Os sonhos que sonhamos – um recado aos sonhadores.

Os sonhos que sonhamos – um recado aos sonhadores.

Imagem de capa:  natalia_maroz/shutterstock

Os sonhos que sonhamos se apresentam em nossa cabeça com a majestade das coisas belas, das coisas que quebram a linearidade da dura rotina e enfeitam o imaginário com novas possibilidades: gastar a vida da maneira mais prazerosa que cada um elegeu para si.

Normalmente, as pessoas escolhem gastar férias e finais de semana com os seus sonhos. Quem sonhou com uma casa na praia, e conseguiu realizar o sonho, vai para a praia. Quem ainda sonha com uma casa na praia, mas não conseguiu comprar o sonho, compra a temporada numa casa alugada, e continua sonhando o sonho de ter a sua, um dia. Quem sabe, o ano que vem.

Ontem, voltando de uma viagem curta, eu me deparei com um condomínio de chácaras nos arredores da minha cidade, cuja sede me pareceu suntuosa, com altas grades no entorno, segurança, e portaria 24 horas. Em outros tempos ficaria fissurada pela ideia. Agora não me faz nem cócegas.

É o tipo de empreendimento que atrai jovens casais, com filhos pequenos para gastar energia, e com sonhos intactos pedindo realização.

Sonhos intactos são sonhos virgens, sonhos jovens, sonhos não contaminados pela realização. Porque depois que um sonho se realiza, ele se contamina de tal maneira com a realidade, que facilmente vira um pesadelo.

É por isso que as imobiliárias prosperam tanto.

Porque quem realizou o sonho e viveu a metamorfose, quer se livrar do sonho realizado e das responsabilidades que ele acarreta. E quem ainda não realizou o sonho, deseja muito comprar o sonho daquele que quer vender.

Feitas as devidas apresentações o ex-sonhador entrega as chaves do sonho para o atual, e lá se vão, ambos a caminho do seu destino, enquanto a imobiliária fica no mesmo lugar, na nobre missão de livrar sonhadores antigos do seu pesadelo, entregando,em papel de seda cor de rosa, o sonho que pode ser roxo ou cinza chumbo, mas quem compra, não quer nem saber.

Assim caminha a humanidade. Tem gente que sonha sonhos sonhados no capricho.

Tenho uma amiga que mora em São Paulo. Um dia, amanheceu sonhando uma casa de veraneio no Canto da Lagoa, em Florianópolis. Para realizar o sonho, posto que a casa já existisse, ela teria que se deslocar 750 km, em direção ao sul do Brasil. Mas quem se importa com a distância, quando o sonho dorme e acorda com o sonhador? Ninguém, nem ela.

Dois anos depois, a casa foi inaugurada. Tudo imaculadamente novo, do alicerce ao telhado. Até a varanda mereceu cortinas de voil porque a minha amiga é decoradora e o sonho dela, muito caprichado, foi decorado com cortinas de voil na varanda, balançando ao vento. E ninguém tem nada com isso. Nem eu. Diga-se de passagem, acompanhei calada o parto da casa, e até fui convidada para a inauguração.

Aprendi uma coisa: não se pode abortar o sonho do outro por mais maluco que seja. Pega mal, parece azaração de gente impertinente que mete o bedelho onde não é chamada.

Mas eu já sabia o básico:

A característica da transformação do sonho em pesadelo é que o pesadelo percorre o mesmo caminho do sonho. Começa com um pensamento, que puxa o outro, que puxa o outro, uma incomodação de alma que não deveria estar presente, mas comparece sem ser convidada.

Com um agravante: no sonho, a realidade não interfere, porque a realidade não tem participação no sonho. Já o pesadelo se alimenta da realidade. O pesadelo se alimenta de cansaço, inadequação, rotina, despesas, e enfado. Sem falar no trabalhão que dá para administrar o dito cujo.

Em pouco tempo, as cortinas ficaram pretas de pó, chuva, frio, e vento. Em pouco tempo, a maresia começou a corroer os metais da casa. Em pouco tempo, as flores do jardim murcharam porque uma casa cuja dona mora a 750 km de distância, é uma casa sem dona.

Casa sem dona, se ressente. Casa sem dona é casa com vocação para a desintegração precoce. Alguns anos depois de muitas viagens e muitas dores de cabeça, minha amiga livrou-se do pesadelo: vendeu a casa para uma sobrinha.

Detalhe curioso: o caminho do sonho sempre passa do mais velho para o mais novo em idade cronológica. Macaco velho não mete a mão em cumbuca. Macaco novo se delicia e nem pensa nessa possibilidade.

Eu já tive inúmeros sonhos que viraram pesadelos. Desde sonhos recreativos, até sonhos comerciais. Mas nada me desiludiu tanto quanto o sonho de ter domicílio em outros lugares.

Nessa empreitada, eu descobri o que o Pequeno Príncipe já havia ensinado, e eu não aprendera: “Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas.”

Tu és eternamente responsável por aquilo pelo qual se deixou cativar.
-Comprou?
-É seu!

Cada posse adquirida representa um compromisso assumido. Ter assumido compromissos simultâneo com três domicílios, me fez ver que eu não poderia estar nem mesmo em dois deles, ao mesmo tempo. Quanto mais em três. Eu sempre tinha que estar em um único lugar.

Enquanto estivesse num lugar eu não poderia estar no outro, porque uma lei da física anunciou, antes que eu existisse, que um corpo não pode ocupar dois lugares simultaneamente. Mas eu me esqueci.
Todo mundo que deseja o segundo domicílio se esquece desse detalhe gravíssimo.

E quando lembramos, surgem os conflitos: o que eu estou fazendo aqui, se o meu lugar parece ser lá? Então, vamos para lá. E ao chegarmos lá, descobrimos uma outra lei instalada: a lei do caos que tomou posse do imóvel enquanto estávamos no outro lá.

Você sabe o que é a lei do caos?

A lei do caos prevê que, se uma casa perfeitamente limpa e decorada, for fechada por um determinado tempo, sem que ninguém a use ou retire nada do lugar, o caos se instala e faz dela a sua residência.

O resultado é catastrófico: teia de aranha, pó, sujeira, bolor, deterioração generalizada. E se a casa for à beira mar, conte com mais um agravante a favor da destruição: a maresia.

