Saborear um bom café é uma declaração de amor a nós mesmos

Imagem:  astarot/shutterstock

De todos os chamados que a cozinha me faz, a hora do café quentinho, exalando cheiro de pausa e cuidado, é a que mais me atrai. Herança da minha infância, do tempo em que acompanhava minha tia nos afazeres de casa e no cuidado com quatro homens que dependiam tanto dela. A hora do lanche, com pão molhado no café fumegante, era o tempo que ela conseguia olhar para si mesma e respirar. Era ali, naqueles instantes diante da mesa posta com bolo de farinha e ovos, pão francês e café cheiroso que ela desconstruía a mãe enérgica, a esposa generosa e a dona de casa prestativa. Era ali que eu, atenta em minha meninice, aprendia a cuidar mais de mim.

Eu gostava do sabor e do ritual, mas o que me dava mais alegria era ver aquela mulher se despindo da pressa rotineira e curtindo a própria companhia. Em sua simplicidade, ela me ensinava a buscar momentos de calmaria e consolo no meio do caos diário.

O ato de sentar-se à mesa para saborear um bom café é uma declaração de amor que fazemos a nós mesmos. É uma forma de nos acariciarmos e aprovarmos a nossa própria companhia, sem precisar de mais ninguém.

Preste atenção à sua volta. Estão todos tão ocupados, tão distantes de si mesmos, correndo tanto, exercendo papéis demais, cumprindo prazos e exigências demais… e pouco respeitando a si mesmos. É hora de colocar a toalha na mesa e servir um bom café. Hora de partir o pão com a mão e mergulhar nos vapores da xícara acolhedora. Hora de respirar fundo e mastigar devagar. Hora de perceber a urgência de desconstruir-se para enfim ser mais feliz.

A vida necessita de pausas. De momentos em que o bule cheio de café fresquinho nos convida a sentar e enfim desacelerar. De ocasiões em que é necessário colocar uma toalha bordada na mesa e convidar a nós mesmos para o chá. De porcelana bonita nos chamando para jantar. De sobremesa simples adoçando nosso paladar.

É preciso aprender a se gostar. Aprender a descosturar as bainhas que nos atam ao que é supérfluo e costurar novos remendos, que nos autorizam uma existência de respeito e amor-próprio.

Já não cabem mais desculpas. A água na fervura anuncia que é hora de coar o café. As nuvens escuras apressam a retirada das roupas no varal. E o cansaço pelo descuido consigo mesmo diz que é hora de desacelerar e se desconstruir.

É momento de acenar em despedida àquilo que nos ensinaram que era primordial mas nem sempre nos agrada. Ao excesso de zelo, à vontade de controlar tudo, à ansiedade de dar conta de todas as funções. Ninguém nos contou que não é possível agradar a todos, e nessa busca incansável pela perfeição, nos perdemos de nós mesmos.

É chegada a hora de retornar. De tornar possível o amparo às incompletudes, insignificâncias e imperfeições. De aceitar os próprios limites e afrouxar a competência. De sentar-se à mesa e servir-se com carinho um bom café. De pausar a tarde, os pensamentos, cobranças e exigências. De enfim perceber que a vida pode ser contada de uma forma mais simples, mais silenciosa e bem mais amorosa…

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.