A lágrima mais pesada é aquela que ninguém vê

A lágrima mais pesada é aquela que ninguém vê

Imagem de capa: Juta, Shutterstock

Ainda que tenhamos alguém com quem possamos compartilhar os nossos pesares, as lágrimas mais amargas serão aquelas que cairão enquanto estivermos sozinhos, enfrentando solitários a luta contra os nossos próprios fantasmas, na solidão das noites sem fim.

Embora seja prudente sabermos a quem poderemos confessar nossas fraquezas e mostrar toda dor que pesa dentro de nós, segurar-se, reter em si toda e qualquer tristeza, temendo a exposição do que se sente, é por demais prejudicial aos nossos sentimentos. Tudo o que se avoluma além do suportável acaba eclodindo de maneira desequilibrada, seja na forma de somatizações, de explosões de fúria, seja no fechamento cada vez mais doído dentro de nossa própria escuridão.

Todos passamos por fases em que a tristeza parece pontuar a maior parte dos dias, por razões externas, como a morte de um ente querido ou um divórcio, por exemplo, ou por razões íntimas, quando nos sentimos desanimados, menos gente do que todo mundo, sem nem mesmo saber por quê. Adentrar por entre as tempestades internas é um dos preços que pagamos por podermos refletir, analisar o mundo, abstrair e sentir o que nos rodeia ao nosso modo.

Somos uma carga ambulante de sentimentos vários, de hormônios, de sentidos, de memórias, ou seja, carregamos as bagagens emocionais por onde estivermos, digerindo-as de acordo com nossa forma de encarar as coisas. Cada pessoa sente de maneira distinta e, por isso, um mesmo evento deixa marcas diferentes em cada pessoa que o vivenciou. Ninguém sai igual dos lugares por onde passa; nosso eu se transforma a cada dia, num ritmo pessoal, próprio e intransferível.

Por essa razão, não se pode esperar que alguém sinta e enxergue o mundo exatamente como se espera, pois as nossas reações são só nossas e de ninguém mais. Alguns se demoram longamente no luto do que e de quem se foi; outros precisam de menos tempo para se reerguer. Alguns externam a tristeza sem contenção alguma; outros se privam de compartilhar suas lágrimas. Não existe certo e errado na dor, existe tristeza e necessidade de empatia por parte de quem está ao lado.

No entanto, ainda que tenhamos alguém com quem possamos compartilhar os nossos pesares, as lágrimas mais amargas serão aquelas que cairão enquanto estivermos sozinhos, enfrentando solitários a luta contra os nossos próprios fantasmas, na solidão das noites sem fim das tempestades que parecem varrer de nós qualquer resquício de esperança.

E é assim, e é por isso mesmo, que conseguiremos reunir forças para sair dali, em direção ao novo, ao sol que nasce, ao sonho que renasce, aos encontros mágicos que nos aguardam, ao amor que sempre se aninha em nossos corações. Porque fomos feitos para sobreviver, para resistir, para durar, enquanto vida houver em nós, enquanto vidas estiverem pulsando ao nosso redor.

A Insustentável Leveza do TER

A Insustentável Leveza do TER

Imagem de capa: Nejron Photo, Shutterstock

Millôr Fernandes costumava dizer que “O importante é ter sem que o ter te tenha”. Tenho a impressão de que essa frase não se coaduna com o modus vivendi da sociedade contemporânea, de modo que a sua atualização seria em termos baumanianos – “O importante é ter, aparentar ser, mesmo que não seja”. Isto é, dentro da sociedade de consumo há um predomínio quase absoluto da aparência ante a realidade.

A mudança de um cogito, que substitui o indivíduo para em seu lugar colocar coisas, ocorre pelo fato de vivermos em uma sociedade em que o próprio indivíduo é valorado tão somente por aquilo que possui, o que em outras palavras significa dizer que o ser humano também foi transformado em coisa e é comercializado no mercado da personalidade, no qual recebe seu valor não por aquilo que é, e sim, por aquilo que possui e, por conseguinte, aparenta ser.

Sendo assim, devemos considerar que as coisas, nesse prisma, adquirem um valor muito maior do que necessariamente/realmente possuem, o que nos leva a dois conceitos. O primeiro é o fetichismo da mercadoria construído por Marx, em que as coisas passam a transcender o seu valor em si (de uso e de troca) para adquirir uma valoração determinada pela construção social. Ou seja, o olhar social faz com que determinados produtos exerçam conotações que extrapolam o seu real valor, fazendo, consequentemente, que passemos a “querer/desejar” adquirir determinada coisa não por real necessidade e/ou vontade, mas por querer “ter” a aparência que o consumo da coisa determinada produzirá.

Trocando em miúdos, as coisas, os produtos, as mercadorias, colocados na rede do capitalismo, criam um fetiche que seduz os indivíduos a buscarem por meio do consumo a incorporação em personagens que remetam à aparência de vidas felizes e de sucesso, ainda que internamente não haja qualquer tipo de felicidade, tampouco, sucesso.

Sendo assim, a partir do fetichismo da mercadoria as coisas são personificadas e as pessoas são coisificadas, recebendo os rótulos dos seus preços, os quais devem estar bastante aparentes nas prateleiras. Esse mecanismo nos leva ao segundo conceito, a saber, o de hiper-realidade, construído por Jean Baudrillard, filósofo francês. Para ele, as coisas são ressignificadas a partir da perspectiva de quem olha. Isto é, nós (sociedade) passamos a exercer um juízo significante em relação às coisas, de modo que haja uma supressão do valor real do próprio ser e em seu lugar seja erigido o valor das coisas, obviamente, com seus novos valores sígnicos.

Em um mundo marcado pela aparência e superficialidade, não há de se estranhar que o homem prefira despir-se de si para buscar por todos os meios se tornar alguém que não é, mera aparência frágil de imagens determinadas pelos detentores do poder, preocupados tão somente em criar um exército de pessoas completamente iguais em sua superficialidade débil.

