Só é Feliz quem para de tentar agradar a Plateia

Só é Feliz quem para de tentar agradar a Plateia

Segundo a OMS, até 2020 a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. Em larga medida isso decorre do modo totalmente degradante e padronizado que temos levado as nossas vidas. Desde pequenos somos condicionados a viver de acordo com as normas impostas pela sociedade. Normas impostas por um grupo seleto de pessoas, que não está nem um pingo preocupado com o adoecimento da alma que se observa nesta quadra da história.

Na busca desse ideal de felicidade e sucesso, a maior parte de nós acaba tendo os seus sonhos destruídos, totalmente ou parcialmente, ou deixando-os congelados, a fim de que possam ser “requentados” quando a situação for mais “favorável”. Mas quem controla o tempo? Quem sabe o que nos acontecera? A nossa existência é frágil ou para lembrar o velho safado – “Somos finos como papel” – de maneira que não há sentido algum em deixarmos para depois o que arde mais forte em nosso coração e que de fato nos faz sentir vivos.

Entretanto, nada disso adianta, porque temos que correr, temos que produzir, temos que ter, temos que ter mais e, assim, nos tornamos especialistas em acumular coisas, um monte de tralhas que não serve para nada, apenas para deixar a nossa existência mais pesada. Ao mesmo tempo em que nos tornamos experts em acumular coisas, tornamo-nos subnutridos de amor. Indivíduos carentes de atenção, de ouvidos dispostos a escutar verdadeiramente as nossas angústias, de olhares sinceros que enxergam a nossa alma, de afeto… Carentes de gente.

Sendo assim, de que adianta ter uma vida de sucesso perante os olhos da sociedade e da porta para dentro está destroçado, sufocado com lágrimas silenciosas vindas de olhos mudos? De que adianta viver preocupado em como trocar de carro, em como pagar o VISA ou enfrentar a crise econômica, se o grande monstro que existe é a depressão em que nossas vidas se encontram?

Saramago falava que a vida é assim: uma hora se está, outra hora não se está. E é nesse intervalo de tempo que a vida se processa, e para que ela seja bela é preciso que as histórias sejam contadas ao seu modo, respeitando as suas pontuações, os seus personagens e a sua estrutura narrativa, porque cada ser humano é um universo rico de histórias, algumas se dão em poesia, outras se dão em prosa, mas cada história é universalmente única.

Dessa forma, mais do que qualquer outra pessoa, devemos respeitar a nossa história, o que nos forma e os nossos sonhos, já que nem sempre há tempo hábil para que eles sejam requentados. Muitas vezes sequer há fogo, porque de tanto esperar, fomos congelados. E, então, percebemos que corremos em direção ao nada, não do lado de fora, mas do lado de dentro, apenas por medo de ser fogo no meio do gelo. Apenas por medo de não agradar a sociedade. Tolice de quem não sabe que só é feliz quem para de tentar agradar a plateia, pois, lembrando outra vez o velho Bukowski:

“É quando você esconde as coisas que acaba sendo sufocado por elas”.

A dificuldade de ser um romântico inveterado

A dificuldade de ser um romântico inveterado

Um jeito de ser peculiar, ao mesmo tempo delicioso e sofrível. Atraente, hipnotizante, intenso e incorrigível: eis o romantismo.

Ser um romântico inveterado, nesses “tempos modernos”, é complexo e angustiante. Ter uma visão mais colorida da vida, das pessoas, do mundo e do amor (ao menos do que deveriam ser), pode render um tanto de frustração, de tristezas e de remendos.

Nostalgia. Reafirmações. Surpreendimento. Reinvenção. Carinho. Constância. Divagação. Sentimento. Expressão. Atenção a detalhes, datas, olhares e suspiros. É mais ou menos isso, apenas, o que aspiramos.

Quando somos adolescentes, é até legal. Ao ser romântico, você se sente diferente, sonhador, encantado. Isso dá um frio na barriga interessante, uma cabeça quase sempre nas nuvens, uma sensação gostosa de que, hora ou outra, a nossa ideia de “viver ideal” se materializará. E ainda acontece eventualmente um ou outro fato a indicar que “estamos no caminho certo”, que “é possível”. Ledo engano…

Daí, nos tornamos “gente grande” e a coisa começa a complicar. Percebemos que somos, tipo, beeem a exceção. Que as demais pessoas não tem essa doce imagem da vida, e nem quer ter. Que a perspectiva da maioria é outra, que as suas necessidades são bem diferentes das nossas. Chegamos até a constatar que há coisas mais práticas que possuem um peso relativamente relevante nos relacionamentos: companheirismo, lealdade, bom humor, cumplicidade. Então, vamos vendo que, talvez, era mesmo uma ilusão… Mas, e daí?!

Tentamos “cair na real”. Nos esforçamos para descolorir nossas aspirações. Nos dedicamos a criar, em nosso íntimo, um novo “modo de vida ideal” , a racionalizar, a tentar pensar como a maioria, a “ser devidamente adulto”. Lá pelas tantas, acreditamos até que deu certo. Estamos indo muito bem na nossa empreitada: sérios, práticos, objetivos, pragmáticos. Pensamos: agora, enfim, viveremos melhor, mais “em paz”.

Mas tudo logo vem abaixo. Acontece um fato qualquer e o nosso coração desmancha. Sofremos. Percebemos que continuamos os mesmos, que é uma doença sem cura. Que desejamos muito mais do que o mundo (e as pessoas) podem nos oferecer. Então o coração aperta, tadinho. Angustiado, frustrado, culpado por ansiar por algo que vê ser impossível.

Então, passado o período mais crítico, aos poucos vamos voltando ao nosso modo “meio adaptado” de viver. Um meio termo entre o que gostaríamos e o que se apresenta, de fato. Claro que continuamos sofrendo, ora mais, ora menos. Claro que continuamos tentando mudar algumas coisas (melhorar, na nossa concepção). Mas é claro, também, que ninguém muda se não quiser.

E um não-romântico-inveterado não vê fundamento nas nossas ideias, por não sentir o que sentimos, e por isso não se motiva a mudar. Mas, definitivamente, não entendemos como eles conseguem viver assim…

E entre cedências vamos sobrevivendo. Administrando nossa loucura apaixonante e sonhadora. Reprimindo-a até que extravase. E, quando extravasa, tentando consertar o estrago para que o resultado não seja ainda pior que a nossa complexa e, muitas vezes, angustiante forma de viver.

Por que ainda queremos nos casar?

Por que ainda queremos nos casar?

A série Divorce, que acaba de estrear na HBO, marca o retorno da parceria entre a atriz Sarah Jéssica Parker (protagonista de Sex and the City) e o canal.

