“Puxa vida, mas ela tem um rosto tão bonito, né?”

“Puxa vida, mas ela tem um rosto tão bonito, né?”

Não é de hoje que as mulheres compram essa conta de viver em busca de uma aparência física que agrade. Mas que agrade a quem? À si mesmas, aos parceiros ou parceiras, às outras mulheres?

Os padrões de beleza são fenômenos culturais, por trás dos quais imperam aspectos de toda natureza. E são muito mais perigosos do que podem parecer.

A indústria farmacêutica fatura bilhões com a venda de medicamentos que prometem o acesso a um corpo mais magro. São pílulas, gotinhas ou cápsulas, algumas vezes tão inofensivas quanto inúteis; mas que, em outros casos, podem causar danos severos ao organismo e à saúde psíquica.

Essas drogas que prometem o corpo dos sonhos são muito variadas: homeopatia, terapia ortomolecular, fitoterapia, enzimas, sementes, óleos, produtos químicos injetáveis e até, antidepressivos e remédios para tratar Déficit de Atenção. Parece haver uma espécie de “vale tudo” na guerra contra a balança.

O mais preocupante é que a própria indústria farmacêutica, que viu conveniência em vetar a venda de medicamentos para controle de peso no Brasil, cria inúmeros atalhos para colocar no mercado esses milagres químicos que podem ser adquiridos sem receita médica, sem nenhum controle terapêutico, sem qualquer supervisão profissional e, quase sempre, a preços nada módicos.

E os medicamentos não estão sozinhos nessa saga. Basta fazer uma busca rápida na Web para encontrar um incontável acervo de sites, blogs e aplicativos com métodos “inovadores” e tentadores que prometem um “corpo perfeito”, num prazo de pouquíssimos dias. Tem de tudo um pouco: blogueiras que juram que é saudável ingerir proteínas gordurosas desde o café da manhã até a ceia noturna; personal trainers que garantem uma barriga negativa (sim, isso existe!); com apenas alguns minutos de exercícios físicos específicos por dia; e, até, musas fit que postam mínimos detalhes de seu dia-a-dia, numa exposição que mais parece um reality show com direito a receitas mágicas para ter uma silhueta invejável.

E é claro que cabe aqui uma reflexão básica acerca da autonomia de escolha, afinal de contas, a pessoa baixa o aplicativo porque quer, acessa o blog ou o site porque quer, fica aficionado por um corpo cada vez mais magro porque quer. Será mesmo?

Os transtornos alimentares representam um conjunto de doenças extremamente perigosas e letais, inclusive. Meninas de 10 anos, vêm engrossando o grupo de seres do sexo feminino, vítimas de anorexia, bulimia nervosa e compulsão alimentar. Esse fenômeno atinge, em sua esmagadora maioria, meninas, moças e mulheres. Não que os homens estejam à salvo desse tormento. Mas as mulheres são o alvo mais frequente. Em ambos os casos, os transtornos estão chegando cada vez mais cedo, em idades precoces e altamente vulneráveis, como a pré-adolescência. E, neste caso, não há autonomia de escolha.

Os transtornos alimentares envolvem comportamentos distorcidos em relação à ingestão de comida, o que pode tanto levar ao emagrecimento extremo, quanto ao ganho de peso descontrolado, a depender da desordem comportamental de cada indivíduo.

A Anorexia Nervosa, por exemplo, compromete de tal a forma a relação do indivíduo com seu corpo e com o que ele ingere, a ponto de privá-lo da capacidade de enxergar com clareza a sua imagem no espelho. O anoréxico, sempre vai ver no seu reflexo uma pessoa gorda, desproporcional ou inadequada; sempre vai acreditar que precisa perder mais e mais peso. A anorexia, é caracterizada pela ingestão cada vez mais exígua de alimentos e pela preocupação em ingerir apenas alimentos pouco ou nada calóricos. A falta de diagnóstico, de atendimento médico e psicológico, leva a casos graves de desnutrição e até à morte.

