Gente é um bicho complicado

Gente é um bicho complicado

Deveras se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim?
João Guimarães Rosa

“Gente é um bicho complicado”, dizia meu Avô! Vive confuso e arretado…

Às vezes, sorri quando quer chorar e chora em momentos de alegria. Sente-se medroso por pouco, e em situações difíceis, enfrenta um leão com o peito aberto.

Não sabe se vai ou se fica; se guarda o dinheiro ou se gasta com a viagem de seus sonhos. Quando sai quer voltar, se fica quer ir.

Meu Avô sempre repetia: “Eta bicho complicado que é o homem”!
Canta emocionado cantigas de amor, porém pouco oferece desse amor a quem, de fato, diz amar.

Não deseja ir àquela festa, no entanto, fica arrasado por não ter sido convidado. Quer nadar, mas não quer molhar o cabelo, que comer e não engordar, quer brincar na chuva e não se resfriar.

Assovia, canta no chuveiro, põe seu gato no colo e o coça sem parar. Come sem ter fome, compra o que não precisa, faz promessas e não cumpre, liga a T.V. para dormir.

Sente-se cansado quando trabalha, deprime-se quando fica à toa.
Gente é um bicho estranho!

Arrota, boceja, transpira, ronca, tem pedras no rim e coração mole!
Dança, inventa, faz sexo, reza e grita no trânsito…

Ah! Meu querido Avô, gente é um grande paradoxo, isso sim!
É um ser finito sonhando com o infinito…
Tem suas superstições e suas devoções …
Tem corpo e alma…
É besta e santo…
Afeta e é afetado…

Ser gente é ser inacabado, e em travessia!
Isso não explica um pouco nossas incoerências, Vovô?

Sobre guarda-chuvas e seres humanos

Sobre guarda-chuvas e seres humanos

Olhei para baixo e um misto de vertigem e encanto me tomou.
Apesar da chuva forte, a cidade continuava a se movimentar. Ao invés de cabeças, lá de cima, do prédio onde eu estava, a paisagem era tomada por uma gama de guarda-chuvas dos mais diversos, cada qual com estampas e detalhes diferenciados.

Alguns com cores mais fortes, outros não tão chamativos. Uns grandes, outros menores. Alguns já velhinhos e outros novos em folha. Naquele momento fingi que cada guarda-chuvas daqueles era único.

Congele a cena e façamos agora uma simples analogia.

Não seria esse o retrato da humanidade? Por mais que nos percamos em meio a multidão, cada um de nós é único. Isso não é uma tentativa de abastecer nosso egocentrismo, é um fato. Cada sujeito que nesse mundo é jogado tem um conjunto de características genéticas, fenotípicas e subjetivas que o faz único. Somos únicos em nossas estampas, em nossas cores, em nosso tempo.

Não seria esta nossa maior beleza? Lá de cima aquilo me pareceu tão óbvio.

A poesia daquele momento me fascinou, mas logo, logo, com a estiagem da chuva, a concretude da realidade me atingiu em cheio e observei os guarda-chuvas, aos poucos, serem fechados, escondidos e extintos da paisagem.

Imagem de capa: Farah-Gasimzade

Se seu parceiro espia seu celular, termine a relação

Se seu parceiro espia seu celular, termine a relação

Por Patrícia Peyró Jiménez

Bisbilhotar o que seu parceiro faz com outras pessoas nunca foi tão fácil graças às novas tecnologias. A tentação está na forma de um apito do WhatsApp ou numa solicitação de amizade do Facebook; no entanto, cruzar a linha da privacidade é, de fato, ilegal: no ano passado, um juiz na Espanha condenou um homem a dois anos e meio de prisão por bisbilhotar o telefone celular da esposa. Se o respeito pela privacidade do parceiro e a lei não forem suficientes, há outras razões que desaconselham essa prática.

“A curiosidade de conhecer os segredos do parceiro é algo humano e compreensível”, diz Alicia Canabal, do Centro de Pesquisa de Psicologia Aplicada e Psicoterapia (CIPAP) (Madri). Mas, como em tantas áreas da vida, a curiosidade deve ser controlada. “Caso contrário, estaremos falando da falta de confiança em nosso parceiro”, diz. Segundo a psicóloga, quando a espionagem ocorre, é porque “faltam os pilares de uma relação saudável e equilibrada”.

As redes sociais e os mal-entendidos

As redes sociais são um exemplo disso, acrescenta Canabal: “São uma faca de dois gumes, onde podemos começar a fazer suposições de relacionamentos passados que geram maior insegurança, em vez de tranquilizar, que é o suposto objetivo de quem bisbilhota o espaço privado do outro às escondidas”. Também porque poderíamos encontrar mensagens ambíguas que, longe de apaziguar a ansiedade sobre a possível infidelidade do outro, aumentarão nossas incertezas. Em caso de qualquer dúvida, segundo a doutora em psicologia Emma Ribas, “o mais saudável é perguntar diretamente. Se for um parceiro comprometido, tentará esclarecer as dúvidas reforçando a cumplicidade e nutrindo a relação com a confiança”.

Com o Facebook, em particular, é preciso ter muito cuidado, uma vez que se mostrou estar no olho do furacão quando se trata de ciúmes. Um estudo realizado pela Universidade de Roanoke, na Virgínia (EUA), mostrou como a rede social afeta as relações causando ciúmes, especialmente nas mulheres. A pesquisa também observou algumas diferenças entre homens e mulheres na hora de desconfiadamente interpretar sinais como os emoticons presentes nas respostas, que parecem despertar ciúmes principalmente em homens.