Assim sendo, fiquei profundamente aliviada quando uma transação imobiliária conseguiu me livrar do pesadelo, e alugou ou vendeu os meus destruídos sonhos para pessoas que o reconstruíram como seus novos sonhos.

Na vida, tudo tem o seu tempo. Quanto mais jovem, mais sonhos fúteis, vazios, megalomaníacos, desprovidos de realidade. Faz parte.

Hoje prefiro sonhar poucos sonhos. Talvez, um único sonho. E embora realiza-lo seja quase impossível, já sei que a não realização preserva o sonho. A tragédia do sonho começa quando ele se realiza.

A morte do sonho começa no dia em que ele nasce e se materializa. Sonhos não realizados têm o benefício da eternidade. Mas a gente não gosta de ter um sonho adiado com essa justificativa. A gente quer para ontem, o que só chega devagar e com o tempo.

Então, que venham os sonhos e que eles desabrochem na medida dos nossos desejos. Depois não diga que eu não me avisei e te avisei.

Parem de banalizar o “eu te amo”

Parem de banalizar o “eu te amo”

A banalização de qualquer coisa, infelizmente, acaba por tornar aquilo invisível, descaracterizando-lhe a força, a importância, tornando lugar comum o que deveria ser especial. É assim com fatos, com objetos, é assim com sentimentos. E é o que vem ocorrendo em relação ao amor, que parece estar perdendo a grandiosidade de seus domínios, de sua dimensão mágica e especial, uma vez que, hoje, diz-se “eu te amo” para qualquer um, em contextos banais e cotidianos.

Tempos atrás, a gente guardava a explicitação do amor para o momento em que ele não cabia mais aqui dentro do peito, quando já tínhamos tateado os terrenos incertos que adentrávamos ao nos relacionarmos com alguém. Dávamos tempo ao tempo, conhecendo o outro e nos reconhecendo junto dele, sentindo e refletindo cada momento, cada dia, sentindo o gradativo intensificar-se das batidas de nosso coração ao lado de nosso parceiro.

O amor era tão especial, que não ousávamos expressá-lo para qualquer um, em qualquer situação, muito menos para alguém que conhecíamos há pouco tempo. Entendíamos que o amor vai sendo construído ao longo da jornada, aos poucos, enquanto o que a gente doava se ia retornando, enquanto sentíamos que ali havia reciprocidade e verdade. Escrevíamos “eu te amo” às escondidas, nos cadernos e diários, como um tesouro afetivo que só seria dividido com a pessoa certa, aquela que ficou e se demorou perto da gente.

Hoje, por outro lado, vemos jovens escrevendo e dizendo “eu te amo” para amigos que acabaram de conhecer, para os recentes paqueras, muitas vezes para gente com quem não possuem nem um mínimo de intimidade. Parece que o amor vem se tornando um sentimento qualquer, que surge assim do nada, sem necessidade de que seja trabalhado, suado, vivido e revivido continuamente, sedimentado com o passar do tempo. Banaliza-se o amor, diminuindo-lhe toda a carga afetiva, toda a magnitude de que se reveste.

É preciso atribuir ao amor sua verdadeira intensidade, sua devida importância, entendendo que ele é um sentimento único, especial, que se alimenta de transparência e de retorno sincero, de permanência e de cumplicidade íntegra, de luta, de maturidade, de mãos dadas e firmes, que não se soltam por qualquer coisa. Parem de banalizar o “eu te amo”, parem de esvaziar o preenchimento emocional de que o amor se vale, ele não pode cair no marasmo da nulidade, ele não merece ser relegado ao lugar comum do que passa sem ser visto, sorvido, regado.

Quanto mais valorizarmos o amor, mais forte ele se tornará e mais capaz de resistir e de sobreviver a essa futilidade que permeia a sociedade atual, que torna tudo obsoleto em pouco tempo. Amor não envelhece. Amor não cai em desuso. Amor é vida.

Imagem de capa: Milles Studio/shutterstock

Aceita que a vida ajeita.

Aceita que a vida ajeita.

Imagem de capa: Irina Kozorog

Que venha. Seja lá o que for, venha. A gente aceita. Encara, luta, cai, levanta, vai em frente. Aceita o que foi, o que é e o que vem. Não, nós não somos conformistas, permissivos, acomodados, medrosos, trouxas. Nós somos gente. E a gente aceita.

Aceita até mesmo quando rejeita, recusa, esperneia, grita. A gente aceita o inaceitável em conclusão íntima. O teto desaba, o assoalho rompe, as paredes apertam. E a gente aceita.

Aceita pagar por serviços odiosos, aceita esperar de pé em filas enormes por um atendimento de cara feia. Aceita circular de bandeja em mãos por praças de alimentação lotadas até encontrar uma mesa vazia, engordurada, ao lado da lixeira entupida, transbordando sujeira dos outros. A gente aceita o que tem.

Amores capengas e amantes ausentes a gente também aceita. Aceita pela mera ilusão de não estarmos sós.

A gente aceita passar a semana inteira esperando a “sexta-feira, sua linda”, analgésico e antídoto para os venenos de todo dia. A gente aceita. Aceita tudo que não traz nada. Aceita as críticas e pouco reflete sobre elas, senão para nos convencer de que “errado” é quem as fez e não nós mesmos, nós e nossa perfeição religiosa e autoenganada, fundamentada em versículos bíblicos descaradamente adulterados.

Para amansar antigas feras, a gente aceita raciocínios impostos por terapeutas e analistas desinteressados, iludidos de que chegaremos à nossa subjetividade por discernimento próprio.

A gente aceita pagar mais caro por aquilo a que naturalmente tem direito pela simples lógica da civilidade e do princípio da vida em sociedade. Um espaço dois centímetros maior na poltrona do avião, médicos que nos examinem com o mínimo de cuidado, um bairro calmo para dormir à noite sem esperar que alguém invada nossa casa na madrugada, um atendimento decente em qualquer canto.

Que nos culpem pelo que não cometemos, só para fugir de discussões cansativas, a gente aceita de bom grado. E daí? Que mal há em não querer gastar tempo discutindo balela? A gente aceita, aceita que é mais fácil.

Aceita porque, afinal, por mais que nos defendamos, aqueles que nos culpam de qualquer coisa não vão mesmo acreditar. Se o fizessem, assinariam para si mesmos um vergonhoso atestado de covardia. Então aceitam o cargo autoimposto de suprassumos das ciências, reis da cocada preta, generais da banda.

