

O colega de trabalho?

O “irmão” da igreja?

Olhares retalhadores, com poder de provocar dor, medo, angústia e “morte”. Fuxicos, acusações e penas implacáveis.

Somos lobos em pele de cordeiro, inimigos em papel de amigos, falando nisso:

-Quer saber quem são seus amigos?

-Cometa um erro!

…pois a maioria irá te responsabilizar de alguma forma, irá ter pena talvez, e se afastar.

Ser humano não sabe lidar com frustração, nem com nada que tenha dado errado. Quando isso acontece, corre para encontrar um culpado, e então fica em paz, achando-se seguro.

Querem ver?

-Fulano está com câncer.

-Ah, mas ele fumava, (ou bebia, ou foi uma pessoa ruim…).

-Meu amigo bateu o carro!

-Ah não presta atenção no transito (ou corre demais, ou andava distraído…).

-Pai, minha amiga brigou comigo.

-Alguma coisa errada você fez!

-Meu irmão perdeu o emprego.

-É inveja, é muita inveja…

 

-O meu filho não dormiu bem à noite.

-Botaram “quebrante” nele.

Maravilha!  Explicações encontradas… E SÓ!

Já experimentaram parar de dar respostas confortáveis e perguntar o que podem fazer para ajudar?

Culpa nunca foi cura, nem muito menos solução para nada nessa vida, nem sei se ajuda em algo, pois já temos nosso próprio superego para fazer o “trabalho sujo”.

Ando me deparando com gente que viciou tanto em julgar e condenar os outros que perdeu a noção de si mesmo, do mal que propaga, aos outros e a si próprio.

Vamos julgar menos o peso, as roupas, o carro, a religião, a opção sexual, a forma de viver dos outros, afinal de contas, somos todos livres e vivendo numa sucessão de ensaios e erros.

Ninguém tem a fórmula.

Ninguém sabe o que está do lado de lá.

O mundo é um pouco mais do que enxergamos por nossa janela (real ou virtual) e, cá entre nós, a sua opinião é só a sua opinião, e essa minha que você lê agora também.

Me diz: Onde e quando nos deram o direito de julgar alguém?

É tão bom ter amigos, é tão bom ter com quem contar. Melhor ainda é ser você mesmo e saber que o afeto pode ser propagado sem culpa. É bom saber que sua família te ama, independente do que você seja e de quais sejam as suas escolhas.

Enquanto postam o tal “dance como se ninguém estivesse olhando”, lembre-se de não olharem a forma como os outros dançam.

Amem, incondicionalmente.

Respeitem, para que possam ser respeitados.

Libertem-se para serem libertados…

Amor Antigo

Amor Antigo

Há alguns anos reencontrei Túlio no Rio. Ele havia descoberto algo que queria me mostrar. Ali, no bairro do Peixoto, chegamos à porta de um antigo prédio – Suba! Ela está nos esperando – estava – Você veio aqui para ouvir a história, não é?- perguntou  a velha senhora de sorriso lento e doce.

Contou-me que, em seus últimos anos de vida, Pedro, seu marido, passou a cumprir um ritual. Acordava assoviando, tomava banho demorado, fazia a barba, se perfumava e saía. Dia após dia, todos os dias. Ela, que não era das mais ciumentas, começou a desconfiar e decidiu seguir o safardana. Lerdo, caminhou até uma praça, onde esperou por alguém que não veio. Escreveu ali mesmo um bilhete demorado, que deitou sobre o banco. Uma carta pra outra.

– Leia você mesmo – disse Anália mostrando-me uma caixa de madeira ao lado do sofá. “Querida, desculpe-me trazê-la tão longe. Venho aqui todos os dias para te encontrar, porque, depois de tantos anos naquela casa, eu nos vejo em cada detalhe, mas tenho medo de não estar mais te enxergando direito. Mesmo com minha visão curta, ainda percebo você acordando todas as manhãs, um pouco antes de mim, para se arrumar no espelho. Você sabe que a minha memória está indo embora, como as montanhas sob a neblina. Mas ainda me lembro da primeira vez que senti o seu cheiro de outono e do seu riso, ficando mais baixo, ano após ano. Eu sei também que você mentiu quando nos conhecemos ao dizer que havia lido Drummond. Você nunca o leu, mas eu posso ler pra você com a visão e os anos que me restam. É por você que eu espero, Anália, desde sempre. Com amor, Pedro”.

Pedro ainda leu para Anália por sete anos. Seu poema preferido de Drummond dizia “‘Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante”. O amor antigo carrega aquela paz sublime como uma canção conhecida, da qual se conhece todas as variações e notas, mas com a qual sempre se emociona e se reencanta novamente. Anália ensinou-me isso. Agora, é ela quem espera por ele.

Quer que algo dê certo? Não conte a ninguém!

Quer que algo dê certo? Não conte a ninguém!

Nada melhor para retornar das férias do que trabalhar um tema que costuma interessar a todos: a superstição!

Tão antiga quanto a própria civilização humana, a superstição nasceu com a finalidade de reduzir as angústias ante ao desconhecido (dando a impressão de existir algum controle ou conhecimento sobre coisas que até então eram – ou ainda são – incontroláveis e incompreensíveis), além de é claro, servir para controlar o comportamento de outrem por intermédio do medo e da culpa.

Obviamente não conseguiremos trabalhar todas as superstições existentes, portanto, para início selecionei uma muito frequente e interessante cuja análise poderá ser utilizada para a compreensão de outras às quais a função é similar (tenho algumas outras em mente, porém, o texto ficou exaustivamente longo e resolvi seccionar). Lembrando também que a intenção não é afrontar nenhum grupo religioso ou cultural, apenas apresentar uma proposta alternativa para a mesma circunstância!

Agora vamos ao trabalho: Quer que algo dê certo? Não conte a ninguém!