Em Divorce a atriz aparece como uma cinquentinha contemporânea: mãe de família, cansada do casamento, desiludida com o amante, rejeitada pelos filhos adolescentes, desejosa de realizar um antigo sonho (abrir uma galeria de arte).

A nova série da HBO contará com 10 capítulos de 30 minutos cada. Com humor irônico e generosas pitadas de drama, Divorce apresenta os desafios do casamento nos dias de hoje: rotina, sexo arrefecido, traição e o desgaste emocional que uma separação provoca.

Sobre o tabu da monogamia, falei aqui. Por esse motivo, escolho uma questão sobre a qual a série lança luz:

Por que ainda queremos nos casar? Por que insistimos em juntar as escovas de dente e depois reclamamos da rotina e do desgaste que é dividir o mesmo teto com alguém que possui hábitos tão diferentes dos nossos?

Será, mesmo, que queremos nos casar por amor? O que o amor tem a ver com isso?

O casamento foi inventado muito antes de o amor ser um bem imprescindível, muito antes de Tristão e Isolda – primeiro grande clássico da literatura mundial a narrar aventuras e desventuras do amor romântico.

A contração do matrimônio, nos primórdios, se dava por questões políticas (e financeiras).

Será que não optamos por dividir o mesmo teto, ainda hoje, por necessidade de segurança, sentimento de posse, convenção social e/ou necessidade de ter um filho (é preciso se casar para ter um filho no século XXI?)? Será que algumas mocinhas não desejam apenas vestir um vestido de princesa e ser a rainha da noite?

O problema é que depois da festa, além da conta, vem a realidade: dividir o mesmo espaço.

Será que estamos preparados?

O amor precisa de cama, não de teto compartilhado para se consumar. E cama pode ser chão, grama, sofá, chuveiro, abraço, sorriso, colo, conchinha, cafuné.

Mais que teto! O amor precisa da partilha de lealdade, respeito, admiração, alegria, tesão, entusiasmo e escolha.

São tantos os casais que dividem a mesma casa, mas não são leais, nem respeitosos; que vivem reclamando dos hábitos do parceiro para terceiros.

Vivemos tempos devassados, onde é cada vez mais raro ter privacidade e tempo para nós mesmos. Nossa casa, em princípio, seria o único espaço onde podemos nos despir inclusive de nós mesmos.

São tempos em que o individualismo é cultuado. Se o metrô está vazio, por exemplo, e alguém senta ao nosso lado, mudamos de lugar. Se o restaurante está vazio e alguém senta próximo a nossa mesa, ficamos incomodados.

Acaso questionem nossos gostos e vontades; acaso especulem aonde fomos, o que fizemos, o que deixamos de fazer – nos sentimos invadidos e irritadiços.

Detestamos dividir o controle remoto e a pia do banheiro. Detestamos chegar em casa e perceber que a última fatia de bolo que estava na geladeira foi comida.

Por mais que tenhamos afinidades com a nossa cara metade, por mais que amemos a nossa metade da laranja, dificilmente a divisão de teto será tranquila, simplesmente porque – salvo raras exceções! –  não fomos educados para a partilha, mas para a competitividade e o individualismo.

Não se trata de uma apologia à não contração do matrimônio. Cada um sabe o que é melhor para si e existem, sim, casais leais, apaixonados e companheiros que dividem o mesmo teto com alegria e prazer. Assim como existem casais leais, apaixonados e companheiros que optaram por morar em casas separadas.

Trata-se de refletir, ser honesto consigo mesmo e se perguntar: será que tenho habilidade para dividir o mesmo teto? Qual o meu grau de competitividade e individualismo? Qual a minha necessidade real de privacidade? Eu gosto de ter razão ou de ser feliz?

Caso contrário, corremos o risco de viver – tão logo nos casemos – as mesmas agruras que os personagens da nova série da HBO.

Quando bate aquela saudade

Quando bate aquela saudade

E quando bate aquela saudade? Dos sorrisos trocados, dos beijos concebidos e, até mesmo, dos silêncios contemplados numa noite qualquer. Pode até ser que o futuro seja um traçado sem previsão, mas tenho bem lá no fundo que o presente não passou despercebido entre um abraço e outro. Se tudo isso é indício de saudade, convenhamos, que sorte a nossa termos tido instantes distribuídos passado adentro.

Por que não ficamos? Por que não entregamos os pontos e arriscamos submergir nesse redomoinho tão almejado pelos amantes? Talvez não exista uma resposta em definitivo, quiçá alguma forma de mensurar probabilidades entre os carinhos expostos. Saudade tem gosto. É agridoce e em doses desmedidas, deixa até o mais saudável dos corações enfermo. Mas há outras facetas para essa ausência inesperada. Ela movimenta, navega e, algumas vezes, transforma. Desperta odores no meio do dia, revive, reencontro após reencontro, o entrelaçar compartilhado e a jura não dita. Ainda assim, é confuso imaginar por onde anda a nossa própria alavanca para desvencilhar-se. A proposta pontual de desejos trilhados, planos elaborados e angústias já tatuadas na pele. É bem um de tudo um pouco, para ser sincero.

Quem sabe, ou, quem poderia dizer, quais descaminhos nos seriam apresentados? A vida meio que lança esses dados atrozes quando menos esperamos. Isso não quer dizer que ela tenha essa finalidade vilanesca, pelo contrário, vai ver que as linhas descritas através do tempo, incluam, na mais imprevisível das hipóteses, a oportunidade da escolha. O simples pensamento do ir e vir, onde for, como for.

De qualquer forma, na saudade, sentir é o único caminho. E deixem que julguem, apontem e façam escárnio dessa intensidade não prometida. Porque, contrariando todas as expectativas, quantas vezes pudemos confessar a falta que nunca parte, mas apenas adormece? Agora, saudade é artigo de luxo para os que se permitiram sentir algo, em qualquer dia, em qualquer beijo.

Algumas pessoas simplesmente ficam na gente

Algumas pessoas simplesmente ficam na gente

Ao longo do tempo, iremos nos decepcionar com muita gente, inclusive com quem é bem próximo de nós, no entanto, teremos encontros inesquecíveis com pessoas especiais, que trarão mais do que amizade, mais do que amor, fazendo com que nos tornemos melhores e bem mais felizes. Pode ser um amigo de cerveja, um colega de trabalho, um professor, o chefe, o parceiro de vida; certo é que algumas pessoas ficam na gente, para sempre.

Muitas vezes, a ajuda de que precisamos vem de quem menos esperávamos, de alguém por quem nem sentíamos muita simpatia, devido a essa nossa mania de julgar antecipadamente os outros, mesmo desconhecendo as suas histórias ou as lutas que elas travam diariamente. Somos, então, surpreendidos por uma generosidade que nos salva e nos conforta, no momento certo. Trata-se daquelas surpresas mágicas que a vida nos proporciona, a fim de nos resguardar da apatia e da descrença no ser humano.

