Fibromialgia: a dor que a sociedade não vê, nem entende

Fibromialgia: a dor que a sociedade não vê, nem entende

A fibromialgia foi reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1992.Atualmente, a fibromialgia afeta 4% da população, sendo que deste total quase 90% são mulheres.

É conhecida como a “doença invisível” porque afeta todas as partes macias do aparelho locomotor e não pode ser diagnosticada facilmente através de exames médicos.

A fibromialgia não se vê, não deixa marcas na pele nem provoca feridas que outros possam ver. É uma dor solitária, desesperadora.

Sofrer de fibromialgia é algo muito duro: não sei como vou acordar hoje, se conseguirei me mexer, se poderei rir ou só terei vontade de chorar… O que eu sei com certeza é que não finjo: eu sofro uma doença crônica.

Atualmente ainda se desconhece a etiologia desta doença, mas o que sabemos é que ano após ano são mais pessoas diagnosticadas, por isso a medicina está tentando trabalhar em uma intervenção o mais globalizada possível, incluindo, evidentemente, o aspecto biopsicossocial.

Hoje queremos apresentar algumas dicas básicas para que você possa enfrentar a doença com força, melhorando a sua qualidade de vida na medida do possível.

Fibromialgia: a doença real que não se vê

Quando uma pessoa não pode se levantar da cama porque sente que “agulhas ardentes” ferem as suas articulações, não está fingindo nem procurando uma desculpa para não ir ao trabalho.

Quem sofre de fibromialgia deve adicionar à sua própria doença a incompreensão social, com a sensação de se sentir invisível em um mundo que só acredita no que vê.

O principal problema da fibromialgia está na controvérsia da sua origem: psicológica ou orgânica. Estas são as principais conclusões que os especialistas apontam:

 

Possível origem da fibromialgia

É preciso esclarecer em primeiro lugar que não existe evidência médica que relacione a fibromialgia com uma doença psiquiátrica.

  • Alguns autores falam de que cerca de 47% dos pacientes sofrem de ansiedade, mas é preciso considerar também que esta dimensão psicológica pode ser uma resposta da própria dor, da própria doença.
  • Segundo um trabalho publicado na revista “Arthritis & Rheumatology”quem sofre de fibromialgia experimenta uma maior hipersensibilidade à estimulação sensorial cotidiana.
  • Através de uma ressonância magnética os pesquisadores descobriram que frente a um estímulo visual, tátil, olfativo ou auditivo, as regiões de integração sensorial cerebral sofrem um sobre estímulo maior que o normal.
  • As pessoas com fibromialgia têm um maior número de fibras nervosas sensoriais nos seus vasos sanguíneos, de modo que todo estímulo ou mudança de temperatura causa uma dor intensa.

Algo a considerar é que qualquer fator emocional irá aumentar a sensação de dor nestas fibras nervosas. Uma situação pontual de estresse irá resultar em uma sobrecarga na estimulação e em dor, e a sensação de dor e cansaço crônico pode conduzir o paciente à impotência e inclusive a uma depressão.

Portanto, caímos em um círculo vicioso no qual uma doença de origem orgânica é aumentada pelo fator psicológico. Por isso, vale a pena controlar a dimensão emocional para atenuar ou pelo menos “controlar” a origem etiológica.

Estratégias psicológicas para enfrentar a fibromialgia

A dor crônica faz parte da nossa realidade social, sendo a fibromialgia (FM) uma das suas principais causas. Agora que já temos clareza de quefatores como estresse ou a tristeza irão aumentar a sensação de sofrimento, é importante introduzir algumas estratégias básicas de enfrentamento que podem ajudar.

Hoje você se levantou, se vestiu e pode sair para a rua. Ninguém mais entenderá as suas conquistas, mas esses pequenos triunfos são importantes para você e devem lhe dar forças: você pode ser mais forte que a sua doença.

5 chaves para obter uma melhor qualidade de vida

Em primeiro lugar é importante considerar que nem sempre as mesmas estratégias servirão para todas as pessoas. Você precisa encontrar aquelas estratégias que sejam boas para você de acordo com as suas peculiaridades e necessidades. Para isso, experimente e selecione você mesmo aquelas que lhe causam maior alívio.

  • Entenda a sua doença. Isso implica estar em contato com especialistas, médicos e psicólogos. São necessários tratamentos multidisciplinares e cada um lhe trará todo o conhecimento desta condição para que você “compreenda” o seu inimigo. Desta forma, você estará mais seguro e prevenido.
  • Passe a ter uma atitude positiva na sua vida. Sabemos que não é simples, mas em vez de reagir frente a dor, é melhor aceitá-la e tratá-la, não se deprimir. Não hesite em conversar com pessoas que sofram o mesmo que você, não se isole, nem guarde rancor daqueles que o rodeiam.
  • Procure atividades que lhe permitam enfrentar o estresse e a ansiedade: existem técnicas de relaxamento muito adequadas que podem lhe ajudar. A ioga, por sua vez, também pode ser muito benéfica.
  • Nunca perca o controle da sua vida, não deixe que a dor domine.Para isso, estabeleça momentos de ócio cotidiano por menores que sejam. Saia para caminhar e não evite o contato social.

contioutra.com - Fibromialgia: a dor que a sociedade não vê, nem entende

  • Ouça as suas emoções, os seus pensamentos e a sua linguagem. O que pensamos e sentimos tem uma influência direta sobre a doença. Se você disser frases como “não vou conseguir me levantar”, “isso não tem solução” ou “já não tenho mais forças”, você aumentará o seu sofrimento.

Vire estas frases do avesso e você verá como a sua realidade muda.

Do original: A Mente é Maravilhosa, via Saúde Curiosa

Foto de Towfiqu barbhuiya na Unsplash

O que te leva a conviver com pessoas que te cansam?

O que te leva a conviver com pessoas que te cansam?

Existem pessoas que nos cansam ou somos nós que temos dificuldade de apontar limites e dizer “não”?

Muitas vezes toleramos comportamentos que consideramos desagradáveis de pessoas próximas por um simples motivo: medo de desagradar, medo de perder afeto.

No texto “Pessoas que nos cansam“, de Luiz Marins, o autor narra uma série de comportamentos que ele considera deselegantes e cansativos:

“São pessoas que exigem atenção o tempo todo, que querem ser elogiadas o tempo todo, que desejam ser bajuladas o tempo todo. Quanta canseira essas pessoas nos dão”.

Perguntas: 1) será que as tais “pessoas cansativas” querem mesmo elogios e bajulação ou isso é uma conclusão prévia baseada em achismo? 2) será que não existe do outro lado da linha uma pessoa que tem necessidade extrema de agradar por puro medo da rejeição?

Sim, porque convenhamos, nada, absolutamente nada, nos obriga a manter relações com as pessoas. Toda e qualquer relação nasce de uma escolha e de um desejo mútuo.

Por que permanecer ao lado de uma pessoa que cansa nossa beleza?

Se estamos nos expondo a relações cansativas, relações que não nos agregam valor algum, relações unilaterais, é porque o problema está conosco, não com o outro. A escolha de permanecer ao lado de alguém ou não é nossa.

De mais a mais, tudo na vida é uma questão de ponto de vista, de perspectiva. O mito da caverna de Platão nos ensina isso há milhares de anos, mas teimamos em esquecer a lição.

Friedrich Nietzsche também apontou a mesma lição ao dizer “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”.

Uma pessoa que está infeliz, insatisfeita com a própria vida; uma pessoa deprimida, desiludida, tenderá a achar que aquela que está feliz, bem resolvida e repleta de entusiasmo está querendo aparecer, chamar atenção.

Bem como uma pessoa feliz, bem resolvida e entusiasmada, tenderá a achar que a mal resolvida, desiludida e deprimida é alguém que gosta de se fazer vítima.