Diante disso, parece-me que na medida em que preferimos viver em um mundo de aparências, esquecemo-nos que os outros também usam máscaras, e que entre o abrir e o fechar da cortina, a vida tornou-se completamente um grande teatro, em que os atores secundários são homens desumanizados admirando a excelência do protagonismo de coisas heroificadas (fetichizadas e ressignificadas), enquanto o público, igualmente desumanizado, aplaude, sem qualquer preocupação com a fragilidade com o que somos, mesmo que, por trás de todo aparato mercadológico, se esconda a real aparência da insustentável leveza do ter.

Tem gente que só soma quando some

Tem gente que só soma quando some

Imagem de capa: A. and I. Kruk, Shutterstock

Sempre haverá quem vem para somar junto e quem parece somar somente quando estiver a quilômetros de distância.

Seria ótimo se pudéssemos sempre conviver com pessoas agradáveis, de bom humor, otimistas e éticas, mas não. Somos obrigados a ter que dividir espaços com indivíduos desagradáveis, mal educados, mal amados, pessimistas e ardilosos. Impossível conseguir atravessar a jornada da vida somente na companhia de gente do bem, portanto, os momentos junto ao pessoal divertido devem ser aqueles que carregaremos dentro de nós.

Evite guardar dentro de si o que vem de quem não gosta de ninguém, tampouco dele mesmo. Muitas pessoas sentem-se tão pequenas, tão nada, possuem uma autoestima ínfima e, dentro de sua lógica estúpida, decidem diminuir qualquer um que estiver ao seu lado. Dessa forma, pensam compensar o quão menosprezíveis se sentem, tentando retirar de si a atenção das pessoas, ridicularizando o vizinho.

Da mesma forma, alguns indivíduos acham que são incompetentes, não possuem segurança quanto ao próprio potencial. Com isso, não se furtarão a tentar atacar o potencial do outro, a quem inveja, a quem quer destruir. Na cabecinha maquiavélica dessas pessoas, é necessário que o outro seja criticado para que o trabalho delas se valorize; é preciso que o outro falhe, não consiga, para que essas pessoas precisem aparecer.

Não dê atenção a quem só sabe abrir a boca para criticar os colegas, os conhecidos, os sócios, a família, o mundo enfim. A quem não possui a mínima capacidade de enxergar qualquer resquício positivo nas ações e no modo de ser de ninguém, enquanto destila suas maldades com ares de inocência e com a voz lânguida. Muitas pessoas que sempre estão calmas não passam de ótimos atores, pois, por dentro, ruminam um ódio inexplicável por todos à sua volta.

Inevitavelmente, acabaremos, muitas vezes, carregando as palavras desanimadoras de gente maldosa, enquanto nos esquecemos das palavras amigas daqueles que jamais desistirão de nós. Cabe-nos, portanto, tentar gravar dentro de nossos corações todo o conforto animador que virá daqueles que gostam de nós com verdade e fidelidade, deletando instantaneamente qualquer palpite infeliz daqueles que não servem para nada, que fazem um bem tremendo exatamente quando não estão presentes.

Porque sempre haverá quem vem para somar junto e quem parece somar somente quando estiver a quilômetros de distância. E lembre-se: gente do bem compensará cada aborrecimento enfrentado com gente besta e inútil. É a vida.

É preciso dizer adeus ao que te faz sofrer

É preciso dizer adeus ao que te faz sofrer

Imagem de capa: KieferPix, Shutterstock

Algum lugar do mundo, 04 de janeiro de 2017.

Talvez você esteja numa daquelas fases em que não vê saída. Você se sente dentro de um buraco, com o mundo em volta espremendo-o e sufocando-o. Não bastasse isso, a noite cai. Começa a chover e trovejar. Morcegos aparecem. O frio dentro e fora da alma só aumenta. Todos parecem mais felizes que você.

Não deve ser a primeira vez que se sente assim. Você já esteve em outros buracos antes e conseguiu escapar. Mas não consegue se recordar como. Nem ao menos se lembra de como entrou neste, mas está fundo. E grita por alguém ou algo que o salve novamente, uma escada, uma corda… Implora. Crava todas suas unhas na parede e tenta subir com muito esforço, mas cai a cada tentativa. Quão frustrante isso é? Quantas chuvas ainda terá que suportar? Qual é o tamanho da sua solidão? A boa notícia é que você nunca foi salvo por nada nem ninguém. Você apenas deixou morrer aquilo que o prendia nos antigos buracos.

Mas, e quanto a curar-se ao invés de morrer? Sim, alguns aspectos de nós podem realmente serem curados, transmutados. Porém, há muitos outros, profundos, que precisam efetivamente morrer para que algo novo nasça. Deixaram de receber sangue faz tempo e gangrenaram. Não há mais recuperação. Se não forem cortados, corremos o risco de perder até mesmos nossas partes sadias. E, então, entramos nestes vales profundos da alma, em covas interiores, e lutamos muito para sair, porém, não o podemos antes de soltarmos o lado expirado de nós.

Por mais estranho que pareça, somos apegados ao nosso sofrimento. Por mais que ele nos castigue, mesmo que doloroso, ele ainda ocupa um grande espaço na nossa vida. E, se tem algo que assusta o bicho homem mais do que a dor, é o vazio.

Então, quando precisamos soltar algum destes estimados aspectos, para caminharmos em direção ao nosso verdadeiro eu, existe um luto. Por aquela dor tão profunda e que tanto nos fez companhia. Que, apesar de pesada, estava lá em nossos ombros, quando ninguém mais restara. Por isso, cada vez que cair em um buraco e sentir que sua luta pela fuga está sendo em vão, reflita se, no fundo, não está lutando contra sua própria identificação com o que lhe dói.