Por outro lado, também somos surpreendidos na contramão de nossas certezas, quando recebemos o pior de alguém a quem muito considerávamos, em quem confiávamos, alguém que tínhamos como amigo verdadeiro. E então nos decepcionaremos de forma dolorida, conhecendo a ingratidão de perto, para que entendamos que nossos julgamentos nem sempre estarão corretos, que nem sempre acertaremos, que somos falhos – também haverá quem receberá de nós o nosso pior.

Mas os verdadeiros anjos que aparecem em nossa jornada, muitas vezes sem pedir licença, compensarão toda tristeza que alguns indivíduos nos causarão, porque trarão alento, verdades, conforto, acolhimento e amor de fato. Eles nos aconselharão da melhor maneira, apoiarão nossos devaneios, sorrirão de longe ao nos ver, silenciarão junto à nossa dor, abraçando nossos sonhos, torcendo, sendo alguém de verdade, que se importa, com quem sabemos que poderemos contar.

Nem todos ficarão por perto o tempo todo, nem todos viverão o suficiente para assistir às nossas conquistas. Alguns passarão rapidamente por nós, outros andarão conosco ao longo de toda a nossa jornada, muitos farão parte de etapas específicas de nossas vidas. Nada disso importa, porque não será a presença constante nem a duração do encontro o que levaremos conosco, mas sim o tanto que essas pessoas fizeram de bom por nós. E, por mais que o tempo passe, que a distância afaste ou a morte intervenha, algumas pessoas simplesmente ficam na gente, eternamente.

O que uma coxinha e um café me ensinaram sobre gratidão

O que uma coxinha e um café me ensinaram sobre gratidão

Nós temos um tempo limitado na Terra.

Por que desperdiçar nossa energia preciosa nos preocupando com o que os outros estão fazendo ou pensando?

E daí que o cara é crente, ateu, gay, sertanejo, metaleiro, funkeiro, guru, empreendedor de palco,  comunista, fuma maconha ou vota no Crivella.

Tu não paga as contas dele, parceiro.

Foca na tua vida. Tens feito tudo direitinho? Qual tua missão nesse planeta? Já descobristes?

Desde que as primeiras redes sociais apareceram — antes disso, até… cês lembram do Fotolog? — nos viciamos em saber o que os outros estão fazendo. Onde foram no final de semana, se a balada foi top, quem pegando quem, quem comprou um pacote da CVC pro Nordeste, quem fazendo intercâmbio que o pai pagou, quem na merda. Esse tipo de comportamento sempre existiu, é verdade, mas como agora nos expomos mais, as pessoas não precisam sequer conversar umas com as outras pra saber — ou deduzir — o que ou não rolando.

Nós desperdiçamos nossa energia mental tendo inveja dos outros, julgando comportamentos ou mesmo tendo uma sensação de felicidade ao ver alguém se dando mal — sério, conheço gente assim. Aí te pergunto: pra quê?

Te dou um exemplo.

Dois, até.

Se teu sonho é viajar o mundo ou algo do tipo, pra quê passar horas do teu dia vendo as fotos das minas do Instagram que são pagas pra isso tomando espumante numa piscina de borda infinita?

Ao menos que você seja masoquista, pare de se torturar com esse tipo de coisa.

Chega um ponto em que as comparações se tornam inevitáveis. “Ela é mais nova que eu“. “Ela tem a minha idade“. Cara, você nem sabe se é a mina é realmente feliz. Tem muita gente que vive de aparências.

Esse tempo que você perde se martirizando, poderia focar suas energias em sair do lugar. Em tirar suas ideias do papel. Em trabalhar duro — acredite, nada vem fácil, inclusive pras minas do Instagram, ou você acha que a vida é espumante na piscina?

O outro exemplo é pessoal.

Tem uma galera que me viu no G1, viu o Projeto CR.U.SH na Folha de S.Paulo e às vezes vê alguém foda compartilhando um texto meu e logo pensa que automaticamente fiquei rico por causa disso.

Se eu recebesse R$1 por clique, realmente, já estaria milionário. Mas, o mundo real não funciona assim, amigo.

Li um desabafo do Murillo Leal do Casal do Blog que me chamou a atenção. Talvez por eu estar passando pela mesma coisa, talvez por, até então, eu também só o olhasse com os olhos de quem não sabe dos corres.

A gente só posta o que queremos que os outros vejam. Ninguém sabe as merdas que passamos. Ou mesmo as merdas que eu passei e continuo passando.

Esses dias postei uma foto minha de madrugada dormindo no aeroporto pra economizar o dinheiro do hotel. Dormi tão mal que até hoje meu pulso está doendo. Mas nêgo não vê e não sabe dessas coisas. Só imagina que eu fui pra SP ganhar dinheiro com alguma coisa — e esse nem foi o caso.

Não imagina, por exemplo, que naquele mesmo dia eu tomei café da manhã com um morador de rua. E que ele me fez ser grato pela minha vida e até pelos meus perrengues.

O cara me abordou na rodoviária de Tubarão (SC) e logo pensei que era um assalto. Julguei pela aparência. Sujo, mal vestido. Mas ele só queria um pastel.

Fomos juntos até a lanchonete.

— Pastel de carne? — perguntei.
— Pode ser uma coxinha, irmão.
— Uma coxinha pra ele.
— Rola um cafézinho pra acompanhar?
— Dois cafés. O teu é preto ou com leite?
— Com leite.
— Um café preto e um com leite, por favor.

O tal cara é o Vinícius. A história dele é a de vários outros por aí. Primeiro entrou nas drogas. Depois perdeu o emprego. Aí perdeu a mulher e, aos poucos, todo o resto. Foi pras ruas no início do ano. Diz ele que não é ladrão e há três meses largou o crack. Só que ninguém aí pra ele. Ninguém quer dar uma oportunidade pro Vinícius. A sociedade já o julgou pelo seu passado recente. Ele virou um zumbi, tipo Walking Dead. Anda por aí atrás de alimento só esperando a sua hora.

Esse tipo de convivência é difícil. Precisamos aprender a fazer o bem para outras pessoas sem esperarmos qualquer tipo de recompensa e, principalmente, sem julgamentos. Isso se chama empatia. Naquele momento a única coisa que estava ao meu alcance era a coxinha e o café com leite. Não lhe dei uma oportunidade, não lhe arrumei um emprego, não lhe dei um teto, mas matei sua fome naquela manhã. E eu não sei vocês, mas, se eu com fome, não consigo nem pensar direito. Imagina viver isso diariamente, cara.