Pessoas tímidas, por exemplo, costumam achar que pessoas extrovertidas são ruidosas demais, falantes demais, exibicionistas demais. Já as extrovertidas costumam achar que pessoas tímidas são chatas, caretas e dotadas de baixa autoestima.

Ou seja? Em ambos os casos as conclusões podem estar erradas.

Infelizmente temos o olhar viciado e muitas vezes só conseguimos enxergar o outro através da nossa lente pessoal, do nossa concepção de mundo, de nossos valores e necessidades. Logo, se o outro é (pensa, age) diferente de mim ele é errado, desajustado, cansativo, equivocado, inadequado.

Deixar o outro, seja ele quem for, ser como ele é, pode, consegue e deseja ser, sem prejulgá-lo, é um exercício muito bonito e necessário em tempos de intolerância.

Olhar o rabo do macaco ao lado e sentar no próprio é fácil, difícil é ter coragem de olhar para o próprio rabo e remover os piolhos da longa cauda.

Um amigo (ou colega) está exigindo mais atenção do que você pode dar? Se ele é seu amigo de fato, se existe afeto entre vocês, que tal dizer a ele a verdade, explicar seu momento com delicadeza e generosidade, apontar o excesso do amigo, ao invés de mandar indiretas nas redes sociais? Será que você tem coragem de dizer a verdade ou morre de medo de ser rejeitado? Se morre de medo de dizer a verdade e ser rejeitado, excluído, quem tem afinal um problema, o amigo que deseja atenção ou você?

No caso de uma pessoa não tão próxima, que causa aborrecimentos com seus excessos, aborrecimentos apontados por Marins: já parou para se perguntar por que você mantém essa relação? Qual gozo extrai dela? Será que você não mantém essa relação somente porque necessita se sentir solicitado (obtém prazer disso) e/ou supostamente superior por ser/agir diferente?

Confesso que o número de compartilhamentos do texto de Luiz Marins me causou certo espanto. Ao que tudo indica, centenas de milhares de pessoas estão convivendo com “pessoas cansativas” ignorando o fato de que a escolha de manter tais relações é delas e que o outro não está no mundo para agradá-las, tampouco elas estão no mundo para agradar ninguém.

Ciência revela que a oração tem efeitos curativos contra doenças

Ciência revela que a oração tem efeitos curativos contra doenças

Dr. Andrew Newberg, diretor de pesquisa no Hospital de Thomas Jefferson e Medical College, na Pensilvânia, liderou o estudo, em que scanners de cérebro de ressonância magnética, mostrou que há poder na oração.

O estudo também constatou que a oração é muito semelhante a um treinamento físico para o cérebro.

“Quando você olha para a maneira como o cérebro funciona, parece ser muito facilmente capaz de participar de práticas religiosas e espirituais… só faz sentido, se Deus está além de acima e estamos aqui abaixo, nosso cérebro é capaz de se comunicar com Deus,” disse Christian Post Newberg.

Em um de seus estudos, Newberg tinha pacientes idosos com problemas de memória, eles rezaram todos os dias durante 12 minutos por oito semanas. Os resultados da ressonância apareceram positivo e dramaticamente diferente, após a conclusão do experimento. Além disso, os resultados de teste revelaram que o benefício da oração, na verdade podem formar o cérebro.

Em 2012, o The Huffington Post informou que Newberg realizou um outro estudo, que as formas em que a oração e meditação afeta o cérebro humano. Sua pesquisa mostrou que quando uma pessoa é dedicada à oração, há um aumento da atividade nos lobos frontais e a área da linguagem do cérebro, conhecida para se tornar ativo durante a conversa. Verificou que o cérebro, orar a Deus é semelhante como falar com as pessoas.

Para realizar este estudo, os participantes com um corante radioativo inofensivo injetado enquanto eles estavam em profunda oração ou meditação. Corante emigrou para diferentes partes do cérebro em que o fluxo de sangue era o mais forte.

Newberg chegou à conclusão de que, independentemente da religião, a oração cria uma experiência neurológica entre pessoas.

Luiz Felipe Pondé e a era do ressentimento

Luiz Felipe Pondé e a era do ressentimento

Em seu livro A Era do Ressentimento: Uma Agenda Para o Contemporâneo, publicado em 2014, o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé explora com profundidade o individualismo, narcisismo e ressentimento exacerbados que, para ele, caracterizam, em partes, a civilização ocidental da sociedade contemporânea.

Encandecido pela labareda filosófica, o livro é confrontador; dá um verdadeiro tapa na cara não só no indivíduo que se vê enquadrado como ressentido.

Luiz Felipe Pondé é, entre os filósofos brasileiros conhecidos, um dos mais polêmicos. O autor é famoso por sua filosofia sarcástica, mordaz, explosiva e pessimista. Nos seus escritos, costuma formar argumentos sempre controversos, avessos e formadores de tabus.

Um fato peculiar sobre Pondé é que, no início de sua formação, ele largou o curso de Medicina para estudar Filosofia e se tornar, de fato, um filósofo. Muitos, se pudessem, desejariam fazer exatamente isso: abandonar uma profissão com amplo potencial de mercado, que possa propiciar solidez financeira, estabilidade e segurança, mas que não amam, para ingressar em outra que, como se sabe, não gera renda justa nem possui tanta representatividade popular.

São poucos, dentre os amantes de Filosofia, como Pondé, que têm a coragem e as condições suficientes para se dedicar exclusivamente a essa nobre disciplina.

Além de filósofo, Pondé é escritor e professor. Escreve semanalmente para o jornal Folha de São Paulo e leciona há mais de duas décadas.

Por sua obstinada dedicação acadêmica e efetivas contribuições profissionais, até hoje, ele deve gostar muito do que faz. Entre seus admiradores e odiosos, há um comentário comum de que lê-lo ou ouvi-lo energiza, mas também incomoda. Esse incômodo, depois de desagradável, costuma ser transformador.

Em geral, suas observações são investidas de ironia e duplo sentido. Podem claramente ofender ou agradar, dependendo do humor, da tolerância e da receptividade de quem está lendo ou ouvindo.

Filosofia não tem o objetivo de agradar as pessoas e, por causa disso, desinteressa muitos que não enxergam nela utilidade alguma. Mas sua função também não é desagradar. Os filósofos, como Pondé, pensam, escrevem e dialogam para oferecer às pessoas visões de mundo transformistas e inquisidoras, com base em seu repertório de ideias em constante construção, não se importando em agradar ou desagradar, mas em fazer raciocinar, o que fadiga e aborrece muitas pessoas. Henry Ford por exemplo, dizia que “pensar é o trabalho mais difícil que existe: talvez por isso tão poucos se dediquem a ele”.

Para aceitar a Filosofia, não é necessário fazer parte de uma elite. Qualquer um filosofa. Mas não são todos que se desprendem de preconceitos e estereótipos, libertam de opiniões e crenças enraizadas, são curiosos e estão dispostos a aprender independente dos modismos que sua educação incutiu.

Uma das maiores exigências para se embrenhar na Filosofia – sem danos – é ter atingido um certo nível de maturidade para com o mundo: isso significa tolerá-lo, um desafio persistente tanto para quem enxerga seu lado bom quanto para quem já está de saco cheio dele.

A ideia de que a Filosofia é chata, inútil ou apavorante tem muito a ver com a falta de respeito que as pessoas atribuem, ou então com o sofrimento que sentem, quando se propõem a ler algo filosófico. Quem quiser se emocionar que leia contos poéticos, romances ou assista filmes de amor com finais felizes. Há quem se sinta acalentado e sensibilizado pela Filosofia, e não são poucos, embora representem a minoria. Pondé é um desses representantes.