Há quanto tempo você carrega este aspecto em putrefação? O quanto ele já lhe fez companhia? Consegue se imaginar sem ele? O quanto você já se descreveu baseado nessa dor (e fez questão de pontuar o quanto ela era grande em você)? Sobre o que conversará? De onde conseguirá atenção? Quem é você, além disso tudo? O que fica, então?

Perceba o espaço vazio que a falta desse sentimento/hábito deixaria em sua vida. E se algo bom e belo pudesse ocupar o seu lugar? Você sente dó de trocá-lo, após tanto tempo que passaram juntos? Você chega até mesmo a pensar que não merece viver sem sua dor. Como um relacionamento abusivo consigo mesmo. Sim, é difícil terminar esse relacionamento. Não há limites para nossa carência.

É preciso morrer por dentro constantemente. De tempos em tempos, caímos em buracos. Existem muitos aspectos a serem deixados. A boa notícia é que eles aparecem apenas quando já somos capazes de lhes dizer adeus. É como trocar de pele ou perder um dente de leite. Não são tempos fáceis, eu sei. Mas vamos aprendendo a dizer “até nunca mais” cada vez mais rápido. E, assim, ficamos mais leves e flutuamos até a superfície.

Lembre-se apenas de que nunca é fora. Não importa o malabarismo que esteja fazendo, a única coisa necessária é deixar ir. Liberte-se. Deixe que sua dor morra. Arranque a erva daninha. Encare o vazio e renasça. Existe um mundo de novas possibilidades fora desse buraco. Há tantas surpresas lindas nos esperando. Porém, o novo só pode vir após o vazio. E o vazio, somente após a morte do velho. Respire e deixe ir.

Não era preguiça! As inúmeras e traiçoeiras facetas da depressão.

Não era preguiça! As inúmeras e traiçoeiras facetas da depressão.

A fadiga, ou falta de energia para envolver-se com as mais diversas atividades, pode ser um sinal de que algo não está funcionando como deveria no seu cérebro. E, aquela vontade de ficar na cama, que o impede de cumprir com seus compromissos, pode estar camuflando um sintoma de depressão.

Preguiçoso é aquele que demonstra uma baixa determinação para vencer a inércia, física ou mental, para tomar iniciativas ou realizar tarefas. Preguiçosos costumam desenvolver estratégias que os beneficiam, em detrimento do esforço alheio. Preguiçosos são capazes de aperfeiçoar metodologias que lhes garantam um lugar confortável, de onde possam dar ordens ou coordenar o trabalho daqueles que se dispõem a atender-lhes as demandas.

A lei do menor esforço é o cartaz de campanha dos preguiçosos. Diante de uma tarefa a eles confiada, os preguiçosos revelam inventivas maneiras de alcançar resultados – e neste caso esqueça a perfeição -, num espaço menor de tempo e com utilização de energia de trabalho reduzida.

Então, quer dizer que os preguiçosos podem revelar-se eficientes diante de desafios complicados? A resposta é: Sim! Os preguiçosos compensam a falta de disposição para o trabalho duro com estratégias mais simplificadas na resolução de encrencas e na dissolução de nós cegos. Só não vá esperando que o cara tome a iniciativa. Para isso, os preguiçosos são uma verdadeira negação.

Acontece que, o indivíduo deprimido pode, entre outros sintomas, apresentar uma considerável queda na energia para o trabalho. A depressão é responsável por sofrimentos colaterais físicos que vão desde dores generalizadas pelo corpo, até uma total ausência de interesse pelo mundo ao redor.

A diferença entre um deprimido prostrado e um preguiçoso contumaz é que a baixa energia causada pela doença interfere, inclusive, em atividades que nada têm a ver com o trabalho ou a aplicação da disciplina, do comprometimento ou da responsabilidade.

A prostração decorrente de um quadro depressivo, cobre a vítima com um manto de ferro e névoa. O cérebro de uma pessoa deprimida pode, entre outras coisas, estar sendo privado da produção adequada de Dopamina.

A dopamina é um neurotransmissor cuja importantíssima missão é controlar os movimentos, a motivação e a cognição. A baixa produção desse elemento químico, compromete a ação do Sistema Nervoso Central, causando desinteresse pela vida e impedindo a pessoa de ter prazer na realização de tarefas, contatos sociais e até mesmo em cuidar de si mesmo.

Todos nós, em algum momento do dia, estamos sujeitos a sentir “aquela preguicinha boa”. Sabe, aquela moleza gostosa no final de um dia de trabalho, ou mesmo depois da praia ou de uma festinha com os amigos? Essa sensação de querer ficar um pouco à toa é absolutamente normal. A bem da verdade, um pouco de ócio é fundamental para que corpo, alma e mente tenham o direito de relaxar e diminuir o ritmo. É saudável essa molezinha!

Acontece, que a lentificação e a falta de energia causadas pela depressão não passam nem perto de ser uma escolha. Enquanto o preguiçoso faz de seu comportamento um aliado para se dar bem, aqueles que lutam para sair da cama porque estão deprimidos, não têm nenhum recurso estratégico para dar conta de tamanho abatimento.

A falta de motivação crônica é doença. É uma das inúmeras e traiçoeiras facetas da depressão. Pode levar indivíduos altamente responsáveis, produtivos, honestos e inteligentes a se sentirem reféns de sua própria cama.

E, como em tudo na vida, é preciso usar o bom e velho bom-senso. Olhar para si mesmo e para os demais como seres falíveis e passíveis desses “pequenos pecados” ou desses terríveis e cada vez mais frequentes distúrbios de humor e comportamento. Antes de sair julgando – a si mesmo, a um colega, ou familiar – não custa dar um passinho atrás. Na dúvida, tente ouvir, acolher e compreender. Algumas vezes é só isso que falta para enxergar além das aparências.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “O amor não tira férias”

A mulher da minha vida

A mulher da minha vida

Imagem de capa: Protasov AN, Shutterstock

A mulher da minha vida tem tanto defeitos quanto qualidades. Para ela, não há esforços a serem medidos na hora de estar presente para quem quer que seja. O seu coração é tão grande que mal cabe em palavras. É uma mulher que não foge aos desafios da vida, pois tem vocação para liberdade.