À noite, naquele mesmo dia, lembrei do Vinícius quando me deitei num banco do aeroporto de Guarulhos e não conseguia dormir por estar desconfortável. Quero dizer, eu estava reclamando por ter que passar por aquilo — e hoje ainda o fiz, ao reclamar do meu pulso — naquela noite, mas e essa galera que dorme nas ruas todos os dias? Mano, eles não deixaram de ser humanos porque se viciaram numa droga ou perderam seus empregos e suas casas. Para de tratar teu cachorro melhor do que um dos nossos, porra.

A lição que tirei disso tudo e quero compartilhar é que, independente de sermos bem sucedidos ou não, dormirmos num hotel de luxo, num apartamento pequeno, num aeroporto ou nas ruas, nunca poderemos ter tudo o que queremos.

Naquele dia o Vinícius só queria um pastel. Ganhou uma coxinha e um café com leite. Ficou satisfeito, mas lá no fundo ele também queria uma casa e um trabalho. Já eu só queria fazer uma boa viagem e não ser perturbado por pedintes.

A real é que a felicidade não é ter tudo no mundo. Pelo contrário, a felicidade está em ser grato por todas as bênçãos que já temos. Independente se você acredita ou não em algum Deus. Sem julgamentos, lembra?

PS: No dia seguinte, em Florianópolis, fui abordado por um outro homem. Dizia ser de Porto Alegre e já ter dormido cinco noites naquela rodoviária. Só queria voltar pra casa e estava sem grana pra comprar a passagem de volta. E eu puto porque passei uma noite no aeroporto…

Gosto de gente que vai lá e faz, em vez de ficar perguntando

Gosto de gente que vai lá e faz, em vez de ficar perguntando

Em todas as famílias, nos círculos de amigos, nas salas de aula, nos ambientes de trabalho, sempre haverá aquela pessoa decidida, pronta a ajudar, a tomar decisões, a colocar a mão na massa, como dizem. Aquela pessoa que não se nega a auxiliar e a quem costumamos pedir socorro quando estamos com algum problema a ser resolvido.

Quem está sempre pronto a ajudar nem imagina o quanto é importante na vida daqueles com quem convive, o quanto sua presença traz tranquilidade e segurança. São essenciais na condução harmoniosa das ações que se tomam, pois ponderam, argumentam, convencem do melhor a ser feito de maneira tranquila, sem forçar nada. Transpiram confiança, ou seja, sabemos que tudo há de correr bem quando eles se envolvem.

Por outro lado, muitos indivíduos parecem nunca saber o que fazer, para onde ir, como socorrer ninguém, tampouco a si mesmos. Trata-se de gente que não sai do lugar, que se acomoda e permanece incólume ao que urge à sua volta, temendo qualquer mudança, não fazendo mais do que o necessário, atendendo somente ao que lhe é pedido, esperando que o outro tome as decisões necessárias.

É muito cômodo deixarmos que outra pessoa assuma as responsabilidades sobre as ações a serem tomadas, afinal, caso algo não dê certo, estaremos protegidos. Isso é balela. Não poderemos nos isentar do que nos acontece, seja porque fizemos algo, seja porque deixamos de fazê-lo, seja porque nos omitimos o tempo todo. Ninguém, afinal, aprende e se aprimora enquanto assiste à vida passar na sua frente, como mero espectador.

Por essa razão é que muitos tentarão se aproveitar das pessoas solícitas, para além do necessário, exagerando no tanto que pedem, no tanto que demonstram precisar de ajuda. Caso não se estabeleçam limites nessa relação, muito provavelmente uma das partes ficará esgotada, enquanto a outra se torna cada vez mais folgada. Saber dizer não quando for necessário nos salva de pessoas que tentam se aproveitar de tudo e de todos.

Sempre valerá a pena podermos ajudar, pois assim nos sentimos úteis, necessários, assim fazemos o bem e nos sentimos bem. Mesmo que não recebamos gratidão de alguns pelo caminho, mesmo que tentem se aproveitar de nós, ainda assim estaremos realizados, pois ninguém consegue ser feliz parado, sentado, apenas recebendo, sem doar um nada. Sejamos felizes, então, mesmo cansados, mesmo doídos, apesar de tudo, mas, sobretudo, felizes.

Eu desejo que você não precise de muito

Eu desejo que você não precise de muito

Tenho pensado muito na importância da gente “se bastar”. De tornar momentos vazios companheiros perfeitos para nossas pequenas felicidades. Seria maravilhoso se todos nós nos sentíssemos plenos conosco, diariamente, em um “se bastar” muito maior que “beijinho no ombro” em fotos publicadas online, não é?

Estar completo e satisfeito, só ou acompanhado, tem muito a ver com o prazer que sentimos em estar em nossa companhia, em sermos respeitosos conosco e gratos pelas coisas boas que temos.

E nos deixarmos encantar, curtindo a sensação boa de estarmos coladinhos conosco, fala muito sobre o tamanho do nosso mundo interior.

Crianças têm um mundo interior absurdamente amplo. Conseguem achar graça em um rolo de papel toalha. Já adultos comumente não tem essa mesma facilidade para se encantar ou melhor para “se bastar”. Quase sempre é preciso que esteja acontecendo alguma coisa excepcional, passando algo muito interessante na televisão ou que aquela pessoa interessante esteja online para que a empolgação aconteça. Senão, o tédio aparece e a graça das coisas bate em retirada.

Se eu pudesse desejar algo para os que amo, desejaria que pudessem “se bastar” com bem pouco, pois quanto mais profundos somos, quanto mais nos conhecemos e nos gostamos, menos as coisas da vida real precisam estar nos habituais conformes para nos animarmos e nos darmos por satisfeitos com elas.

Uma criança ao ganhar um pedaço de bolo, um sem a tão almejada cereja, se delicia com ele mesmo assim e ao final ainda o esfrega feliz no rosto, no cabelo e na roupa.

Já um adulto, um que saiba buscar em seu espaço interior companhia e contentamento, pode até perceber a falta da cereja, mas não se importa em demasia, pois a falta da cereja não desmerece a massa do bolo, tão pouco desqualifica quem o preparou. Existem prazeres em outros cantos e não somente naquela cereja.

Por outro lado, se ofertamos o mesmo bolo para uma pessoa que esteja mergulhada até a ponta do cabelo na “razão das coisas”, certamente ela vai querer trocar o pedaço de bolo, vai reclamar com o gerente, vai pensar mal dos funcionários e terminará o dia com uma indescritível dor de cabeça. A falta da cereja nesse caso acabou com qualquer chance da pessoa em questão estar feliz e satisfeita consigo mesma.

Quantas vezes não cismamos em colocar o pingo em todos os is? Exigimos perfeição de um mundo imperfeito. Esquecemos que as coisas mais importantes são aquelas que não nos custam quase nada.

