Você prefere a luz acesa ou apagada?

Esse bem poderia ser um papo sobre nossas preferências na hora de fazer amor. Afinal, o entorno, o ambiente, o clima exercem uma intrigante influência em nossa libido e em nosso grau de excitação e envolvimento. Acender ou apagar a luz, quer seja literal ou figurativamente, nos expõe mais ou menos diante do outro. O papo é, também sobre isso. Mas não se resume a essa esfera volátil e deliciosa da nossa existência.

A luz acesa carrega em si, factualmente, o poder de jogar o foco onde se faça necessário ou conveniente. Em tese, a luz acesa evita mal entendidos; uma vez que tudo se desenrola às claras. A luz acesa revela a crueza das formas;  dos olhares; das curvas e retas do nosso corpo e da nossa atuação, seja ela brilhante, tosca, verdadeira ou dissimulada.

À luz do dia os gatos não são todos pardos. Revela-se a intenção por trás do gesto. Revelam-se os olhos impassíveis que não são capazes de acompanhar o sorriso ensaiado da boca. Revelam-se as superfícies encardidas; as fachadas desgastadas; as cores desbotadas.

Revelar, no entanto, nem sempre é tudo de que precisamos para conhecer a verdade. É certo, e comprovado, que há muito de concreto nas palavras que optamos por não dizer; nos semblantes que aprendemos a disfarçar; nos silêncios intencionais; no olhar que se desvia em tempo de não ser surpreendido. No fundo, mesmo o que a luz revela, com sua inequívoca capacidade de mostrar os detalhes, é sempre aquilo que permitimos que seja visto.

Nem mesmo a permissão acontece em esferas cem por cento confiáveis. Admitamos, afinal… Inúmeras vezes concedemos permissões porque já estamos demasiadamente cansados de negar ou questionar; porque não temos mais vontade ou certeza do que nos fazia resguardar e defender nossa vontade; ou, porque optamos por uma distração oportuna que nos dê um descanso daquele lugar onde temos sempre de dar a última palavra, definir os limites, bater o martelo.

Permitimos que entrem em nossas vidas porque a solidão também é difícil e cansativa. Abrimos portas e janelas para que a luz de fora venha para dentro, não apenas de nossa casa, mas de nós mesmos. Apertamos todos os interruptores, em todos os cômodos onde não há ninguém, para fingir por alguns instantes que estamos cercados de companhia. A luz, portanto, assim como a falta dela pode traduzir uma imensa escuridão.

Quem sabe então, não estejamos em busca de algo menos definitivo. Algo que não nos submeta ao julgamento explícito da luz, nem nos esconda no bréu da sua ausência. Quem sabe não estejamos cortejando o entardecer. Aquele momento transtório e lindo, no qual as cores se misturam; a luz beija a escuridão e é correspondida. Quem sabe não esteja nesse momento do ocaso a resposta às inúmeras perguntas da nossa alma inquieta.

Estamos exaustos dos extremos que passamos a vida inteira perseguindo e cultuando. Chegar ao topo de qualquer lugar, ou à mais distante das profundezas, não nos traz o conforto estranho do fim ou a excitação da vitória cobiçada porque ou estamos ofuscados pela luz inclemente da cobrança ou cegos pelo breu da falta de compaixão.

Então, caso estejamos ansiosos demais por algum alento e, talvez, nos seja demasiado penoso ter de esperar um dia inteiro pelo por-do-sol… Façamos o nosso ritual de libertação ao amanhecer, esse momento tão mágico do nascer do dia em que é a escuridão que beija a luz, e ela, porque entende que o lado sombrio pode ser aceito, acolhido e amado… corresponde ao beijo.







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"