Taxi driver – a solidão como condição pós moderna

Bauman em um dos seus pensamentos diz: “Estamos todos em uma multidão e em uma solidão ao mesmo tempo”. Frase paradoxal, típica de tempos pós-modernos, em que não se tem certeza de muita coisa.

Contraditória é também a história de TravisBickle (Robert De Niro), um homem perturbado psicologicamente, imerso em sua solidão, paranoia e decadência, buscando algo sólido para apoiar a sua existência frágil.

Taxi Driver, talvez a maior obra-prima do gênio Martin Scorsese, nos apresenta Travis (em uma atuação espetacular de De Niro) um jovem que aparentemente serviu no Vietnã e não consegue se enquadrar na sociedade. Sofrendo de insônia, ele decide arrumar um emprego de motorista de táxi, a fim de que possa, ao menos, lidar de maneira menos desgastante com o seu problema.

No entanto, Travis é um indivíduo imerso em um inferno tão quente quanto o vietnamita. Movido por uma autoanálise perene, ele sente e percebe toda a degradação que existe nas ruas, ao seu redor, em cada pessoa e dentro de si. A degradação que existe na vida e que nos torna tão distantes uns dos outros e solitários, com vidas mergulhadas em depressões profundas, em que temos apenas o nosso próprio eu como companheiro.

O comportamento esquisito e a degradação psicológica sofridas pelo personagem se constroem de forma verossímil (o que é acentuado pela trilha sonora de Bernard Herrmann) já que Travis é um reflexo da própria degradação apresentada nas ruas e da própria solidão que apavora cada um. Não à toa, a obra é uma história urbana, uma vez que são nos grandes centros urbanos que a paradoxalidade apresentada por Bauman faz mais sentido.

Nas metrópoles, como Nova Iorque, embora exista uma maior concentração de pessoas, estas estão submetidas a rotinas desgastantes, vivendo sempre com pressa, resolvendo os seus problemas e lutando contra os seus demônios, obviamente (ou contraditoriamente?), sozinhas.

Isto é, saímos de casa, vamos, voltamos, tornamos a ir e não enxergamos nada, não nos enxergam, somos invisíveis atormentados pelo medo, asfixiados pelo nada que as nossas vidas seguem, esmagados pela sujeira nas ruas, que parece ser a única existência concreta no mundo, completando a nossa solidão.

“A solidão me perseguiu a vida toda. Em todo lugar. Em bares, carros, calçadas, lojas, em todo lugar. Não há escapatória. Sou um homem solitário de Deus.”

Diante do vazio que o permeia, das suas incertezas e do seu desencanto, Travis busca refúgio no seu diário, a fim de que possa afastar-se de toda aquela sujeira que ele tanto repugna, muita coisa, inclusive, fruto do seu preconceito e conservadorismo.

Entretanto, o seu sonho sempre esbarra em si mesmo, porque sabe que o ódio que nutre pela “escória” das ruas, é apenas um reflexo da sua própria exclusão e desenquadramento, da sua esquisitice inapropriada e inaceitável pelo lado “bonito” da cidade, de modo que não há como a chuva limpar as ruas, sem que ele também seja levado para os esgotos.

“À noite, saem animais de todos os tipos: prostitutas, cafetões, corruptos, drogados, traficantes e esquisitos de todo tipo. Um dia uma grande e verdadeira chuva vai limpar as ruas de toda essa escória.”

Mesmo sabendo de toda a sua decadência e do mundo, Travis nutre o desejo de fuga do inferno no qual está submetido. Esse desejo é almejado em Betsy, que representa o contraponto de toda a miséria pronunciada pelo protagonista. A rejeição, todavia, por parte de Betsy, de um romance sequer iniciado, acentua para Travis, a incapacidade de salvação, posto que o seu portal de salvação revelou-se somente mais uma passagem para o inferno.
“Agora eu percebo como ela é como os outros… fria e distante. Muitos são.”

Talvez o que Travis precisasse, antes de sucumbir à loucura total, fosse de alguém com que pudesse sair, conversar, fazer alguma coisa. Alguém que pudesse ajudá-lo a tirar umas coisas ruins da cabeça, algo que ele tenta expor, mas sem resultado, a um colega taxista. O que Travis precisava, era o que todos nós precisamos em algum momento da vida: alguém que nos ajude a respirar e sair do mar de lama que estamos mergulhados.

Ele não encontrou essa ajuda, nós, na maioria das vezes, também não encontramos e, assim, quando todas as portas se fecham, a loucura se anuncia como a única saída possível. Para o nosso herói foi dessa maneira.

Após o seu ato de loucura ser praticado materialmente, Travis é condecorado por uma sociedade que antes o excluía. Pior, pelos motivos errados. Nada que fizesse substancialmente diferença para ele, já que o final do filme, assim como o começo, demonstra o mesmo olhar refletido no retrovisor.

O olhar de um homem que sabe que não é herói, que não acredita em heróis, cheio de vazio e solidão, buscando apenas um sentido para a sua vida, embora saiba ao olhar pela porta do carro que: “Os dias passam monotonamente um após o outro, nenhum deles difere do anterior ou do próximo, são como elos de uma longa cadeia, até que de repente surge a mudança.” E, sobretudo, que ao olhar-se no espelho não enxerga nada além de si mesmo, ainda que as duas imagens representem a mesma coisa.







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