Que a gente não cobre desse mundo o que falta naquele universo mágico e particular que nos habita. Que a gente possa estar atento para não exigir do mundo real o que só um contato íntimo e amigável com o nosso mundo interior pode nos dar.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Ele não está tão a fim de você

Ele não está tão a fim de você

“Ensinam muitas coisas às garotas: se um cara lhe machuca, ele gosta de você. Nunca tente aparar a própria franja. E que um dia, você vai conhecer um cara incrível e ser feliz para sempre. Todo filme e toda história implora para esperarmos por isso: a reviravolta no terceiro ato, a declaração de amor inesperada, a exceção à regra. Mas às vezes focamos tanto em achar nosso final feliz que não aprendemos a ler os sinais, a diferenciar entre quem nos quer e quem não nos quer, entre os que vão ficar e os que vão te deixar. E talvez esse final feliz não inclua um cara incrível. Talvez seja você sozinha recolhendo os cacos e recomeçando, ficando livre para algo melhor no futuro. Talvez o final feliz seja só seguir em frente. Ou talvez o final feliz seja isso. Saber que mesmo com ligações sem retorno e corações partidos, com todos os erros estúpidos e sinais mal interpretados, com toda a vergonha e todo constrangimento, você nunca perdeu a esperança.”

Trecho do filme “Ele não está tão a fim de você”

“Ele não está tão a fim de você” é o nome de um filme que marcou não pelo filme em si, mas pela obviedade do título. Na época, a frase virou tema de muitas das minhas conversas de bar. Apesar de concordar que a máxima em muitos casos é verdadeira, também a acho um tanto simplista diante das possibilidades infinitas que se apresentam ao longo do caminho e da complexibilidade dos relacionamentos.

Com um olhar mais crítico, essa frase também me soa como um produto de uma sociedade que acredita em um tipo de amor idealizado, romântico, utópico. Um amor que é replicado incansavelmente na literatura, na arte, nos filmes. O amor do “felizes para sempre”, onde estamos sempre dispostos e prontos para amar; onde o relacionamento amoroso é a grande prioridade e alegria de nossas vidas, do qual temos a certeza do que queremos, não importando nossos traumas, medos, feridas do passado. Pois bem, eu não acredito nesse amor.

Os relacionamentos na “vida real” geralmente são muito mais conturbados, incertos, desconexos, descompassados, egoístas, imperfeitos. Seria presunçoso e até ingênuo tentar mapeá-los ou formulá-los. Não existe manual ou fórmula para gostar de alguém, é preciso viver na pele, escolher, permanecer, construir, tentar, desistir, tentar de novo, dia após dia, com o melhor e o pior de nós. Fora isso, nem sempre temos clareza do que queremos ou sabemos reconhecer o que é melhor para nós; às vezes o medo de sofrer é maior do que a vontade de se apaixonar, enfim, as possibilidades são infinitas. Nesses casos o lema “ele não está tão a fim de você”, quando levado ao pé da letra, pode excluir muitos desencontros que poderiam, eventualmente, com um pouco mais de calma, tornar-se grandes encontros.

De certa forma entendo porque a tal frase ficou tão popular e serve tão bem em algumas situações. Se a pessoa não demonstra interesse, realmente não tem porque ficar. Fato. Com um pouco de bom senso e amor próprio, dá para aprender a ler os sinais, da para entender que um bom contato se dá sempre na fronteira, eu não posso fazer sozinha o caminho de dois. Muitas vezes manipulamos, contamos mentiras, fantasiamos, inventamos desculpas, evitamos enxergar os fatos como eles são, porque a verdade da rejeição pode ser inconveniente demais. Daí a frase é um convite para olhar para o que é real. Porque no final das contas, viver uma rejeição ainda é melhor do que viver uma mentira.

Por outro lado, quando estamos emocionalmente equilibrados, naturalmente o pouco não nos será funcional. E ainda, é preciso desenvolver um olhar mais gentil para nossos processos, acreditar que pouco ou muito, muitas vezes é a medida exata que estamos precisando. Assim, o que a gente precisa é adquirir confiança de que quando não estiver bom para nós, teremos a coragem necessária para partir. Com um olhar atento, percebemos que gostar não tem nada a ver com controle, nem é lógico, é uma escolha pessoal. E o que nos move a ela ainda permanece um grande mistério.

Mas, se tem uma coisa que aprendi, é que gostar é um sentimento que a gente aprende com o tempo, não acontece à primeira vista, o que acontece à primeira vista é uma projeção, uma ilusão. Gostar não é perder-se, é se encontrar. Portanto, gostar mesmo acontece de mansinho, não é fruto de esforço, nem de atos grandiosos ou mirabolantes. Nem sempre é uma escolha racional ou acontece na hora que a gente quer. De repente a gente se dá conta. De repente, aquela ausência nos faz falta e a presença nos faz bem.

Então, ele pode não estar tão a fim de mim. Ou sim. E tudo bem. Porque no fim do dia o que o outro sente ou faz é de responsabilidade dele, mas é importante conhecer meus limites e saber o que me é suficiente, porque o tanto que quero ou aceito, se fico ou parto, isso sim é responsabilidade minha.

Não basta reduzir o açúcar. Pra viver bem tem de aumentar o amor.

Não basta reduzir o açúcar. Pra viver bem tem de aumentar o amor.

Obrigado, doutores endócrinos, nutricionistas, preparadores físicos, musas fitness e toda gente afeita a defender dietas, receitas, fórmulas e novos hábitos para uma vida boa e saudável. Vocês estão fazendo um ótimo trabalho! Mas aqui entre nós, tudo isso de nada vale sem um detalhe: não basta reduzir açúcar, carboidrato, gordura. Tem de aumentar o amor!

Pão integral faz bem, mas ter alguém a quem se achegar inteiro, como um navio repleto de imigrantes aportando na terra nova, faz muito mais. Faz, sim. Nada contra granola light, mas uma pipoquinha no cinema de braço dado, a cabeça encostada no ombro do outro, ahh… faz o coração bater mais leve.

De que adiantam as dietas e o exercício físico para quem arrasta uma alma sedentária? Correr, andar, puxar ferro, malhar o corpo levam embora no suor a sujeira dos dias. Mas alongar nossos afetos é que nos leva adiante por caminhos limpos, povoados de gente nova e velhos amigos. Renova nossa esperança, exercita nosso gosto pela vida.

O amor é um exercício poderoso. Reduz o peso da barriga e leva embora o das costas. Quem ama faz tudo melhor, dorme, acorda, estuda, trabalha, come sem culpa, vive sem medo. É o exercício do amor que nos equilibra na vida, compensa a sanha odiosa dos idiotas, ajeita as coisas.