Quantas vezes já não ouvi isso (principalmente pela boca da minha mãe)! De acordo com a crença, não se deve contar sobre planos a ninguém, pois a inveja das pessoas virá a interferir nas probabilidades de êxito. Se pararmos e pensarmos, de fato parece ser real (haja visto que todos já viram seus desejos frustrados após contar às pessoas sobre estes). Porém, apesar de tudo indicar a eficácia de tal crença, terei de apontar o que de fato ocorre.

Quando passo por uma entrevista de emprego em uma grande empresa e tenho a impressão de ter sido exitoso, ou seja, contratação certa, corro o risco de contar às pessoas que consegui um excelente emprego. Contar para as pessoas não altera em nada as possibilidades de contratação, mas em contrapartida afeta as consequências possíveis.

Se me enganei, e na verdade não me saí tão bem na entrevista – ou de repente alguém se saiu melhor do que eu, irei frustrar-me por não ter conseguido o emprego e ponto. Porém, ao ter contado para outras pessoas, as consequências da não contratação terão uma ampliação dos carácteres aversivos (serei cobrado por elas; me sentirei constrangido ao ter de contar que fracassei; tirarão sarro de mim e etc.). Moral da história: percebemos com mais frequência as situações nas quais fracassamos após ter contado nossos planos para outrem, não por conta de isso ser altamente frequente, mas sim porque ter contado amplifica as consequências aversivas, fazendo com que tais circunstâncias sejam percebidas com maior intensidade do que naquelas nas quais mantivemos o “segredo”.

Conclusão: Não contar sobre seus planos por conta de possíveis interferências da inveja alheia não é lá muito racional, porém, deixar de comentar é uma excelente forma de esquivar-se de todos os incômodos trazidos pela cobrança dos ouvintes!

Gratidão é uma coisa cara que faz da vida o maior barato.

Gratidão é uma coisa cara que faz da vida o maior barato.

Olha, eu não sei se você acredita nessas coisas. Eu acredito. Comigo dá certo sempre e com você não há de ser diferente. É que eu rezo, sabe? Rezo de manhãzinha. Depois, várias vezes durante o dia até a noite eu agradeço. Agradeço mesmo. Assim, no duro! Agradeço a Deus! Aperto os olhos e penso comigo: “Obrigado, Meu Deus! Muito obrigado!”

Levo a maior fé nas coisas divinas, nas altas esferas, nas razões do imponderável. Tanto que vou rezar por você, pessoa amiga que anda assim, macambúzia, abatida, apertada de angústia. Não precisa se preocupar, não vai custar nada. Descanse. Essa história de tristeza vai passar e depois você e eu e a turma vamos rir disso tudo. Eu acredito.

Dia desses encontrei uma pessoa boa, amiga antiga, moça que conhece você também. Ali, em nossa conversa de calçada, coisa breve, repassamos a vida inteira. “Lembra de fulano? Que fim deu? E o beltrano, ah, era tão engraçado! A sicrana eu vejo de vez em quando. Diz que anda feliz!” Falamos tanto e o mundo passando. Lembramos os velhos, acolhemos os novos. E falamos de você. Ahh… nós falamos tanto de você!

Eu não tenho muito, sabe? Nunca tive. Assim, na ponta do lápis, somo duas calças compridas, meia dúzia de camisetas, essa jaqueta surrada como a sexta-feira, uma camisa de botão, pequenas porções de comida, dois tostões aqui e ali. É que eu também acredito que assim, levando tudo aos pouquinhos, fica mais fácil seguir em frente. Sobra mais espaço para o que importa mesmo. E o que importa mesmo começa e termina no afeto da nossa gente.

Agradeço, eu agradeço a Deus por você e eu termos nascido desse povo que agradece. Nessa vida o que vem é lucro. Estamos vivos, ué! Gratidão faz bem! Quando a gente agradece, o céu escancara uma porta enorme e deságua sobre nós um mundo de sorte. Agradecer é o jeito mais simples de renovar o nosso visto de permanência aqui embaixo. Quer ficar? Tem de merecer. E você merece, você merece muito. Não repare, não. Mas eu dei de pensar nos amigos com gratidão.

Você me desculpe se pareço assim meio aborrecido, mas é que hoje eu acordei com uma vontade honesta de pedir por você. Peço mesmo, peço descaradamente que o Senhor lá no Céu conserve a sua saúde forte e franca aqui embaixo. E agradeço de novo. Agradeço por estarmos vivos num mesmo tempo e quase no mesmo espaço. Perto um do outro apesar das distâncias. Ter você entre essa gente que me é tão cara, acredite, é o maior barato. E isso não é pouco. Isso não é pouco, não.

“Para onde vai com tanta pressa?”

“Para onde vai com tanta pressa?”

Imagine-se sendo um carro, cujo motor pode fazer o veículo chegar a 240 km/h. Dizem os especialistas no assunto que, se um carro anda o tempo todo em sua velocidade máxima, diminui em muito a durabilidade do motor – não que a lentidão extrema seja adequada – acredito eu que seja também maléfica, por outro lado, carros que são utilizados em sua velocidade média, tendem a “viver mais”. Assim somos nós, seres em busca constante por equilíbrio, buscando controlar nossa própria velocidade em tempos nos quais vivemos correndo, para onde, nem eu sei.

Desacelerar é o caminho para se passar pela vida sem que se perca o melhor dela. Já experimentaram olhar pela janela de um veículo que anda a mais de 200 km/h? O que se vê? As coisas passando como borrões, quase nada se ouve, e nada se sente. A vida não é o destino final, a vida é a viagem. Ande com mais calma, seu corpo e sua mente agradecerão.

-Divida seu dia em três partes de oito horas. Use uma delas para o trabalho, outra para dormir/descansar e a terceira para cuidar de si (comer, tomar banho, cuidar da saúde, da beleza e exercitar um hobby).

