Que os nossos pés criem asas e não raízes

Todas as vezes que abrimos os olhos depois do sono, é como se estivéssemos voltando de uma viagem a outro lugar. Nossa alma passeia por aí, enquanto dormimos. Enquanto o nosso corpo precisa permanecer quieto, silencioso e alheio ao entorno, os sonhos vêm nos visitar e nos liberar das gaiolas em que habitamos.

Livres do peso incômodo das coisas que precisam fazer sentido, que precisam ficar contidas num contexto engessado e cheio de regras, podemos enfim nos encontrar com a liberdade de apenas ser quem somos. Nenhum jeito de ser é proibido, nenhum desejo é descabido.

Os sonhos são as nossas asas benfazejas. São a nossa porta de acesso aos planos que nunca tivemos coragem de colocar em prática, porque temos medo de parecer ridículos, ou porque precisamos parecer maduros, seguros, equilibrados.

Quantas vezes deixamos de dizer algo pelo receio de sermos julgados; ou deixamos de experimentar coisas, pelo pouco respeito que temos às nossas verdadeiras inclinações para sentir, amar ou viver.

E enquanto nos esforçamos para sermos adequados, vamos nos distanciando da semente viva que nos conferia luz aos olhos. Em algum tempo ali atrás, quando ainda não havíamos conquistado a etiqueta de “adultos”, sabíamos muito mais sobre nós mesmos do que sabemos agora.

E se conseguirmos silenciar a boca por alguns instantes e interromper o fluxo das frases automáticas e dos roteiros ensaiados para a encenação da vida, quem sabe não consigamos voltar a nos ouvir. Quem sabe não acabemos por descobrir algum talento que nos foi negado, ou que entregamos de boa vontade, em troca de alguns olhares de admiração ou alguns certificados de conclusão.

Nosso corpo tem uma arquitetura perfeita e harmônica para o movimento. Não fomos feitos para permanecer rijos e imóveis. Se não piscarmos os olhos, ficamos cegos. Se não nos mexermos por muitos minutos, começamos a formigar. E, se teimarmos em engolir o que sentimos, acabaremos envenenados.

É uma enorme tolice, desistirmos de sonhar. Quase tudo o que se torna realidade em nós – as coisas que nos fazem mesmo permanecer vivos -, foram sonhos em algum momento. Uma pena que não tenhamos gravado em cores na alma, o exato momento em que ficamos em pé pela primeira vez. Ver o mundo de outro ângulo, imagine só como deve ter sido maravilhoso!

Uma pena não termos gravadas em nós essas histórias realmente arrebatadoras… O gosto da primeira jabuticaba estourada na boca. O frio na barriga dos primeiros passos com os pezinhos descalços. O abraço do primeiro amigo. A estranheza do primeiro beijo. A primeira vez que sentimos amor.
As coisas mais incrivelmente maravilhosas não são documentadas. Mas ficam diluídas para sempre em nossas histórias não escritas, tampouco ditas em voz alta. Nosso corpo não aprende a ter prazer, sem experimentar o toque. Nossa imaginação não se encontra com o impossível sem alçar voo. Sendo assim, que nossos corações sejam mais íntimos de quem amamos do que os nossos olhos. Que nossos planos para o futuro, incluam a alegria de outros alguéns. E que os nossos pés criem asas e não raízes, porque a felicidade não mora em um único lugar.







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"