A gente aceita e se acostuma a viver com medo, aceita a morte lenta e o tempo breve, aceita sentimentos burocráticos e cobranças descabidas. Aceita meia hora de amor e duas paçoquinhas.

A gente aceita tudo. Aceita o que deu pra fazer, aceita o mínimo e acha o máximo. Aceita o mais provável e o menos pior. A gente aceita. A gente aceita que a vida ajeita.

Haja humildade para descer dos altares e subir dos buracos a que nos submetemos espontaneamente

Haja humildade para descer dos altares e subir dos buracos a que nos submetemos espontaneamente

Quem nunca tomou um caldo na praia, não pode entender o que é a sensação de se ver embolado numa massa de água e areia que roda em volta da gente, parecendo zombar de nossa insignificância em relação à imensidão do mar. Pode até imaginar… mas entender?! Não. Definitivamente, não!

Naquele instante de impotência momentânea não há nada que se possa fazer. A gente se entrega. Espera passar. E, quando sobrevive para contar a história, volta com uma boa experiência para compartilhar… além dos inúmeros ralados nos joelhos, cotovelos e onde mais a areia do fundo tiver podido alcançar.

Quem nunca levou um pé na bunda, não pode compreender que o chute dói por toda parte, não apenas na bunda. Pode até imaginar… mas compreender?! Não. De jeito nenhum! Dói no coração, porque tinha certeza de que aquilo era amor. Dói na vaidade, porque a gente nunca acha que vai ser “o que sobra”. Dói na cabeça, porque cansa demais ficar pensando num jeito de parar de sentir. Dói na esperança, porque é difícil demais aprender a lidar com os “nãos” da vida. Dói por toda parte, até aquelas partes que a gente só descobre que tem depois que leva um pé na bunda.

Naquele momento em que o outro parece estar errando o texto, mudando o roteiro da nossa vida, sem pedir licença… também não há nada que se possa fazer. Mas nesse caso, ainda que não haja nenhuma lógica nisso, a gente não se entrega. Não quer esperar passar. A gente quer achar um jeito de fazer o tempo correr para o futuro, num lugar mais seguro onde o outro não exista mais, onde essa pessoa seja apenas uma figura desbotada na nossa história. Ou, então… a gente quer subjugar o destino e fazer com que o outro nos ame para sempre, por decreto. E quando sobrevive para contar a história, também volta com uma riquíssima experiência; só que dessa vez, não se faz muita questão de compartilhar. O melhor mesmo é esquecer. Além do que, não haverá ralados físicos evidentes. Neste caso, os ralados ficam do lado de dentro, onde a cicatrização demora um bocadinho mais.

Quem nunca vendeu a alma para uma entidade qualquer – que pode ser tanto dinheiro quanto afeto e aceitação -, para ter aplacada sua carência afetiva quilométrica, não é capaz de imaginar o quanto pode ser fundo o buraco da alma; ou, o quanto pode ser exaustivo sustentar a personagem de um ser perfeito imóvel num altar. Pode até fingir que imagina… mas, imaginar mesmo?! Ahhhh… não! Nem que a vaca tussa! Essa é uma loucura muito, muito particular.

Naquele momento em que você se dispõe a cavar túneis, sem ferramentas ou lanternas… só contando com o tato, a coragem e os punhos… é com você e você mesmo. Não há testemunhas, nem cúmplices que visitem nossos buracos profundos. É a mais pura solidão. Apenas e tão somente equipara-se essa experiência à tolice que é aceitar o lugar num relicário qualquer. Assumir uma santidade e perfeição tão impossíveis que só servem para nos perpetuar num lugar de mendicância afetiva. Migalhas. Sinceramente, não sei o que é pior.

Pelo sim, pelo não… melhor é nunca permitir que alguém nos faça querer posar de santa num altar. Na melhor das hipóteses, viraremos estátuas… imóveis, secas, frias. Na pior das hipóteses, acabaremos despedaçadas em milhares de pedaços. Porque ao colocarmos em mãos alheias as rédeas de nossas vidas, mais cedo ou mais tarde tomaremos um caldo ou um pé na bunda. E então… haja humildade para nos ajudar a subir dos buracos e descer dos altares aos quais nos submetemos espontaneamente.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena da série “Game Of Thrones”

Não é só a tristeza, a felicidade também nos ensina e nos fortalece

Não é só a tristeza, a felicidade também nos ensina e nos fortalece

Que a gente sai mais forte das tempestades, das dores e dos tombos, é ponto pacífico. Ainda assim, também se faz necessário ressaltar que não é somente sofrendo que aprendemos a ser mais gente, uma vez que, da mesma forma, os momentos de alegria e de contentamento nos ensinam muito sobre a vida, sobre nós mesmos e sobre os outros. Felicidade é uma ótima escola, acredite.

A felicidade nos torna melhores exatamente porque quem é feliz não encontra tempo para maldades, para arquitetar fofocas, para prestar atenção na vida alheia, a não ser para ajudar a quem necessite. Quem é feliz foca sua atenção no que realmente importa, em tudo o que vai além das meras aparências, da materialidade, da futilidade.

Quando estamos contentes, somos gratos à vida, a Deus, ao próximo, a quem quer que tenha feito parte de nossa jornada com contribuições positivas, porque então percebemos o quanto somos abençoados, o quanto nossa existência é como um milagre. Estarmos vivos já nos motiva a seguir lutando pelo melhor, sem pisar ninguém, sem patifaria.

Se estivermos felizes, não invejaremos o próximo, mas sim admiraremos as pessoas por terem conquistado aquilo por que tanto lutaram, com suor e dedicação. E tomaremos, como exemplos, essas pessoas que são luz, que se doam, pois enxergam o mundo além de si mesmas, com sinceridade e generosidade verdadeiras.

Gente feliz se ama, aceita-se, vive o que sente, pratica o que discursa, não cobra de ninguém pensamentos e atitudes iguais, uma vez que a diversidade de ideias, credos, estilos e comportamentos enchem seus olhos de magia. Gente feliz foge da mesmice, da servidão, desviando-se dos becos escuros da maledicência e do mau humor.

Nunca veremos pessoas felizes se colocando como vítimas de alguma situação, queixando-se passivamente, enquanto a vida passa lá fora. Elas caminham na direção da roda da vida, assumindo os erros, arcando com as consequências do que fizeram ou deixaram de fazer, afastando-se cordialmente de gente amarga e perigosa.