A grande maioria das pessoas rejeita ler um livro filosófico sobre ressentimento. Mas por quê? Primeiro porque elas preferem ideias que, primacialmente, agradem a elas; segundo, porque algumas noções são muito dolorosas para ser enfrentadas.

É bem possível desenvolver ressentimentos por se envolver com Filosofia, mas é igualmente possível ler Filosofia por se estar ressentido, seja consigo mesmo, com os outros ou com a vida em geral.

A era do ressentimento

Na análise severa de Pondé, a epidemia de ressentimento que assola a sociedade contemporânea assume caráter mais do que simbólico ao representar um mal estar da civilização impossível de ser ignorado.

A Era do Ressentimento chama a atenção do público pela maneira adstringente como são abordados alguns temas pertinentes à atual sociedade, tais como o individualismo exagerado, o narcisismo extremo e a própria crise de ressentimento.

Em todo o livro, Pondé ofende o sentimentalismo demasiado de quem está lendo, fazendo provocações diretas especificamente aos ressentidos, estes que lhe dão a pauta para discussão.

Despreocupado com a concordância ou discordância daquilo que escreve, Pondé, politicamente incorreto, dirige críticas ferozes à sociedade moderna que, segundo ele, ficará marcada, no futuro, por indivíduos que se propõem a fugir da realidade ao invés de encará-la com os pés no chão. O autor dedica o livro “em homenagem a todos que estão fugindo”.

Pelo tom usado por Pondé no livro, dá a impressão de que o autor foi influenciado por puro ódio, mas, na verdade, o combustível foi seu próprio ressentimento. Essa é uma obra confessional, em que o autor revela a agonia que sente por estar cercado de ressentidos, como ele. Pondé oferece o livro a todos que estão correndo das modas de um mundo viciado em seus ridículos fantasmas de sucesso.

Um certo nível de ressentimento é inevitável em um mundo de injustiça e mesquinharia, onde somos obrigados a conviver com muitas pessoas mais bem-sucedidas do que nós, em vários aspectos.

O ressentido que lê o livro e encontra a si mesmo pode criar, a partir de seu súbito reconhecimento, desculpas para negar essa realidade que não deixa de ser evidente. Ou então ele enfrenta esse podre com um posicionamento humilde e mente aberta. Seja lutando contra o ressentimento ou ignorando esse revés na indiferença, isso não altera os fatos da atual era, em que o ressentimento prepondera.

Hoje em dia, por uma série de motivos, as pessoas têm uma ambição – que beira a obsessão – estruturada em três alicerces: elas querem mais do que precisam, acham que seu reconhecimento é insuficiente, e acreditam que merecem ser mais amadas. Da frustração de uma ou todas essas solicitações, surge o ressentimento do qual Pondé tanto fala no livro.

“O ressentimento destrói em nós a capacidade de pensar e compreender a realidade […] Uma de nossas tragédias está no fato de que quase sempre é o fracasso que torna a vida real.”

No livro, Pondé empresta uma ideia do filósofo Friedrich Nietzsche – seu grande influenciador – no esforço para explicar as origens do ressentimento:

“Nietzsche conta que, num recanto distante do universo, uma estrela tinha um planeta a sua volta. Neste, uma raça de insetos viveu por um milhão de anos e criou uma coisa chamada conhecimento, que os insetos tinham em alta conta. Com a morte da estrela, tudo se apagou. E o universo continuou no seu silêncio e na sua indiferença. Nasce aí nosso ressentimento. É da indiferença do universo que nasce nossa mágoa.”

A gente se sente bem em meio à natureza porque ela não nos julga. Mas Nietzsche também nos lembra que o sol e a lua não estão preocupados com nós. Os mares, lagos e rios não existem para que a gente nade neles. As árvores não se exultam para que delas possamos tirar oxigênio. As estrelas não brilham para magnificar nossos olhos.

Essa indiferença por parte do mundo remete a um vazio existencial e, para evitar esse vazio, tornamo-nos fugitivos vorazes, sedentos por uma vida de consumo que, em suas pequenas alegrias, nos traz um pouco de consolo e paz. Mesmo bem fundamentos nessa realidade consumista, tomamos a consciência, em um momento ou outro, da ausência de sentido: parece não haver plano de consolo que não passe por um teste de ressentimento.

É adequado lembrar que, para uma ampla gama de pessoas, religiosas ou não, a vida é toda cheia de sentido.

Pondé, em resposta à consideração antirreligiosa de que a vida em si não tem um propósito maior, parabeniza todos aqueles que reconhecem que a vida não tem sentido e enfrentam esse desconforto com audácia e compromisso, sem precisarem escapar da realidade por quaisquer meios necessários. Indivíduos que carregam a responsabilidade por essa verdade ardilosa contrapõem-se àqueles ressentidos que estão sempre culpando os outros pela catástrofe em suas vidas.

Qual seria a cura para o ressentimento? Pondé alega que a única forma de o ressentido lidar com seu ressentimento é aceitar, em totalidade, que a vida é um escândalo: ela é como é. Devemos adaptar-nos ao universo, diz ele, mesmo que seja indiferente aos nossos desejos.

O ressentimento é ontológico. Em A Era do Ressentimento, o autor relembra que, na Grécia Antiga, o oráculo de Delfos dizia para os homens: “Conhece-te a ti mesmo”. Isso não queria dizer que deveríamos conhecer nossas histórias pessoais de vida, mas sim: “Saibas que tu é mortal, e nós deuses não”. Pondé sugere que o ressentimento também reside aí: na inveja pela imortalidade dos deuses.

Durante a vida, a morte se declina em várias formas: doença, falta de inteligência, infidelidade, fracasso, perda, desilusão amorosa, falta de beleza, etc. É o que Nietzsche se referiu quando disse que “não há apenas uma morte ao longo da existência”. Outro motivo para o ressentimento.

A verve artística de Pondé está no ceticismo e na melancolia. Ele não acredita, por exemplo, que a humanidade está em progresso; na verdade, crê que as pessoas sempre fizeram aquilo que querem ou então são obrigadas a fazer, mas dificilmente fazem tudo o que podem. Ele também rechaça a ideia de que tecnologia nos faz mais interligados e desenvolvidos, dizendo que esse é um pensamento utópico defendido por pessoas que se escondem atrás de seus dispositivos eletrônicos, desesperadas pela necessidade de atenção e reconhecimento. Sobre a dependência tecnológica crônica, o autor diz:

“Ouvirão falar vagamente de nossas redes sociais e de nossa crença em seu potencial revolucionário […] A própria ideia de revolução será vista como uma forma de animismo. Levarão mais a sério os gregos, romanos e hebreus, porque verão neles povos que buscavam o conhecimento, e não suas próprias imagens no rosto do universo.”

Ainda dentro do tema da hiperconectividade, Pondé ressalta como vendemos a nossa privacidade por um mínimo que seja de aceitação social. Prendemo-nos a conexões artificiais ao temermos um status de excluídos.

“Um dia, a privacidade foi um bem a ser defendido a sete chaves. Hoje, ela é um tormento, porque quanto mais privacidade temos mais claro é o vazio das horas. A saída é buscar ser invadido pelos outros num delírio de celebridades e redes sociais. O sintoma indica claramente a patologia: a candente dissolução de qualquer subjetividade real.”

Esse “vazio das horas” deve ser preenchido: redes sociais acabam sendo uma das arenas onde se pratica a atual política do pão e circo. O povo tem mais uma ferramenta para se manter entretido.

É natural a nossa suscetibilidade em fugir da dor e do sofrimento, já que esse é um mecanismo fisiológico de defesa. Por isso é comum que as pessoas busquem subterfúgios – como mundo digital, trabalho, fé, drogas e entretenimento.

Pondé acredita que somos felizes quando nos esquecemos de nossa existência, o que explica o impulso e a volição do ser humano por transcendência.