“O mais saudável é perguntar diretamente. Se for um parceiro comprometido, tentará esclarecer as dúvidas reforçando a cumplicidade e nutrindo a relação com a confiança” (Ester Ribas, doutora em psicologia)

No caso do celular, homens e mulheres interpretam as mensagens de texto de maneiras muito diferentes. Outra pesquisa realizada por cientistas da Universidade Metropolitana de Cardiff (País de Gales, Reino Unido) apresentou a um grupo de estudantes algumas mensagens imaginárias de dois tipos, de caráter sexual e emocional, para ver como respondiam. Depois de medir de que forma sustentavam os olhares e analisar seus movimentos oculares, concluíram que as mulheres passavam mais tempo olhando mensagens de conteúdo emocional do que as sexuais, justamente o contrário dos estudantes do sexo masculino. Portanto, não estranhe que, diante de uma mesma mensagem, você e seu parceiro tenham uma interpretação diferente que dê origem a um mal-entendido.

De acordo com Ribas, a pessoa que espia nem sempre corresponde ao perfil típico de um ciumento patológico, que é aquele que “busca sinais e persegue ou controla o outro obsessivamente, confundindo amor com posse”. Muitas vezes, responderá a uma realidade. Em seu trabalho diário, observa casos em que “a pessoa está realmente sendo enganada e se vê sem outros recursos para descobrir o que já intui, porque nota de forma objetiva que o parceiro mudou seus hábitos, se esconde para responder mensagens ou mente”.

E o que fazer se recebermos uma mensagem comprometedora, por exemplo, de um colega de trabalho? Não é necessário mostrá-la ao parceiro para provar nossa inocência. “É natural compartilhar nossa intimidade com o parceiro, mas a partir da vontade e espontaneidade”, diz Ribas. “Trata-se de reforçar a cumplicidade, não de alimentar o controle e obsessão que o outro possa ter.”

TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS

Viver grudado é para os siameses. Casais felizes se respeitam como indivíduos.

Viver grudado é para os siameses. Casais felizes se respeitam como indivíduos.

Acho bonito o casal que não se desgruda. Gosto de olhar os amantes que vivem juntos, andam para cima e para baixo agarrados, atados feito gêmeos siameses. Admiro duplas inseparáveis, pares perfeitos e outras aves raras. Sinto alegria por essa gente e faço votos de que seu amor perdure e frutifique. Mas eu confesso, sem orgulho nem tristeza: isso não é para mim, não.

Respeito quem acredita que pouco consegue fazer na vida sem a presença de sua cara-metade, quem não vai a lugar nenhum desacompanhado, quem liga duzentas vezes ao dia para o ser amado, mesmo sabendo que vai encontrá-lo à noite. Respeito. Mas não sobrevivo cinco minutos em situação assim. Eu preciso ficar um pouquinho comigo mesmo. Careço estar sozinho, mesmo estando acompanhado.

Compreendo quem esbraveja “então é melhor não estar com ninguém, pô!”. É o que eu ouço quase sempre, quando conto a minha tese. Entendo quem me olha raivoso e decreta: “assim você vai morrer só” e outras sentenças. Mas eu não acredito em nenhuma delas. Para caminhar ao lado de alguém não é preciso se acorrentar a ele, renunciar ao resto do mundo, repelir tudo o que mais exista e não possa ser vivido em casal. Isso não é respeitar o outro, não. É anular a si mesmo. Abrir mão da individualidade sem a qual o amor não seria possível.

Não, eu não estou defendendo as chamadas “relações abertas”, como um ou outro talvez imagine. Não me interessam triângulos amorosos, orgias emocionais e afins. Nada disso. Eu só acho que a felicidade de um casal reside na preservação dos indivíduos que o formam.

Casais felizes se aceitam como pessoas únicas, indivíduos imperfeitos, seres falhos que não são obrigados a se completar nem a transbordar coisa nenhuma. Apenas se encontram, se admiram, se desejam, se apoiam e seguem adiante como querem. Juntos, sim. Mas não colados, grudados, presos um ao outro o tempo todo feito irmãos xifópagos atados pelos ossos, dividindo os mesmos rins, vivendo com os movimentos comprometidos e a visão limitada.

Esse tipo de amor não me serve, não. Respeito mas rejeito. Viver grudado é para os siameses. Casais felizes se querem livres e fortes como aves afins, ora migrando juntos para outro canto, ora voando sós e sãos, unidos como indivíduos em toda a saúde de seu amor.

A razão diz não, mas eu digo sim!

A razão diz não, mas eu digo sim!

A razão e a emoção são irmãs gêmeas, separadas na maternidade. A razão foi criada por uma governanta alemã. A emoção, por uma atriz mexicana. Ambas têm em comum a tagarelice. Enquanto a emoção é loquaz e eufórica, a razão sussurra reflexões cobertas de censura e recheadas de cautela.

Tem horas que chega a dar um nó na cabeça. A gente não sabe se o melhor é mandar a razão calar a boca e se lançar de uma vez, ou dar um chá de camomila para a emoção e embarcar num “papo cabeça” com a razão. Mas… Sabe, aquela história de ser melhor se arrepender do que fez do que daquilo que não fez?! Então…

Acontece que algumas situações pedem é exatamente isso da gente. Que experimentemos sabores desconhecidos. Ouvi outro dia de um Nutrólogo – estão super em moda os Nutrólogos -, pois então… O cara disse que nascemos com capacidade para sentir 40 mil tipos diferentes de sabor. Caramba! É uma possibilidade infinita de coisas doces, cítricas, salgadas e por que não, até as amarguinhas têm lá o seu charme.

O caso é que essa maravilhosa capacidade de sentir na língua essas inquietantes experiências vai diminuindo ao longo da vida – garantiu o especialista. De acordo com esse mesmo cara, aos 70 anos só conseguimos diferenciar uma variação de 4 mil sabores. Olha só que absurdo!

Imagine então, que falta de bom-senso passar anos da sua vida mastigando, sorvendo e engolindo sempre as mesmas coisas! Nem que seja por uma questão de otimização – otimizar também está super em moda -, que sejamos menos econômicos na hora de variar, certo?