A mulher da minha vida me deu de tudo um pouco. Me ensinou lições que não podem ser aprendidas em livros e salas de aula. Com cuidado, afeto e até um pouco de rigidez, ela transpareceu ensinamentos valiosos para uma vida inteira. Algumas foram sobre gentilezas, outras sobre justiça. Mas também sobre perdão, amor, felicidade, tristeza, ódio e mais um punhado de sentimentos que vamos tomando conhecimento ao longo dos anos, mas que sem uma direção apropriada, acabamos por colocá-los em quantidades cansativas ao coração. Não porque exista algo de errado conosco, mas porque o mundo, algumas vezes, não pede licença e cobra que tenhamos todas as respostas.

A mulher da minha vida é bonita, independente e não leva desaforo para casa. Ama praia. Ama estar em contato com a natureza. O tempo dela sempre dura mais de 24 horas. Não há limites que a impeçam de realizar algo.

A mulher da minha vida escreve. Escreve os versos mais sinceros e não está nem aí para os clichês dos insensíveis de plantão. Ela é simplicidade na ponta dos dedos.

A mulher da minha vida é, acima de tudo, alguém incomparável.

A mulher da minha vida chegou há tempos, mas continua aqui.

A mulher da minha vida é amor a ser somente amor, todos os dias.

A mulher da minha vida é você, mãe.

Ninguém morre de amor

Ninguém morre de amor

Imagem de capa: Maksim Toome, Shutterstock

Depois de certo tempo você percebe que por mais bonito que seja o amor, ele é vulnerável e pode acabar. Por isso há que se cuidar do amor. Ter cuidado com as palavras, pensamentos e ações. Não permitir que qualquer um se aproxime e possa entrar com seus palpites e soluções. Resguardar a intimidade e relevar os desencantos. Celebrar as alegrias e dissipar o pranto.

Depois de certo tempo e alguma vivência, você também percebe que ninguém morre de amor. Que o fim de uma relação pode doer, machucar, deixar marcas profundas. Mas a gente sobrevive. A gente sobrevive e se torna mais resistente. A gente sobrevive e aprende a buscar novas alternativas para a dor do presente. A gente sobrevive e, com sorte, volta a querer amar de novo.

Ninguém morre de amor. É certo que virão saudades e lembranças, recordações e esperanças, mas é preciso seguir em frente.

E pra seguir em frente é preciso sepultar o amor de antes. Enterrar bem fundo para que não ressuscite com falsas esperanças. Chorar o fim de um tempo, se vestir de luto, encontrar no meio do caos um reduto.

O amor morreu, mas você não. E isso tem que ser o bastante para você querer todas as coisas que lhe fazem sorrir. Pois o que machuca não pode lhe definir. O que magoa, não pode lhe conduzir. O que partiu, não pode lhe destruir.

Ninguém morre de amor e você também não vai morrer. Eu sei que está doendo muito agora e disseram que o tempo cura tudo, mas você sente que não está curando nada. É que cada um tem seu próprio tempo de recuperação, mas ela acontece, mais cedo ou mais tarde, deixando uma cicatriz tão visível quanto foram as lembranças. Uma cicatriz que irá coçar de vez em quando, mas nunca mais irá doer como antes.

Por fim, me lembrei de Caio Fernando Abreu e sua sabedoria. Da frase em que ele diz: “Se algumas pessoas se afastarem de você, não fique triste, é a resposta da oração “livrai-me de todo mal, amém.””

De vez em quando a gente quer “morrer por dentro” porque uma relação chegou ao fim. O que a gente não enxerga são os presentes que a vida nos reserva. Presentes que podem vir da descoberta de que perder alguém foi a melhor coisa que nos aconteceu.

Então sejamos gratos por quem se despede e por quem permanece. Pela oportunidade de sairmos modificados, mas ainda assim inteiros, do fim de uma relação. Pelo dom de superarmos as ausências, faltas e falhas do amor. E pela bênção de aos poucos reconhecermos as mãos de Deus nos livrando de todo mal…

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Tudo o que eu não quero

Tudo o que eu não quero

Imagem de capa: Izabela Magier, Shutterstock

Posso não saber tudo o que eu quero ainda para a minha vida – sei que é muito coisa! -, mas sei exatamente o que eu não quero:

Eu não quero que os meus desencantos com o mundo me tornem uma pessoa triste e apagada.

Eu não quero que o não realizar de alguns sonhos me deixe desmotiva e sem esperanças.

Eu não quero que a rotina me torne “automatizada” e me cegue para as maravilhosas simplicidades da vida.

Eu não quero ser aquela pessoa amargurada que repele as outras pessoas apenas com o seu olhar mal-humorado.

Eu não quero ser aquela pessoa sempre aflita em razão dos graves problemas mundiais, tais como a fome, as guerras e a violência disseminada.

Eu não quero ser aquela pessoa “carregada” por absorver as energias negativas dos outros e se angustiar demais com as dores e mazelas alheias.

Eu não quero ser aquela companheira paranoica com a possibilidade de ser traída, passando a vida a desconfiar de cada olhar do parceiro e vigiar cada um dos seus atos.

Eu não quero ser aquela mãe que transfere para os filhos as suas frustrações com a vida, sendo rude desnecessariamente, ou não suficientemente amorosa.

Eu não quero ser aquela pessoa esgotada emocionalmente e sem energia para nada por não se dar a atenção e reservar o tempo que, induvidosamente, merece só para si.