Já a bulimia, cria nos indivíduos um comportamento compulsivo, tanto para a ingestão de comida em grande quantidade e num curto espaço de tempo, quanto para métodos de expulsão dessa comida. Os bulímicos provocam o vômito, usam de forma indiscriminada, laxantes e diuréticos, fazem exercícios físicos em excesso, tudo isso para ter certeza de que não se deixou vestígios do crime. O crime para os bulímicos é não ser capaz de parar com esse círculo de automutilação por meio da ingestão e repulsão de alimentos. Essa patologia traz ainda um agravante: além dos severos prejuízos orgânicos, as vítimas da bulimia vivem carregando um enorme peso nas costas por seu comportamento; sentem-se culpados e vão se especializando em ocultar seu transtorno alimentar de amigos e familiares.

Não menos grave é o transtorno do comer compulsivo, que também faz parte de uma deformação da auto-imagem. Esse transtorno é caracterizado por episódios em que os indivíduos perdem o controle e são acometidos por uma necessidade irracional de ingerir grandes quantidades de alimento, com alto valor calórico e em um curto espaço de tempo.

Os compulsivos, em geral, alimentam-se de forma comedida em público, pois costumam sentir-se envergonhados de seu corpo, e por isso, comem escondidos, quando estão sozinhos em casa ou na rua. Comer compulsivamente envolve muitas vezes episódios de culpa e depressão, após os eventos de ingestão exagerada de comida. Os compulsivos sofrem demais porque sentem-se incompetentes para controlar um comportamento que os prejudica física, emocional e socialmente.

O fato é que os transtornos alimentares podem ter sua origem em fatores biológicos, mas em sua grande maioria, surgem de uma combinação de padrões culturais rígidos e excludentes em relação à aparência física e modelos estéticos extremamente idealizados.

A cura é bastante complexa porque passa pelo tratamento de um comportamento social que alimenta e se alimenta da doença. Somos muito facilmente atingidos pela crença de que se não estivermos de acordo com as expectativas sociais de aceitação, estamos condenados à falta de afeto e à solidão.

Estar fora do peso ideal numa sociedade que é obcecada pelo corpo de sílfide parece ser um crime social. Quando na verdade o crime é consentir na exclusão e marginalização daqueles que, por vontade, ou transtorno são descabidos.

Pensar um pouco a respeito disso não faz mal nenhum, não é mesmo? Apenas tentemos, para começar, a nos livrar um pouco desse peso do preconceito, sejamos nós aqueles que sofrem com o descabimento corporal ou aqueles que fazem sofrer. Para nos curarmos desse transtorno, precisamos entender que é um problema de saúde real, que requer tratamento médico e psicológico; mas também requer uma profunda reorganização das nossas habilidades sociais no quesito: respeitar e aceitar o outro com tudo o que ele tem, seja a mais ou a menos.

Imagem de capa:  Adele – foto do álbum “Send my love”

Às vezes, segurar forçado machuca mais do que deixar ir

Às vezes, segurar forçado machuca mais do que deixar ir

Imagem de capa: David Pereiras/shutterstock

Muitas vezes, ficamos presos ao que pensávamos ser eterno, sem conseguirmos perceber que ciclos se fecham, que as pessoas mudam, os momentos se transformam e a vida tem que continuar, mesmo que no modo inverso ao de nossos desejos.

Muito difícil termos a noção exata do limite entre a insistência indigna e a tentativa necessária. Complicado percebermos quando ultrapassamos os limites de nossa dignidade, enquanto lutamos para manter conosco alguém que, às vezes, já nem está mais ali de fato há tempos. Isso porque existem rompimentos em que apenas uma das partes quer sair, mas a outra quer ficar a qualquer custo. E esse qualquer custo, infelizmente, tem um preço alto demais.

Separar-se dói, tanto para quem toma a decisão de terminar quanto para quem discorda dela. Muito provavelmente, ambos estarão tristes, porque um relacionamento envolve muito mais do que a vida dos dois, mas traz para junto de si outras pessoas, outras famílias, aumentando o peso daquilo que desaba. Não somente os parceiros se separam, porque cada um leva consigo muita gente, vários momentos, sentimentos, emoções. Mundos se dividem então.