A felicidade não deveria ser considerada uma obrigação, como se a fuga da infelicidade nos fosse devida: seria mais prudente supor que não provaríamos da felicidade se não houvesse contraste com a infelicidade. Como diz Pondé, todos nós temos o direito ‘para’ a felicidade, não o direito ‘de’ felicidade.

Carregamos o cadáver em nossas costas, pois somos a única espécie que tem consciência de sua mortalidade. Pondé acredita que o ressentimento associado a esse fato terrível nubla a nossa percepção de beleza no mundo, em vez de aguçá-la.

“A beleza nasce no pântano e na lama do mundo. A beleza, quando expressa, deve ser rara, em detalhes, inesperada, senão perde a cor.”

O problema é que o ressentimento não vê a beleza, ele é cego. Na opinião de Pondé, o ressentimento é uma forma invisível de cegueira. Justamente por odiar o belo, o ressentido nunca será belo, quiçá se sentirá assim.

Há uma curiosa ligação, citada pelo autor, entre ressentimento e feminismo: tal sentimento é uma das molas propulsoras do movimento.

“Uma mania contemporânea é dizer que os homens bem resolvidos veem a beleza interior feminina. Mentira. Homens levam tempo para ver a beleza interior numa mulher, e elas sabem disso muito bem, por isso se enfeitam. Para chegar até a beleza interior da mulher, o homem deve já ter se cansado um pouco da beleza física dela. E isso leva tempo porque a beleza feminina nos enlouquece, como já sabia o poeta grego ao avisar os guerreiros de Ulisses quando se aproximava das sereias. Mas, como quase tudo no mundo contemporâneo é fake, virou moda dizer que homem que pensa primeiro na beleza física da mulher é machista.”

Dizer isso ofende muitas feministas, por fatores compreensíveis. Vivemos num mundo intolerante, em que as pessoas se ofendem por tudo e por nada. Isso faz lembrar a filósofa americana Ayn Rand e sua consideração de que, atualmente, estamos na “Era da Inveja”, em que as pessoas são atacadas por seu sucesso e pela concretização de suas realizações.

De acordo com Rand, a coisa mais imoral na Terra é ofender alguém não por suas falhas, mas por suas virtudes. Inveja: o ódio do bom por ser bom.

Há a inveja explícita, amarga, repulsiva; e há a inveja silenciosa, sugadora, ressentida. Nos dois casos, ela é a antítese do elogio. É o orgulho prejudicado, ferido. O invejoso anseia pela felicidade de quem a demonstra, obliterando sua própria capacidade de ser feliz no momento em que inveja.

Adiante no livro, ao falar agora sobre narcisismo na sociedade moderna, veio à mente de Pondé a obra do historiador americano Christopher Lasch, chamada A Cultura do Narcisismo. O filósofo brasileiro nos convoca a questionar as razões de tanto ego. Seria uma sequela romântica ou uma cicatriz do ressentimento? O autor opta pela segunda opção.

De acordo com Pondé, o amor do narcísico ressentido vem sempre acompanhado de uma contabilidade de afetos. Ele necessita ter diversas pessoas das quais pode tirar prazer e satisfação quando bem desejar, mas nenhuma consegue suprir todas as suas exigências. Ou seja, ama por utilidade, não por amor.

“O narcisismo não é a marca de alguém que se ama muito, mas a marca de alguém que vive lambendo suas feridas porque é um miserável afetivo. Por viver se lambendo, pensamos ser ele alguém que se ama muito, sendo que, no entanto, é justamente o contrário. Incapaz de ter vínculos, o narcisista vive a serviço de si mesmo.”

A praga do narcisismo vem ganhando terreno numa sociedade que premia a si mesma através da egolatria.

Por ser um miserável afetivo, como diz Pondé, o narcísico age permeado por pobreza. O filósofo estoico Sêneca dizia que “pobre não é quem tem menos, mas quem deseja mais”. Narcisismo seria, então, uma manifestação prática de pobreza, apesar de seus entusiastas sentirem que, abundando-se em seu próprio ser, são ricos em amor próprio. Enganam-se.

De forma concisa, Pondé fala sobre o medo de amar e o amor narcísico da contemporaneidade:

“Há, claro, o medo do amor. Alguns dizem mesmo que ele não existe. Evidentemente que nem todos o conhecem e alguns nunca o conhecerão, mas o fato é que alguns felizardos o experimentam. Uma das dificuldades do amor é que ele não está necessariamente ligado à felicidade, e ainda pode ser o contrário de felicidade […] O amor exige demais das personalidades narcísicas como a contemporânea, que gira ao redor de suas misérias bem pessoais. O medo do amor se alastra por toda parte com seu efeito amargo de agonia. Pode-se perguntar se amamos mais no passado. Tendo a achar que sim, talvez pela ingenuidade, talvez pela falta de opção, talvez porque as mulheres eram mais bonitas com seus vestidos dos anos 1940 e, acima de tudo, eram menos ressentidas. Talvez o amor seja como a moral, simplesmente a decoração que faz um quarto ser mais belo do que apenas o lugar onde se dorme.”

Em A Era do Ressentimento, Pondé também discorre suas ideias acerca da individualidade contemporânea, tendo se inspirado bastante no conceito de “Modernidade Líquida”, do sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Para este, o egoísmo vem tomando cada vez mais espaço do altruísmo. As relações afetivas, nesse contexto, revelam-se exageradamente superficiais, administradas com pouca profundidade. Ao se elevar as expectativas, corre-se um risco de frustração maior, hoje, do que em outrora. Ninguém é insubstituível, ou, na melhor das hipóteses, pouquíssimos o são.

Pondé aponta que o maior problema com a liquidez da qual fala Bauman é o fato de não ser possível aprender a nadar nela.

Luiz Felipe Pondé chama a atual época de “Era do Ressentimento”. Ayn Rand a nomeia de “Era da Inveja”. Por sua vez, Zygmunt Bauman a considera como “Era da Liquidez”. Estes três autores têm algo em comum: não se mostram otimistas, tampouco satisfeitos com a atual geração, principalmente em termos culturais. Para todos eles, é uma geração de mimados que se recusam a amadurecer.

A luz do sol é para os vampiros o que a maturidade é para os mimados. Estes preferem transferir a culpa toda vez que ela vem. Pelo péssimo costume de se sentir salvaguardados, delegam suas responsabilidades a outrem. Assim, se existe um problema, eles não o assumem, mas, antes, munem-se da convicção de que outros devem solucioná-lo. E, normalmente, comportam-se assim sem qualquer peso na consciência. De acordo com Pondé:

“Somos uma civilização de mimados que não é capaz de escutar nenhuma crítica sem achar que é uma questão de ofensa pessoal.”

A maturidade, para Pondé, está fora de moda. Isso tem raízes na árvore da educação familiar. Muitos pais idolatram, cultuam seus filhos. Ao acreditar piamente que estão cumprindo o dever de protegê-los, acabam mimando-os. E essas crianças se tornarão adultos irresponsáveis e alienados, além de frustrados e ressentidos por não saber contornar seus fracassos.

Nós costumamos criticar o mundo como se ele fosse responsável por nossa sobrevivência. Pondé diz que é aí que o ressentimento se torna mais evidente.

Queremos que a sociedade nos ofereça garantias de congratulação por todas as nossas escolhas individuais. Se estamos endividados, criticamos o governo por inflação e o banco pela cobrança. Se estamos desempregados, criticamos a economia que está desaquecida e as empresas por falta de oportunidades. Se, por outro lado, estamos empregados, criticamos o sistema de trabalho que draga nossa vida social e suga nossa energia para investir em outros projetos pessoais.