Quem ama a si mesmo ou ao outro com empenho vai bem na academia, na quadra, no campo, na pista, na yoga, no pilates e onde mais quiser. Amar condiciona e fortalece, refresca e aquece. Cura e agradece.

Obrigado, senhores especialistas. Mas não basta reduzir o açúcar nem intensificar o treino. Só vive melhor, com mais saúde e intensidade quem não tem preguiça de aumentar o amor.

Chega de tentar carregar o mundo nas costas

Chega de tentar carregar o mundo nas costas

Todas as coisas têm um peso. E o peso das coisas é constituído por sua dimensão real e também pelo valor que atribuímos a elas. Uma situação que seja pesada em sua natureza e impacto emocional, pode nos exaurir as forças psíquicas. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma situação pode vir a ser uma inestimável oportunidade para aprendermos a relativizar os danos e absorver daí alguma leveza.

Leveza é aquela paz que vem da certeza de se ter dedicado o melhor possível para que qualquer projeto, relacionamento ou sonho viesse a dar certo. Leveza é algo tão relativo, quanto palpável, à medida que retira das coisas doídas e dos tropeços o peso extra da culpa, da mágoa ou do arrependimento.

Há histórias em nossas vidas que dada sua natureza pouco sofisticada ou dramática, ficam relegadas ao porão das nossas lembranças. Histórias sem compromisso, mas que se encaixadas umas às outras, formam a nossa rede de memórias afetivas. Um banho de chuva numa tarde qualquer. Uma troca de sorriso com um desconhecido no trem. Uma música querida que tem o capricho de tocar bem na horinha em que a gente liga o rádio. Histórias simples, pouco relevantes, mas que têm a maravilhosa propriedade de nos ajudar a formar um repertório emocional de energia e resiliência, a fim de nos tornar mais fortes, ao mesmo tempo em que nos humaniza.

Por outro lado, temos uma tendência quase patológica em dar às tragédias e misérias um lugar de destaque, quase um trono de dor. É perigoso demais apegar-se às coisas que deram errado, às situações constrangedoras, às pessoas que abusam da nossa boa vontade. É um risco enorme achar-se o centro do mundo, o responsável por resolver os problemas de todos em volta. Isso é de uma arrogância tão tola, quanto exagerada.

A vida já vem com sua cota de desafios, e testes e provas. O que é meu, não tem como você carregar e vice-versa. Há experiências que são intransferíveis, e são exatamente essas que nos fazem únicos e que nos amolecem um pouco, a ponto de nos tornar capazes de ao menos não dar as costas, quando o problema não é nosso. E também, são essas mesmas experiências que nos fazem mais resistentes aos arranhões ou cortes profundos das frustrações, perdas e fracassos.

Assim, mesmo que você não possa carregar o que é meu e eu não possa carregar o que é seu, nós podemos aprender a dividir o peso. O mundo não cabe em uma mochila, assim como os sonhos não cabem todos numa única noite, assim como os amores não cabem todos numa única pessoa. E se a gente aprender a dividir cargas e sonhos, tendo a humildade de reconhecer que não somos onipotentes. Se a gente entender que há amor em nós para toda a gente, a vida há de ser mais bonita e a leveza há de deixar de ser vista como tolice ou irresponsabilidade, e passará a ser o peso que optamos por não carregar nas costas.

As certezas do mundo adulto nos infantilizam, diz psicóloga.

As certezas do mundo adulto nos infantilizam, diz psicóloga.
Fotografia: Ana Shiokawa

Aos 66 anos, Rosely Sayão tem uma agenda mais lotada que estádio do Maracanã em dia de FlaFlu. Ligo para ela numa segunda-feira. Ela me atende com um tom de voz formal, sério. Não pode falar naquele momento e em nenhum outro daquela semana. Pergunta se posso retornar na próxima segunda para agendar a entrevista. Posso.

Ligo então no dia combinado e marcamos uma conversa para a quarta-feira. Nestes primeiros contatos, Rosely se mostra muito bem educada, mantem-se distante na medida certa para impedir qualquer observação apressada. Nesse entretempo, chego a pensar em enxugar a pauta para não lhe ocupar muito tempo e paciência, mas qual não foi a minha surpresa quando aquela senhora de postura formal se mostrou uma atenciosa e bem humorada locutora.

Rosely Sayão é psicóloga, consultora em educação e autora de livros como Educação sem blá-blá-blá (Três Estrelas, 2016) e Em defesa da Escola (Papirus Editora, 2004). Dona de vasto repertório conceitual, metodológico e científico, é uma das principais vozes da educação contemporânea no Brasil. Em suas colunas na Folha de São Paulo e na Band News FM, discute temas espinhosos de maneira clara e objetiva. Pois é, a mulher trabalha muito e tinha acabado de chegar de um compromisso quando finalmente me atendeu para uma entrevista exclusiva para a CONTI outra, onde falou das dificuldades e percalços não apenas na educação, mas também na relação cada vez mais complicada entre pais e filhos.

Rosely já era formada em psicologia quando teve o primeiro dos dois filhos e foi na raça que aprendeu a ser mãe. Na época, os amigos que tinham crianças com a mesma faixa etária costumavam dizer que para ela deveria ser mais fácil criar os filhos, já que era psicóloga. “Não é não. É mais difícil. Porque eu errava como todos. Só que, depois, quando eles iam dormir, eu sabia exatamente onde tinha errado”, lembra. “Os filhos ensinam a gente a ser mãe. Não é que eles ensinam nesse sentido daquilo que eu devo fazer. É com o filho, que muda dia a dia, que a gente vai aprendendo a construir o papel de mãe”.

Rosely acha importante salientar o respeito à individualidade de cada filho enquanto pessoa e que a fase de cada um deles é diferente. “Eu tenho um casal, então, me relacionar com a minha filha mais velha foi um aprendizado que depois não adiantou nada para me relacionar com meu filho. A mãe tem o mesmo endereço, mas não age da mesma maneira”, conclui.

Durante a infância e boa parte da juventude, Rosely Sayão costumava se reunir com a família em volta da mesa. Era um rito que fazia com que os laços familiares fossem renovados e discutidos e que hoje anda meio démodé para muita gente. “A mesa, no sentido material, faz com que as pessoas olhem umas para as outras. Não é um balcão. Enfim, ela pode ser oval, quadrada, retangular, redonda, mas as pessoas sentadas estão sempre voltadas umas para as outras. Isso facilita a reunião”, explica Rosely sobre o poder simbólico que tem essa mobília tão negligenciada pela pressa e pelo desinteresse de contato real.