-Tenha uma agenda. Não use sua mente para memorizar pequenos compromissos ou lembretes que podem ser anotados. Faça uma coisa por vez, ao anotar você consegue vislumbrar melhor seus horários e deixa de assumir mais compromissos do que consegue cumprir.

-Utilize o tempo em trânsito, seja de carro ou qualquer outro meio de transporte para relaxar a mente. Se não estiver dirigindo, observe o mundo, ou distraia-se com um livro, uma revista, ou mesmo pensando na vida. No caso dos motoristas, ouça música.

-Organize-se para conviver com amigos e conversar, seja em um almoço, ou happy hour. Somos uma espécie que precisa do convívio social. Faça novos amigos sempre que puder.

-Faça uma atividade física e sempre relaxe os músculos ao final dela. Ouvir as batidas do coração e observar a própria respiração traz de volta a consciência do nosso corpo.

-Tome banho antes de dormir. Isso ajuda a desacelerar e a não levar os problemas para a cama. Outros bons aliados são as bebidas à base de camomila, erva cidreira e maracujá. Evite alimentos à base de cafeína, eles aceleram o metabolismo e a mente. Desligue a TV – ela impede a mente de relaxar.

-Deixe os problemas do trabalho no trabalho – e os da vida pessoal em casa.

-Tire férias uma vez por ano e descanse nos finais de semana. Se não precisássemos dessas pausas, elas não existiriam.

-Tome cuidado para não se tornar centralizador. Sabe aquele tipo de gente que não sabe dizer não para nada nem para ninguém e que quer supervisionar tudo? Então, eis uma prática perigosa. Acumular compromissos, funções e tarefas demais nos obrigam a acelerar o ritmo, e isso sobrecarrega uma bomba que se encontra do lado esquerdo do seu peito – se ela explodir ou apresentar qualquer defeito, as coisas se complicam bastante.

-Procure focar-se sempre no presente, no agora, esse é um exercício a ser feito diariamente. Somos treinados de forma errada a olhar para o passado ou para o futuro, deixando assim, passar a única coisa que temos na vida: o hoje, o agora. Não deixe de aproveitar a sua vida em razão do que já foi ou ainda pelo que pode vir a ser. Garantias? Não temos – de nada. Viver é arriscar-se, é confiar e acima de tudo, improvisar. As pessoas se queixam que o tempo está passando muito rápido, não é o tempo que passa rápido, é você quem passa por ele sem perceber.

 

Não faça tempestade quando é dia de praia!

Não faça tempestade quando é dia de praia!

Logicamente, aquilo que sentimos na pele nos é bem mais pungente e dolorido, no entanto, tendemos a superdimensionar nossos reveses e as situações desconfortáveis por que passamos, muitas vezes enxergando os problemas de uma forma exagerada. Preocuparmo-nos com o que nos incomoda é normal, porém, desesperar-se tão somente nos tolhe a capacidade de buscar as soluções acertadas.

Cada pessoa reage de forma distinta frente aos acontecimentos, uma vez que cada um de nós possui bagagens próprias e carregamos as impressões que ficaram marcadas de forma singular dentro de nós. Ninguém sai igual de experiências semelhantes, pois os sentimentos são pessoais e intransferíveis, ou seja, cada pessoa reagirá de acordo com o que possui, de acordo com o que tem para lutar e digerir o mundo à sua volta.

Mesmo assim, é preciso tentar manter um mínimo de lucidez e de equilíbrio nos momentos de tempestade, em que tudo parece ruir, quando o mundo se volta contra você, ou então as nuvens engolirão o seu respirar, obstruindo as saídas que sempre existirão, por menos que estejam visíveis. Os problemas costumam ter o tamanho de seus medos, nada menos e nada mais do que isso.

A maneira como reagimos às vicissitudes da vida determinará, também, o tanto de dificuldades que se interporão entre nós e as possíveis soluções aos reveses. Da mesma forma, as pessoas que caminham conosco ficarão mais seguras e capazes de nos dar as mãos, quanto menos desesperados e descrentes estivermos. Nosso desespero infelizmente puxa a tudo e a todos para dentro de sua escuridão paralisante.

Como se vê, precisamos tentar nos distanciar da situação que nos aflige para, de fora, enxergá-la em sua real dimensão, a fim de que nos mantenhamos suficientemente conscientes do real que existe e das possibilidades de superá-lo. Lamentos, lamúrias e autopiedade não nos servirão de nada nesses momentos, muito pelo contrário, apenas paralisarão nosso potencial de nos reerguermos com dignidade depois de cada tombo, de cada decepção, de cada ventania emocional.

Você não é mais infeliz do que ninguém, suas dores não são as piores, seus problemas não são insolúveis, suas lágrimas não são as mais sentidas de todas. Cada um de nós passa pelas tempestades que são próprias à jornada pessoal, ou seja, não adianta querermos nos comparar com ninguém, afinal, a dor dói para todo mundo. Cabe-nos o enfrentamento corajoso das atribulações que nos aguardam diariamente, mantendo a mente limpa e o coração em sintonia com o bem, pois, quando afastamos o mal de nossas vidas, poderemos sempre contar com as ajudas necessárias para caminharmos em direção à felicidade com que sonhamos, desde e para sempre.

 

 

 

Com 3 músicas novas podemos amar de novo.

Com 3 músicas novas podemos amar de novo.

Existe uma lenda sobre o amor em Tocantins. E por ser sobre o amor, gera todo tipo de reação. Alguns querem ouvi-la e saber se é verdade mesmo. Outros arrepiam de medo ou de descrença. “Que negócio de amor, vai trabalhar que passa.” É o que costumam aconselhar nas esquinas das cidades, quem já perdeu uma parte do coração na trabalheira de amar alguém.