Quer saber? Quebrar a cara faz parte do enredo. Mil vezes viver ralada pelos inevitáveis capotes da vida do que ficar olhando esse parque de diversões de inúmeras possibilidades do lado de fora. Eu quero mais é provar o mundo girando, e escorregando e “gangorreando” e “pula-pulando”.

Pés descalços, afundando na areia úmida e salgada da praia, fazem muito mais sentido do que apertados em sapatos de verniz, com salto agulha e bico fino – pelo menos para mim. Eu, definitivamente não vim ao mundo para fazer uso dessas contenções de livre e espontânea vontade.

Este aqui é um texto de libertação! Só por hoje, eu vou trancar a razão em casa, guardar a chave no decote do meu vestido mais bonito, que eu vou vestir com gosto e ficar bem bonita, para mim mesma. Só por hoje, essa senhora carrancuda não vai me alcançar com seus murmúrios repressores e suas rédeas curtas.

Hoje a emoção me veste, me envolve e me despe. Hoje eu vou dançar na chuva, rir até perder o fôlego e dormir sob as estrelas. Que a vida me encontre assim, sem medo de abraçar as coisas sem cabimento. E que eu faça desse encontro o primeiro de infinitos outros. Dorme em paz senhora razão, a casa é sua! Hoje eu não volto, não! Amanhã… Quem sabe.

Quem é feliz de verdade não se preocupa com a felicidade dos outros

Quem é feliz de verdade não se preocupa com a felicidade dos outros

Sabemos que a maior parte das coisas pode ser conceituada a partir de termos comparativos. No entanto, ainda que façamos isso, pois é uma prática comum ao ser humano, criar condições para que o outro seja prejudicado apenas para que a balança penda para o nosso lado e, assim, possamos nos sentir “melhores”, foge completamente a parte natural que existe nessa prática e assume um caráter negativo e devastador.

Ao buscar entender o porquê de tantas pessoas se preocuparem com as vidas dos outros, comparando-se com as delas, e pior, procurando insistentemente maneiras de se tornarem pessoas com vidas de maior “sucesso” e “felicidade”, só posso concluir que as pessoas que agem desse modo possuem vidas infelizes, de forma que necessitam do apequenamento do outro para que possam “crescer”.

Em outras palavras, quem é feliz de verdade não se preocupa com a felicidade dos outros, já que a raiz da minha felicidade não impede que outras pessoas também possam estar felizes, bem como, o sucesso que estou usufruindo não implica o insucesso e a infelicidade das outras pessoas, até porque felicidade e sucesso não possuem padrões ou receitas.

No entanto, existem pessoas que são incapazes de sorrir com a alegria do outro. São indivíduos que abraçam, dão tapinhas nas costas, quando alguém do seu convívio compartilha de alguma felicidade, e internamente, todavia, escondem todo o narcisismo que os impede de ficar feliz pelo sucesso de alguém alheio ao seu próprio eu.

Dessa forma, busca-se criar mecanismos que minem a felicidade alheia, a fim de que a partir da infelicidade causada no outro, possa-se ser feliz em termos comparativos. Isto é, a felicidade que se desenvolve não possui origem própria, mas sim, no sofrimento, na dor, no insucesso, na tristeza do outro.

Em uma sociedade que combina egoísmo com a obrigação de ser feliz e ter sucesso segundo, obviamente, os padrões determinados, não há de se estranhar que percebamos um mar de estranhos lutando por espaço, uma competitividade de egos querendo engolir outros e se tornar ainda mais inflados.

Entretanto, como disse, isso apenas acentua o grau de infelicidade em que as pessoas se encontram, pois quem está realmente feliz não está minimamente preocupado com a felicidade alheia ou criando maneiras de gozar com o sofrimento do outro.

Quem é feliz está preocupado em gozar da sua felicidade e, assim, não possui tempo para a mediocridade de estragar a alegria de outro rosto. Quem é feliz mesmo, quer que o outro também seja, ao seu modo, do jeito que quiser e lhe der na telha, porque em nada adianta fazer o outro chorar para ter o prazer de possuir um sorriso amargo.

Para aqueles que estão mais preocupados com a felicidade do outro do que com a secura e mesquinhez da sua própria vida, resta apenas o vazio e a desnutrição das suas almas, que de tão vazias, são incapazes de compartilhar um sorriso, porque se for para se preocupar com a vida dos outros, que seja para lhes levar alegria e compartilhar gargalhadas.

Infelizmente nem todos compreendem isso, já que de tão vazias e pobres de espírito, só conseguem escutar o próprio eco dos seus risos amargos.

Eu sei que você fica com medo, mas deixa o amor entrar

Eu sei que você fica com medo, mas deixa o amor entrar

Há um bom tempo venho querendo que saiba de algumas coisas. Não pretendo aqui, depositar uma responsabilidade tardia, ou, mendigar algo que me impeça de seguir em frente. Eu sei que você fica com medo, mas deixa o amor entrar.

Você falou sobre feridas passadas, erros cometidos e toda a ausência residente no adeus. Não imagino ter sido simples desistir dos próprios passos para se jogar no querer de alguém. Sonhos postos de lado, a vontade de desbravar oceanos que esmoreceu entre beijos e, acima de tudo, a dormência dos possíveis conhecimentos. Tantos planos interrompidos por um estar de dois. Pensava que valeria a pena na época, entendo. Afinal, nem todos tiveram a oportunidade de gozar um amor em quatro pernas.