Embora seja muito complicado conseguirmos controlar nossas ações em momentos turbulentos, como aqueles que compõem o processo de separação entre parceiros, teremos que tentar perceber o quanto a dor está nos afastando de nós mesmos, o quanto o ato de forçar a situação vai achatando a nossa dignidade, a ponto de nos tornarmos menos gente, menos humanos. Ninguém merece despojar-se de tudo o que é por conta de alguém que decidiu não mais ficar.

A rejeição é assim mesmo, ninguém parece estar pronto para enfrentá-la, porque a gente não consegue lidar com o fim de algo pelo que tanto se luta, em que tanto se acredita. Na maioria das vezes, ficamos presos ao que pensávamos ser eterno, sem conseguirmos perceber que ciclos se fecham, que as pessoas mudam, os momentos se transformam e a vida tem que continuar, mesmo que no modo inverso ao de nossos desejos.

Lógico que vai doer muito, que vai ser uma das piores travessias de nossas vidas, mas deixar de insistir em alguém que já está de malas prontas será o melhor que poderemos fazer a nós mesmos naquele momento, porque a dor da partida passará, mas uma cicatriz que se alimenta diariamente, enquanto mantemos à força alguém por perto, nunca para de sangrar. Muitas vezes, o que é melhor para as nossas vidas não é aquilo que queremos, mas aquilo que machuca menos. Optar por uma dor que o tempo cura será, então, o caminho.

O amor é para os que aguentam a sobrecarga psíquica

O amor é para os que aguentam a sobrecarga psíquica

Em um contexto de liquidez, de fragilidade das relações humanas, o amor parece ter se tornado banal. As pessoas até falam “eu te amo”, mas a fraqueza semântica das palavras logo demonstra o erro sentimental.

E não é que a gente não saiba o que é amor; é apenas a tentação de sempre sucumbir à ilusória facilidade. É o desejo permanente de flertar com a saída. Talvez por isso, a porta sempre esteja entreaberta. Fechá-la pode trazer muitos riscos. Mas existe amor sem risco?

O velho safado, Charles Bukowski, diz que: “O amor é como tentar carregar uma lata de lixo abarrotada nas costas, nadando contra a correnteza num rio de mijo”. Obviamente, a afirmação do Buk pode causar estranhamento e até mesmo assustar os mais “ingênuos”, entretanto, o que se esconde por trás dessa frase é que quando se trata de amor não existe facilidade, tampouco segurança permanente. O amor, como condição humana, é sempre inconstante, vulnerável, difícil e frágil; sendo necessário enorme esforço e dedicação constantes para que o verbo não perca a sua força ativa… e criativa.

Aquilo que não é revisto, revisitado, reorganizado, acaba por se tornar obsoleto e não fazer sentido no tempo em que está. Por isso, o amor guarda esse caráter criativo, embora seja necessário invariavelmente ativá-lo e tornar a ativá-lo de novo, a fim de que não caia no ostracismo e se torne indiferente.

A bem da verdade, não é tão fácil de dedicar profundamente a um sentimento, a uma relação. No entanto, é preciso entender que não é banalizando o amor que ele se torna presente. Não é pela quantidade de pessoas que se mede a qualidade afetiva da vida de alguém. Tampouco a quantidade de mensagens que se recebe ou eu te amos que se escuta, porque mais importante do que a velocidade da fala é a demora da compreensão.

Mas, vivemos tempos líquidos nada é para durar. O que trocando em miúdos significa que nada possui muita importância ou deve possuir. Desse modo, quantidade pode ser sinônimo de qualidade, a ilusão pode ser tomada como realidade, a gritaria pode soar como música, e o amor pode ser comprado em qualquer esquina e vendido na próxima, com leveza e tranquilidade.