“Eu considero que o aspecto mais importante do alimento é o de ser mediador social. Enquanto a gente come, a gente conversa, às vezes discute, às vezes briga, faz as pazes, opina sobre tudo e é assim que os afetos familiares se atualizam. É uma comunhão. Eu acho bonita essa palavra usada para alimentação em família.” Rosely também observa que as famílias contemporâneas podem até não partilhar da mesa em casa, mas que vão muito a restaurantes e lanchonetes. O problema é que pouco olham um para o outro e conversam entre si. A atenção está quase sempre voltada para o celular e para o tablet.

Confessa ficar impressionada quando vê uma família ou um casal entrar num restaurante, comer e sair sem trocar uma palavra sequer. Para ela, que foi influenciada de maneira positiva pelos rituais da mesa, o hábito da refeição familiar faz falta em nossa sociedade e afirma que “uma refeição pelo menos juntos – se não der todo dia, pelo uma vez na semana ou duas – ajuda a dinâmica familiar a se estabelecer”.

Outro tipo de comportamento comum entre os pais é o de tentarem se colocar para os filhos como amigos e não como figuras com autoridade. Segundo Rosely, isso não é saudável. “Não pode ser saudável, porque eles não são nem amigos nem parceiros nem nada; eles são pais. Quando eles (os pais) assumem outro papel, as crianças ficam órfãs de pai e mãe”, diz. “Agora, isso é resultado dessa ideologia fortíssima que nós entramos de que precisamos ser jovens a qualquer custo. Essa posição é fruto dessa ideologia da juventude eterna, do ser jovem até morrer”.

A esse fenômeno está atrelada a falta de conflitos entre gerações, que Rosely considera indispensável. Resumo da ópera: hoje em dia ninguém quer ser careta e sobra para os jovens, que acabam assumindo posições mais tradicionalistas para que assim tenham com quem brigar.

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Certezas Digitais

Um dos assuntos sobre os quais Rosely mais tem respondido é sobre o papel da tecnologia na sociedade contemporânea. Durante a conversa, ela se lembra entre risos de um amigo professor da USP que diz odiar o Google por ele ter acabado com nossa possibilidade de ter dúvidas. Rosely de certa forma concorda e diz que ter dúvidas é ótimo. “O mundo adulto é cheio de certezas e é cheio de criancices também. A criança tem certeza de tudo. Isso não deixa de ser uma infantilidade. Ela tem certeza de que vai dormir e acordar; ela tem certeza de que o papai e a mamãe estarão lá; ela tem certeza que vai ganhar presente no natal e que papai Noel vai dar o presente que ela pediu. A vida na infância é cheia de certezas e eu vejo o mundo adulto muito infantilizado hoje”, avalia.

“Eu não considero a tecnologia um problema. Eu acho que ela tem sido um refúgio para os adultos que não sabem mais se relacionar. A gente perdeu a mão de o que é conversar com outras pessoas, ouvi-las. A gente entrou numa de querer convencer os outros de que nosso ponto de vista é melhor”, comenta, antes de explicar que podemos contestar ideias e que é importante não sair por aí aceitando qualquer uma delas, mas defende que isso deve ser feito de maneira racional e não agressiva.

“O mais importante na vida é o relacionamento humano. É isso que nos ajuda a crescer, que nos interpela, que nos contesta; que nos faz repensar nossas posições; que faz a gente cultivar algumas virtudes. Hoje, o outro é invisível. Eu olho para o outro e vejo eu mesmo”, analisa. “E quando o outro não é o meu espelho, eu tento fazer com que seja. Se não tivermos posições diferentes no mundo, a vida vira uma chatice, não vai sair do mesmo lugar nunca mais. É isso que está difícil das pessoas entenderem”, completa.

Na opinião de Rosely, os professores, mesmo os mais jovens, ainda têm muito que caminhar em relação ao uso da tecnologia como ferramenta educacional. “Eu acho que poderia ter um uso interessantíssimo se fosse aliada do aprendizado, da reflexão, da pesquisa, da metodologia científica. Nós ainda não alcançamos esse patamar no uso da tecnologia”, diz. “Nós ainda temos olhar analógico e digital. Quando acabar a geração que ainda tem olhar analógico, talvez o pessoal consiga ter uso melhor e profissional para a tecnologia, que pode ser muito bem utilizada tanto na docência como em qualquer área científica”.

Luz no Fim do Túnel

Os pais estão muito mais presentes dentro das escolas dos filhos do que deveriam estar. Esse é o diagnóstico de Rosely, que atualmente estuda para escrever sobre o assunto com mais profundidade e de um jeito que não faça com que os pais queiram queimá-la em praça pública. Ela acredita que os pais “ficam sabendo de tudo o que eles fazem na escola, mas não deveriam saber, porque a escola é um lugar social; é o primeiro lugar social que a criança frequenta, onde ela deveria aprender a se virar sozinha, ser diferente daquilo que os pais querem que ela seja em casa”.

Outro assunto que tem gerado polêmica é sobre o questionamento de cânones como a lição de casa. “Eu sou absolutamente contrária a essa ideia de lição de casa” se posiciona. Sugere que em seu lugar poderiam ser propostos desafios, mas apenas de vez em quando e que fossem mesmo desafios para os estudantes. Rosely aponta que a escola ficou refém da demanda da sociedade que os pais representam e que por isso ela, a escola, acha que se não der lição de casa os pais vão ficar descontentes e o aluno é quem acaba pagando o pato. “Lição de casa não faz o menor sentido. Não é bom para os alunos, não é bom para os pais e não é bom para os professores. Não é bom para ninguém e a gente insiste”, critica.

O quadro tem mudado e algumas escolas já têm diminuído a carga de dever de casa. Ainda não são muitas, mas Rosely aposta que, à medida que essas escolas tiverem mais apoio da comunidade, isso pode afetar as outras também.

No seu entendimento, a relação entre psicologia e educação também não anda muito bem. “A maioria dos psicólogos que trabalham em escola ainda carrega uma formação de dar diagnóstico e sobram nomes complicados que a psicologia empresta à educação: discalculia, psicopedagogia, déficit de atenção, dislexia. Mas, quando a gente pega um desses temas e vai estudar, não há consenso científico. Nenhum deles. Então, eu vejo que a psicologia na educação carece de fundamentação teórica, científica e metodológica”.

Mesmo com tantos empecilhos no caminho do aprendizado e das relações familiares, Rosely Sayão é do tipo de pessoa que se recusa a engrossar o coro dos pessimistas e mantém as esperanças. “Eu boto fé na humanidade ainda; não sei por quanto tempo, mas ainda boto (risos). Ainda acho que a humanidade tem talento para ser humanidade”.

Fotos mostram como a aparência das pessoas muda do dia para a noite

Fotos mostram como a aparência das pessoas muda do dia para a noite

A fotógrafa belga Barbara Iweins maquinou um projeto notável intitulado 7AM/7PM, em que ela destaca, de forma simples, as diferenças na aparência de pessoas em dois momentos do dia: às 7h da manhã, quando normalmente acordam; e às 19h da noite, quando já passaram por boa parte do dia.