Não há como negar que, após passarmos por períodos difíceis e dolorosos, tornamo-nos pessoas mais fortes e seguras quanto ao que realmente importa na vida. No entanto, isso não quer dizer que aqueles momentos de felicidade leve e regozijante sejam infecundos, pois o contentamento e o prazer também são capazes de nos ensinar, de nos tornar pessoas melhores, uma vez que o horizonte sem nuvens torna tudo mais claro na nossa frente. Tudo, exatamente tudo mesmo, é aprendizado, para quem quer aprender.

Imagem de capa: eakkaluktemwanich/shutterstock

Há uma grande diferença entre um final feliz e um final necessário

Há uma grande diferença entre um final feliz e um final necessário

Terminar um relacionamento é tarefa de gigantes. A saudade aperta, os dias ficam maiores e acreditamos que a solidão será nossa companheira de caminhada.

Porém, tudo passa, e quando conseguimos diferenciar um final feliz de um final necessário, melhoramos nossa percepção do mundo e voltamos a confiar nas pessoas.

Terminar um relacionamento bom é difícil, mas terminar um relacionamento abusivo é uma necessidade! E isso deveria ser tão óbvio quanto dois mais dois. Mas, humanos que somos, demoramos para entender que relacionamentos também tem direito de acabar de “morte natural”. Insistimos, lutamos, sofremos apenas para adiar, em vias de fato, o que já acabou há anos dentro de nós.

Encontramos mais desculpas para permanecer em uma história tóxica do que coragem para seguir em frente e encontrar alguém bacana. Somos habituados a enxergar o relacionamento como uma luta, onde quem cair primeiro é o culpado. E isso nos faz carregar fardos de culpas desnecessários e adiarmos nossa felicidade por tempo indeterminado.

Temos medo do novo. Essa é a verdade. Preferimos torturar nossos pensamentos com questionamentos ilusórios do que arriscar em um caminho desconhecido. Acreditamos que permanecer na dor é mais seguro do que fugir dela. Grande ilusão! Se soubéssemos o tempo que perdemos com relacionamentos tóxicos, estaríamos mais preocupados em sermos felizes, o mais rápido possível.

Hermann Hesse defendia a ideia de que devemos sempre seguir em frente, mesmo diante do medo: “devemos caminhar na direção do nosso maior temor, ali está nossa única esperança”.

Aprenda a abandonar a dor. Relacionamentos acabam com a mesma naturalidade que começam. Não é preciso motivos, traições ou discussões homéricas para que o fim aconteça. Muitas vezes, chegou ao fim sem motivos aparentes. Apenas acabou. Sem culpados, sem mentiras, sem ofensas.

As relações afetivas seguem o ciclo natural da vida e, se não houver amor suficiente para manter os dois unidos, não há frase de Machado de Assis que fará. Precisamos da reciprocidade, do respeito mútuo, da cumplicidade para continuar uma história. Se não há, o sonho do “amor eterno” fica comprometido.

Essa lógica de que recomeços são difíceis é uma tática para paralisar os sonhos através do medo. Se recomeçar é considerado difícil, imagine aguentar relacionamentos abusivos, traumatizantes e tóxicos, que te fazem refém de situações degradantes. É preciso saber a diferença entre um final feliz e um final necessário. Alguns relacionamentos não deveriam nem ter começado, quanto mais terem continuidade.

Dizer adeus a um amor não é sinônimo de solidão eterna. Reconheça a hora de fechar a porta e tenha inteligência suficiente para não deixá-la aberta.

Terminar uma história não é o fim do mundo. Daqui a pouco essa história será apenas mais uma e você será feliz novamente. Logo, logo, aparecerá alguém que te arrancará outros sorrisos, outros planos, outras vontades. E você irá amá-lo como nunca antes, porque teu coração é grande, mas o sonho em ser feliz maior ainda.

Como dizia o poeta Guimarães Rosa: “é preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado”.

O mal do século não é a depressão, mas a falta de empatia

O mal do século não é a depressão, mas a falta de empatia

Imagem de capa: Dragana Gordic/shutterstock.

Acredito que, de todos os enfrentamentos por que uma pessoa passa, nesse período, a depressão vem a ser o mais difícil deles, por conta da incompreensão.

Nesses momentos, tenho a sensação de que surgem pessoas com aquela necessidade incrível de rotular quem está passando por um momento de luta, no caso, a depressão. Quando eu passei por essa fase, escutei o discurso cansado de que eu precisava ocupar a minha cabeça; também ouvi o tal “isso aí é falta de fé” e que, de certa forma, eu não estava confiando em Deus. Outras vezes, ouvia que eu não estava me ajudando e que “ah, você precisa se levantar dessa cama”, como se isso fosse tão simples.

Quantas e quantas vezes escutei falas que mais me afundaram do que propriamente me ajudaram. Eu já estava me amando de menos e todas essas frases, em tom de “ajuda”, na verdade faziam com que eu me achasse ainda mais o problema, afinal, tudo era tão simples aos olhos dos outros, mas tão doloroso e complicado aos meus olhos. Então, eu chegava à conclusão de que o problema estava comigo.

Cansei-me de tanto escutar a frase: “Existem pessoas em condições tão piores que a sua e você aí, com problemas pequenos e se entregando por tão pouco.” Claro, isso certamente me ajudou bastante (ironia). A verdade é que ninguém entendia o quanto era difícil sair do meu quarto, o quanto eu queria dormir para aliviar aquela dor e ver o tempo passar depressa. Aliás, eu sentia que o tempo não passava e a angústia fazia cada vez mais morada em mim.

E, embora isso tudo tenha acontecido um bom tempo atrás, é triste ver que esses discursos permeiam ainda os dias de hoje. Até quando as pessoas vão acreditar que ir ao psicólogo é coisa de louco? Sabe, eu tenho visto muita gente deixando de procurar ajuda por vergonha, por achar que quem precisa de um psicólogo é realmente louco – ideia totalmente errônea. Mas, que atire a primeira pedra quem não tem nada a melhorar, quem não tem angústias, conflitos e quem não precisa de mudança. Todos nós precisamos, o erro está em procurar ajuda apenas quando adoecemos.