É como se as relações não possuíssem rusgas ou algo a ser acertado, ajustado, melhorado. Aliás, não existem rusgas, já que o terreno superficial no qual essas “relações” caminham sequer permite que se atinja pontos de tanta instabilidade.

Apesar disso, todos sabem que relacionamentos que não desassossegam a alma não merecem a alcunha de amor, pois os nossos avessos só são acordados quando o nosso íntimo é tocado. Portanto, sem profundidade não existe toque, e sem toque não existe amor, já que lembrando Whitman: “Que pode haver de maior ou menor do que um toque?”.

Todavia, não é possível sentir-se com a alma despida e ao mesmo tempo desperta sem que grande esforço seja empreendido na aproximação dos intervalos que nos formam. Sendo assim, o amor que só percorre ruas limpas se liquefaz rapidamente, porque para que permaneça e se torne um boêmio, conhecedor e frequentador de todas as ruas, inclusive, as mais escuras, é preciso coragem e esforço, pois como melhor define Bukowski: “O amor é para os que aguentam a sobrecarga psíquica”.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”

Seja você mesmo, ainda que incomode aqueles que fingem ser quem não são

Seja você mesmo, ainda que incomode aqueles que fingem ser quem não são

Imagem de capa: LanaBrest/shutterstock

Não é fácil ser autêntico e viver as próprias verdades no mundo de hoje, em que as aparências ditam as regras e o status social sobrepuja a essência humana. Ainda mais com o olhar persecutório que permeia as redes sociais, onde expor um simples ponto de vista sobre algo pode levar a reprimendas e censuras de gente que mal nos conhece. Por isso é que, muitas vezes, chegamos a nos perguntar se somos realmente desse mundo.

Quando somos gentis, podemos ser vistos como alguém que possui segundas intenções. Quando sentimos compaixão por alguém, podemos ser julgados como fracos. Quando discordamos de alguém, podemos ser ofendidos da pior forma. Quando nos permitimos tirar um tempo sem fazer nada, podemos ser chamados de preguiçosos. Nunca antes houve tanta gente pronta para criticar a vida alheia. Nunca antes houve tantos donos da verdade.

Nessa toada, muitos acabam temendo, cada vez mais, expor o que pensam, dizer o que sentem, viver o que são, da forma que lhes convém, mesmo que não estejam atropelando ninguém nessa jornada, ainda que ninguém tenha nada a ver com isso. Cansa ler os comentários que inundam nossas publicações; cansa ser questionado sobre estar ou não sozinho, ter ou não filho, estar ou não estudando. Cansa ter que se desviar dos chatos de plantão que sempre empacam o caminho.

Teremos que nos conscientizar de algo óbvio: nada do que dissermos ou fizermos agradará a todos, muito pelo contrário. Haverá sempre pessoas nos contradizendo e nos condenando, não importando a maneira limpa e ética com que pautemos nossas ações, simplesmente porque a muitos sempre será doloroso assistir à felicidade alheia. Estão ocupados demais com aquilo que lhes falta porque não têm a coragem que tanto recriminam nos outros.

Ainda que nos deparemos com censuras, reprimendas, julgamentos e toda sorte de obstáculos pela frente, jamais sairemos perdendo quando nos dispusermos a viver aquilo por que vibra os nossos corações, sem atropelarmos ninguém por aí. Porque nada é mais prazeroso do que podermos conviver com quem somos de verdade, sem o peso inútil de culpas e de arrependimentos covardes. Vivamos!

Triângulos amorosos: quem nunca?

Triângulos amorosos: quem nunca?

Aposto e ganho como já tem uma porção de gente balançando a cabecinha por causa desse título aí de cima. Há que jure de pés juntos que nunca, nunquinha mesmo, fez parte de um triângulo amoroso. Mas, e sempre tem um “mas”… preciso lhe contar um segredinho, meu incauto leitor: é mais difícil encontrar alguém que nunca participou dessa amorosa geometria, do que encontrar uma agulha no palheiro! Pode acreditar!

