Sobre valorizar os caminhos da estrada

Envelhecer para alguns é uma dádiva. Para outros, é uma estação non grata. Acho que não vivi o suficiente para uma profunda reflexão sobre a finitude. Chega a soar irônico, pois apesar de não ter experiência suficiente para falar sobre envelhecimento, é justo o que farei, embora saiba que não cabe a ninguém um ilusório encerramento da questão. Não tenho aqui a pretensão de comunicar nenhuma primavera, mas certamente trarei o olhar mais consentâneo para mim, que, aliás, é um olhar que sempre destoou de nosso meio social. Paciência. O senso comum é implacável com a velhice. Apesar disso, fico a indagar quanto tempo a gente passa na vida preocupado com a passagem do tempo. E isso é necessário, vejam bem, o perigo está na intensidade e na forma. Levamos uma vida inteira sem saber lidar com a velhice? Sem aceitá-la e saber que é parte inevitável da vida? Esmerando-se para retardar seus efeitos no corpo e na mente?

Até aqui, sem crises existenciais. Já pensei sinceramente que envelhecimento poderia não ser uma coisa natural e sequer acharíamos mal. Talvez vivêssemos melhor se fôssemos eternos; talvez não. Mas basta. Não dá pra viver a vida elucubrando e queixando-se. Estou degustando com prazer e sem dramas o passar do tempo. Pessoalmente, sinto que psicologicamente a velhice abaterá um pouco diferente, de forma mais natural, mais resignada. Sempre considerei envelhecer uma bênção, ato contínuo de viver. E é bom viver. Quem não suporta a ideia de envelhecer como algo natural deveria ao menos pensar que resta-lhe uma alternativa: morrer. Desculpem ser tão taxativa, mas é ou não é verdade? Interrompemos a vida e assim não envelhecemos. Pronto. Eu dispenso a precipitação. Quero aproveitar cada centelha de vida.

A pedra fundamental, a parte dura disso não é apenas a nossa própria finitude, mas a dos que amamos. É indescritível amar alguém com todas as forças e em dado momento não tê-lo mais aqui. Aí sim o coração amiúda. E como! Vemos muitas pessoas envelhecendo ao nosso redor, presenciamos a perda da saúde delas e até acostumamo-nos a vê-las partir dali a algum tempo. Tudo muda quando vemos nossos pais, avós e tios envelhecerem, pois é como se não déssemos conta de que eles irremediavelmente também perderão o ânimo, a memória, a vitalidade. Eternos imaturos que somos, temos a tendência de achar que eles não mudarão e serão iguais, que apesar dos anos eles não viverão em situação de fragilidade a ponto de precisarem de nossa ajuda. Não é só de experiências que precisamos, mas de fortaleza para lidar com isso. E paciência, e benignidade…

Contanto como tudo que existe, não há só céu ou inferno em envelhecer. Há nuances em tudo. Diversidades, singularidades e a fina mágica da mente humana, que direciona a vida para o alavanque ou o soterro. Sempre fui positiva nesse aspecto. Admiro desde sempre as pessoas mais velhas. Adoro conversar e relacionar-me com idosos. E, para o choque da grande massa, vejo beleza na velhice. Sim, porque na beleza física, além de caber o relativo, cabem as particularidades de cada fase da vida. O tempo corre seus anos, mas algumas pessoas parecem não notar. A minha avó materna, por exemplo, ao que parece envelheceu sem perceber, tal era a sua energia vital – apesar das doenças. Era uma avó-menina, linda como uma azaleia. No caixão ela estava tão bonita e queda que mais parecia dormir. E sonhar. Segurei algumas flores de lírio no caminho do sepultamento e coloquei-as sobre o sepulcro. Da cena e do cheiro eu não esqueço. Será por coincidência que hoje meu perfume predileto tem aroma de lírios? Vai saber.

O passar dos anos pode não trazer apenas rugas, mas altivez. Da infância à terceira idade, cada momento reserva traços do belo e do singelo. As perguntas são: Você gosta da veracidade? Está pronto para ver isso? Ou ainda : Quer ver isso? É preciso criar novos paradigmas e olhar com mais carinho para esse segundo tempo da vida. Assim como para brincar com uma criança é preciso sonhar, para aceitar a finitude é preciso dilatar-se, apaziguar o coração. A cronista gaúcha Martha Medeiros tratou essa fase pós-cinquenta de segunda juventude, e até disse que nela é possível realizar novas aventuras.

