Passei dos 25 e não fiz o que planejei. Fiz o que pude.

Por Jean Peixoto

Não adquiri casa própria. Não comprei um automóvel. Não aprendi a dirigir. Não escrevi um livro. Não concluí a faculdade. Não conheci o exterior. Não encontrei a pessoa certa. Não me casei. Não tive filhos. Não fiquei rico. Não encontrei o emprego dos sonhos. Não me tornei chefe de nada. Não fui morar sozinho. E nada disso é, de fato, um problema, afinal de contas cada um tem o seu tempo.

Quando estava próximo de completar 16 anos entrei em uma paranoia. As pessoas sempre me diziam que os 15 anos eram a melhor fase da vida, que eu deveria aproveitar ao máximo, porque essa época jamais voltaria. Me sentia culpado porque os meus 15 anos, com toda certeza, não foram a melhor fase da minha vida. Era como se estivesse desperdiçando a tão valiosa e exclusiva oportunidade que a vida estava me oferecendo. Uma bobagem. Mais tarde, com 18 anos, outra crise. A maior parte dos meus colegas de aula estava aprendendo a dirigir, alguns ganhando automóveis dos pais, namorando, escolhendo a faculdade que queriam cursar e eu, nada.

O ritmo frenético de estudar no curso técnico pela manhã, trabalhar à tarde e frequentar as aulas à noite era realmente exaustivo, e se estendeu pelos 3 anos do Ensino Médio. Meu aproveitamento foi bem abaixo do esperado, mas tudo bem, eu estava fazendo o que tinha de ser feito. Concluí o Ensino Médio e passei alguns anos sem estudar. Uma decisão errada? Talvez. Ou não. Nem sei bem ao certo se foi uma escolha, afinal de contas, não estudei porque precisava trabalhar e andava muito cansado.

Ingressei na faculdade aos 21, idade em que boa parte das pessoas já está se formando (aqueles colegas lá do Ensino Médio, por exemplo). Próximo de completar 23 anos, uma nova paranoia. Ouvi em um programa de rádio algo sobre os grandes feitos da humanidade que seus autores realizaram até os 23 anos (com o tempo descobri que algumas informações daquela lista eram absolutamente irrelevantes e, outras, completamente incorretas). Me perguntava todos os dias se, caso eu viesse a morrer, qual seria o meu legado? O que eu deixaria de herança para o mundo? Desperdício de tempo e energia mental seria a minha resposta, hoje.

Ano passado completei 25 anos. As pessoas geralmente dizem que aparento ser mais jovem. Finjo crer que é pela aparência — o que é uma possibilidade — mas sei que o motivo mais provável talvez seja a sucessão de lacunas que minhas escolhas e as circunstâncias impostas deixaram no meu caminho, até aqui. Não adquiri casa própria. Não comprei um automóvel. Não aprendi a dirigir. Não escrevi um livro. Não concluí a faculdade. Não conheci o exterior. Não fiz uma tatuagem. Não encontrei a pessoa certa. Não me casei. Não tive filhos. Não fiquei rico. Não encontrei o emprego dos sonhos. Não me tornei chefe de nada. Não fui morar sozinho. E nada disso é, de fato, um problema, afinal de contas cada um tem o seu tempo.

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Esse tempo que vivemos, em que tudo é instantâneo e efêmero, estabelece uma série de diretrizes normativas que nos conduzem a um comportamento de rebanho. Condicionados à essa constante avaliação qualitativa, mediada por likes, terminamos por nos esquecer das coisas que são realmente importantes nas nossas vidas. E quais são elas? Essa é uma pergunta que o inconsciente coletivo não pode responder, pois é estritamente subjetiva. No entanto, o que posso aferir é que estejamos todos priorizando nossas vidas a partir de modelos pré-estabelecidos que já não nos servem.

Nos últimos tempos, dificilmente encontro alguém com 20 e poucos anos que não esteja, senão completamente, ao menos, parcialmente insatisfeito com sua vida e suas escolhas. Afinal de contas, no universo da timeline, todas as outras pessoas estão completamente felizes, viajando, participando de festas e eventos badalados, comendo pratos maravilhosos, conhecendo celebridades, ganhando prêmios, trabalhando nas melhores empresas, namorando as melhores pessoas. No universo da timeline ninguém está triste. Ninguém está sem dinheiro. Ninguém está sozinho. Ninguém está se sentindo mal. Menos você, que no universo da timeline também está se sentindo completamente realizado para o resto do mundo, exceto para você mesmo.

O que nos falta é nos darmos a oportunidade de errar mais. Temos o hábito de nos cobrar demais e isso causa uma espécie de paralisia sensorial. Uma ansiedade despropositada. Sempre que nos permitimos errar, nos sentimos mais leves e menos suscetíveis ao erro. Em consequência, erramos menos. Somos pressionados diariamente a sermos pessoas perfeitas, pessoas que não erram, que não falham, porque falhar é coisa de derrotado, e derrotados não ganham likes.

Dia desses vi uma tirinha cruel, entretanto, absolutamente verdadeira.