A lenda é curtinha. Existiram duas pessoas em Tocantins, elas se conheceram. Nos primeiros encontros as roupas eram minimamente escolhidas. Os cabelos penteados de forma estratégica. Mas dormiram sem explicação e acordaram juntas. O sono desmontou todos os enfeites. Uma pode ver a cara de natureza selvagem da outra. Aconteceu, então, o que muita gente quer evitar. A paixão mais rural, com seus cavalos no estômago e galos cantando romantismos nos ouvidos,   pegou bem.

Porque a gente monta o espetáculo urbano, acendemos as luzes, encenamos textos maravilhosos e cheios de sabedoria e sedução, somos surpreendidos. É  só quando o show acaba, ao descer do palco e subir na mesma caminha de todos os dias que o Singular começa a aparecer.

contioutra.com - Com 3 músicas novas podemos amar de novo.

“É tão singular / O jeito que me observa acordar / E meu cabelo não parece te assustar/ Você, incrivelmente, não se importa.” ( Singular, AnaVitória. )

Até chegar o Singular, nos aventuramos nessas coisas plurais. As dúvidas, as incertezas, os medos. Sempre que alguém me pede conselho sobre se declarar ou não, eu chuto e digo que sim. É a minha forma de gritar; Deixa disso e singularize! Poder dizer o que se sente é essencial.  Diga. Fale tudo, transborde. Depois volta, com a sensação de tarefa cumprida, de ter ido com coragem e não se rendido às preguiças do coração.

contioutra.com - Com 3 músicas novas podemos amar de novo.

Hoje mais cedo pensei em ligar/ Dizer que é bom escutar sua voz/ Mas a verdade é que posso jurar/ Nunca te ouvi/ Que coração preguiçoso esse teu/ Fica esperando sem nunca insistir. ( Deixa, Ana. )

Essa confusão toda de sentimentos, existe de canto a canto no Brasil. Saiba que você não é a única alma no mundo se enrolando e desenrolando. Estamos todos no mesmo barco. Na mesma malinha de mão, com receios de transpassar e ser transpassado. Há sempre uma hora da vida em que cerramos os dentes de tanta vontade de se enamorar.

contioutra.com - Com 3 músicas novas podemos amar de novo.

A gente fica mordido, não fica?/ Dente, lábio, teu jeito de olhar / Me lembro do beijo em teu pescoço / Do meu toque grosso, com medo de te transpassar. ( Zero, Liniker.)

E se tá tudo meio estranho demais, ou se tá tudo tranquilo e favorável aos bons destinos, existem de toda forma canções que nos permitem experimentar novas histórias.  Cante, quem canta novos amares encontra.

 

*Abaixo as músicas citadas no texto.

Singular, ANAVITÓRIA.

 

Deixa, ANA.

https://www.youtube.com/watch?v=qFL-ecpOgdI

Zero, LINIKER

Clube da Luta: fugindo das correntes aprisionadoras do consumo

Clube da Luta: fugindo das correntes aprisionadoras do consumo

Um homem comum, levando uma vida banal, insatisfeito, frustrado, infeliz. Essa é a vida do personagem de Edward Norton, no filme “Clube da Luta” (Figth Club), cujo nome, ao longo do filme, não descobrimos. A ausência de nome do protagonista faz com que ele se aproxime ainda mais de cada um de nós, afinal, será que estamos levando vidas tão diferentes da dele?

O personagem de Norton é um típico homem contemporâneo, levando sua vidinha vazia e burocratizada. Com um emprego de que não gosta, vive de forma robotizada e repetitiva, sem que haja alguma emoção na sua vida banal. Sofrendo da tragédia dos comuns, ele busca, por meio do consumismo, uma válvula de escape para o seu sofrimento existencial. Desse modo, é um consumidor desenfreado, comprando uma série de coisas inúteis para o seu belo apartamento. Entretanto, enquanto preenche cada vez mais o seu apartamento, sente-se mais vazio e triste.

Esse retrato inicial já demonstra a crítica do filme ao hedonismo da sociedade de consumo. O nosso protagonista acredita na ideia de que, consumindo o máximo de coisas possíveis, será feliz. Todavia, ele tão somente acumula tralhas inúteis, que explicitam a sua vida vazia e sem sentido. Se, de um lado, há um belo apartamento para os padrões consumistas; de outro, há um indivíduo totalmente despersonalizado, que mais parece um trapo do que uma pessoa.

Na medida em que comprar coisas inúteis deixa de resolver o seu problema, o personagem-narrador, sofrendo de insônia, uma vez que não consegue ter tranquilidade e vive atormentado, segue o conselho de um médico e começa a fazer parte de grupos de apoio de pessoas com as mais diversas doenças. Nesses lugares, onde a dor e a angústia são presentes, ele parece sentir-se mais humano e, assim, sentindo-se melhor, consegue voltar a dormir.

contioutra.com - Clube da Luta: fugindo das correntes aprisionadoras do consumo

No entanto, ao ser intimidado pela figura de Marla Singer, que também passa a fazer parte dos seus grupos, ele não consegue manter a sua farsa, na verdade, percebe que nunca passou de um indivíduo despersonalizado. Sem nome, sem paixão, sem vida. O seu quadro caótico retorna e aqui acontece o ápice do filme.

Surge, então, a figura de Tyler Durden (Brad Pitt), um descomprometido com o protocolo social, totalmente inadequado, subversivo, autônomo e livre, ou seja, tudo aquilo que o personagem-narrador quer ser. Os dois passam a desenvolver uma amizade, a qual promove no protagonista uma mudança enorme na sua vida. Ele passa a se tornar mais parecido com Tyler, bem como vai deixando a sua antiga vida, se assim podemos chamá-la, de lado.

Tyler passa a assumir uma figura de mentor na relação, demonstrando tudo aquilo que o nosso protagonista sabia e acreditava, mas não tinha coragem de pôr em prática. Ao ter sua casa incendiada, ele passa a viver com Tyler em uma casa distante da cidade, sem luz elétrica e todos os seus incontáveis móveis. A sua vida ganha um caráter que jamais possuíra. Ganha personalidade, autenticidade, paixão. Essa libertação se dá por meio de Tyler, das suas ações, dos seus ensinamentos.

