Você tem ciúmes do  passado do seu namorado? Conheça a Síndrome de Rebeca.

Dizem que ter ciúmes é normal. Tem gente que até gosta de ver o companheiro enciumado porque de alguma forma se sente desejado ou cuidado. O ciúme moderado é corriqueiro e normalmente tem a ver com o medo de perder o parceiro para alguém, medo de algum acaso que no futuro possa acarretar no rompimento da relação.

No livro Do Bom Uso Erótico da Cólera – E Algumas de Suas Consequências, o psicanalista Gerárd Pommier discute como o ciúme é usado por alguns casais como ingrediente para “apimentar” a vida a dois.

Nesse ótimo estudo, o francês debate o uso da cólera como uma maneira de intensificar o desejo, funcionando como forma de sustentar a relação, de manter a libido em alta – é o caso de casais que provocam intencionalmente o ciúme para que assim possam brigar antes de se resolverem na cama.

Para eles, “é como se, frequentemente, a desunião favorecesse a união, e como se a discórdia possuísse alguma virtude atraente no confronto cotidiano entre um homem e uma mulher”, escreve Pommier no ótimo livro, infelizmente esgotado nas livrarias nacionais. Mas existe outro tipo de ciúme, um que não se projeta adiante, não tem o foco no momento atual e nem visa esquentar a união entre quatro paredes.

É um tipo que retrocede, da marcha à ré e vai buscar no passado problemas que o próprio ciumento inventa para o presente do casal. É um ciúme Indiana Jones, arqueólogo. Mas suas descobertas são sempre para pior.

O nome disso é ciúme retroativo, também conhecido como Síndrome de Rebeca. Esse último termo vem do clássico filme de Hitchcock Rebecca, A Mulher Inesquecível, baseado no livro homônimo da escritora britânica Daphne duMaurier.

Na trama, uma mulher se casa com um homem rico e vai morar com ele no lar onde residia com a falecida esposa, a já citada Rebecca. No decorrer da convivência, a jovem segunda esposa se dá conta de que o marido ainda é apaixonado por Rebecca, que atormenta a vida dos dois mesmo depois de morta.

Pois bem, a Síndrome de Rebeca diz respeito àqueles que sentem ciúmes das relações passadas de seus parceiros e da sua bagagem afetiva/sexual. E isso tende a se transformar num verdadeiro inferno na terra, já que se trata de uma forma bastante peculiar de ciúmes.

Não é provocado, não precisa ter motivo explícito. Simplesmente aparece e devora a paciência e o humor; traz chuva e tempestade para onde tudo era antes calmaria. Não se sente ciúmes do que pode acontecer, mas sim daquilo que já foi.

Tem o costume de dar as caras em momentos de grande intimidade. No sexo, por exemplo. “Com quem ela aprendeu a gostar dessa posição?”; “será que ela gozava assim com ele?”; “tenho certeza de que ela o chupava desse mesmo jeito”: são algumas das questões que vêm à mente do ciumento que parou no tempo.

Ok, não é legal. Porém, menos legal ainda é trazer essas neuras que pertencem somente a um dos envolvidos para a vida a dois. É preciso ter controle do eu para não descarrilar o nós. Como sei disso? Porque sou um desses ciumentos disfuncionais e ainda hoje sinto na pele como é ter que domar diariamente esse bicho.

No meu caso, só o exercício da razão segura essa fera interior que procuro não alimentar com mais do que migalhas. Penso e repenso, mastigo bem para que haja uma boa digestão desses pensamentos incômodos – às vezes um uísque ajuda a afogar parte das obsessões, mas nem sempre.

Se conversar também ajuda? Depende. Algumas pessoas com a tal síndrome buscam com exaustão extrair até o último detalhe dos relacionamentos passados de seus parceiros. E quanto mais detalhes forem dados, mais a sede do monstro aumenta. Ele nunca, nunca se satisfaz.

O melhor a fazer fica a cargo de cada um. Mas mentir para o homem ou para a mulher que carrega esse problema não é a melhor saída. Nem falar mal do relacionamento anterior apenas pra curar as neuroses dela. Talvez responder de forma genérica às perguntas da pessoa enciumada, sem se aprofundar ou dar detalhes demais, seja uma boa opção.

Não falar com muita ênfase da vida sexual passada é aconselhável. Não estou falando que não se pode contar nada. Apenas que haja moderação; ir com cuidado para não transformar o parceiro no padre por trás do confessionário da vida sexual que existia antes dele chegar.

Em casos mais intensos em que nem o uísque, a conversa ou o tempo dão jeito, procurar um terapeuta é a solução mais plausível. Falar abertamente sobre o problema com um profissional tem suas vantagens.

Conviver com a Rebeca de alguém não é tarefa nada fácil. Pior ainda é conviver com a Rebeca que inventamos para o outro, uma que só existe na nossa cabeça.

É preciso seguir adiante, se colocar com os dois pés firmes no agora. Só assim o passado de um não poderá assombrar o futuro de dois.







Editor, escritor e jornalista.