“Nossa vida se dá, em grande parte, como a de um animal que vive fora de seu lugar: sonhamos em ser imortais, mas sempre acabamos por experimentar o mundo finito e o limite de nossos sonhos.”

Freud dizia que “amadurecer é aceitar uma orfandade”. Com isso, o amadurecimento passou a ser considerado um modo de opressão.

Como diria o filósofo alemão Walter Benjamin, “com a morte do amadurecimento, morre o narrador”.

Hoje em dia, fala-se muito sobre os direitos do “eu”, sobre o valor inestimável da autenticidade e senso de self, mas poucas pessoas suportam a singularidade. Segundo Pondé:

“Nunca foi tão impossível sustentar essa posição, porque a singularidade exige um percurso mais próximo dos exercícios espirituais dos velhos monges do deserto do que das preocupações com a felicidade típica dos mimados contemporâneos […] Uma pessoa corroída pelo ressentimento não suporta a singularidade porque ela escapa a qualquer enquadramento num projeto psicológico de si mesma. A singularidade pesa como uma cruz.”

O autor sugere que a singularidade de uma alma não é ela ser “bem resolvida”, mas sim fracassar em ser bem resolvida e viver um dia após o outro tendo que criar sua própria sinfonia, sem garantias, modas nem militâncias.

Pondé oferece uma outra perspectiva interessante, nada absurda, sobre a resistência em amadurecer. Para ele, o medo de ser pai e mãe está intimamente associado ao medo do amadurecimento. Ao invés disso, muitos preferem ter uma vida social regada a descompromisso, acuados por um futuro em que a solidão será o resultado final.

A solidão como sintoma de ressaca não configura uma solidão de valor, mas, como justificativa para sua reincidência, satisfaz uma necessidade de fuga, é claro, temporária. Pondé cita novamente as redes sociais – mais especificamente a abundância de fotos “felizes” publicadas – como forma de mascaramento solitário.

“A solidão da vida contemporânea aparece por trás da alegria montada para as fotos, também irrelevantes. Nunca se tirou tanta foto e nunca se viu tão pouco uma. A solidão nos ataca como um enxame de abelhas.”

Contra esse enxame, muitos solitários evitam atacar a colmeia, ou então, amedrontados por sua situação, correm em busca de soluções prontas, como se a solidão fosse um mal corriqueiro e passageiro que pudessem exterminar de uma vez só. Alguns, impelidos por essa estratégia, recorrem a livros de autoajuda. Outros, embebidos pela sede de sucesso, fazem o mesmo. Em A Era do Ressentimento, Pondé comenta sobre essa “febre de autoajuda moderna”, e é difícil negá-lo aqui:

“Muitos livros de autoajuda oferecem fórmulas de sucesso. Não servem para nada. A vida não cede às formulações simplistas.”

Às vezes, quando falhamos em alguma meta estabelecida, pensamos, com certo arrependimento, que deveríamos ter optado por outra alternativa de ação. Mas Pondé acredita que isso é tapar o sol com a peneira. Nós cedemos ao impulso de agir como se toda ação tivesse sentido e, quando percebemos que algumas ações não têm sentido algum, nem contribuem para a realização de sucesso, seja qual for, enfrentamos o duro baque da realidade. E preferimos pensar que não estamos sozinhos ao lidar com as decepções.

“O desgaste verdadeiro de nossas ilusões, também com o passar dos anos, pode facilmente se transformar em pura solidão. O impasse contemporâneo nasce justamente de não podermos voltar atrás, a não ser deixando de ser contemporâneos. De alguma forma, a marca definitiva do contemporâneo é o narcisismo estéril e o individualismo histérico.”

O filósofo acredita que muita gente sente um profundo ressentimento por ter que sustentar (não só financeiramente) suas próprias vidas sem nenhuma garantia de felicidade.

Muito da desilusão no mundo advém da nossa mania de perfeição, daquela possibilidade idealística de ser perfeitos: algo humanamente impossível. Mas ainda custamos a lembrar disso. Buscamos equilíbrio em tudo, e esquecemos que a vida é uma corda bamba, assim como a nossa natureza é irregular.

Pondé cita o tema do sexo para abordar um exemplo dessa neurose perfeccionista. Ele afirma que homens e mulheres só se entediam no sexo – quando se entediam – porque não associam previamente o tédio à ideia de uma relação sexual perfeita.

“Sexo só vai bem com imperfeição, insegurança, tentativa e erro, medo, culpa, pecado e uma dose de desrespeito. Quando sexo vira fórmula de saúde comportamental, estamos quase todos brochas, graças à revolução sexual e ao discurso da liberdade […] Toda ciência do sexo é um equívoco em si.”

Essa compulsão por máximo desempenho sexual é um produto da cultura do desejo. A carência, hoje, é, ao mesmo tempo, um impedimento resistente e uma catalisadora potente da necessidade por intimidade social: o sexo é mais uma medida.

Hoje em dia, não são raras as pessoas que carecem do desejo de formar vínculos; ainda pior, carecem da vontade desse desejo. É uma grande ironia que, num mundo obcecado pelo desejo, muitos não desejem mais.

Pondé costuma dizer, em suas palestras, que o desejo é intrinsecamente insatisfatório, porque decorre da falta. Ao satisfazermos um prazer, logo partimos em busca de outro, uma vez que a possibilidade de tédio é atemorizante. O autor cita uma frase imperativa do filósofo Arthur Schopenhauer:

“O desejo tem duas formas de te humilhar: uma é não deixando que você o realize nunca, a outra é deixando que você o realize.”

As pessoas não encontram um antídoto miraculoso para o ressentimento, pois pensam que há uma cura definitiva. Para Pondé, essa cura, por ser baseada em problemas da psique, não está na erradicação, mas na adaptação resiliente do mal.

“A solução para o ressentimento não é negá-lo, mas nomeá-lo, ler sobre ele, perceber que é impossível não o ter em nós em alguma medida porque sempre conviveremos com pessoas melhores do que nós.”

Este livro de Pondé trata de uma apologia à mediocridade? Não. Trata da necessidade de abster do endeusamento para a humildade. Isso requer força de vontade.

A boa repercussão de A Era do Ressentimento marcou elogios à Pondé pela maneira sincera com que desenvolveu o conteúdo da obra. Entretanto, sua abordagem frívola ofendeu muitos leitores, como é de se imaginar.

Após o lançamento do livro, Pondé deu uma coletiva à imprensa, na qual disse:

“Uma pessoa, uma jornalista, achou a minha crítica dura demais. Mas o que eu digo no livro é tão ancorado no cotidiano que severa é a realidade, não eu.”


Outros bons livros publicados pelo autor:

  • Filosofia Para Corajosos (2016)
  • A Filosofia da Adúltera: Ensaios Selvagens (2013)
  • Guia Politicamente Incorreto do Sexo (2012)
  • Crítica e Profecia: A Filosofia da Religião em Dostoievski (2003)

Obrigado aos que aqui deixaram inteiros

Obrigado aos que aqui deixaram inteiros

Por todos os afetos depositados sem resquícios de cobranças. Do carinho intuitivo, da conversa branda e do abraço fora de hora. Não mediram, em nenhum momento, o quanto poderia ser entregue.

Porque amizade não é jogo de cartas. Amor não é corrida. Família não é cárcere. Aos que entenderam, desde o início, a gratidão. Essas facilidades perceptíveis nas relações atuais, descarte. A vida precisa de mais inteiros. Gestos como os seus, onde a bondade permanece para acolhimento. Julgamentos egoístas são proibidos por corações arejados.

Em tempos de trocas, quem fica reconhece o importante. Sortudos ou dispostos? Um pouco dos dois. Sentimos num tempo diferente. Prezamos pelas palavras passionais e por esses momentos cintilantes de felicidades compartilhadas.