A externalização dessa mudança se dá com o Clube da Luta, um lugar onde um homem pode ser homem. Sem amarras, sem grilhões, com dor, com sofrimento. Um lugar onde o indivíduo pode ser ele mesmo, sem ter que seguir qualquer protocolo social. A violência ocorrida no Clube da Luta apenas demonstra, de forma metafórica, a dor necessária ao processo de libertação. Não se trata de demonstrar a violência presente no homem, mas de deixar claro, para quem assiste, que, sem sofrimento, não há como se libertar do sistema.

Mas que sistema é esse, criticado no filme por Tyler? É o sistema que cria homens viciados em trabalho (workaholics), pior, em trabalhos de que não gostam, para que possam fazer parte da orgia do consumo, comprando coisas de que não precisam ou de que não precisariam se estivessem em outros lugares, fazendo coisas que lhes trazem satisfação e felicidade real. Em outras palavras: “Trabalhamos em empregos que não gostamos, para comprar um monte de coisas de que não precisamos.”

Vivendo em nossas bolhas, deixamos de ser quem somos para nos tornarmos autômatos. Não nos relacionamos de verdade, não criamos laços, estamos em constante medo do outro e sozinhos. Para preencher o vazio de não sabermos quem somos ou de não vivermos como gostaríamos, passamos a consumir, achando que, ao consumir, resolveremos nossos problemas ou nos tornaremos felizes. Contudo, relacionamentos não são vendidos no Shopping Center, tampouco podem ser comprados pelo telefone, como fazia o nosso protagonista.

Sendo assim, ao acreditar nos kits de felicidade vendidos pela publicidade, passamos a viver como o narrador. Comprando tudo que está ao nosso alcance, acreditamos em todas as mentiras contadas por aqueles que nos tratam como estatística, pois. se o que vendem fosse verdade, por que existem tantas pessoas infelizes, com depressão, ansiosas, que não conseguem dormir, entre outros inumeráveis problemas da nossa época? Ou melhor – “Por que será que vivemos trabalhando para produzir o que não consumimos e, em troca disso, consumimos o que não nos é útil e temos o que não utilizamos, e, por fim, nunca estamos satisfeitos?”.

Tyler responde: porque somos uma geração que aceita passivamente o que nos é imposto, sem questionamento, sem recusas; pelo contrário, nós nos oferecemos voluntariamente para sermos servos de prisões que, embora bonitas, ainda são prisões. Porque somos covardes e nos acostumamos com migalhas. Porque permitimos ser definidos pelas marcas que usamos. E quando se permite isso – “As coisas que você possui, acabam possuindo você”.

O nosso protagonista permitiu de tal modo isso, que sequer um nome lhe é apresentado. Mesmo estando insatisfeito, despersonalizado, infeliz, ele não conseguia se libertar das correntes. Precisava de alguém que não se importasse com a adequação. Precisava de Tyler Durden, o seu libertador. Precisava do Clube da Luta, o seu rito de passagem para uma vida livre.  Precisava perder tudo, inclusive o seu mentor, para, enfim, após dor e hematomas, poder ser quem era.

Um homem comum? Sim. Mas um homem que teria as rédeas da sua vida em suas mãos, que teria um nome e seguiria suas paixões. Um homem que sabe que a sua personalidade vai além do seu trabalho, de quanto dinheiro tem no banco, do carro que dirige, do conteúdo da sua carteira ou da sua calça caqui. Um homem livre para fazer qualquer coisa. E, aqui, eu retomo a pergunta inicial: será que temos libertado o nosso Tyler Durden, ou preferimos ser definidos por uma calça caqui?

O que faz quem já não acha seu caminhos nos roteiros viáveis?

O que faz quem já não acha seu caminhos nos roteiros viáveis?

Dia desses eu sofria, andava pela cidade e sofria, sentia o peso de um futuro totalmente abstrato, das decisões não tomadas, das contas não pagas, das raízes que precisavam se nutrir de solo. Sentia o medo de flutuar e também o de pertencer.

A chuva caia fina, os olhares nas ruas não se cruzavam, nos pontos de ônibus eram esperas, barulhos e telefones. A poesia já não se apoiava bem num copo de cerveja. O corpo já não descansava nos abraços não dados. Nada ao redor parecia fazer sentido. E o sem sentido me apertava o peito.

O que faz quem já não acha seu caminhos nos roteiros viáveis?

Mas na cidade também existiam árvores, um parque, os olhos de um amigo. E existiam crianças de uma escola pública andando na rua com um jovem professor que as ensinava a tocar as campainhas das casas e sair correndo. Existia um restaurante de esquina, servindo PF a 10 reais e um homem jovem tocando o negócio e cuidando sozinho de duas crianças na cozinha e ao mesmo tempo sorrindo pra gente. E existia um sebo com livros em extinção e o silêncio do vendedor que atrás dos óculos fundo de garrafão, entretido em sua leitura, não nos vigiava, nos deixando degustar a arte bem mais do que o pedantismo da palestra literária em algum centro cultural que ficava discutindo as razões porque poesia não dá dinheiro.
Existiam na cidade uma árvore e um amigo me falando de filosofia e me entendendo no meu sem sentido e sem formula nenhuma para me oferecer um caminho, uma saída, apenas tinha a delicadeza de me lembrar de aceitar a impermanência. De que nada estava certo e nem perdido, e que disso tudo eu já sabia e assim eu já vivia, amando e aceitando o vai e vem da vida. Amando e aceitando tudo que me chega aos olhos e às mãos. Amando e aceitando as pessoas e as minhas decisões (ou não decisões). E que a mudança é a minha escolha, e o não saber é o meu caminho. E que a dor vem justamente de pensarmos que temos controle de tudo. E que ela vai embora quando a gente ama e deixar ser.