Certo dia, tudo desmoronou. Aprendi a lição – pensou baixinho, como numa espécie de mantra. E o tem repetido, desde então. Você não está errada, moça. Pra ser sincero, acredito ter feito o mesmo um par de vezes. Cansa, né? Abrir a porta, permiti-lo entrar, escolher os cômodos, permanecer durante tantas noites e, numa manhã qualquer, reconhecer que esse dito amor, na verdade era impedimento. Agora, tudo o que você quer é desfrutar da liberdade. Dar asas para a própria companhia, transbordar no tempo que lhe couber, e partir, logo em seguida, rumo ao próximo destino. Porque o mundo é grande demais para o amor ser vestimenta de tamanho único. Você quer, mas na sua medida e nas suas regras. Você não está errada, moça. Mas posso confessar algo?

Acredite quando digo que essas palavras não foram planejadas. E mesmo externando sobre sentimentos, não almejava desvencilhar essa parte do meu coração, correndo o risco de silêncios, contrariedades e reações entristecedoras. Apenas registro o que não consigo disfarçar. De longe ou perto, não sei como aconteceu, tampouco como ficará. Mas abro espaços e abraços.

De repente, pouco sei do amor. Alguns dias, considero-me um principiante nesse navegar impreciso. Seja em suas formas, comportamentos e escolhas, enxergo certo brilho e até contraste. No que diz respeito aos sonhos meus e seus, por que não? Caminhos não necessitam seguir em linha reta para exalarem felicidade.

Façamos as nossas próprias regras. A nossa comunhão de sinceridade, carinho e cumplicidade. E se não alcançarmos o mesmo cruzamento, tudo bem. Eu sei que você tem medo, mas deixa o amor entrar. Chame-o de prepotente, mas nunca covarde. O amor que soma não mensura quereres.

Imagem de capa: Kate Kultsevych, Shutterstock

A paz não é determinada pelo que acontece fora, e sim dentro de você

A paz não é determinada pelo que acontece fora, e sim dentro de você

“A paz não é determinada pelo que está acontecendo em torno de você, mas sim o que está acontecendo dentro de você”. Li isso outro dia e no mesmo instante me lembrei da frase do livro “O Mundo de Sofia”: “O fato de o mar estar calmo na superfície não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas”.

Às vezes o mundo desmorona ao nosso redor mas conseguimos manter a serenidade e sensatez diante das adversidades. Outras vezes, porém, está tudo em ordem, a vida encontrando seu eixo, seu equilíbrio… e nada nos basta.

Assim me vem à lembrança o casamento desfeito de uma conhecida. Após dez anos de uma relação aparentemente perfeita e uma filha pequena, ela desistiu dos planos e preferiu seguir sozinha para buscar a cura de suas inquietações interiores. Disse que o casamento era perfeito, lhe trazia paz e serenidade, mas ela não conseguia sentir essa harmonia dentro de si. O mar estava calmo na superfície, mas nas profundezas algo se agitava. Talvez sozinha ela encontre o que tanto procura. Talvez nunca encontre e perceba tarde demais que perdeu uma grande oportunidade de ser feliz.

O fato é que somos seres inquietos por natureza. Em maior ou menor grau, nosso interior se agita em busca de respostas, em busca de sentido. Em maior ou menor grau, queremos sanar esse vazio que de vez em quando dá as caras em nosso peito.

E é nessas horas, quando não sabemos lidar com essa falta, com esse vazio, que nosso interior se agita. A vida pode estar passando por uma fase boa, de tranquilidade, encontro e paz, e nada nos cala. O interior fala, grita, pede mais respostas. Nesse instante nos tornamos mar agitado nas profundezas e questionamos nossas escolhas até o momento.

Não se trata de tomar um chazinho de camomila pra tudo ficar bem. É preciso abraçar o silêncio. Aceitar que algumas coisas não têm resposta, nem correspondência ou reciprocidade de forma alguma. Mas ainda assim, entender que a vida pode ser muito mais que feijão com arroz. A vida pode ser incrementada com um fundo de panela cheiroso e saboroso, basta a gente estar aberto a tentar e realizar.

Não desistir de si mesmo, não desistir das pessoas que lhe querem bem, não desistir dos barcos que construiu até aqui. Acreditar que não está sozinho, mesmo que sinta muita solidão. Encontrar sentido na oração, na meditação, numa corrida no parque, num texto escrito num caderno antigo. Encontrar respostas cantando, cozinhando, viajando, estudando.

Não desistir da vida que se tem como se ela fosse o único motivo de seu desajuste. Não desistir das pessoas que lhe amam como se elas fossem a única causa da sua falta de sentido.

Muitas vezes muda-se o cenário, muda-se a paisagem, mudam-se os atores… e permanece a inquietação. É preciso descobrir que a falta de paz não está fora, e sim dentro de você. E que enquanto não fizer as pazes com suas profundezas, não deixará de estar desorientado.

Temos um universo externo e também um universo interno. Estar em paz com nosso universo interno é o que determina nossa qualidade de vida.

Essa semana assisti a um filme no Netflix chamado: “Thanks for Sharing”. O enredo conta a história de dependentes que estão tentando se recuperar. Porém, em momentos de extrema frustração, eles se veem tentados a retomar o vício.

Sentimos frustrações pequenas ou grandiosas o tempo todo. É aquela encomenda que esperávamos e não chegou pelo correio, é a resposta no WhatsApp que não veio, é o fim de um casamento que parecia perfeito. Tudo se agiganta dentro da gente e podemos perder a paz. A culpa não está no outro. A culpa não é do correio, do WhatsApp, do fim do casamento. Isso são apenas gatilhos. O que importa é o que você faz quando fazem isso com você. Como você lida com o que não deu certo.

Finalmente, é preciso entender que a chuva não cai somente quando a terra está seca precisando de umidade. A chuva cai no primeiro dia de praia, no momento daquele encontro esperado, na manhã do casamento ao ar livre. E a gente tem que superar. Não fazer tempestades dentro da gente, e sim fazer poesia com as gotas que caem arrastando o vento e colorindo o ar…

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Mas você não tem medo?