O mundo nos faz acreditar que nada acontece ausente de interesses. Talvez seja verdade até um certo ponto, pois as únicas ambições que visualizo são sobre os agradecimentos plenos. Das mãos em paz, do peito aberto e da alma em movimento somatório.

Nunca foi possível ser menos que isso. E temos, mais uma vez, oportunidades claras para engrandecer os carinhos deferidos. Obrigado aos que aqui deixaram inteiros. A vida ficou mais vida.

Não quero ter razão, quero ter paz para viver tudo que sou

Não quero ter razão, quero ter paz para viver tudo que sou

Todas as vezes que destruíram meus sonhos, eu os refiz. Um por um. Costurei todas as partes, colei todos os cacos, pintei todas as lacunas, até que, contente, os vi refeitos.

E quando não foram os meus sonhos, mas eu a ser diminuída. Sangrei minhas dores, chorei minhas feridas, mas cuidei de cada uma delas para, depois de tudo, me ver ainda mais forte.

Pois, não sou de vidro, para me quebrar e morrer no piso da desesperança. Não sou de pano para que me façam de trapo e pano de chão. Não sou de ferro, para virar faca e espeto.

Eu sou de carne. Sou de carne, osso e sentimento. E chorei por dentro todos os gritos que me forçaram os ouvidos. Estremeci pelas acusações grosseiras. Pela falta de amor. Mas não caí, pois não sou castelo de cartas que se desfaz com um sopro, tão pouco um de areia que pode ser estupidamente pisoteado.

Tenho paciência de sobra, mas o tempo me ensinou que é melhor tomar distância de quem não me estima.

Sigo então meu caminho, reconstruindo meus alicerces em outros cantos. Cantos gentis nos quais borboletas não apenas voam, mas dançam.

Não tenho mais medo de buscar no mundo novos caminhos. Não tenho mais medo de me fazer bonita e soltar meu coração, como quem solta um cão encoleirado, em um grande parque repleto de flores lindas e selvagens.

E quando permito que meu coração corra de um lado para o outro, animado e exultante, esqueço das coisas ruins e sigo em frente.

Se me gritam ao longe, como quem grita uma blasfêmia. Faço que não é comigo. Não dou mais bola para quem ofende. Quero distância dos que gostam de ser os donos da verdade. Não quero ser dona de nada, nem de ninguém. Fui despertada de um sonho por um príncipe que saiu para comprar cigarros e não voltou. Os contos de fada não me cabem mais.

Por favor, não me chamem de princesa. Eu cresci. Virei rainha de mim. Não vivo mais nesse reino no qual um rei profano perambula na barriga das pessoas. Não quero ter razão. Quero ter paz para viver tudo que sou.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Feliz por um dia – Ita Portugal

Feliz por um dia – Ita Portugal

Vou andando do meu jeito, visto que viver é emergente, eu quero mais é quebrar tabus, arregaçar as mangas, abrir as portas e soltar todos os meus vocábulos junto com o meu coração.

Quero é dizer do que gosto, de quem gosto. Repetir a dose, exagerar no gole, não fazer corpo mole e assumir meus sentimentos.

Quero que se dane a formalidade que me exige andar de salto alto, corpo ereto, copos, talheres e pratos no mesmo alinhamento. Quero mesmo é dar adeus à frescura que me deixa entalada na roupa de festa e me faz beber vinho em pequenos goles, para não entornar. Que me exige dar risadinhas no canto da boca e fazer poses para ficar bem na foto.

Quero sai por ai. Andar descalça. Cumprimentar os passarinhos. Sorri para as flores e gargalhar com as crianças. Quero falar de amor para que todos possam ouvir. Ter liberdade de ficar em silêncio. Falar quando for necessário. Aconselhar meu coração. Sonhar com dias melhores. Cantar sem rima. Escrever sem motivos. Chorar sem razão. Amar sem restrição.

Romper o óbvio. Sair do prumo. Soltar o remo e navegar. Colher flores para dar de presentes. Tricotar verdades. Descartar as mentiras. Dizer bye bye para a tristeza. Não ser levada a sério. Não servir de exemplo. Não dar conselhos. Quero acordar na lua. Tocar o céu. Passear pelas nuvens, pelo menos nos sonhos.

Quero um dia maior para viver com vontade. Um coração mais largo para caber tanto amor. Por favor, não me fale de regras, técnicas, normas. Perdi essa aula por pura teimosia.

Quero viver, aventurando-me na ousadia de fazer um belíssimo espetáculo, sem nenhum script. Sem nenhum diretor que me exija tanta disciplina. Quero é suportar minhas loucuras e me completar com o resto de alegria possível.

Afinal, o que buscamos nas redes sociais?

Afinal, o que buscamos nas redes sociais?

Primeiramente, assumirei a premissa de que todos (ou a grande maioria) que estão lendo esse texto possuem algum tipo de perfil ativo em alguma rede social.

Bom, feito isso quero também deixar claro que não busco repetir mais do mesmo, sobre como nos distanciamos das pessoas a nossa volta e nos centramos nas superficialidades da internet. Acho que isso todo mundo já ouviu, concordou em certa medida, e depois rolou um pouco mais a página do feed de notícias buscando mais novidades.

O que eu quero é falar sem julgamentos, e tentar ao menos entender um pouquinho o que a gente tanto busca e nunca encontra. É assim que vocês se sentem também? Buscando algo que é tão difícil de encontrar? Pensando bem, não deve ser só isso, acho que também encontramos alguma coisa sim, e é nisso que deveríamos focar para entender melhor como as coisas funcionam. Se nada encontrássemos, era só desligar o computador, o celular, o tablet e ir “viver a vida real”, mas a gente sabe muito bem que não é assim que a banda toca.

Fato mesmo é que gostamos das redes sociais, e muitas vezes não é muito legal ou fácil admitir isso. E o que elas nos proporcionam que nos fascina e nos provoca desprezo? Acho que o desprezo é mais fácil de caracterizar, e já caiu no senso comum nosso de cada dia, inclusive já falei sobre ele ali no começo do texto. E o que fascina? O que fascina talvez seja a possibilidade, não de encontrar algo novo, mas de nos encontrarmos.

Essa possibilidade que nos é o tempo todo apresentada de que, se a gente procurar bem, encontraremos um texto, uma imagem, uma foto, algo que nos represente, seja lá o que isso quer dizer.

Nos encontramos através do outro, através do compartilhamento das mesmas ideias, opiniões, imagens. Nos vemos nas redes sociais como espelhos. As imagens engraçadas que mandamos aos amigos, os vídeos fofinhos de cachorros, os textos com os quais nos identificamos.

Você percebe agora onde quero chegar? Estou pensando na possibilidade de que nos apaixonamos tanto pelas redes sociais porque estamos desesperados por nos encontrarmos, por nos enxergarmos. Claro, queremos ser vistos pelos outros, mas também queremos ser vistos por nós mesmos, e precisamos do olhar do outro para fazer isso.

O que você anda compartilhando? O que te dá prazer observar nas redes sociais? Pense nisso, talvez te mostre algumas respostas, tanto sobre suas relações, quanto sobre você mesmo.

Uma pessoa só dá certo com outra quando se acerta consigo mesma.

Uma pessoa só dá certo com outra quando se acerta consigo mesma.

Não, isto não é uma tese. Não é um artigo científico nem um ensaio acadêmico. É só uma impressão pessoal que alguns gênios vão chamar de “falsa premissa”. Acontece. Eu nem ligo: até que me provem o contrário, sigo achando que uma pessoa só pode dar certo com outra depois de se acertar consigo mesma.