Acho que a vida pode ter direção, mas viver não precisa ter um sentido maior do que o próprio ato em si.

Tem dias que a gente anda, e não há sequer um raio de sol no céu. Nesses dias a gente precisa de uma árvore, de um amigo ou de uma poesia para nos ajudar a resgatar com amor e devoção o sem sentido da vida.

 

É proibido estacionar

É proibido estacionar

É proibido estacionar nas curvas do ressentimento, das mágoas, da raiva, do desejo de revanche. É permitido percorrer todo o caminho, tanto por fazer parte do aprendizado como pela experiência que ele traz, mas é proibido estacionar.

É proibido estacionar na contramão dos desejos, esperanças, planos e conquistas. É preciso ir em frente, mesmo com obstáculos e paradas não planejadas.

É proibido estacionar nas ladeiras da ansiedade, do medo, do desespero. É preciso usar a potência máxima para superar a dificuldade e enfim chegar a lugar plano, seguro, confortável, com bela vista e onde se respire ar e pensamentos saudáveis.

É proibido estacionar em fila dupla, especialmente ao lado de pessoas negativas, contrariadas, enfezadas, descontroladas. É permitido fazer algo por elas, tentar encorajar, mudar o sentimento, mostrar outros caminhos, mas nunca estacionar ao lado, parar junto, enguiçar na fila que não anda e não deixa andar.

É proibido estacionar nas vagas reservadas ou especiais, ainda que se sinta especial e privilegiado. É expressamente proibido não prestar atenção nas necessidades e particularidades alheias; não se dar conta dos direitos alheios e não enxergar o outro no seu próprio espelho.

É proibido estacionar na vida alheia, ocupar um espaço que não lhe pertence, tomar para si um direito ou sentimento que já encontrou outras afinidades e felicidades.

É proibido bloquear a passagem, ficar atravessado impedindo progressos, não pedir desculpas ao cometer erros e imprudências, buzinar frustrações nem critério ou educação, bater portas e bocas com violência, atropelar sentimentos.

Sujeito a multas, reboque, culpas e muita solidão.

Cárcere emocional

Cárcere emocional

 

“Temos medo da liberdade. A liberdade assusta o homem, ao contrário da escravidão, o impede de viver plenamente o presente porque esvazia o passado e o faz acreditar que não se pode sonhar, voar e esperar”.

(Papa Francisco)

Durante a minha graduação, um dos estágios foi na área de Psicologia Forense. Eu realizava a parte prática do estágio na Cadeia do São Bernardo em Campinas. Um dia me perguntaram por que eu havia escolhido a cadeia se poderia ter optado pela Delegacia da Mulher, por exemplo, onde então eu estaria ajudando mulheres e não infratores. Fui um dia à DDM com a amiga que havia optado por estagiar lá e saí com a certeza que, para mim, era muito mais fácil enfrentar o “cadeião”.

Assistir àquelas mulheres chegando todos os dias, visivelmente machucadas para denunciar os agressores e, no dia seguinte vê-las voltando para retirar a queixa me fazia mal. Somos um povo machista, diariamente, muitas mulheres são violentadas e mortas, mas quero falar de algo bem mais sutil, porém igualmente doloroso e praticado por indivíduos de ambos os sexos: o cárcere emocional.

É muito fácil ilustrar um cárcere quando se trata de uma mulher que vive um relacionamento afetivo com um parceiro que a violenta física e verbalmente e não entender porque ela se mantém ali, porque cede sempre e porque se nega a aceitar qualquer tipo de ajuda. Uma mulher que se mantém presa numa relação violenta, desprovida de qualquer autoestima, é motivada pelo medo e por acreditar que aquele tipo de comportamento agressivo é afetivo. Ela acredita mesmo que o parceiro a ama, e acredita que não será amada por mais ninguém. Como ela não se gosta, acaba acreditando que não merece nada mais do que aquilo.

A violência física e/ou verbal, além de ser um desvio de conduta, é também uma tentativa de controle, de ameaça, e vem de pessoas que acreditam mesmo ter o direito de agir assim com o outro. A grande questão é que as pessoas que vivem sob o cárcere emocional nem sempre são agredidas fisicamente. Não é preciso bater para machucar, muitas vezes um olhar, um tom de voz ou uma palavra machucam muito mais e exercem um controle nada saudável. Se a relação gera medo, insegurança ou desconforto constante, o sinal é de que há cárcere emocional. É exatamente o “afeto” que muitas vezes é usado como forma de controlar o outro. Seria mais ou menos assim: “eu te amo desde que….” ou “eu te amo” verbalizado associado a ações contrárias ou mesmo um “então não te amo mais”. Muitas pessoas vivem presas em relações que já deram enormes sinais de serem nada afetivas, porém, estão encarceradas com medo do mundo, do novo, da vida. Algumas chegam a dar desculpas como dependência financeira – como se dinheiro e afeto tivessem alguma ligação! Não tem viu, e nem devem ter!

Lembro-me de ter acompanhado profissionalmente poucos casos nos quais se envolvia violência física, porém me lembro de muitos dos meus pacientes presos em cárceres emocionais, cujos algozes eram os pais, os filhos, os amigos ou companheiros. Relações que eram foco da terapia, pois os mantinham presos, tensos e com um medo parecido com o da  mulher que espera amedrontada com que humor o marido violento vai chegar. Talvez vocês se lembrem de alguns casos nos quais mulheres foram mantidas em cárcere desde ainda muito meninas. Elas, ao saírem, não tinham a menor noção do que acontecera. Acreditavam que seus algozes as amavam, porque cuidavam delas, as mantinham protegidas, quando na verdade eram mantidas acorrentadas, em sótãos e estupradas. Talvez para elas aquilo fosse afeto. Talvez as mulheres que vi na DDM acreditem serem amadas e acreditem que o melhor seja estar ao lado do agressor, porque têm medo, porque já eram agredidas desde a infância, porque se acham um lixo.