Inclusive, além dos triângulos, há retângulos amorosos; menos comuns, mas não impossíveis há pentágonos (além daquele lá da Casa Branca, tá ligado?!), hexágonos e por aí vai…

A questão é a seguinte: um triângulo amoroso nem sempre é algo concreto ou visível; alguns deles, inclusive, só se desenvolvem na cabecinha de um dos envolvidos. Isso acontece porque em pleno século XXI, muito tempo depois da passagem do filósofo Platão pela Terra, ainda há quem recorra ao alento afetivo de um amor platônico. Pois é.

O amor platônico é bastante útil para aquelas pessoas que precisam sentir que exercem algum poder na relação, ou não é capaz de sentir tesão sem que haja alguma disputa envolvida. Muitas vezes, esse tesão é tesão mesmo, ou seja, algo ligado diretamente à libido e ao desejo sexual. No entanto, há um outro tipo de tesão que, não tem nada a ver diretamente com sexo, mas tem ligação direta com o desejo pelo controle do outro, sem que ele saiba, é claro!

Ahhhhh, sim! A nossa cabeça é extremamente complicada! O fato é que, complicada ou não, é a cabeça que sente amor, paixão, desejo, raiva, repulsa, inveja, e todos os outros tipos de emoções que temperam a nossa vida. O pobre coração, coitadinho, não tem nada com isso.

Mas, voltando à nossa questão angular sobre relacionamentos. Muitos casais, acabam sucumbindo a um tipo de relação que não vai nem para frente, nem para trás. Isso acontece com mais frequência do que se possa supor. Todo relacionamento no início – ou, a sua maioria -, tem como pano de fundo aquela situação inicial de encantamento; um quer desbravar o ouro; ambos apostam na felicidade e, nesse início de “jogo”, dão o seu melhor.

Uma vez que se caminhe desse estado primeiro de paixão para um outro nível, aquele das relações mais estáveis, ingressa-se também em terrenos mais escorregadios que atendem pelo nome de rotina, acomodação, choque de realidade, incompatibilidade de manias e bla, bla, bla… Todo mundo sabe do que é que eu estou falando, não é mesmo?

Bem… se o casal, em questão, tiver a sorte de madurecer junto com a transformação da relação, ganha de presente – mas, não de graça -, uma chance muito maior de fazer essa história dar certo. Porque há também um encantamento genuíno na partilha das conquistas do cotidiano, na capacidade de acolher as imperfeições do outro, na oportunidade de evoluir emocionalmente, a partir de um relacionamento saudável, onde há lugar para tudo, incluindo conflitos e fases de calmaria.

Porém…. Ahhhh porém… não raras vezes, um dos envolvidos – às vezes, ambos -, ficam ressentidos com a descoberta de que a tal sonhada felicidade não pode ser entregue pelas mãos do outro. Além disso, a maior parte de nós tem uma visão bastante romantizada e ilusória acerca do que vem a ser de fato uma relação à dois que dure além da paixão.

Nestes casos, a motivação advinda das expectativas iniciais pode gerar alguns filhos inesperados – filhos simbólicos ou filhos humanos mesmo. No caso dos filhos simbólicos, estes são constituídos por aquisição de bens materiais, animais de estimação ou projetos em comum, algumas vezes profissionais, inclusive. No caso dos filhos humanos, estamos falando de crianças, é claro – sejam elas nascidas por vias biológicas ou não. A questão é que, se construir uma relação à dois já é um desafio enorme, incluir outros elementos à essa tarefa desafiadora, requer um grau ainda mais elevado de maturidade emocional e disponibilidade afetiva.

O que complica, então, é esse quase despreparo generalizado para nos envolver em jornadas de longo prazo, que nos torna alvos tão fáceis para escolher atalhos. E um desses atalhos são as relações externas à relação do casal.