Os dois retratos comparativos são colocados lado a lado contra um fundo preto. Eles revelam mais informações juntos do que em separado.

Iweins simplesmente aborda as pessoas na rua, explica o propósito do projeto, oferece uma remuneração simbólica e recruta os interessados em participar. A fotógrafa convida essas pessoas para passar a noite em sua casa, ou, então, é convidada por elas.

Logo que ela e os participantes acordam, Iweins pede a eles que mantenham uma postura espontânea e, assim, ela capta suas feições recém-despertas. Doze horas depois, a fotógrafa retrata novamente os mesmos indivíduos, em condições diferentes.

Em alguns casos, são claras as distinções no rosto das pessoas; em outros, as distinções são muito sutis e quase irrisórias. Mas sempre há detalhes que destoam de um retrato para outro.

No começo, Iweins pensava que teria uns bons 20 minutos de folga para obter o foco ideal a partir das expressões dos participantes ao acordarem. Porém, ela logo notou que alguns desses indivíduos foram capazes de se recompor em menos de cinco minutos. As fotos tiveram que ser feitas com rapidez.

Numa entrevista concedida para o Business Insider, a fotógrafa declarou:

“Desde jovem sou fascinada por estranhos. Enquanto espero um ônibus, enquanto estou de pé em uma fila, meus olhos são sempre atraídos para uma pessoa específica e, naquele exato momento, não consigo parar de pensar no que ela está pensando, o que está fazendo, quais são seus medos e alegrias.”

Ela conta que, a partir de 2009, decidiu abraçar essa obsessão pelas particularidades de estranhos. Comprou uma câmera moderna, com lente de 50mm, a fim de solicitar registros às pessoas desconhecidas que a fascinavam. O projeto 7AM/7PM nasceu quando ela mesclou hobbie e trabalho profissional.

Por causa da cultura do status e da necessidade alarmante de interagir em mídias sociais, de ser reconhecidas, valorizadas e amadas, e também devido ao hábito de tirar selfies, as pessoas se acostumaram com a ideia de superexposição. Postam sucessivas fotos para quem quiser ver e, quanto mais verem, melhor. Mas às vezes elas não dizem nada.

Iweins prosseguiu com o 7AM/7PM porque acreditou (e ainda acredita) que a privacidade está fora de moda, principalmente para os heavy users digitais, que representam a amostra participante do projeto. Em essência, a belga quis mostrar um lado mais íntimo, vulgar e vulnerável desses indivíduos.

Curioso como um intervalo de tempo de 12 horas pode provocar mais transformações na aparência de alguém do que aconteceria em meses ou anos. Talvez por isso olhamos tanto no espelho: porque nunca temos total certeza do quê encontrar.

Logo ao acordar, poucos de nós sentimos confortáveis a ponto de mostrarmo-nos para o mundo. Mas Barbara Iweins queria saber por que há um estigma contra essa naturalidade. Com isso, ela explorou a imperfeição da beleza: a beleza em si.

A fase de despertar remete ao atravessamento de um véu. Em geral, o rosto fica inchado, os olhos deturpados, os cabelos desgovernados, a mente em ritmo mais lento, o metabolismo desacelerado e bocejamos para respirar, mesmo nas situações de urgência. Há uma espécie de auréola que rodeia, na claridade ou no escuro, da ciência do ser na origem do dia. Lutamos contra a consciência, mas ela nos força a enfrentar o que há de vir. Sobre isso, Iweins diz o seguinte:

“O único momento do dia em que uma pessoa não tem qualquer escudo é o momento em que abre os olhos pela primeira vez. Eu sempre adorei esse momento de luta, quando a nossa consciência sai do estado da irrealidade dos sonhos para o realismo, antes que o mundo nos machuque.”

O exato instante em que acordamos do sonho para a vida real é mitigador; parece que buscamos orientação em meio a uma neblina. Alguns, quando acordam, levantam da cama com disposição surpreendente. Outros, por sua vez, preferem ficar na cama pelo máximo de tempo que puderem, até que sua preguiça seja vencida. Nos dois casos, há alterações visíveis na fisionomia, e são essas que formam o escopo do projeto fotográfico de Iweins.

Algumas das pessoas fotografadas se mostraram obviamente irritadas, alienadas ou mal-humoradas. Outras demonstraram vitalidade, bom-humor e entusiasmo. Dependeu muito do biotipo de cada uma.

Iweins planeja fotografar essas mesmas pessoas mais uma vez em 2019, dez anos do início do projeto. Aí estão as fotos:

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Quero meu direito de ser dramática!

Quero meu direito de ser dramática!

Nem sempre, mas às vezes. Quero fazer e viver meu drama, me jogar na cama, passar horas lamentando um recado malcriado, uma unha quebrada ou uma mensagem ignorada.

Não quero ser sempre equilibrada, bem resolvida, analisada. Quero o direito de viver minhas reações, entender minha emoções, sucumbir às tentações e me arrepender de decisões.

A busca pelo equilíbrio é injusta. O mundo anda desequilibrado. Tem momentos em que um gemido vale bem mais do que uma longa explicação, um choro sentido alivia enormes tensões, e aquele desabafo repetitivo acaba por fazer sentido e acalma o coração.

O drama é uma forma exagerada, lamentosa, dolorida de vivenciar certas questões. O drama pertence mais às mulheres, embora muito homem saiba fazer drama como ninguém.

O drama dá peso, forma e consistência para um problema. Personifica, divide-se em capítulos, episódios, com avanços e retrocessos.

Quem faz o drama busca representar a intensidade do seu caso. Os exageros ganham licença poética para os dramáticos. É simplesmente impossível fazer um drama sem exageros e floreios.

O drama busca atenção. Quando estou dramática, estou carente. E quando estou carente, quero chamar a atenção de alguém. Uma equação de fácil resolução e, com alguma generosidade da parte que assiste, nenhuma repercussão.

O ser dramático opta por sofrer mais, por reter a dor por mais tempo, por detalhar em minúncias um ocorrido e sentir cada etapa em intensidade máxima.

Mas, e se for dessa forma que o ser dramático resolve suas questões, e segue em frente? Que obrigação temos de ser igualmente racionais, resolvidos, silenciosos e equilibrados?

Quero e exijo o meu direito de ser dramática, de viver minhas novelas mexicanas pessoais, de me despedaçar, emocionar, exagerar, decepcionar.

Quero acima de tudo, o direito de lidar com o que me chega, do jeito que sei, para aprender a transformar os dramas em êxitos, caminhos e soluções. E que cada um faça do seu jeito!

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