Eu não quero ser aquela pessoa frustrada por dar demais aos outros e se colocar sempre em segundo (ou terceiro, ou quarto) plano, não sabendo impor limites de forma a se preservar.

Mas também não quero ser aquela pessoa que olha apenas para o próprio umbigo, não sabendo o que é empatia e não tentando contribuir, de alguma forma, com a construção de um mundo melhor para todos.

Eu não quero ser “saco de pancada” de quem quer que seja, sendo aberta demais a ponto de receber todo o “lixo psíquico” alheio.

Eu não quero ser aquela pessoa que não tem amigos de verdade por sempre desconfiar das intenções alheias.

Eu não quero ser aquela pessoa comedida em tudo, guardando amor, dinheiro e alegria para serem gastos no futuro, talvez quando não tiver mais condições.

Eu não quero ser aquela pessoa lembrada por ser arrogante e convencida, que se sente superior aos outros.

Mas também não quero ser aquela pessoa que abaixou a cabeça para todo mundo, por achar que os outros sempre eram melhores e mais merecedores.

Eu não quero ser aquela pessoa que se arrependerá, no futuro, pelo que não fez porque teve medo de dizer “não é isso o que eu quero”, teve vergonha de ousar, não se jogou de cabeça naquilo que a sua intuição apontava.

Eu não quero ser aquela pessoa que vive pensando no “e se…”, cogitando outras hipóteses para tudo o que já passou.

E também não quero ser aquela pessoa que não vive o presente por estar sempre ansiosa com o futuro, por tudo o que pode vir a acontecer.

Eu não quero ser aquela pessoa que se acomoda em uma vida medíocre e não realizadora, por crer ser mais estável ou por ficar preocupada com o que os outros vão achar.

Eu não quero ser aquela pessoa que deixa a oportunidade de viver um grande amor passar batido, por temer se arrepender depois se não der certo para sempre.

Eu não quero ser aquela pessoa sem paixão, sem tesão, sem entusiasmo pela vida, acomodada em uma felicidade de faz de conta.

Eu, definitivamente, não quero ser aquela pessoa que chegou ao fim da sua vida e percebeu que não teve coragem de arriscar o necessário para promover as mudanças que a tornariam plena e realizada.

E, por não querer nada disso, é preciso parar de deixar para depois a necessária reanálise da vida e a efetiva definição das atitudes a serem tomadas, para ontem…

Afinal, quem garantirá que amanhã ainda haverá tempo?

Trouxa é quem insiste em dar uma de esperto

Trouxa é quem insiste em dar uma de esperto

Imagem de capa: SAKARET, Shutterstock

Vivemos em tempos que os ditos sentimentais, honestos e intensos são chamados de trouxas. Não poderíamos estar mais enganados. O verdadeiro trouxa não saber dizer a verdade, não sabe ser carinhoso, empático e gentil. Trouxa é quem insiste em dar uma de esperto para cima nós, sinceros de coração.

É cada vez mais comum ver essa onda crescente de piadas sobre trouxices. O amor que deu cano é o principal deles. Por quê? Desde quando ser carregado de bons sentimentos, significa estarmos dando um passo para trás no quesito esperteza? Quando foi que trocamos valores sólidos por essa concorrência efêmera do quanto menos sinto, mais ganho? Alguns adoram bater no peito com orgulho para gabarem-se por terem se livrado de uma furada amorosa. Mas a troco do quê? Metades, inverdades e um leve toque do fingir ser quem não é. Isso não é ser esperto, mas trouxa do mais alto finesse.

Quem diria que um dia estaríamos aqui, pontuando os descaminhos dos nossos corações, e com tantos distanciamentos e friezas? Não, não podemos permitir isso. Não somos trouxas e os que tiverem a certeza do contrário, um até logo estampado na ponta dos lábios.

Gostamos da simplicidade. Somos inteiros e tratamos com verdades os possíveis desdobramentos de vindouros relacionamentos. Não medimos importâncias sobre como devemos nos comportar porque, sem nenhum medo de transbordarmos felicidades, entendemos que o melhor é enfrentar as consequências de um mundo despreparado para os sentimentais do que continuarmos vivendo nessa leva dos espertinhos e mentirosos. Os verdadeiros trouxas, lembrem-se.

O maior afrodisíaco de uma relação é uma alma escancarada

O maior afrodisíaco de uma relação é uma alma escancarada

Imagem de capa:  Sjale, Shutterstock

O maior afrodisíaco que pode existir em uma relação é uma alma escancarada. Não há nada mais belo, mais sedutor, mais atraente do que alguém completamente despido em suas miudezas, aberto em sua loucura, completamente vulnerável, ansiando para ser tocado, fisgado por um abraço, preso em um olhar.

Todo relacionamento profundo depende da abertura das pessoas presentes na relação. Dessa maneira, é necessário que as almas estejam escancaradas, a fim de que haja profundidade para o mergulho. Caso contrário, a relação será superficial e, por conseguinte, incompleta.

Acho que nós, mais do que ninguém, sabemos disso, afinal, em quantos relacionamentos nos sentimos completamente despidos, sem joguinhos, arrodeios e medo?

Eu sei que é bem verdade que quando nos colocamos de maneira totalmente desarmada em frente a alguém, há o grande risco de nos machucarmos ou de não sermos correspondidos. No entanto, procurando o prazer sempre há o risco de tropeçarmos na dor. Sendo assim, é preciso que estejamos dispostos a nos arriscar, já que não se envolver profundamente com alguém por medo, como diria Sean, personagem de Robin Williams, no filme Gênio Indomável, é apenas uma superfilosofia que garante que você nunca irá conhecer ninguém de verdade.

Somente almas escancaradas são capazes de mergulhar na loucura, não a psiquiátrica, mas a que permite que todos os pecadinhos, os segredos, as esquisitices, as coisas bobas sejam reveladas. Ou seja, a loucura que permite a eclosão do próprio sujeito, o qual se transforma a partir do mergulho nas profundezas de outro ser. Um mergulho na essência do humano, da intimidade e, portanto, bálsamo do divino.