Então, eu percebo que se fala tanto em depressão, mas pouco em empatia. Damos muita atenção às doenças do corpo, mas nos esquecemos da alma e da mente, como se não ter disposição para ir ao trabalho por conta da depressão fosse de fato encarado como preguiça. Não se leva em conta as noites sem dormir por conta da insônia, ou o excesso de sono causado pelos remédios, ou até mesmo a falta de energia.

De uma vez por todas, que fique bem claro que depressão não é frescura, depressão não é preguiça, não é desculpa, não é falta de fé e não tem nada a ver com religiosidade. Depressão é luta.

Por isso, eu partilho da ideia de que o mal do século não é a depressão, mas a falta de empatia. É a incompreensão de pessoas que soltam suas falas que mais doem do que curam, que mais machucam do que saram, que mais pesam do que aliviam, que mais empurram para o buraco do que ajudam alguém a sair dele. Afinal, incompreensão também mata.

Por incrível que pareça, pessoas sensíveis são muito fortes

Por incrível que pareça, pessoas sensíveis são muito fortes

Uma das confusões que trazem danos ao convívio social, aos relacionamentos em geral e ao nosso aprimoramento pessoal, vem a ser a falsa ideia de que, para ser forte, uma pessoa deve ser fria, distanciando-se de atitudes que demonstrem sensibilidade. Ou seja, somos, sob essa ótica, levados a evitar lágrimas, tristeza, compaixão, carinho, como se a afetividade nos tornasse mais fracos e mais sujeitos às decepções com as pessoas, com a vida.

É lógico que precisaremos manter o equilíbrio interior em ordem, uma vez que a qualquer tempo poderemos levar um daqueles tombos que costumam pontuar a nossa trajetória. No entanto, não é preciso robotizar-se, despir-se de humanidade, para que se consiga atravessar as tempestades da vida sem sucumbir de todo. Tornar-se alguém frio e insensível não significa necessariamente se tornar uma pessoa que dura mais.

A sensibilidade, ao contrário do que muitos pensam, é extremamente importante ao nosso amadurecimento e à evolução de nossos passos. Quando nos sensibilizamos com a dor alheia, inclusive ajudando o próximo a sair de suas escuridões, acabamos entrando em contato com acontecimentos dolorosos e, embora não estejamos inseridos neles, essas experiências nos ajudarão a lidar com a dor quando chegar a nossa vez.

Da mesma forma, sair de nós mesmos, enxergando as necessidades do outro, para além de nosso próprio umbigo, leva-nos ao entendimento de outras realidades que não as nossas, à compreensão de que cada pessoa possui suas próprias experiências e passou por lugares onde jamais estivemos. Isso nos amadurece, pois evita-nos os julgamentos pré-concebidos sobre quem mal conhecemos.

O desenvolvimento da empatia que a sensibilidade traz também nos leva a ser capazes de enxergar a nós mesmos com os olhos do outro, pois então conseguiremos nos colocar no lugar das pessoas que convivem conosco, percebendo que muito do que recebemos de fora é consequência direta daquilo que nós fazemos, da forma como agimos e tratamos as pessoas à nossa volta. Assim é que conseguiremos nos transformar em alguém melhor, alguém que age pensando não somente em si mesmo.

Pessoas sensíveis, como se vê, fortalecem-se porque não escondem o que sentem, o que são, por isso mesmo se cercando de afetividade, de sentimentos puros, de gente que fica com verdade, tornando sua vida mais rica e especial. Não escondem as lágrimas, não se fecham aos encontros mágicos que a vida proporciona, não hesitam em ajudar o próximo, rodeando-se por sorrisos alentadores e mãos que afagam a alma. Isso, sim, fortalece e ampara o caminhar seguro ao encontro da felicidade.

Imagem de capa: Shipilov77777/shutterstock

Eu, você, um filme e pipoca: a nossa combinação perfeita

Eu, você, um filme e pipoca: a nossa combinação perfeita

O mundo se contorce lá fora com uma rapidez desenfreada. Eu, no entanto, estou aqui sentada em um silêncio lânguido e confortador. A certeza da sua presença me faz rir com o canto dos lábios. Você está chegando para vivermos juntos uma parcela da nossa larga intimidade e isso é bom demais.

Não preciso perguntar quais são seus filmes prediletos, eu sei de cor o gosto seu e você também já desvendou o meu com delicadeza.

Desde o momento em que penso em nós, vivo a alegria da sua presença. Você me faz bem. Você me entende como ninguém e sabe do meu zelo em ir até a velha locadora da esquina, buscar filmes que estão fora de cartaz, apenas para que possamos embarcar em uma experiência só nossa.

Gosto de pensar, quando estou ao seu lado, que o tempo parou em algum bom momento. Gosto de pensar que inventamos um tempo só nosso, onde o amor é o que realmente importa.

Tanto faz se há sol ou chuva, se temos dinheiro ou não. O que vale é a nossa disposição para viver o amor quando temos oportunidade para ele.

Então, assim que você chega, eu corro para estourar uma deliciosa pipoca. Eu gosto de estourá-la em uma daquelas velhas panelas em que giramos uma manivela, mas admito que ultimamente não tenho ligado de recorrer ao micro-ondas. Não faz mal que nos rendamos à tecnologia de vez em quando, desde que ela não se coloque entre nós.

Você busca na geladeira um vinho ou guaraná, depende se frio ou quente o dia, e nós nos amontoamos em frente à televisão, juntinhos. Mastigando a pipoca como quem mastiga o prazer de estar junto e dividir o melhor.

Eu, você, um filme e pipoca. Esse é o nosso paraíso na Terra. Celulares desligados. O mundo lá fora nos chama, mas a vontade de morar um no outro é maior que tudo. Então nos abraçamos demorado. Aspiramos o cheiro delicado de nossos corpos e com esse abraço esquecemos de tudo que nos entristece.

No fundo, não importa a história contada pelo filme. Sendo ela boa ou ruim, enquanto nos enganamos com a ficção, nossos corpos vivem a delicadeza de se tocarem.

Gosto de ouvir sua respiração perto do meu cabelo e você gosta de me olhar dormindo em meio aos filmes mais longos. Você nunca se zanga pelo meu sono fora de hora. Entende que se me aninho no seu peito é por confiar em ti até mesmo de olhos fechados.