Acredito que as relações devam evoluir para a liberdade. Analisemos a nós mesmos e vejamos se não estamos encarcerados – ou pior – se não estamos encarcerando alguém com algum tipo de afeto cobrado, ou algum tipo de ameaça, ou mesmo de violência. Antes de se chocar, pense se seu amor é mesmo incondicional ou se você emburra, faz cara feia e diz que não ama mais quando o outro não faz exatamente o que você quer. Relações são ruas de duas mãos que devem fluir em ambos os sentidos, não apenas no seu. Não há afeto no cárcere. A liberdade e o respeito são bases para toda relação real.

Cuide de seus achados e esqueça seus perdidos.

Cuide de seus achados e esqueça seus perdidos.

Viver implica inevitáveis perdas e ganhos, tendo ambos uma importância extrema ao nosso amadurecimento pessoal. No entanto, é muito difícil aprendermos a lidar com os aspectos negativos e que incomodam o nosso caminho, pois eles parecem se fixar em nossas memórias de forma indelével, perseguindo-nos enquanto vivermos. E, enquanto não conseguirmos digerir os obstáculos com lucidez e maturidade, não estaremos preparados para sorver todo o prazer inerente aos aspectos positivos que nos circundam diariamente.

Teimamos em nos prender ao que se foi, ao que já não tem mais razão de ser, ao que poderia ter sido e, enquanto isso, a vida passa lá fora, com todas as novas oportunidades que sempre traz consigo, muitas delas nos estendendo as mãos inutilmente. Sem que nos desapeguemos daquilo que já cheira a mofo, é impossível que abracemos o novinho em folha. Caso fiquemos lamentando aquilo que não deu certo, não teremos forças para fazer algo dar certo. Lágrimas excessivas acabam cegando nossos sentidos, enganando nossa percepção de mundo, retirando todo o colorido da vida de nosso olhar.

Existem tragédias cujas consequências são por demais dolorosas e inevitavelmente nos marcarão tão fundo, que jamais seremos os mesmos após o ocorrido, como, por exemplo, a perda de um filho, um acidente que nos limita fisicamente, um fenômeno natural que destrói tudo o que lutamos para obter. São os divisores de água que demarcam o antes e o depois em nossas vidas, são os alarmes necessários a que acordemos frente à finitude da vida, à pequenez de cada um de nós diante da força do universo, à insensatez do acúmulo de bens em desfavor do sentir e do compartilhar.

Para que possamos passar por tudo o que a vida nos reserva, no melhor e no pior, sem nos perdermos em meio a uma noite eterna, vale nos prepararmos enquanto há luz do dia. Nos momentos de calmaria, é preciso aproveitar os momentos, desfrutando-os junto com amigos e familiares, cultivando nossos relacionamentos com as pessoas que serão nosso arrimo, nosso porto-seguro, sempre que precisarmos. Vale acolhermos com amabilidade a todos que convivem conosco, pois a ajuda muitas vezes vem exatamente de quem menos esperávamos, de alguém em quem nem prestávamos atenção.

Temos que nos permitir sermos eternos aprendizes, a estarmos inacabados, em formação, abertos à reorganização dos pensamentos, à desestruturação de paradigmas, ao enfrentamento de verdades. É necessário criar uma consciência elástica, flexível frente às mudanças que abalarão tudo o que pensávamos saber a respeito das coisas, das pessoas, dos sentimentos. Compreender a própria finitude e a certeza de que nada nesta vida é certo nos ajudará a atravessarmos a nossa lida com mais sobriedade, segurança e capacidade de nos reinventarmos a cada abalo sísmico de nossos sentidos.

Valorizar os ganhos e aprender com as perdas, no sentido de reconstruirmos o nosso caminho, mesmo que às duras penas, eternizará em nossas lembranças tudo aquilo que deverá ser o alicerce de nossos pensamentos e ações enquanto estivermos dispostos a encontrar a felicidade. E sabermos que essa felicidade é um caminho de busca nem sempre prazeroso determinará, enfim, a qualidade de nossa vida junto de quem nos provoca sorrisos sinceros, pois, tendo conhecido a escuridão, os caminhos de luz serão ainda mais mágicos e especiais.

A felicidade instantânea é insípida, inodora e incolor

A felicidade instantânea é insípida, inodora e incolor

A analgesia emocional é o caminho mais rápido e seguro para nos livrar da dor. Mas, ela nos rouba o que temos de mais precioso: o prazer de viver.

Nossas lembranças não montam um quebra-cabeça; não há encaixes perfeitos ou figuras inteiras que se formam por partes recortadas. Nossas lembranças são o caos, a confusão estabelecida pela mente instável que é regida pela emoção. O paradoxo é mais constante em nossas vidas do que a coerência, isso é fato. O que nos traz alegria pode, ao mesmo tempo, nos infringir dor. E, a dor, pode ser a prova mais contundente de que a experiência é real e vale o mergulho. Se o mergulho vai garantir felicidade?! Que importância tem isso? Afinal, nossos momentos mais intensos de felicidade acontecem na superfície, não nas profundezas. Quem persegue a felicidade não precisa mergulhar; pode boiar eternamente.

Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), personagens do filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, representam no roteiro de Charlie Kaufman, a possibilidade de recriar lembranças dentro de sua própria mente, quando o desejo inicial era justamente eliminá-las para evitar a dor. Ao descobrir que Clementine submeteu-se a um tratamento experimental para apagá-lo de suas memórias, Joel fica desesperado porque ainda a ama. Ele tenta reproduzir a escolha de Clementine, mas desiste. Em vez de apagar o amor mal-sucedido, ele o recria. E subverte as memórias reais a situações ideais, nas quais encaixa o amor de e por Clementine. Não é o amor que Joel luta para manter vivo; mas, sim a lembrança de que ele existiu.