Desse modo, quando há a libertação dos medos e nos entregamos, com a alma completamente nua, acontece o encontro que alegra, lembrando Spinoza. Nesse espaço colocado entre duas pessoas enlaçadas sem nenhum subterfúgio, acontece o gozo, o prazer, o delírio, a perda da própria consciência, a imersão em uma órbita superior, em que não há limites para o voo, pois todas as limitações terrenas se esvaem na medida em que sentimos a manifestação do divino.

Acontecem os refluxos da alegria, o aumento da potência de ser e, acima de tudo, sentimos por instantes que somos capazes de criar um escudo contra a morte, porque criamos memórias compartilhadas e estas são eternas, porque existem no espaço secreto onde as almas se beijam e o tempo não passa.

A conversa, o toque, podem até existir em qualquer relação, todavia, é apenas quando sentimos que temos a nossa frente uma alma escancarada que conseguimos interpretar cada palavra e perceber a sua poesia, inclusive, a do olhar, que mesmo em silêncio, é capaz de fazer as denúncias mais subterrâneas, como se houvesse um canal ligado diretamente à alma, uma janela aberta sem nenhum tipo de cortina.

Sendo assim, o maior afrodisíaco que pode existir é uma alma escancarada, entregue e vulnerável, capaz de sentir cada dedo penetrando, acariciando e envolvendo cada célula do corpo, pois o maior prazer que existe em uma relação é perceber que em meio a tanta superficialidade, há um lugar no mundo onde podemos encontrar luz e calor para descansar nosso corpo e acordar nossa alma.

Sobre amores e sorvetes derretidos: quando você insiste em querer mais

Sobre amores e sorvetes derretidos: quando você insiste em querer mais

Imagem de capa: Milles Studio, Shutterstock

Algum lugar do mundo, 03 de janeiro de 2017

O que é toda essa inconformidade com o amor que não vingou? Por que está tão difícil aceitar que não era para ser? A ladainha já sei de cor, a mente tem certeza, mas o sentimento insiste em fisgar. Na barriga, na garganta, nos olhos que pesam e, porventura, lacrimejam.

O “E se…” golpeia dez vezes por dia. Não luto. Tento focar no presente. “E se…” já morreu, eu sei. Não me culpo. Já aconteceu antes e sobrevivi. O coração tem seu próprio relógio. Lá no fundo da dor, existe paz, sei que vai passar. Gostaria que fosse logo. Fico triste quando vejo o coração em luto, sendo que todos continuam a amar por aí.

– Coração, fique em luto pelo que realmente vale a pena.

Mas ele me olha, como uma criança desolada pela bola do sorvete casquinha que acabou de espatifar no chão após a primeira lambida.
– Existem outros sorvetes, outros sabores. Até mesmo iguais a esse que acabou de derrubar.

Não adianta. Ele lamenta incrédulo. Queria aquele sorvete ali que está no chão. Já o queria antes de tê-lo, quis imensamente quando o provou e agora o quer ainda mais. Agora que ele está perdido e o calor que aliviaria continua castigando. E se culpa. Foi falta de cuidado? Foi a lambida descalibrada que o empurrou para o outro lado? Ou foi a mão que entortou enquanto o ouvido se distraiu com o passarinho que cantava?

Mesmo não sendo o rei da razão, até mesmo o coração sabia que não valeria a pena ir ao chão, para tentar saborear o que sobrara daquele sorvete. Em primeira instância, até teve esse impulso, mas desistiu ao vê-lo sujo de terra e com os cabelos brancos do senhor da banca de jornal que caíram naquela manhã. A vida ajudou e tratou de derretê-lo rapidamente. A chuva veio e lavou o chão melado. A gordura restante, o cachorro cuidou de acabar.

Só teve uma coisa que a vida não conseguiu apagar: aquele gosto da única lambida dada. Aqueles dois ou três segundos que gelaram a língua, ativaram as papilas gustativas e refrescaram o corpo e a alma. Essa memória, o bendito coração não quer deixar ir. Abraça-a com força. E tem certeza que o resto do sorvete seria tão bom quanto aquele lapso de prazer.

Tudo bem, já disse, eu respeito. Dou o tempo que ele quiser. Fique ai na sua lamúria… Só digo uma coisa: que sorvete mais indigesto! Uma lambida e não se consegue engolir mais nada há mais de mês. Imagine se fossem dois litros tomados.

– Só para que eu possa entender melhor: qual é sua esperança, coração? Espera ganhar a máquina que produziu o alvo do seu deleite? Gostaria, então, de tomar sorvete, até sentir o estômago doer e o cérebro congelar?

E o coração não tem a resposta. Só sente. E, em prece, pede ajuda para livrar-se de tudo aquilo. Ou melhor, pede ajuda para querer soltar a saudade. Pois não quer.

Coração, o que você quer não é sorvete à vontade. Tampouco foi o gosto que o prendeu. Você quer é sentir novamente aquela sensação. Aquela primeira lambida. O gelado na língua descendo pela garganta naquele dia de sol. A glicose entrando no seu sangue e deixando-o eufórico. Aquela plenitude, enquanto o doce ainda não enjoara e o peso na consciência por burlar a dieta ainda não batera. A verdade é que pouco importava naquele momento o sabor do sorvete. Aquela primeira lambida com gosto de quero mais é que o deixou assim. E, agora, mal concebe a ideia de experimentar outros sorvetes, deixando evidente o gosto amargo na língua. Cismou que aquele caído era o melhor do mundo.

Mas, escute, em um argumento consigo convencê-lo do contrário. Talvez seu sorvete até tivesse potencial de ganhar um prêmio regional ou outro, não fora por um óbvio detalhe. Não era firme. Derreteu com o calor do ambiente e do seu corpo e espatifou ao chão. E, veja, não se trata de algo irrelevante. Consistência é um requisito imprescindível a um sorvete de boa qualidade.