Sentir amor por alguém sem amar a si mesmo tem cara de um engano daqueles, cheiro de encrenca, tudo para dar errado. É passar a carroça na frente dos burros, trocar as bolas, meter as mãos pelos pés. Posso até gostar ainda mais de mim porque tenho amor por fulano ou por beltrano, mas o meu amor por mim mesmo chegou primeiro. Já existia antes de expandir e se tornar amor pelo outro.

Pensemos: quando surge alguém interessante no meio do povo, quando aponta ali na frente a pessoa por quem a gente sente um sei lá o quê, uma alegria, uma intuição boa e decide ver no que vai dar, qual é o próximo passo? A gente se cuida, ué! A gente se apronta, se apruma, se quer bem e dá à tal pessoa motivos para ela nos querer também.

Sei não, mas eu tenho aqui pra mim que o primeiro benefício do sentimento amoroso por alguém é acordar ou fecundar em nós algum tipo de amor próprio. Quem ama quer viver bem, quer ser pessoa melhor, esparramar sua alegria para quem estiver perto. Assim, em meio a sua festa, apresenta ao outro as condições mínimas para ser amado também. E isso é coisa de quem tem apreço por si mesmo, prática de quem se gosta e se respeita.

Cá entre nós, como pode dar certo um amor em que um dos dois não se gosta ou, vá lá, gosta mais do outro que de si mesmo? Não pode! Amar é reconhecer em alguém um sentimento que é seu não é de hoje. Mesmo sem saber! Sei de gente que parecia não se gostar nem um pouco, mas aí encontrou quem lhe gostasse e reaprendeu a gostar de si mesmo para depois gostar do outro.

Vê por aí quanta gente se desdobrando pra chamar a atenção da pessoa “amada”? Quanto engano! Quanto tempo jogado fora! Quer despertar amor em alguém? Goste-se e dê a ele motivos para gostar de você. E isso não se pede a ninguém. Isso cada um faz a si mesmo.

Como ser sua melhor versão

Como ser sua melhor versão

Desde o nosso nascimento aprendemos pela observação e repetição. Observamos nossos pais e mestres, repetidas vezes, até aprendermos. Aprendemos a andar, aprendemos a falar, aprendemos um punhado de coisas, vamos para a escola, somos testados, adquirimos conhecimentos e quase nada sabemos sobre como nossos pensamentos se organizam em nossa própria mente.

Aprendemos as normas sociais, aprendemos a concordar com coisas que não entendemos bem, firmamos compromissos particulares e mentais com outras pessoas e, muitas vezes, deixamos esquecidos os compromissos que deveríamos ter firmado conosco.

De acordo com o livro “Os quatro compromissos” de Don Miguel Ruiz, os antigos toltecas, povo que no passado habitava a atual região do México, acreditavam que nós podemos mudar nossa forma de pensar e melhorar nossa qualidade de vida nos comprometendo em honrar quatro compromissos básicos.

Esses quatro compromissos são simples, contudo exigem grande empenho para serem colocados em prática. Mas digo por mim que, apesar dessa quebra de padrões mentais ser trabalhosa, pensando na possibilidade de uma nova vida repleta de bem-estar, felicidade e amor, vale muito a pena tentar aplicá-la:

1 – Seja impecável com sua palavra

Resumidamente esse compromisso trata da ideia de não voltarmos nossas palavras contra nós mesmos (ex: sou feio, sou burro, sou indigno) ou contra os outros com depreciações ou fofocas, pois as palavras são poderosas e quando acreditadas ficam em nós.

2 – Não leve nada para o lado pessoal

Precisamos ter muito clara a ideia de que quando alguém fala de nós está no fundo falando dele mesmo. Freud já nos contou isso ao citar “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Isso é muito real. Não devemos absorver os insultos dos outros como se fossem pessoais e, se o fizermos, é bom prestarmos atenção em nosso processo mental, pois nesse caso, em algum momento da vida, tomamos o que foi dito como verdade, mesmo sem o ser.

3 -Não tire conclusões precipitadas

Não devemos criar respostas em nossa cabeça para o que não está muito bem explicado. Sempre que possível, quando temos dúvidas, devemos perguntar abertamente. Sejamos claros, exijamos clareza, mas nunca devemos concluir pelos outros. Cada cabeça, uma sentença e nenhum de nós é adivinho para saber o que está acontecendo, exatamente, na vida do outro.

4 – Sempre dê o melhor de si

Esse compromisso me faz lembrar de uma palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella na qual ele fala, dentre outras coisas, sobre a importância de fazer o nosso melhor com aquilo que temos. De acordo com Cortella, resumidamente, dando nosso melhor nos tornamos meio e não fim para um processo de melhoria que se estende para além de nós. Quando damos o nosso melhor, respeitando nossas capacidades, neutralizamos qualquer tipo de veneno emocional ou culpa por não termos feito o que poderíamos fazer.

É importante lembrarmos que todos temos padrões mentais e que quebrá-los não é algo compulsório, ou seja, quebrar padrões exige bastante determinação, mas é muito importante para o nosso bem-estar.

Afinal de contas, é da nossa mente que nasce o conceito que fazemos acerca de nossas capacidades e limitações. E é esse conceito que, comumente, determina, de forma inconsciente, até onde podemos chegar na vida.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Ainda não estou preparado para desistir do amor

Ainda não estou preparado para desistir do amor

Vejo luzes na cidade. Percorro ruas e, nelas, os amantes vindos de todos os lugares. Amores de muitas cores e sentimentos ainda mais expansivos. Mas como fica o coração que desistiu do amor? Em duras quedas, assumiu um estado de acomodação. Não acredita. Não escuta. Não sente. Perdeu o cintilar das palavras e dos sentidos que elas almejavam. Relacionamentos instantâneos e passíveis de solidão. Uma pena. Agora, os concretos que formam grandes metrópoles, perdem-se nos abraços não dados e nos beijos contabilizados.

Mas viver é um salto para a libertação. É preciso coragem, paciência e doses inteiras da mais legítima disposição. Porque contrariar esse sentimento quente é navegar em mares mornos. A graça do encontro é o súbito nascer de novo que ele desperta. Nos olhares acolhedores, nos sorrisos transparentes e nos carinhos em tom maior. Mas incomum aqui, o respeito. Reciprocidade do primeiro instante em diante. Sem economia para dizer o que se sente. Sem freios para sentir o que se diz. Enquanto isso, a vida reluz oportunidades.

Tão logo seja o gesto revolucionário, os intensos agradecem. Não seria uma questão amena da falta, mas do derramar sem querer ausência. E assim os indivíduos românticos nascem, crescem e somam. Corroborados pela vontade, não necessitam pedir. Naturalmente, o amor acontece. Benditos os frutos incumbidos sob essa efervescência. Os que bebem do ritmo inebriante, descompassado e tateável da troca. O amor sereno. O amor novo de novo.

Continuo enxergando brilho nos futuros amantes. Ainda não estou preparado para desistir do amor. E desconfio que esse dia nunca chegará. Porque, apesar dos golpes sofridos num passado já interrompido, é no toque cálido dos lábios futuros que a tranquilidade haverá de ser residente. Nada como outras mãos resilientes para reconhecer felicidade por detrás dos caminhos postos à luz de todos. Luzes no escuro.

Anos dourados

Anos dourados

Nossa destinação é de glória.
Guimarães Rosa

Podemos pensar a vida como uma meada, ou um novelo de fios de lã que nos é entregue assim que nascemos. Não sabemos de que tamanho é esse novelo; sua metragem é o grande mistério!

O que precisamos é aprender “vagarosamente” a lidar com esse fio tão precioso e singular: aprender a ser “tecelões”. Fazer uma obra de arte.

Nos primeiros anos de vida, nossos pais, avós, professores e tantos outros sentam-se ao nosso lado, dão-nos suas mãos, seu colo e sua atenção para que aprendamos os primeiros pontos deste tricô/vida.