E quando a última cena se encerra, você me lê atento, fala sobre o filme e descobre em mim o imenso desejo de que nossa conversa se estenda para além de nós.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Atribuição da imagem: pixabay.com – CC0 Public Domain

 

Nada é estranho. Estranho é não ser quem a gente é

Nada é estranho. Estranho é não ser quem a gente é

Imagem de capa: FCSCAFEINE/shutterstock

“Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é, ainda vai nos levar além.” Paulo Leminski.

A sociedade sempre se estruturou em cima de regras e padrões que se pretendem universais, desconsiderando completamente a subjetividade de cada um, que deve deixar de lado o seu eu pessoal, para se integrar a um eu comum a todos.

Qualquer um que tente fugir desses padrões impostos logo recebe diversas alcunhas e, dentre estas, sem dúvida alguma aparece o termo “estranho”, como se este fosse um ser incapaz de dividir a convivência com os seres “normais”. Entretanto, em um mundo de iguais, ser “estranho” é algo ruim?

No mundo contemporâneo, que se diz ou se pretende plural, o que mais encontramos são pessoas iguais. Pessoas que agem segundo o combinado, a cartilha, o rebanho. Pessoas que fazem de tudo para serem aceitas e vistas como normais, ainda que por dentro sejam completas desconhecidas de si mesmas.

O medo em ser “diagnosticado” como alguém diferente ou estranho, faz com que não raras vezes deixemos de agir de acordo com o que gostamos e queremos, para satisfazer os interesses de outros sujeitos, que se julgam no direito de determinar o que devemos ou não fazer.

Apesar de sermos seres sociais e em alguma medida necessitarmos da aceitação dos outros, o que de verdadeiramente bom ganhamos nos tornando forasteiros da nossa alma? De que adianta viver uma vida para agradar aos outros e desagradar a si próprio? Será que ser estranho é pior do que ser infeliz?

Segundo uma amiga minha – “Nada é estranho. Estranho é não ser quem a gente é”. Devo dizer que concordo plenamente com ela, já que sendo a vida extremamente curta, o máximo que pudermos fazer para que o que vivamos esteja em consonância com o que somos, até que uma e outra sejam uma coisa só, deve ser feita.

E digo isso, porque quanto mais de nós enxergarmos na vida, mais da vida estará em nós, produzindo a sensação inigualável de felicidade por sentir que em nossa existência há algo de divino.

Não há como escapar do que somos. Podemos correr, fugir, tentar se esconder, mas uma hora o pano cai e, então, temos que nos encarar, não do lado de fora, mas do lado de dentro e neste momento passamos a ter a certeza de que estamos perdidos. Não dos outros, mas de nós.

Preciso reconhecer que é necessária muita coragem para assumir as rédeas da própria vida. No entanto, entregar-se aos padrões impostos por quem quer que seja, mesmo que traga certo comodismo, jamais conseguirá nos fazer feliz, já que uma cópia, por melhor que seja, nunca possuirá a mesma qualidade que a original.

É aquela velha história: quem renuncia as suas estranhezas, acaba por ocultar as suas belezas, pois é só nas profundezas do subterrâneo que encontramos aquilo que precisamos ser. O que em outras palavras quer dizer: seja você mesmo e saboreie as dores e as delícias de ser quem se é, porque como diria Paulo Leminski: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é, ainda vai nos levar além”.

O melhor momento para falar sem dizer nada

O melhor momento para falar sem dizer nada

Imagem de capa: Kvitka Fabian/shutterstock

O melhor momento é qualquer um. Qualquer um em que as palavras faltem, que representem menos do que uma boa encarada, que não sejam tão expressivas quanto uma saída silenciosa.

O melhor momento é sempre aquele em que a certeza é tão avassaladora que nenhum argumento pode abalar. Falar, discutir, pontuar, tudo isso abre portas para justificativas e argumentações. Silenciar, finaliza a questão.

O melhor momento é também aquele de perplexidade, êxtase, encantamento. Aquele momento em que palavra nenhuma é capaz de descrever. Fala-se portanto, pelo silêncio.

Na vida diária, são incontáveis os momentos em que calar é mais jogo para todo mundo.

Perante uma grosseria gratuita e injustificada, diante de uma provocação, como respostas às perguntas que não querem ser respondidas… Falar sem dizer nada é mais corajoso do que se armar de palavras que ferem, magoam e, assim que ditas, chamam o arrependimento.

A comunicação dispensa palavras. O silêncio grita forte, o olhar fala com firmeza, a postura confirma o que se quer transmitir. Muitas vezes as palavras servem de enfeite, outras tantas, de barreira.

Mais importante do que ter assunto para falar, é ter consciência da hora que se deve calar. Deixar o outro pensar, raciocinar, analisar. Não se ganha nada em fazer o esforço de viver sugerindo assuntos ao outro. É como inventar um diálogo, ensinar as reações, guiar o desfecho.

Guardar para si as palavras, para que o outro tenha espaço para se manifestar.

O silêncio é amigo que mostra como andam barulhentos os pensamentos. Não se deve sair vomitando tudo a todos, da mesma forma que não se deve deixar ninguém sem respostas. A forma como se responde é proporcional ao grau de convencimento necessário.

Se você crê que tudo é conquistado com longos discursos, experimente apenas uma vez fazer o inverso. O resultado pode te deixar sem palavras!

Minimalismo: um texto sobre as coisas importantes da vida

Minimalismo: um texto sobre as coisas importantes da vida

Imagem de capa: “Minimalism: A Documentary About the Important Things”. Foto: Divulgação.

No último final de semana a Netflix disponibilizou um documentário que eu queria assistir há algum tempo: “Minimalism: A Documentary About the Important Things“.

Eu sou um grande fã de documentários. Assim como os livros biográficos, eles são uma grande fonte de inspiração. Como o título adequadamente afirma, “Minimalism” é sobre as coisas importantes na vida. Joshua Millburn e Ryan Nicodemus, Os Minimalistas — não confunda com Os Tribalistas , cresceram perseguindo o Sonho Americano. Dinheiro, prestígio e coisas. E eles conseguiram. Se tornaram executivos bem-sucedidos. Pelo menos, no sentido tradicional e aplaudido pela sociedade.

Mas, quem são os Minimalistas e o que é o minimalismo?

Dois caras que viveram no mundo corporativo presos na mentalidade de acumular dinheiro, posses e prestígio. No entanto, apesar de ambos serem bem-sucedidos no que faziam, nenhum deles era verdadeiramente feliz. Eles tinham os gadgets do momento, casas enormes e carros luxuosos, mas trabalhavam de forma insana e se sentiam constantemente estressados.