Coração… Amigo… Chore o quanto quiser pelo sorvete derretido. É fácil apegar-se às primeiras lambidas. Assim como ao primeiro gole de água quando estamos com sede. Mas não se esqueça de ir limpando o paladar. A gente nunca sabe os sabores inéditos que a vida fabrica. E, acima de tudo, saiba que existe um sabor cujo gosto ainda não provou, mas que jamais será superado. Sabor este que não enjoa, não derrete, nem faz mal, e que guarda aí dentro de ti.

“Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não está mais sendo servido.”
Nina Simone

Por que diabo todo canalha pensa que é Deus?

Por que diabo todo canalha pensa que é Deus?

Imagem de capa: ArtFamily, Shutterstock

É um clássico. Está na história, vive se repetindo: a maior característica de um patife é conceder a si mesmo o direito de decidir sobre a vida do outro. Ditadores inalcançáveis ou criminosos rasteiros, todo bandido pensa que é Deus. Quem mata, explora, subjuga e pratica qualquer mal acha mesmo que está fazendo “o que é certo”. Não tem o menor pudor de abusar do que julga ser o seu poder para tal.

Pode reparar. De boa intenção o discurso de um canalha está cheio. Covardes, valentões, linchadores, assassinos, exploradores e outros crápulas estão sempre matraqueando por aí o quanto são decentes e lapidares. Ora se gabam de sua honestidade porque declaram o imposto de renda, crentes de que realizam uma proeza e não apenas uma vulgar obrigação, ora esgoelam seu apoio à polícia, abominam a corrupção na política, defendem a moral e os bons costumes. Tudo nos conformes.

Depois, ao se sentirem “provocados”, não têm o menor receio de fazer justiça com as próprias mãos. Como se a sua pré-anunciada “perfeição” lhes desse salvaguarda para fazerem o que bem entenderem, inclusive agredir e até matar a ex-esposa, culpada por não respeitar a obrigação matrimonial de obedecer ao marido. Em pleno século vinte e um, ainda estamos na idade média.

Sim, eu estou fazendo uma generalização. Perdão, universo, mas todo assassino acredita mesmo ser Deus. Quem mata outra pessoa está brincando de senhor da vida e da morte. E quando a vítima é alguém que simplesmente ousou valorizar a própria vontade ao abandonar uma relação que de amor já não tem nada, aí o absurdo é maior ainda.

Em qualquer casamento, quem manifesta o desejo de se separar tem o direito de fazê-lo e o outro tem o dever de aceitar. É assim e pronto. Tentar impedir alguém de seguir em frente é perversão, crime, indecência, prática de cárcere privado. Fosse o mundo um lugar mais razoável, quem não aceita uma separação a ponto de agredir ou matar o outro seria trancafiado como bandido hediondo.

Verdade é que o mundo não aguenta mais tanto idiota metido a senhor de tudo e de todos. Tem muita gente má circulando por aí, esguichando veneno em caminhões-pipa, metralhando bobagens por todo lado como franco atiradores. Quem é mau anda piorando sem culpa e sem vergonha de bancar o mocinho, defensor da moral e dos bons costumes. Para compensar, quem é bom de verdade, quem se importa com o outro tanto quanto consigo mesmo tem obrigação de fazer alguma coisa boa.

A quem ainda resta o mínimo de decência, é urgente tomar partido e bater o pé contra a cultura segundo a qual um ser humano não tem o direito de terminar uma amizade, um namoro ou um casamento quando bem entender. Gente não é objeto da vontade alheia nem propriedade privada de ninguém. Logo, canalhas e assassinos não podem seguir brincando de Deus por aí.

“A vida começa todos os dias.”

“A vida começa todos os dias.”

Imagem de capa: Sunny studio, Shutterstock

“A vida começa todos os dias”
Érico Veríssimo

Mais um ano terminou e, inevitavelmente, começamos a retrospectiva interna. Foram tantos sonhos rabiscados em papéis avulsos com as cores da esperança, tantos desejos que ficaram para trás e se transformaram em frustração. Não queremos olhar novamente aquele projeto que não vingou, aquele amor que era só de fachada, aquela amizade que era puro interesse.

Pois é, a vida tem dessas coisas, mas a vida é, principalmente, resposta do que fazemos, e às vezes, somos bobos demais, cedemos espaço antes de saber o que é, se é de verdade ou não, se há alguma reciprocidade do outro lado, se é somente coisa passageira, que cumpre o ciclo e esvoaça.

Mas não é para se angustiar não, somos nós que mudamos as coisas de lugar ou as devolvemos para o lugar de origem. A nossa potência está na capacidade de reviravoltas incríveis, mesmo quando tudo diz não e não há claridade. Sonhos não possuem data de validade e podem ser ressonhados com detalhes maiores, com estratégia, paciência e determinação.

As chances sempre estiveram aí, por todo lado e em lugares não imaginados. Só precisamos ter cautela e consciência de que tudo tem hora certa para acontecer e nem sempre coincide com o prazo desejado. Sempre é hora de resgatar aquele desejo que grita por dentro. Eu sei, a gente cria expectativa e se imagina já com aquela possibilidade concretizada do jeito que sonhamos, com todos os adornos de nossas esperas, com toda gente que sonhou junto e fez do nosso sonho o deles também. Mas, não se culpe por ter criado a expectativa. Faz parte esperar com tanta força. Só não podemos deixar que o esperar se torne um desesperar.

Sofrimento e sonho são duas atmosferas distantes e distintas. A espera é a certeza de que algo foi feito com esmero. Dentro desse lugar onde o sonho repousa enquanto vai ganhando consistência, também existe lugar para outros voos, outras incursões e ousadias. Tentar mais uma vez quando tudo parecer desastre e ruína, de novo e sempre que cair.

