Na cadeia, presos aprendem crochê e produzem peças para SPFW, Anitta e Pabllo Vittar

Se você acompanha Anitta e Pablo Vittar nas redes sociais, certamente já deve tê-las visto brilhando nos palcos usando belos figurinos de crochê que levam o nome do projeto “Ponto firme”. O que você talvez não tenha imaginado é que as peças em questão foram confeccionadas por detentos da Penitenciária II “Desembargador Adriano Marrey”, em Guarulhos, na Grande São Paulo.

Há quatro anos, os presos têm a oportunidade de frequentar um curso de crochê chamado “Ponto Firme”. O projeto teve início quando o estilista Gustavo Silvestre oferecia uma oficina de crochê e foi convidado a desenvolver o trabalho para os detentos.

“Alguns amigos questionaram se eu não tinha medo, mas quis levar algo bom, de coração aberto, e confiei na minha intuição. Deu certo. Sempre fui bem recebido, com muito respeito e consideração”, contou Silvestre, que, em uma semana, inventou o nome e recrutou alguns alunos. Já passaram pelo projeto 120 detentos.

O estilista promove sozinho uma aula de seis horas de duração às quartas-feiras, com o apoio de livros para referências e com atenção sobre os interesses específicos de cada um. Depois de seis meses, em média, emite um certificado para que o detento consiga a remição da pena.

A indústria têxtil Círculo apoia a iniciativa, fornecendo linhas de costura, mas o estilista ainda arca com muitas despesas, de tesouras até impressões de apostilas, passando pelo custo com alimentação e transporte da capital até Guarulhos.

Nesta quarta-feira (22), a unidade prisional recebeu um desfile das peças que os detentos confeccionaram e que foram apresentadas em abril na última São Paulo Fashion Week (SPFW), a maior semana de moda do Brasil.

“Hoje é um dia especial, sim. Tem um pedaço de mim ali”, disse ao G1 Lucas Francisco Ribeiro, de 23 anos, que está próximo de concluir sua sentença de dois anos de prisão por assalto. Ele entrega o que produz para que a esposa venda, e já enxerga o comércio de peças de roupa como um possível ofício fora da cadeia.

Este foi o segundo ano consecutivo que as peças produzidas no projeto foram exibidas na SPFW. A primeira coleção teve como tema o cotidiano no presídio, com peças que reproduziam uniformes e temas que faziam referência a mulheres, futebol, religiosidade e liberdade.

A segunda coleção, apresentada neste ano, teve como tema as oportunidades (e a falta delas), inspirada nas altas taxas de reincidência criminal no país. Para alcançar o resultado, o estilista Gustavo Silvestre, idealizador do projeto, orientou os alunos a darem o melhor de si em cada peça.

Por questões legais, as peças feitas no presídio não podem ser vendidas, mas algumas já foram destinadas à Campanha do Agasalho, e aquelas apresentadas na semana de moda ficam guardadas como obras de arte no ateliê de Silvestre.

Os novos artesãos, que já cumpriram pena, seguiram com a atividade em liberdade e colaboraram com Gustavo Silvestre na produção de peças para seus clientes: provadores de crochê para uma loja da marca carioca Farm em Nova York, e figurinos para as cantoras Anitta e Pabllo Vittar.

Gustavo Silvestre acredita que o ofício do artesanato, especialmente do crochê, ensina mais do que a produzir peças: “Tem uma questão terapêutica. Conforme você puxa a linha e conta os pontos, você entra em uma espécie de meditação, em uma reflexão, em uma reconstrução”, disse.
Os estudantes da Adriano Marrey já absorveram os aprendizados que o artesanato traz. José Luiz de Matos, de 33 anos, tem se especializado no trabalho com “amigurimis”, os pequenos bonecos de crochê. “Esse trabalho tem me ensinado sobre paciência e me aberto possibilidades para o futuro”, disse.

Felipe Santos da Silva, de 27 anos, preso por tráfico de drogas há cinco, como a maior parte dos 2.264 detentos no local, concorda com o professor sobre impacto terapêutico.

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Detentos assistem ao desfile de modelos com peças em crochê produziadas eles na penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos (SP) — Foto: Marcelo Brandt/G1

“Me considero outra pessoa depois do crochê. Estou aqui há cinco anos e parei de fumar”, contou. “Quando eu sair daqui eu posso trabalhar como cabeleireiro porque fiz curso e gosto, mas o crochê não sai mais da minha vida e quero ensinar minha esposa, quando eu tiver uma”, planeja sobre seu retorno à vida.

Projetos como o “Ponto Firme”, que ensinam um ofício e oferecem novas perspectivas a pessoas que cumprem pena por conta de um erro cometido, podem não solucionar todos os problemas causados pela desigualdade social que assola o país e pelas deficiências do nosso sistema carcerário, mas não deixam de ser uma belíssima contribuição.

Redação CONTI outra. Com informações de G1

Imagem de capa: Detentos fazem peças em crochê momentos antes do desfile na penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos (SP) — Foto: Marcelo Brandt/G1







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