Mas você não tem medo?
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Falar que você vai viajar sozinha, sendo mulher, gera centenas de perguntas. De todas elas, a que mais aparece é “Mas você não tem medo?”. Eu nunca sei o que responder quando surge essa pergunta, porque dá medo sim, lógico que dá.

Mas os medos estão aí para serem vencidos.

Maior que o medo, é a sensação de conquista, de que você é capaz.
Não existe sentimento melhor do que chegar no topo de uma montanha na Noruega, ou estar num ônibus no interior da Índia, olhar pro lado e pensar “Eu consegui, e eu consegui sozinha”.

Todas as dificuldades que você passou até agora desaparecem por completo depois desses momentos. Porque nada se compara com a sensação de saber que você não depende de ninguém pra ir atrás dos seus sonhos.

Viajar sozinha é, de alguma forma, um protesto. É ir contra toda essa sociedade machista que quer nos ver presas dentro de casa.
É escutar quieta todo mundo falar que você não consegue, ir lá e conseguir mesmo assim.

Eu viajo sozinha pra mostrar pra todas as mulheres do mundo que, independente do que nos digam, nós podemos sim!

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Cobranças sufocam qualquer relacionamento

Cobranças sufocam qualquer relacionamento

Muitos relacionamentos não dão certo pela cobrança excessiva. Isso porque, muitas vezes, nós queremos encaixar o outro naquilo que sempre idealizamos. Queremos que o outro seja uma cópia exata dos nossos anseios e desejos e, então, tapamos os olhos para ver o outro, não conseguimos apreciar aquilo que difere dos padrões que criamos e deixamos que a magia de algo novo passe por nós sem ao menos contemplar a sua beleza.

Você não irá encontrar alguém perfeito e, provavelmente, se desistir de seu relacionamento por causa das diferenças, é bem provável que, ao se relacionar novamente, encontrará novos problemas. O segredo de um relacionamento feliz é não exigir que o outro mude, é aceitar as diferenças e aprender a lidar com isso. Com o tempo, amadurecemos e sentimos a necessidade de melhorar em prol do relacionamento, pelo simples fato de percebermos que algumas atitudes ferem e que deixar o orgulho de lado é uma ferramenta poderosa.

Qual o problema se você gosta de cappuccino gelado e ele, quente? Se você gosta de ver um filme de romance e ele, de comédia policial? Qual o problema se ele não é daqueles caras que falam “eu te amo” todo dia? Ou que mandam flores para você no seu trabalho?
E se o modo de ele amá-la é passando a maior parte do tempo com você? E se a forma dele demonstrar que a ama é pagar a entrada do cinema daquele filme a que você quer tanto assistir, mesmo ele não estando tão afim assim de ver.

E se o modo dele a amar é pedir para o garçom um suco de laranja antes mesmo de lhe perguntar, porque sabe que é o seu preferido. E daí que ele gosta de jogar vídeo game aos domingos, ou de jogar futebol com os amigos? E daí que ele às vezes é meio esquecido? E se a maneira dele a amar é preparar um jantar a dois em casa mesmo, sair com você num sábado à noite qualquer para tomar um sorvete, perguntar aos amigos se pode levar a namorada ao churrasco da faculdade e fazer questão da sua companhia sempre.

Talvez a forma de ele amá-la seja pensando em você o dia todo no trabalho e falar de você para a família em tom de admiração. Ele pode não postar fotos com legendas bonitinhas e não mandar aqueles textos enormes no Facebook para todo mundo ver, pois talvez ele seja um pouco desligado com redes sociais e não comente em todas as suas fotos.

Mas, às vezes, na maioria das vezes, a maneira de ele amá-la é dizendo o quanto você está linda quando acorda com o seu pijama velho e o cabelo desarrumado. Quando deixa aquele bilhetinho despretensioso com poucas palavras no seu livro favorito. Talvez a forma de amar você seja dando um beijo na sua testa na frente dos amigos, ou enquanto esperam o elevador.

Às vezes, sufocamos um relacionamento com tantas cobranças, deixamos de valorizar o modo como o outro nos ama por querermos que esse alguém nos ame exatamente como nós amamos. Esquecemos que o amor não é uma teoria singular, não há uma definição única. Amor é algo tão particular, que cada um ama do seu jeito e exterioriza o que sente de forma diferente. Não é algo a ser comparado e, quando agimos dessa forma, anulamos o amor que está nas entrelinhas, descartando aquilo que é nobre e sincero.

Precisamos aprender a linguagem do amor do outro, entender que ele nos ama à sua maneira. E, quando a gente entende isso, o amor se torna mais leve, torna-se mais bonito, porque descobrimos que o novo é belo e não assustador como parece. E, então, às vezes, assim sem querer, melhoramos muita coisa em prol do outro, não porque ele nos pede incessantemente, mas porque queremos.

O amor é um aprendizado constante, é uma escolha diária. O amor é simplicidade. Relacionamento baseado em cobranças acaba se desgastando e o amor perde a sua leveza. Precisamos saber reconhecer o novo – e temos dificuldade de aceitar isso -, valorizando a pessoa com quem nos relacionamos. Lidar com as diferenças exige maturidade e não é uma tarefa fácil. Entretanto, nem só o amor sustenta um relacionamento, mas o modo como escolhemos nos relacionar sustenta o amor, contorna as dificuldades e suporta as tempestades.

Escutar a risada de quem você ama é uma sensação maravilhosa

Escutar a risada de quem você ama é uma sensação maravilhosa

Por Raquel Brito

Escutar a risada de quem amamos é uma sensação maravilhosa que nos enche de prazer, de alegria e de satisfação. Quem não conhece essa sensação que nos faz ficar abobalhados olhando nossos seres queridos apreciando o momento?