Quando sua mãe faleceu e seu casamento terminou em divórcio, ambos no mesmo mês, Joshua teve uma epifania. Percebeu que a maioria de suas posses materiais não estavam agregando valor à sua vida ou ajudando-o a se tornar mais feliz. Foi então que se livrou de boa parte dos seus pertences a fim de se concentrar nas coisas que realmente importavam para ele.

Ryan, que estava se sentindo mal por ter treinado sua equipe para vender celulares a crianças de 5 anos, percebeu que o semblante de Joshua havia mudado. Ele estava sereno, parecia feliz. Ao descobrir que o motivo era a mudança radical em seu estilo de vida, fez o mesmo que o amigo: encaixotou suas coisas e se livrou de 80% do que tinha. Sentiu um peso sair de suas costas.

Os amigos criaram um blog sobre sua nova filosofia de vida. Logo veio um podcast, palestras e, mais recentemente, o documentário. O minimalismo é um estilo de vida onde você reduz suas posses de tal forma que tenha apenas itens que realmente tragam valor à sua vida. Trata-se de remover o excesso de sua vida, de modo que você seja capaz de se concentrar no que é mais importante. Não há limite de itens ou restrições específicas. E, eles não estão dizendo que todo o tipo de consumo é prejudicial. É apenas uma maneira mais simples de viver para reduzir o estresse e ter mais liberdade.

“Imagine uma vida com menos: menos coisas, menos desordem, menos estresse e descontentamento… Agora imagine uma vida com mais: mais tempo, mais relações significativas, mais crescimento, contribuição e contentamento “.

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Joshua Millburn e Ryan Nicodemus. Foto: Divulgação.

Isso é útil? Me traz alegria?

Dan Harris, autor do ótimo “10% Mais Feliz“, é um dos entrevistados do documentário. Ele compartilha sua experiência sobre estresse e ansiedade. Em 2004, Harris teve um ataque de pânico em rede nacional enquanto apresentava o “Good Morning America” da rede ABC.

Durante a entrevista, menciona que o melhor conselho que recebeu até hoje, no contexto da ansiedade, foi sobre perguntar a si mesmo se “Isso é útil?”. A pergunta lembra o conceito de “Isso me traz alegria?” da autora japonesa Marie Kondo.

Desde que li pela primeira vez a frase “menos é mais”, num artigo sobre a obsessão de Steve Jobs com designs minimalistas, resolvi seguir essa filosofia. Eu recém tinha completado 20 anos, era um jovem comum que adorava comprar roupas de marcas famosas e sonhava em ter um carro importado. Afinal, pra mim isso era sinônimo de status pessoal.

O que percebi, com o tempo, é que nenhuma daquelas coisas me traria alegria. Quem segue um estilo de vida consumista, geralmente, compra itens apenas para seguir modismos e fazer parte de um grupo. Me dei conta de que as pessoas com as quais eu me importava de verdade não estavam nem aí se eu andava de Corolla ou Fusca. Se vestia uma camisa da Tommy Hilfiger ou da Renner.

Quando deixei de ter um comportamento consumista, passei a ser menos ansioso. Ao invés de juntar dinheiro para ter coisas, percebi que seria mais feliz utilizando minhas economias para viajar, por exemplo. Troquei o carro por uma bicicleta e logo me sobrou grana para um mochilão pela Europa. Enquanto alguns conhecidos me mostravam seus novos iPhones ou Galaxys, eu e meu velho BlackBerry embarcávamos para Nova York.

E veja que não existe certo ou errado nessa história. São escolhas. Mas, nunca estive tão bem comigo mesmo. E sereno, como Joshua.

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Steve Jobs em sua casa em 1982. “Isso era típico da época. Eu era solteiro. Tudo o que você precisava era de uma xícara de chá, uma luz, você sabe, e era tudo o que eu tinha”. Foto: Diana Walker

Ame as pessoas e use as coisas — porque o oposto nunca funciona

Se eu sou minimalista? Não no nível de Joshua ou Ryan. Eu continuo comprando coisas. E eles também, na verdade. O objetivo do documentário não é fazer com que as pessoas joguem fora todas as suas posses e se mudem para um bangalô. O ponto central é simplesmente perguntar-se por que você possui as coisas que possui, o que elas acrescentam à sua vida e se você pode viver tranquilamente sem elas.

Essa ideia de desapego material me lembrou dois fatos recentes.

O primeiro é sobre o Serafín (70) e a Shirley (69), um casal de idosos casados há 40 anos. Em maio eles partem para uma viagem de volta ao mundo. De moto! Numa Honda CG 160 Titan — o único bem material dos dois.

Eles entenderam qual o verdadeiro patrimônio em nossa passagem por esta vida e o porquê ela vale a pena ser vivida. Quando escrevi aquele artigo, o Serafín me contou que eles finalmente compreenderam que o que realmente vale é o ser — e não o ter. E que, por sinal, isso é a única coisa que levamos para o outro lado junto com as nossas escolhas. Todo o resto fica aqui. Por mais que, na teoria, saibamos disso desde muito jovens, é apenas “quando a água bate na bunda” que entendemos o sentido real por trás de frases clichês que circulam por aí.

Já o segundo fato tem a ver com algo que comprei. Recentemente adquiri um Kindle, o leitor digital da Amazon. O interessante nisso é que uma compra feita por impulso (sou um ser humano, afinal de contas), fez com que eu deixasse de amar meus livros físicos — ou 90% deles. Ao olhar minha estante repleta de volumes empoeirados, pensei comigo mesmo: “isso é útil?“. Não. Eu não preciso mais deles. Já posso me desapegar. Percebem como a compra de um item gerou o desapego de uma centena de outros?

Coisas, coisas, coisas

Na Natureza Selvagem“, filme que conta a história real de Christopher McCandless, um viajante que deixou de lado o sonho da carreira bem sucedida e as convenções sociais, tem um diálogo bastante marcante pra mim.

Walt, pai de Christopher, diz que quer presenteá-lo com um carro novo. Presente de formatura. A resposta do filho é um discurso parecido com o dos Minimalistas.

“Um carro novo? Por que eu iria querer um carro novo? O Datsun (seu carro, modelo B210 de 1982) é ótimo. Vocês acham que eu quero um carro chique? Vocês estão preocupados com o que os vizinhos pensam?”.