Somos ainda rígidos, um tanto desajeitados, mas com ensaio e erro vamos tricotando o engatinhar, o andar, o falar, ler, escrever, brincar… Nessas primeiras carreiras, os pontos saem bem apertadinhos, por isso ficam marcados para sempre em nossas memórias.

São anos de pura sensação, de inconsciência profunda e nem sequer passamos a nos interrogar para que aprender tudo isso.

Ah! Com certeza esses são os “anos dourados” , pois o fio que tecemos está coberto do pózinho do pirilimpimpim, dos beijinhos na bochecha e das cantigas de ninar.

Mas vamos em frente, que o trabalho vai ficando cada vez mais interessante e instigante! Chegamos, assim, à “danada da adolescência” (para os pais, é claro!).

Agora o fio vai ficando mais frouxo, soltando-se com mais facilidade do novelo e acreditamos que esse fio não se acabará nunca e que é bem resistente. São anos de pura emoção.

Muitas pessoas vão entrando nessa ciranda do tricô, várias mãos vêm ao nosso encontro e várias vozes dizendo como devemos laçar o fio. A confusão instala-se. Às vezes, as carreiras ficam molhadas por nossas lágrimas, às vezes, trêmulas por conta dos excessos, ou então, por sonhar acordados, acabamos dando laçadas a mais em nosso tricô/vida.

Pensando bem, esses são os ”anos dourados” , pois o fio está banhado no fogo das paixões. Após todo esse “frisson”, o ritmo não diminui, mas muda e o tom sobe uma oitava.

Ao atingirmos a maturidade, trabalhamos bastante, constituímos família, fazemos novos amigos e perdemos outros. Sentimo-nos desbravadores e acreditamos que temos braços e dedos ágeis para muito mais. Esses são tempos de pura ação.

Entendemos que é hora de sermos ousados e eficientes e o ponto – tricô tem que ser trocado pelo ponto- meia; afinal, precisamos fazer o pé- de- meia!

Ah! Com certeza esses são “os anos dourados”, pois o fio está banhado de realizações, de poder aquisitivo, de amigos novos e antigos, e de medo também. E o medo não é aquele que nos faz amarelar?

O relógio anda, marca horas, dias e anos; há momentos felizes e momentos de tristeza e assim vamos nós. Até que chega um tempo em que nosso olhar torna-se mais atento, querendo entender que novelo é esse e como fazer para espichá-lo.

São anos de muito pensamento e introspecção. É o pôr do sol chegando para o tecelão e com ele o dourado da estação mais dourada – o outono. São esses, então, os verdadeiros “anos dourados”.

E assim vamos vivendo, tecendo sonhos, realizações, ilusões… Sempre aprendizes, sempre virgens frente às novas possibilidades que estão por vir.

É linda esta tecelagem, mesmo com suas imperfeições. Lembranças brotam em cada ponto que lá está.

Anos dourados são, pois, todos os anos da nossa vida, todas as carreiras tecidas, vividas e compartilhadas. Quando compreendemos que este fio é o grande presente que recebemos do nosso Pai do Céu, nos damos conta de que ele é dourado em toda a sua extensão, pois é divino. Por conta dessa verdade e por sua origem tão sagrada é que comemoramos com muita alegria o nosso aniversário.

Imagem de capa: As Moiras, com o fio da vida. Alegoria, por Strudwick (1885).

Preparo minha vida ou um café?

Preparo minha vida ou um café?

As histórias se repetem tanto que às vezes até cansa. Têm dias que fazemos as malas para estar ao lado de alguém que só estava de passagem, outros dias, escolhemos uma bolsinha de mão para passear com alguém que já estava disposto a plantar raízes no chão.

São tempos difíceis, por isso decidi deixar tudo claro. Não vou pedir que assine um contrato, mas espero que ao menos tire alguns minutos para me ler. Eu não quero gastar toda a minha energia em algo prestes a acabar. Se for apenas por diversão, tudo bem, eu gosto de me divertir, mas peço que me avise pois não quero que apenas se divirtam comigo. Se é por um dia, então senta aqui, deixe eu te preparar um café. Com açúcar? Adoçante? Quer saber?! não responda. Não precisamos nos conhecer tanto assim, deixe o mistério no ar.

Tudo bem se você já estiver planejando o voo, podemos aproveitar enquanto suas asas continuam fechadas. Quer um cigarro? Uma tragada ou duas depois do café e não nos vemos mais. Não me importo se tiver que ser assim, mas não esquece de me contar seus planos. Não deixe que eu fique planejando aqui e ao sair para te mostrar, você já foi.

Eu não ligo se você veio me encontrar com a passagem de volta já comprada e guardada no bolso. Mas me mostra, me deixa ver pra que hora está marcada só pra eu me organizar melhor. Se o café estiver demorando, eu posso usar a máquina de expresso, me diz o quanto tem de pressa.

Porém, se por acaso, se por um descuido da rotina, você seja alguém que goste de ficar, então se aconchega aqui. Deixa eu te contar uma história. Tenho uma muito boa sobre quando era criança. Na verdade, é meio longa… mas parece que temos tempo. Aproveita e me conta quando conseguiu essa cicatriz no queixo. Senta aqui ao meu lado, me deixa decorar seu rosto enquanto você fala como foi o seu dia. Agora está chovendo lá fora e não temos como sair. O que não nos afeta em nada já que não tínhamos planos para ir a lugar algum. Bom ver suas malas aqui bem aos lados da minha.

A noite está fria, mas nada como um coração seguro para esquentar. Ah, e um chá! Nunca gostei de café.

 

A gente sobrevive, sim, mas nem sempre volta a ser inteiro

A gente sobrevive, sim, mas nem sempre volta a ser inteiro

Apenas sobreviveremos nesse mundo caótico e violento de hoje, caso consigamos manter a fé e a esperança de que dias melhores virão, de que ainda é possível confiar nos seres humanos. Mesmo assim, existem momentos tão devastadores na vida da gente, que nos machucam fundo na alma, tornando-nos mais fortes, porém menos inteiros.

Às vezes, a vida nos tira o que ou quem temos de mais precioso, trazendo-nos uma perda por demais dolorosa e pungente e cujas marcas estarão impressas em nossa alma enquanto vivermos. Poderemos até voltar a sorrir, a sonhar, a ser alguém que segue em frente, mas a carga das cicatrizes enraizadas estará ali, silenciosamente nos cutucando por dentro, não o tempo todo, mas sempre presente.

A saudade de um filho que partiu, o sofrimento de um ente querido que agoniza, a perda de tudo o que foi conquistado, às duras penas, por conta de fenômenos naturais, um evento que deforma e mutila, um desemprego que perdura por anos a fio, uma traição descomunal de um amor, de um amigo, de um sócio, por exemplo, aniquilam nossa autoestima, devastam nosso emocional, deixando marcas indeléveis.

O pior disso tudo é que hoje se cobra muito uma felicidade explícita, um sorriso frequente, como se fôssemos obrigados a estar bem o tempo todo. Logicamente, não poderemos nos abrir sempre e para quem quer que seja pois, a maioria das pessoas nos pergunta como estamos por mera formalidade, porém, forçar um estado de espírito que não condiz com o que realmente estamos sentindo nos faz muito mal.

Daí a necessidade de construirmos um relacionamento sincero e saudável com as pessoas que nos são caras, pois as lembranças felizes e especiais nos servirão como alento e motivação para que retomemos as forças, no sentido de continuarmos a acordar com o propósito de buscar a felicidade, ainda que sigamos incompletos. Se nada será como antes, pelo menos aquela parte de nós que sobreviveu terá a certeza de que o amor verdadeiro é mais forte do que tudo, protegendo-nos contra a demora exagerada nas escuridões de nossa alma.

INDICADOS