Quem nunca pensou: “Que falta lhe fazia um instante de alegria”? Em nosso rosto existem rugas que são criadas para armazenar nelas o mistério da beleza do tempo e as alegrias que vivemos durante anos.

Sorrisos e bons momentos que marcam os cantos do lábios e pregam nossos olhos, nos limpam a visão e nos inundam de um bem-estar nobre e sereno. Aí onde repousam nossos sorrisos se percebe o quão ilimitada é nossa capacidade de sentir, de aceitar e de aproveitar nossas emoções.

Se vamos criar rugas, que seja de tanto dar risada

Quando valorizamos o presente devemos ter em mente que ele é constituído a partir das sementes que plantamos no passado. Por isso não podemos voltar no calendário, e é importante transformar o momento presente numa boa base para o futuro.

Por isso, visto que não podemos viver em plenitude sem tomar cuidado e aproveitar diariamente,somos responsáveis por lidar com as guerras que surgem e contrapor sentimentos e emoções positivas que nos permitem administrar os momento difíceis.

Neste sentido, o importante não é tanto adicionar anos à vida, mas sim vida aos anos. Sentir a felicidade daqueles que amamos é bonito justamente por isso, pois implica encher nossa mochila emocional de alívio, de bons momentos e de liberação.

Quando alguém sorri seu coração deixa de murchar

Depois de momentos de fatalidade emocional uma boa gargalhada desbota o mal-estar e desbloqueia o caminho para a prosperidade. Dessa sensação de placidez mental própria pela felicidade alheia surgem nossas endorfinas, potentes catalisadores dos bons sentimentos.

Rir e sentir que os outros também podem fazê-lo são atos que funcionam como verdadeiro oxigênio psicológico para nosso cérebro. Porque a vida depois de uma boa risada assume outra cor, deixando a mente mais clara e com menos bloqueios.

O estresse desaparece por alguns instantes e as dores são menos intensas quando maquiamos nossa vida com alegria. Conseguimos neutralizar o efeito dos nossos hormônios do estresse (por exemplo, o cortisol) e reduzimos nossos sentimentos e pensamentos negativos desnecessários que nos impedem de seguir em frente.

TEXTO ORIGINAL DE A MENTE É MARAVILHOSA

Quem precisa de segunda chance é porque não deu valor na primeira…

Quem precisa de segunda chance é porque não deu valor na primeira…
Sunrise silouettes of two inlove young people

Vamos aos fatos: você já vivenciou ou conhece alguém que precisou de segundas, terceiras e quartas chances para provar que não merecia nem a primeira.

O ser humano tem dentro de si um poder de recuperação muito forte e, em nome disso, prefere a dor à renúncia. O medo de escutar da consciência “você deveria ter tentado” faz com que pessoas sensatas percam sua sabedoria em segundos e desperdiçam seu tempo, sua saúde e sua paciência em relacionamentos fracassados.

Certa vez li um texto de Caio Fernando Abreu que me fez refletir por anos : “Não existem segundas chances, porque nada volta a ser como era antes. Depois que algo é quebrado sempre vão existir marcas que vão provar que algo esteve errado. Não existem segundas chances quando um coração é magoado. Não existem outras oportunidades para algo que se deixou passar.” E é bem assim mesmo!

Acredito que deva existir relacionamentos que tenham dado certo na segunda vez e que, essas histórias, serviriam de roteiros para filmes de sessão da tarde, mas o preço pago para voltar a ter confiança, é muito alto.

Quando começamos um relacionamento é porque depositamos no outro uma confiança plena. Abrimos nossa vida, nossa alma e nosso melhor para quem julgávamos merecer. Quando esse relacionamento termina, é porque um dos dois não estava inteiro na relação. E o que te faz acreditar que depois de terminar, ficaria? Isso é uma questão de lógica. Dar valor depois que perde é para amadores, adultos gostam de profissionais, que dão valor na primeira e fazem tudo acontecer de verdade.

Olhem para o tempo: não resta muito. E perder tempo com quem já errou uma, duas ou três vezes é assinar um termo de anulação dos próprios sentimentos e de incapacidade para administrar a própria vida. É sofrer até se convencer de que o seu valor não está nas mãos do outro e que, que quando te deixam partir, é porque você não era a primeira opção. Perdoar é uma coisa. Ficar em um relacionamento menos estável que um ioiô é outra.

Entenda que pessoas que, realmente, mereceriam segundas chances nunca a usam. Elas valorizam a primeira…

Aos que não precisam mais de mim

Aos que não precisam mais de mim

Dia desses, enquanto eu andava pela cidade, pela primeira vez em minha vida eu não me senti velha. Não me sentia senhora de nada, nem de ninguém. Não devia respeito ou satisfação. Parei no meio do caos de pessoas surfando suas vidas no passeio, rendendo-me aos tropeços de quem passava e sentia pressa. Entreguei-me ao vazio do céu urbano ferido por edifícios. Parei. E, pela primeira vez, não pedi desculpas, mesmo obstruindo o transito de passantes e pedintes apressados ou entristecidos. Pela primeira vez me senti senhora de mim.

Libertei meu corpo que vivia aprisionado na cozinha, no quarto, na sala de jantar – dos cômodos esvaziados com os anos. Da solidão fedida da pele cedendo. Dos anos perdidos nos sonhos de família. Descobri que cada ano meu tinha 365 dias especiais, não só natal e réveillon, não só celebrações de casamentos e nascimentos. Lembrei-me das pérolas guardadas na caixinha de música da mocidade, dizia Horácio em nosso primeiro encontro que eu era mais linda que elas. Corri para casa, arrebentei o cordão, lancei-as ao espaço. Eram lindas, mais lindas do que eu jamais fui! Mais me valeu o deleite de vê-las quicar pelo chão do que as palavras do amante amortecidas pela realidade do tempo.