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Por mais que pareça um ponto de vista conformista ou desprovido de esperança, infelizmente é a mais pura realidade. Não importa que sejamos bombardeados diariamente com toneladas de mensagens positivistas que nos ditam uma infinidade de ideias desproporcionais que não correspondem ao factual. É claro que existem as exceções, mas assim como não precisamos ser regra, também não precisamos ser exceções — A menos que, ser exceção, seja o seu objetivo, é claro. Nos desprendermos da realidade é importante, sim. Flertar com a utopia é positivo, nos fortalece, nos recompõe, desde que saibamos delimitar a fronteira existente entre o real e o ideal. Não estou aqui para ditar novas regras, apenas acredito que precisamos romper com a zona de conforto, tentar coisas novas sempre que possível, mas também precisamos aceitar que algumas coisas não são possíveis para nós. E que isso não é ruim. Não somos obrigados a ser perfeitos, nem tampouco somos capazes disso. Não precisamos ter tudo o que nos dizem que devemos. Não precisamos seguir padrões definidos por outros. Só precisamos decidir.

Lendo Nietzsche é que pude, enfim, compreender que querer, definitivamente não é poder, querer é apenas ‘querer’. O querer é fruto da vontade de potência, e é ela que nos move. Precisamos conhecer as nossas limitações e transformá-las em força produtiva, seja através do trabalho, das nossas relações ou da arte. Precisamos aprender a rever nossa relação com o tempo. A forma como compreendemos o tempo diz muito sobre a forma como encaramos a vida. Não pretendo me estender nesse tema, mas a concepção Ocidental sobre o tempo é essencialmente linear: passado, presente e futuro. Início, meio e fim. Essa visão linear do tempo nos conduz a um pensamento niilista, pois reduz a vida a um mero caminho vago entre os 2 extremos. Contra essa linha de pensamento é que Nietzsche propõe a alegoria do eterno retorno, como uma alternativa a esse modo de viver o tempo.

No canto chamado “Da visão e enigma”, na terceira parte do Zaratustra, o personagem relata uma passagem em que se depara com um jovem pastor que, ao chão, se retorce de dor, pois uma enorme serpente negra havia se introduzido em sua garganta e o asfixiava lentamente. A serpente negra simboliza o niilismo. Zaratustra tentava, inutilmente, arrancar a serpente da garganta do pastor puxando-a, pois o niilismo, quase já completamente introduzido no homem, incorporado a ele, não pode ser vencido a não ser por aquele que dele padece. Por fim descobre-se que a serpente só poderia ser morta caso o pastor lhe mordesse a cabeça. Sua tormenta só se encerra quando decide fazer o que lhe é recomendado por Zaratustra aos gritos, ou seja, ‘a morde e a cospe’. Essa alegoria ensina que a superação do niilismo depende de uma decisão suprema da vontade, pela qual liberamos nossa existência do niilismo. Em suma, precisamos romper com o niilismo e para isso, só precisamos decidir arrancar a cabeça dessa serpente.

A comparação é um exercício importante, mas como todo e qualquer exercício, quando excedemos nossos limites ela se torna prejudicial. Sempre pensei nos meus ídolos como metas. Às vezes me pego pensando que com 20 anos Rimbaud já tinha escrito toda a sua obra literária e com a minha idade viajava pelo mundo. Penso que Bresson já tinha feito muitas viagens e produzido grandes peças de sua obra. Penso que Da Vinci já coordenava o próprio ateliê. Penso que James Dean já tinha chegado ao topo e já tinha morrido. Muitas vezes isso me motiva, mas na maioria das vezes, me faz cair no niilismo. Todos temos ídolos ou pessoas que admiramos e nos espelhamos. É normal. Mas é preciso relativizar as condições e relações que compõem a vida de cada indivíduo para entendermos que somos diferentes. Cada um tem suas aptidões, limitações, diferentes oportunidades e principalmente, o seu próprio tempo.

Estabelecer parâmetros e metas é fundamental, mas viver uma vida completamente calcada nesses moldes é encarcerante e provavelmente trará uma série de frustrações.Como escrevi anteriormente, é preciso aprender a lidar com as decepções e aceitar que nem sempre vencemos, mas precisamos, também, desacelerar o nosso nível de autocrítica. Só assim poderemos diminuir essa ansiedade que nos aflige diariamente. Essa sensação de dúvida, de que estamos fazendo alguma coisa de errado com o nosso presente, que irá comprometer o nosso futuro. Para pararmos de questionar o tempo todo sobre o que estamos fazendo com nossas vidas. A resposta para essa pergunta deve ser simples e objetiva: Estamos vivendo-a da melhor forma que podemos.

Fonte indicada: Obvious

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Um sujeito simples com diversos predicados. Estudante de Comunicação Social. Apaixonado por literatura, cinema e música. Fotografa tudo o que consegue. Escreve por vocação e desenha por teimosia. Já tentou ser músico, mas não se acostumou com os tomates. Espera, um dia, conhecer o Beetle Juice.. No Facebook Jean Peixoto.






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