Não é para provar nada para ninguém. Não se trata disso. A potência sempre esteve dentro e não importa se é virada de ano, está tudo aí. Já iniciamos um novo ano, mas essa é só mais uma alavanca nesse mundo de possibilidades que é estar vivo. “A vida começa todos os dias”.

Ao invejar ao outro, o invejoso investe contra si mesmo

Ao invejar ao outro, o invejoso investe contra si mesmo

Imagem de capa: Phovoir, Shutterstock

Ninguém está imune a ela, mas todo mundo finge estar. Entra ano e sai ano e a inveja, o mais inconfessável dos pecados capitais, ainda tira a paz e o sono de muita gente.

A inveja é um impulso primordialmente destrutivo, pois é normalmente acompanhada por um desejo de aniquilação, de sofrimento e nunca é construtiva.

Quem explica é a psicóloga e psicanalista Heloisa Antiori. Para ela, a inveja elimina a admiração. “Quando admiramos alguém temos a possibilidade de nos identificarmos com ela e desejar ser igual… ou em parte igual. A inveja quer destruir, fazer o outro virar pó e não reproduzir”, diz, antes de comentar que é comum ao invejoso sentir-se injustiçado pela vida, ao acreditar que o outro tem o que tem “por sorte e privilégio, não por esforço”.

Inveja é não querer que o outro tenha. Pelo menos é assim que a maioria dos especialistas estudados e ouvidos a definem.

A grande teórica do assunto é a psicanalista Melanie Klein (1882-1960), aluna e discípula de Freud que se dedicou já na década de 20 a estudar a psicanálise infantil. Seu livro “Inveja e Gratidão”, lançado na década de 50, é até hoje um marco.

Klein argumenta que a inveja está presente já na primeira infância, quando a criança inveja o seio da sua progenitora, o poder de dar e de negar alimento. Nesse contexto, a inveja surge logo que o recém-nascido percebe-se impotente perante a mãe. Ou seja, praticamente nascemos invejosos.

Foi a partir dessa publicação pioneira que a inveja passou a ocupar maior espaço na discussão científica, passando a despertar cada vez mais interesse como objeto de estudo e possibilitando discussões mais amplas e aprofundadas.

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Fotografia: Ollyy, Shutterstock

O INFERNO DOS OUTROS

O escritor e jornalista Zuenir Ventura investiu alguns anos de sua vida pesquisando sobre o tema e o resultado pode ser visto no ótimo livro “Inveja: Mal Secreto” (Objetiva, 1998), onde investiga o seu funcionamento no cotidiano, expondo casos interessantes, contados por gente de diversas áreas.

O livro de Zuenir traz dados interessantes. Segundo uma pesquisa feita pelo Ibope, com o intuito de ajudá-lo em sua árdua tarefa, a inveja é o pecado mais conhecido dos brasileiros. No entanto, é curiosamente o menos cometido, pelo menos é o que dizem os entrevistados. É que, segundo os dados coletados, 73% deles diziam conhecer o pecado da inveja, mas 84% responderam que nunca o haviam cometido. A conta não fecha, mas a vida segue.

“Esses resultados desconcertantes (…) tinham na verdade uma explicação, pois resumiam o que a literatura dizia: as pessoas conhecem o pecado, mas negam que o praticam”, escreveu o autor.

Zuenir também chama a atenção para outros fatos interessantes em seu livro. Por exemplo, o modo como separamos inveja de admiração.

“Na inveja, se o outro possui uma bondade, essa será negada pelo invejoso. Será enfocada como uma qualidade perdida, principalmente quando não se possui essa qualidade. Os invejosos concentram-se no desejo de destruir aquela qualidade que o vizinho possui”, diz a professora e psicóloga Lideli Crepaldi. “A admiração espontânea é substituída para remoer o que não existe ou conjecturar como extinguir o que existe.”

A equação é simples. Quanto mais distante de mim, mais “admirável” e quanto mais perto, mais invejável.

“Invejamos aqueles que navegam nas mesmas águas e que não levam grandes vantagens sobre nossos talentos”, escreveu o escritor português João Pereira Coutinho, em sua coluna na Folha. O psicanalista iniciante não inveja Contardo Calligaris, mas o vizinho que também trabalha em uma clínica. O escritor iniciante não inveja Valter Hugo Mãe, mas o colega que conseguiu publicar um livro antes dele. A cantora de bar não inveja Elis Regina, mas a moça que fechou contrato com a mesma casa de shows por mais tempo que ela.

O VERDADEIRO INIMIGO

A inveja constitui uma cegueira seletiva. Ela veta o acesso ao que nós temos de melhor e nos direciona sempre para o que achamos que o outro tem de melhor. É isso que demonstra o professor e sociólogo Leandro Karnal em uma interessante palestra sobre o tema para o instituto CPFL.

O invejoso é aquele que tem dificuldade em lidar com os próprios fracassos. Ele é infeliz porque não consegue pensar naquilo que tem. E é por essas e outras que a tal da envidia é considerada uma patologia grave – ela destrói a autoestima.

“A inveja faz as pessoas pararem no princípio, antes de realmente começar, de forma a não poder seguir para caminho algum”, afirma Lideli. “Quando invejamos, escolhemos contra nós mesmos.”

A cura para este mal tão secreto quanto estrutural pode estar então no exercício de olhar mais para si mesmo; de reconhecer os próprios limites e a própria capacidade. Além disso, o invejoso “precisa deixar de odiar esse outro ‘imaginário’ que ele supõe ser culpado por seu destino e dor”, indica Heloisa.

Em época de início de novos ciclos, o conceito socrático de conhece-te a ti mesmo se faz necessário, urgentemente necessário. Pelo visto, neste ano que chega, precisamos nos conhecer mais e nos desprezarmos menos.

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