Relações tóxicas: Quando amar alguém nos causa dor

(Alerta de spoiler: esse texto contém alguns spoilers da série Big Little lies. Se não quiser ler a parte de spoilers, pule o primeiro e o nono parágrafos)

No início da segunda temporada da série Big Little Lies, a personagem Celeste, vivida por Nicole Kidman, volta a se consultar com sua psicóloga após a perda do marido com quem vivia uma relação abusiva. Ela conta que anda tendo pesadelos e que se sente responsável pelo acidente que o vitimou. Então, a psicóloga lhe diz: “Mesmo morto, a mensagem dele continua: que a culpa é sua. Que a culpa é sempre sua”. E finaliza: “Não é”.

Relacionamentos tóxicos não ocorrem somente no campo da paixão. Acontecem também nas relações familiares, entre pais e filhos, irmãos, e nas relações de amizade. Geralmente envolve pessoas tóxicas ou abusivas e essa pessoa pode ser um homem ou uma mulher.

Na relação tóxica, existe um ciclo. Um ciclo que inclui uma fase em que tudo parece estar bem e em harmonia; seguido da fase de desequilíbrio, silêncio, afastamento punitivo e culpabilização do outro; continuado pela fase em que a paz se aproxima novamente, com a pessoa tóxica se mostrando amável e colaborativa, fazendo o outro acreditar que o período de desequilíbrio não foi nada demais.

Geralmente, pessoas tóxicas são narcisistas. E esse traço de personalidade é caracterizado por egocentrismo; egoísmo; necessidade de chamar a atenção; aversão a compartilhar sua vulnerabilidade emocional; desrespeito pelo pensamento, sentimento e espaço físico do outro; pouco remorso; culpabilização da vítima; falta de consideração; mentiras; infidelidade; abuso.

Porém, nem sempre num primeiro momento os narcisistas se mostram como realmente são. Alguns podem ser muito carismáticos e sedutores, fazendo a vítima duvidar de sua própria capacidade de análise e julgamento. Quando estão interessados em você, fazem você se sentir muito especial. Porém, ao perderem o interesse, podem deixá-lo sem maiores explicações. Alguns, porém, o deixarão e se “arrependerão” inúmeras vezes, abandonando e voltando atrás indefinidamente, te confundindo e te torturando com crises de inconstância e falta de limites. São peritos em frases tipo: “eu não tenho certeza sobre nós” intercaladas com outras do tipo: “não sei onde eu estava com a cabeça quando deixei você”.

Nem sempre é fácil reconhecer que estamos numa relação tóxica. E acredito que a causa dessa cegueira seja a vontade exagerada de que a relação dê certo, projetando aquilo tanto que desejamos no outro.

Cuidado com o que você deseja desesperadamente e com as projeções. Elas impedem que você enxergue a realidade. Te cegam, te iludem, te desviam da verdade. E você pode começar a defender e a justificar uma relação tóxica. A “farsa” pode chegar a tal ponto que quem não convive diretamente com vocês pode acreditar que vocês têm uma relação de sonhos.

Voltando à série Big Little Lies e à sessão de terapia da personagem Celeste, em dado momento ela diz para a psicóloga: “Sinto falta do que era bom. Do quanto ele amava os meninos e os meninos o amavam. Eu não acho que eu deva apagar tudo isso”. Então a psicóloga responde: “Eu trabalho e atendo vários veteranos de guerra. Muitos querem voltar para a guerra. Eles não dão conta do que é comum. A vida normal é um tédio. Você sente falta da guerra, Celeste”.

À semelhança de Celeste, muitas pessoas que viveram uma relação tóxica na infância irão buscar um relacionamento tóxico e cheio de conflitos na vida adulta, pois sentem falta da “guerra”. Também ocorre de muitas pessoas, após experimentarem um relacionamento tóxico que só lhes fez mal, terem saudade dessa relação, alegando que sentem falta do que era “bom”.

Porém, é importante lembrar que amor não causa dor, não confunde, não pune.

Quando amar alguém te causar dor, desconfie. Não romantize a inconstância, o silêncio, as promessas vazias, a vitimização e a manipulação. Não caia nessa. Nem por compaixão, carência, dificuldade de impor limites, ingenuidade, bondade. Não é normal o amor causar dor, infligir culpa, punir. Não é normal te querer num dia, no outro não, no outro sim, e depois talvez. Se está te confundindo, não é amor.

Cuidado com a pessoa que se vitimiza e costuma dizer que você tem culpa. Culpa do sumiço dela, culpa do silêncio dela, culpa da grosseria dela, culpa dela ser abusiva, culpa dela ser invasiva, culpa dela te trair, culpa dela mentir, culpa dela te punir. Cuidado com quem não assume a responsabilidade pelos estragos que faz.

Quando você tomar consciência de que aquilo nunca foi bom, você começará a se proteger. E enfim entenderá a parábola do sapo e escorpião:

“Certa vez, um escorpião aproximou-se de um sapo que estava na beira de um rio.

O escorpião vinha fazer um pedido:

“Sapinho, você poderia me carregar até a outra margem deste rio tão largo?”

O sapo respondeu: “Só se eu fosse tolo! Você vai me picar, eu vou ficar paralizado e vou afundar.”

Disse o escorpião: “Isso é ridículo! Se eu o picasse, ambos afundaríamos.”

Confiando na lógica do escorpião, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio.

No meio do rio, o escorpião cravou seu ferrão no sapo.

Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou: “Por quê? Por quê?”

E o escorpião respondeu: “Por que sou um escorpião e essa é a minha natureza.””

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.