Na atualidade, nossas lembranças passeiam pelas mais diversas e adaptáveis áreas do conhecimento, a depender de sua natureza. Estudiosos se debruçam sobre o complexo assunto da aprendizagem e recorrem às mais diversas teorias e estudos científicos para tentar entender qual é a relação entre a nossa capacidade de captar uma informação, transformá-la em conhecimento para, só então, convertê-la em experiência. A verdade é que nenhuma situação, fato ou conceito que não atraia a atenção de nossa mente por sua relevância, sequer chega a fazer parte do nosso acervo de memória imediata; portanto, é descartado; não chegará a ser conhecimento, muito menos experiência. E nós, seres pensantes que somos, dependemos do aprendizado para tudo, desde balbuciar os primeiros sons a nos conectar com o mundo e nos relacionar afetiva, profissional e socialmente. Se refutamos o sofrimento logo de cara, como é que vamos aprender a lidar com ele?

Ocorre, estranhamente, que demonstramos uma bizarra atração por tudo o que nos causa alguma dor. Temos muito mais apego às nossas memórias dolorosas do que aos episódios de feliz normalidade. Por que será?! Outra questão não menos estranha é que o nosso cortejo à dor se limita às fatalidades que nos atingiram no passado; estão lá, acomodadas no tempo como se fossem um filme com recursos de “pausa”, “volta” e “prossegue”.

Assim, quando por alguma razão nos bate uma saudade inexplicável da dor passada, basta clicar o botão e revivê-la. Sim, somos seres muito estranhos. No momento em que temos de lidar com a situação dolorosa iminente, queremos fugir; queremos ter também o botão “passe rápido”; queremos atropelar a experiência que dói. Só para podermos guardá-la numa caixinha segura e voltarmos a cortejá-la lá do futuro quando nos der saudade. A dor presente ninguém quer. Estamos ficando viciados em analgésicos emocionais. Afinal, eles não são ilegais (bem, pelo menos a maioria não é!), cabem em todos os bolsos e independem de vínculos emocionais para serem utilizados. Esses remedinhos milagrosos nos livram da dor, como num passe de mágica. E são ecléticos! Você pode encontrá-los numa caixa de bombons de chocolate; numa garrafa de vinho; numa viagem; num bom livro; numa noite de sexo casual; numa mudança de visual e até mesmo numa instituição religiosa. Os analgésicos emocionais evitam que nos encontremos frente a frente com nossas frustrações, nossos desenganos, perdas e outros monstros até piores e mais feios.

O problema é que esses recursos artificiais fazem efeito por pouco tempo, dada à sua natureza imediata e superficial. Seres sociais que somos, carecemos da conexão com o outro para nos sentirmos confortáveis. Não basta ser bem-sucedido, feliz, bonito, desejado. É preciso garantir que o outro tome conhecimento de tudo isso. É preciso tornar público. Sendo assim, um dos maiores fantasmas do nosso imaginário é ser excluído socialmente. Para aplacar nossa necessidade de pertencer e garantir que sempre haverá uma plateia para testemunhar nossos grandes feitos, nós estamos sempre em busca de um número maior de contatos, seguidores e afins. Pior do que não ter plateia, só mesmo não ter o que exibir. Nesse caso de dor extrema, talvez os analgésicos emocionais já não sejam assim mais tão eficientes.

Entretanto, somos também muito inventivos, encontramos sempre uma nova saída; mais rápida, mais fácil e mais eficiente. Cientistas da Universidade da Flórida realizaram uma pesquisa, orientada pelo Psicólogo Gregory Webster, na qual utilizaram Paracetamol (analgésico de uso comum), para auxiliar pessoas que sofriam de exclusão social e outros contratempos. Os cientistas dividiram os pacientes voluntários em dois grupos: um foi medicado com Paracetamol e o outro recebeu placebo durante três semanas. O analgésico reduziu a dor do sofrimento; sua ação no Sistema Nervoso Central reduz as respostas neurológicas para rejeição e angústia, atuando em áreas do cérebro responsáveis por processar mensagens de dor física.

É claro que os resultados são inconclusivos e que esse medicamento, assim como todos os outros, só pode ser utilizado sob prescrição médica. Webster alerta para a necessidade de tratar as dores da alma com a mesma atenção que se dá para as dores físicas. O pesquisador ressalta que o problema da exclusão social afeta um número significativo de pessoas; portanto, deve ser assunto de interesse de políticas públicas.

Pesquisas científicas à parte, a verdade é que sonhamos cada vez mais com respostas e soluções instantâneas para curar nossas mazelas, inclusive as da alma. E, não deixa de ser assustador pensar num “inocente analgésico para dor física” como a solução para a gritante falta de habilidade em nos relacionarmos com nossos semelhantes e nossos diferentes. Esse desejo obstinado pela felicidade instantânea e pela distância do sofrimento, ainda vai nos levar longe. O problema é que vai nos levar, também, para muito longe de nós mesmos e para uma vida sem sabor, sem aroma e sem cor. Corremos o risco de “dar de cara” com alguém sobre quem não sabemos quase nada, ao nos vermos no espelho; uma personagem de ficção.

Na vida real, ainda nos cabe a difícil tarefa de administrar nossa complexa existência. Vivemos em busca da racionalização, enquanto sabemos que somos uma incompreensível mistura de células, experiências, desejos, expectativas, frustrações, e mais um milhão de fatores que nos transformam o tempo todo. Somos apenas um projeto, nunca estaremos prontos. E é por isso, em respeito à nossa impermanência e incompletude que precisamos compreender que a dor é inevitável no processo de amadurecimento. Sem ela, corremos o risco de nunca sermos capazes de sentir o real prazer que nos é garantido em nossa rápida estadia por aqui: viver!

INDICADOS