É isso ou ser rebanho, caros amigos, supervalorizando a juventude em uma sociedade que valoriza todo tipo de fugacidade. Em uma sociedade plastificada os valores são frívolos, as relações líquidas ( para aprofundar-se , cabe ler o sociólogo e filósofo polonês Zigmunt Bauman). Supervaloriza-se a juventude permanente e pretere-se a velhice como valoroso espaço de existir. Ora, sejamos mais sensíveis ao humano. Mudemos esses paradigmas e assumamos novos padrões. A eterna juventude é utopia. Mas jovialidade é outra coisa. Se o sujeito tem energia, saúde, esperança e disposição para a partilha, provavelmente escutará que parece um jovem, independente do quanto já viveu. Fome de viver é uma característica legada aos jovens, mas ela pode estar em qualquer um de nós, se pararmos para raciocinar bem.

Há poucos dias, um fato engraçado. Pela primeira vez alguém tratou da minha idade como peso. Em uma loja, a vendedora soltou no meio de uma explicação: “ a senhora já está com quase quarenta anos”. Nenhum drama. Confesso que fiquei me segurando para não rir na hora. Não perguntem por quê, embora ache que seja uma daquelas pessoas bobas para rir. Se alguém trata com pesar os meus trinta e poucos anos, imagina como não enxerga quem tem cinquenta ou sessenta anos? Eu, que tenho a felicidade singela do bem-te-vi, uma vida boa e bastante ocupada, sequer parei para pensar nisso até agora. Tenho praticamente a mesma forma física da adolescência, mantenho hobbies desde muito cedo, sou razoavelmente saudável (afinal, ninguém é zero quilômetro), preservo algumas purezas, e apesar de ter vivido algumas experiências duras contrárias a essa fé no melhor, decidi ser crédula, ter esperança. Espero continuar assim.

Dificilmente algo é totalmente ruim e desprezível. Aos que são de amadurecer ( nem todos parecem dados a isso), a maturidade que vem com o tempo é muito boa. Seria perfeito se pudéssemos nascer maduros. Assim diminuiríamos a importância das coisas que já não tinham importância, mas não sabíamos. O filme “ O curioso caso de Benjamin Button”, do diretor americano David Fincher, mostrou com graça na ficção como seria isso. Na Nova Orleans do início do século XX, nasce Benjamin Button de forma curiosa e incomum. Apesar de ser um bebê, tem a aparência e as doenças de um idoso avançado. Ele segue um caminho inverso ao de todos nós, pois ao invés de envelhecer com o passar do tempo, Button rejuvenesce. Delicadezas transbordam o filme, mas nenhuma poesia supera o encontro com o seu amor Daisy, uma criança que Button conheceu quando menino e por quem se apaixona. Ele aguarda que Daisy cresça para tornar-se uma mulher, enquanto ele rejuvenesce para tornar-se um jovem adulto e assim os dois envolverem-se amorosamente.

O fato é que quanto mais vividos, damos mais importância para as coisas que não sabíamos, mas temos que dar. A maturidade ajuda a equalizar a vida. Não tem crise. A alma não envelhece. O pensamento não envelhece. O belo não envelhece. O amor não envelhece! Achar ruim envelhecer significa achar ruim a fatura de viver. Significa só valorizar parte da estrada (a chegada) e esquecer do caminho percorrido. Sentir assim significaria não gostar dos banhos de água doce que tomei, dos sonhos que realizei, dos chocolates que comi, dos beijos que dei, das histórias que li, dos choros de alegria ou dos amigos que docemente somaram-se na minha jornada. Tá tudo ali, na minha fatura. E perdoem-me, mas não acho nada disso ruim. Pago essa conta com gosto.

Imagem de capa: ML Harris/shutterstock







Sou Denise Araujo e não tenho o hábito de me descrever. Não sei se sei fazer isso, mas posso tentar: mais um ser no mundo, encantada pelas artes, apaixonada pelos animais, sonhadora diuturna, romântica incorrigível, um tanto sensível, um tanto afetuosa, um tanto criança ...