Seu velho Datsun era útil para o seu dia a dia. Ele não precisava de um carro melhor.

A cena, em inglês — não encontrei a versão legendada —, pode ser assistida abaixo.

A mensagem

Em linhas gerais, a principal mensagem dos Minimalistas é que devemos ser mais conscientes em relação ao que estamos consumindo. É um lembrete útil e eu recomendo fortemente que você assista o documentário.

Podemos não ter o controle sobre todas as áreas das nossas vida, mas temos controle sobre o quanto gastamos e o quanto precisamos para sermos felizes.

Publicado originalmente em matheusdesouza.com, publicado na CONTI outra com a autorização do autor.

Para quem está interessado, qualquer coisa é assunto

Para quem está interessado, qualquer coisa é assunto

Ninguém pode negar quer o tempo está cada vez mais curto, que o emprego toma cada vez mais conta das horas de nossos dias, que corremos atrás do tempo dia sim e dia sim. Com isso, ficamos cansados antes de o dia terminar, estressados além da conta, preocupados com o que sempre parece ficar para trás, além das contas que se acumulam nas gavetas.

Nessa toada insanamente célere, acabamos, muitas vezes, focando tão somente os atos mecânicos que não terminamos, as pendências materiais que ainda nos assolam, o dinheiro que falta, o carro zero que se distancia de nossas possibilidades, as roupas que já não servem mais. Por outro lado, tudo o que vimos perdendo em termos afetivos nem entra em nossa lista de prioridades, nem que seja bem lá no final dela.

Não respondemos mensagens de amigos, não telefonamos para nossos pais, nem nos sentamos em frente aos filhos, para perguntarmos como andam as coisas. Da mesma forma, atravessamos por entre o parceiro, como se ele fosse invisível, como se ele fosse uma certeza, algo que está ali e ali ficará para sempre, tal qual aquele vaso que não muda de lugar há anos. Listamos os afazeres, porém, relegamos a último plano os sentimentos, as pessoas enfim.

E então a gente acaba perdendo o interesse, não querendo saber do que ocorre lá fora, do que não está dentro da gente, dos amigos, dos programas televisivos, de quem luta ao nosso lado, do amor verdadeiro. E é assim que nos afastamos das pessoas e afastamos as pessoas, justamente quem deveríamos abraçar com calor humano, justamente quem espera e torce por nós, faça chuva ou sol. E é assim que muitos de nós acabamos ricos materialmente e pobres espiritualmente.

É normal nos cansarmos das tarefas e das atribulações que consomem os nossos dias, porém, jamais poderemos permitir que nos cansemos das pessoas que caminham conosco, do afeto com que devemos regar os jardins onde repousamos a nossa alma, onde estão nos esperando aqueles que estiveram ao nosso lado nas subidas e nas descidas, rindo e chorando com verdade conosco. Isso equivale a abrir mão de amor, de sentimentos sinceros, de guarida afetiva.

A gente se vira com pouca grana, sem carro, sem roupa de grife, mas jamais conseguiremos sobreviver sem ao menos uma pessoa com quem possamos contar. Porque não há quantia em dinheiro que compre sinceridade; isso a gente conquista, interessando-se pelo que realmente interessa.

Imagem de capa: Sidarta/shutterstock

Ela só queria dar uma ajeitadinha no nariz… Mas, sabe como é, né?

Ela só queria dar uma ajeitadinha no nariz… Mas, sabe como é, né?

Certa vez ouvi a seguinte pérola de uma criança que incrédula comentava: “Coitada da minha irmã! Ela era parecida com a minha mãe. Mas agora não se parece com mais ninguém!”. A tal mãe era casada com um talentoso cirurgião plástico; e, aproveitando o parentesco, transformou-se em outra pessoa, no mais literal sentido do que possa querer dizer essa expressão.

Tudo começou com uma correção de nariz. A moça tinha as feições características daqueles nossos belíssimos irmãos que vêm, em sua maioria, do Líbano. Mas não era nada satisfeita com sua escultura nasal. Vai daí que escolheu o nariz da Sandra Bullock e começou por aí a reforma estética em si mesma, tudo orquestrado e executado pelo apaixonado marido.

Ocorre que o novo nariz não ficou assim, como direi, em harmonia com o queixo; que agora, comparado à delicadeza do novo atributo facial, passou a parecer muito proeminente, anguloso demais, pontudo demais. Bem melhor seria ter um queixo tipo Natalie Portman, delicadíssimo!

Cirurgia radical essa de transformar um queixo X em outro queixo Y. Serra-se alguns ossos, desgasta-se outros, desencaixa-se mais alguns. A pessoa volta da cirurgia com aparência de quem deu de cara com um muro. Abrir a boca?! Nem pensar! Dias e dias alimentando-se por meio de um canudinho. Pior foi que a moça achou isso ótimo; afinal, de quebra, perderia alguns quilinhos.

Do queixo para o projeto de novas bochechas foi uma questão de tempo. Imagine só ter as maçãs do rosto com a personalidade de uma Angelina Jolie?! Desejo feito, desejo atendido!

Depois foi a boca, que ficou parecendo muito mixuruca no meio daquela obra de arte composta por um nariz escultural, mais um queixo angelical, mais umas bochechas de parar o trânsito… E dá-lhe preenchimento! E já que estamos com a seringa na mão… não é mesmo? Capricha aí, doutor! Assim a anterior descendente de libaneses queria lábios carnudos iguaizinhos aos de Scarlett Johansson.

E, sim… todas essas mulheres são lindíssimas! Ícones de beleza da nossa época. Símbolos da perfeição feminina que nos coloca de posse de uma autoestima em perigo, dados os parâmetros inalcançáveis a que nos submetemos. São todas maravilhosas, é verdade… Mas, cada uma com a sua cara, certo? Juntá-las todas numa pessoa só, acaba por constituir um novo modelo de Frankenstein, só que com retalhos de celebridades do tapete vermelho.

Não. Eu não tenho nada contra a pessoa ajeitar uma coisinha ou outra que a incomode em sua estética original. Aliás… eu não tenho nada com isso! Mas… diante dos exageros que ando vendo por aí, penso que não custa nada uma pequena reflexão: Afinal, o que leva uma pessoa a rejeitar tão drasticamente a si mesma! Eu acho assustador! Só acho…

Imagem de capa meramente ilustrativa: Cena do seriado “Nip/Tuck”

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