Tão logo entrei pela porta e concluí o meu primeiro ato de revolta, saí novamente. Fui à loja de construções. Pintei as paredes de cor-de-rosa, como sempre quis. Veloz como um menino, como uma menina levada, pervertendo as memórias indesejadas. Desejando. Convidei trabalhadores a desmontarem os quartos intocáveis. Troquei os móveis. Fiz mil planos para o futuro breve que me aguarda, mesmo que nesta fase da vida, a morte esteja sempre a porta.

Mas hoje, eu posso sonhar. Como nunca pude enquanto ficava entre prover, alimentar, cuidar, levar, buscar, suportar. Aquela doce vida de dona de casa que eu aprendi a amar ainda na juventude.

Vocês sabem, eu fui de bom grado ao casamento, sem amor, deixando-o nas páginas marcadas dos livros, escondidos, que me levavam noite adentro por universos pecaminosos, enquanto Horácio explicitava seus pecados pelas noitadas afora. Quando um choro rompia do berço, eu fingia que era meu, assim podia conter minhas lágrimas emprestadas nas suas. Minha febre alugada pelas suas viroses. Minha cólera embutida nas suas dores. Eu na carruagem da vida, vocês minhas amadas rodas, Horácio guiando os cavalos, até que, cada um para seu lado, eu fiquei só e perdida, observando a decomposição da madeira curtida, até não poder mais suportar as picadas dos cupins que infestavam a lembrança apodrecida.

Divorciada aos 55, eu que sonhava em completar as bodas de ouro… Não via sentido. Foi revolta o que me tomou, bile amarga insuportável chata, dessas que nos transformam em cobra e destilam veneno em cada palavra. Não pedirei perdão por sofrer amargamente após perder toda a minha juventude cultivando algo que não era nada para ninguém a não ser para mim. Sei que não fiquei solitária pelos caprichos poucos dos anos que sobrevieram à separação: quantos vejo que cuidaram, dedicaram, abrandaram as fogueiras até esgotarem suas últimas forças e agora estão abandonados em suas doenças, em suas loucuras, em suas jaulas solitárias de velhice. A nós, a ninguém, não deveria jamais ser privada a vida.

Agradeço, no entanto, o abandono que me libertou. Podem dizer que estou sendo dramática, e estou, agora eu posso ser o que quero ser e não preciso mais ser o melhor do que me ensinaram que eu deveria ser. Sem minhas rodas ou guia eu ando e sinto o chão. Sem grandes expectativas já não me importo com os rumos do caminho. Não sei até aonde vou ou até quando poderei ir. Mas sei que meu coração ganhou nova vida, quando ao me olhar no espelho, em vez de ver a opacidade do que em mim se foi, eu via a vitalidade do que em mim nasceu. Das fissuras desenhadas na pele do meu rosto e do meu corpo nasceram sementes, brotaram mudas prontas para crescer no mundo.

Já não tenho nenhuma responsabilidade que me prenda, já não tenho nenhuma moral que me pode. Podo-me das folhas adoecidas, das raízes moribundas, expulso as pragas e o peso morto. Cultivo a terra das minhas experiências com o adubo do amor, aquele que eu pensei que havia perdido nas páginas dos livros, mas que encontrei quando me olhei no espelho, olhei bem fundo nos olhos, e vi um brilho tímido, que nunca saiu pela porta, que nunca se permitiu libertar diante de todo o pudor que me cercou desde o primeiro choro – aposto que até ao nascer eu fui discreta. Até eu perceber que eu era, o que só aconteceu há tão pouco.

Vocês me criticam agora, dizendo que eu estou velha para isso. Mesmo que a Horácio não dirijam palavra alguma que questionem sua vida de “jovem guarda”. Eu sofria calada e quase desisti. Mas eu vi que o meu corpo já não pertencia à sala, aos quartos, à cozinha ou ao jardim. Meu corpo jardim, meu quarto, nutre todo o alimento que preciso, faz sala à vida que chega. Meu corpo inteiro: meu! Eu aprendi: com a terapeuta mesma que vocês indicaram. E hoje dou gargalhadas ao receber pedradas daqueles de quem limpei a bunda branca suja de merda e lhes troquei a frauda sempre pontual, e mostrei-me tão boa e correta, conforme o bom e o correto que aprendi que assim o eram, que acreditaram muito mesmo nisso como verdade única.

Não entenderam que era por vocês. Apenas por vocês. Não era o que eu era. Se devo pedir perdão por algum erro é por ter sido tão boa e tão boba, é por ter me esforçado tanto em ser “completa” que pequei no zelo de afeto e de trato, sem me atentar à falta que fazia a falta. Aquela falta que faria com que vocês entendessem que a mamãe é mulher. Mas nem por isso perdão eu peço, pois Horácio nisso não me ajudava e eu não era obrigada a descobrir sozinha tão depressa. E se o fizesse, talvez, hoje fossem vocês cheios de estigmas, carregados das marcas das pedras alheias.

Eu vou seguindo meu fluxo, meu caminho. Não pretendo terminar minha vida ensaiando posar para o caixão. Acostumem-se com isso. O meu casamento é só o início. Mas, tragam caretas ou sorrisos, é com amor e carinho que as paredes cor-de-rosa os esperam para o papo e para o vinho. Aos solteiros, saibam, ainda jogarei um belo buquê.

Eu insisto que venham, eu insisto que se descontruam. Sabem por quê? Vocês, meus anjinhos, sempre serão bebês em meu coração. Só que demonstraram tão bem, inclusive pelo sumiço, que não precisam mais de mãe, que a mãe se foi pelo precipício. Se ainda houver tempo, quem sabe, poderemos ser mais, ser mais do que mãe e filhos: poderemos ser amigos.

Nós, os hipersensíveis

Nós, os hipersensíveis

Sentimentos exacerbados, dores amplificadas, mente borbulhante, angústia com o que não lhe diz respeito, intuição aguçada, espontaneidade inocente. Talvez você também seja um hipersensível.

