Quem já foi uma mulher invisível sabe que esse não é um superpoder

Tantas mulheres invisíveis caminham por aí. Essas mulheres engolem o riso e balançam a cabeça para coisas com as quais não concordam.

Elas tiram o batom dos lábios, trocam de calçadas para não trombarem com velhos amigos e carregam fardos pesados que não são delas.

Elas penduram quilos de roupa no varal, às vezes, bem tarde da noite. Elas se empenham em ser boas cozinheiras, não porque gostam, mas porque alguém disse que elas precisavam saber cozinhar bem. Elas se afogam em lágrimas, sem que ninguém note. Quase ninguém fala delas. É que o mundo costuma esquecer das mulheres mal casadas.

Uma mulher mal casada desaparece e fica invisível. Uma mulher mal casada é uma vela branca que queima no altar da vida. Morre a solteira e vem a mulher que tem que carregar o mundo nas costas. Morre a solteira e vem a mulher que tem que ter horário pra ir e voltar. Que tem ao lado alguém que costuma dizer coisas absurdas sobre a vida dela ou que a ignora de vez.

A mulher mal casada sangra litros silenciosamente e colhe ingratidão onde planta amor. Ela engole a vontade de jogar conversa fora pois, infelizmente, tem ao lado alguém que torce contra ou simplesmente não se importa.

Ninguém pensa em estender a mão para a mulher mal casada. Ninguém pergunta da mulher mal casada. Perguntam da casa, das finanças, do Papa. Essa é uma mulher apartada de si. Um ser que tem a agenda cheia de afazeres e que deve satisfazer exigências e vontades de outros.

Mas um dia, um belo dia, a mulher mal casada acorda. Alguma coisa muda dentro dela e ela lembra subitamente de quem era antes de ser soterrada por uma avalanche de desgostos.

Esse momento é quase divino, apesar de muito silencioso. É nele que essa mulher descobre a força que tem e decide, corajosamente, lutar por si. É nesse momento, sublime, que ela levanta diante dos olhos incrédulos daqueles que juravam que ela ficaria sentada pra sempre.

Essa mulher vai embora como a personagem do livro de Ann Tyler, Ladder of Years, que sai para caminhar na praia com míseros dólares nos bolsos e não volta mais.

Essa mulher quando acorda tem uma ânsia de se encontrar que não pode ser contida. Ela busca afoita consolo nos braços seus e se entrega de corpo e alma a si. Essa mulher tão corajosa, cura as próprias feridas e descobre em seu interior grandes poderes que nem de longe lembram a tão gélida invisibilidade.

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Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.