Por que as mães carregam todas as dores do mundo?

Lembro-me de que no auge da minha independência infantil, por volta dos seis ou sete anos de idade, pedia para a minha mãe para ir até à casa das minhas amigas para brincar, mesmo que para isso bastasse apenas atravessar a rua ou caminhar por um pedaço de quarteirão, algo que para mim era simples; minha mãe dizia que era extremamente perigoso e falava sobre os aviões que poderiam despencar do céu a qualquer momento sob a minha cabeça, dos sequestros de crianças, do tráfico de órgãos e, ainda, dos desaparecimentos infantis inexplicáveis, e de todas as outras crueldades que poderiam acometer uma criança inocente e sua família. Qualquer coisa que eu fazia era monitorada para impedir que alguém me arrancasse um rim, uma córnea, um pulmão ou que eu desaparecesse sem deixar vestígios.

E, na minha independência infantil, achava desnecessário tanta preocupação por parte da minha mãe, pois, pensava tratar-se de situações que acontecessem somente no imaginário dela e de outras mães “malucas” e, por isso, discutíamos, pois, queria meu direito e ir e vir tranquilamente pelo mundo. Minha mãe, sabiamente dizia: “Quando for mãe entenderá o que eu quero dizer.” E nunca acreditei, pensava que jamais iria amedrontar qualquer filho meu sobre a fragilidade de existir. E, quando fui mãe, comecei a temer os aviões “descontrolados”, o rapto de crianças, o tráfico de pessoas e todas as outras mazelas da vida. É verdade que não amedronto o meu filho sobre nossa fragilidade existencial, mas, fico atenta e observo tudo o que nos rodeia e também os acontecimentos do mundo.

Um fato que disparou minhas lágrimas e tristeza foi o afogamento do menino Aylan no mar da Turquia. Foi fotografado morto de bruços na areia, com camiseta vermelha, calça azul e com as mãozinhas vazias. Na fotografia, parecia dormir em paz. Essa fotografia comoveu o mundo todo, todavia, posso afirmar que provavelmente tenha doído e sensibilizado mais as mães e pais. De forma alguma, menosprezo a sensibilidade das pessoas que não têm filhos, apenas digo que “sentir” as tragédias, principalmente sendo com crianças, é um pouco diferente.

Nos primeiros meses, a mãe, para conseguir satisfazer as necessidades do seu filho, como fome, dor, angústia, precisa se identificar com o seu bebê, ou seja, ela precisa se ver em seu filho até que ele aprenda a expressar seus anseios.

Dessa forma, a mãe se mistura com o filho para poder atendê-lo e também revive remotas lembranças de sua infância, e, por um tempo, mãe e filho ficam misturados e algumas feridas da infância da mãe, que ficaram abertas, ressurgem através dessa ligação.

E, se pensarmos na tragédia fotografada do menino Aylan, é como se esse menino, fossemos nós e fossem também os nossos filhos. Conseguimos sentir o desespero, nesse caso, do único sobrevivente, o pai que perdeu a esposa e seus dois filhos. E a dor que sentimos diante de qualquer desgraça que se abata sobre uma criança e seus familiares é tão lasciva que nos colocamos no lugar deles. Talvez seja por isso que identificamos facilmente as crianças ao nosso redor que estão precisando de alguma ajuda ou carinho, que somos prestativas com as mães que, por algum motivo, estão meio perdidas, que somos mais pacienciosas e solidárias.

Misturamo-nos com as crianças que estão em sofrimento por alguma questão da nossa própria infância. É como se o fato de recuperarmos ou aplacarmos o sofrimento do nosso filho ou do filho de outra mãe curasse “aquela” velha ferida infantil que há muito tempo tinha sido esquecida. Por isso, vamos tentando consertar o mundo perto de nós, ficamos excessivamente sensibilizadas diante do bebê que vai nascer e por algum motivo sua mãe não conseguiu fazer o enxoval, da criança que é negligenciada ou que passa fome, da criança que volta da escola e é atingida por uma bala perdida e diante da fotografia de um menino que morreu na praia sem saber ao certo qual é o sentido da vida.

Essa sensibilidade nos comove a ponto de ajudarmos as outras crianças que não são nossos filhos, fazermos serviços voluntários, doarmos roupas e alimentos às famílias que precisam, sermos mais atenciosas e caridosas com as pessoas ao nosso redor. Certamente, não consertaremos o mundo todo, mas, fecharemos nossas velhas feridas infantis e criaremos um lugar mais digno para nossos filhos crescerem seguros, solidários, e talvez futuramente eles possam consertar o mundo!







Psicóloga com especialização em Psiquiatria e Psicologia da Infância e da Adolescência e em Psicoterapia Psicanalítica Breve. Mais de 10 anos de experiência. Atendimentos presenciais e online.