Para um hipersensível, diagnosticar-se como tal é algo muito importante. Na verdade, um divisor de águas. Enfim, começamos a nos entender. Não somos exagerados, mimados ou dramáticos, como quase nos fizeram acreditar. Somos dotados de uma característica peculiar e determinante, a qual, por não podermos abrir mão, é necessário que aprendamos a manejar da melhor forma possível.

Mesmo com o passar do tempo, é difícil chegarmos a uma conclusão exata de quanto da hipersensibilidade é “defeito” (negativo) e do quanto é “qualidade” (positivo). Mas, é o que nos adjetiva, nos compõe, nos impulsiona. É, de nós, inerente, irretocável e intransferível. Resta-nos aceitá-la.

Em razão da sensibilidade exacerbada, a dor, para nós, é – de fato – muito mais intensa. Tanto a física, quanto a emocional. A recuperação de uma cirurgia é muito mais penosa e demorada, por exemplo. Os exercícios físicos nos desgastam mais que aos demais. Alguns procedimentos estéticos são um tanto doloridos para nós. Uma gripe tem o poder de nos incapacitar. Entendemos, então, que não podemos servir de parâmetro para muita coisa.

Os sentimentos, da mesma forma, são elevados ao cubo. Efetivamente, uma “brincadeira-verdade” pode nos fazer sentir muito mal. Indiferenças nos entristecem bastante. Grosserias nos destroem. Outrossim, Barulhos excessivos afetam bastante os que sentem demais. Podemos ficar desconcertados com músicas muito altas, máquinas trabalhando ou pessoas gritando.

Muitas coisas que podem não ter grande relevância para a maioria das pessoas, para nós são essenciais, e seria interessante que os que conosco convivem soubessem medir as palavras usadas, lembrar datas marcantes, atentar ao tom de voz, evitar “zoadas-inocentes”, repetir declarações, evitar estressores desnecessários.

Evitamos conflitos ao máximo. Não apenas os que nos envolvem, mas qualquer conflito. Presenciar uma agressão entre estranhos, por exemplo, pode nos fazer sentir muito mal, mesmo. Sentimos os golpes quase como se fossem dados em nós.
Inclusive, qualquer espécie de constrangimento, para nós, reflete-se de forma exacerbada. Presenciar uma pessoa sendo colocada numa saia justa, ou sendo xingada, exemplificamente, nos deixa desconfortáveis também. Os evitamos, então, a todo custo.

Presenciar injustiças nos faz estremecer. Podemos não ter nenhuma relação com a situação, mas não conseguimos nos manter neutros. Se, por alguma razão, não nos envolvermos – de fato – no ocorrido, certamente ficaremos com aquilo “matutando” por tempos dentro do nosso ser.

Empatia também é uma palavra que nos define. Moradores de rua, crianças carentes e pessoas doentes nos fazem murchar. Ver um animalzinho morrer pode acabar com o nosso dia. Até mesmo as tristes e violentas histórias passadas cotidianamente nos noticiários nos fazem muito mal. Melhor manter distância.

O sofrimento alheio nos atinge diretamente. Faz doer nosso coração. Queremos ajudar a todos que vemos necessitar. Não entendemos como podemos viver leve e alegremente em um mundo onde muitos estão passando por grandes dificuldades, das mais diversas ordens. Nossa compaixão, desta forma, é imensa. Às vezes, pode até nos causar transtornos.

Temos a vantagem, por outro lado, de ficarmos bem quando sozinhos. Na verdade, um pouco de solidão é essencial para um hipersensível. Precisamos acalmar a mente, colocar a casa em ordem, dar uma aliviada. O silêncio, nesse ponto, é fundamental.

Expressamos nossos sentimentos com mais facilidade do que os demais. Se estamos tristes ou emocionados, chorar não é problema. Aliás, choramos bastante, às vezes até sem saber exatamente por quê. Talvez, excesso de informação (que nos embaralha, diga-se de passagem). É um alívio, enfim. Uma forma de extravasar o que não cabe mais dentro de nós.

Contudo, também rimos sem fazer cerimônia. Quando algo é engraçado, divertido ou excitante, ora, não vemos porque reprimir nosso sentimento. Somos espontâneos. Nos envolvemos e nos empolgamos com facilidade. Às vezes passamos por inocentes demais.

Também somos intuitivos e, não raro, captamos emoções e sensações dos ambientes. Sentimos quando não somos bem vindos, quando a situação é forçada, quando a intenção não é tão boa assim. Deveriam dar mais crédito aos nossos insights.

Um dos pontos negativos, outrossim, é não esquecermos tão fácil as coisas. Temos uma boa memória. Lembramos por tempos humilhações, desfeitas, indelicadezas, desconsiderações. Não que as fiquemos remoendo, mas, em algum momento, sua ocorrência será recordada (ainda que não necessariamente manifestada).

Somos pensadores profundos. Nossa mente, efetivamente, borbulha (ainda que saibamos que isso nos consome). Procuramos explicações, soluções, inovações. O comportamento humano nos fascina. A dinâmica da vida – e da morte -, igualmente. Vivemos tentando entender o mundo. Buscar o sentido das coisas. Encontrarmo-nos. Conhecermo-nos. Desenvolvermo-nos.

Apreciamos as sutilezas. Um céu estrelado. Um toque leve na nossa mão. Um aroma que surge inesperadamente no ar. Um por do sol multicolorido. Um som que toca o nosso coração. Um poema que parece nos traduzir. Um olhar que nos desnuda. Tudo isso nos fascina.

É trabalhoso. É sofrível. É, muitas vezes, exaustivo. Mas é gostoso. É encantador. Na verdade, essencial. Não saberíamos viver de outra forma, com outra intensidade. Nosso tom é esse. A hipersensibilidade.

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