Algumas vezes essa “pulada de cerca” não passa de uma ideia, surge uma atração – física ou mental -, por outra pessoa; em geral alguém que represente a antítese do perfil do parceiro estável, mas pode acontecer de rolar essa atração por outro alguém bem parecido; afinal de contas, o que não falta é gente que nunca encontra a felicidade amorosa, justamente porque fica repetindo um padrão de escolha. Muitas vezes essa relação de flerte acontece entre colegas de trabalho, entre amigos virtuais, entre amigos de faculdade, enfim, pode nascer em qualquer parte ou circunstância.

Essa atração fica no imaginário, alimenta uma carência de encantamento que foi solapada pelos percalços inevitáveis de uma vida cotidiana. Apoiado nessa relação triangular, a pessoa vai tocando a vida, como se tivesse arranjado um pezinho extra para um móvel que estava em vias de virar com tudo o que lhe ia por cima. Mas, como essa história não passa de um flerte e nunca se concretiza, isso funciona por um tempo. Por um tempo. O resultado pode ser desastroso de muitas formas, dentre elas, levar a relação real ao fim, em troca de um amor idealizado que pode não dar em absolutamente nada. Neste caso, entre mortos e feridos, ninguém se salva.

Outras vezes, o triângulo assume uma estrutura realmente concreta. Um dos elementos do casal, por julgar tem encontrado finalmente alguém que atende suas expectativas, ou simplesmente por forçar o caráter inocente da aventura, embarca com malas e cuias numa relação extraconjugal. E aí, não interessa se o tal elemento geográfico é reto, agudo ou obtuso, vai dar em desastre.

Há pessoas que sustentam relações triangulares por toda uma vida. E, são capazes de recitar uma infinidade de justificativas para a impossibilidade de colocar um fim a essa situação.

Na ponta daquele que se esticou para fora em busca de uma relação alternativa, chovem desculpas para manter os dois polos afetivos; esta pessoa é como um malabarista tendo de equilibrar uma pilha de pratos em cada mão: é cansativo, desgastante e vicioso.

Na ponta daquele que fica na relação mesmo desconfiando ou tendo certeza de que o outro esticou-se para fora, vale tudo para fingir que não é real o que se passa, inclusive, porque pode ser que essa tal pessoa estivesse apenas esperando por uma deixa para dar uma “puladinha de cerca também”, no melhor estilo “chumbo trocado não dói” – então, teremos aí um retângulo e não mais um triângulo; há ainda aqueles que não vejam essa escapada como traição; e há ainda, aqueles que não enxerguem uma saída de acabar com isso sem acabar com tudo. É! É complicado mesmo!

Na última ponta da relação triangular tem aquele que foi incluído na confusão emocional do outro, consciente ou inconsciente de que estava se metendo numa tremenda duma encrenca. Por incrível que pareça, é essa pessoa que tem a mais difícil escolha a fazer. Supondo que ela tenha entrado “de gaiato no navio”, quando ela se der conta, pode ser que já esteja muito envolvida ou acredite que o triângulo se romperá um dia e ela passe a configurar a idealizada forma de um feliz casal. Por outro lado, supondo que ela entrou no esquema sabendo dos riscos que corria, pode ser que ela tenha avaliado mal suas chances, ou pior… pode ser que ao conseguir romper o triângulo, ela se dê conta de que não era bem isso que ela queria.

A verdade, a verdade mesmo, é que nenhum de nós pode jurar de pés juntos que jamais beberá dessa água. Até porque, pode ser que a nossa parte seja bem aquela do elemento que não sabe de nada, inocente!

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena do filme “Vicky Cristina Barcelona”

Não permita que abusem de sua bondade, transformado-a em servidão

Não permita que abusem de sua bondade, transformado-a em servidão

Imagem de capa: illustrissima/shutterstock

Muitos confundirão bondade com servidão, ou porque não sabem lidar com o que desconhecem, ou mesmo propositalmente, visto serem oportunistas e folgados. Tentarão tirar tudo, mais e mais, aproveitando-se de cada oferta nossa.

Num mundo tão violento, cheio de pessoas egoístas e pouco dispostas a gentilezas de quaisquer tipos, muito nos admiramos quando encontramos alguém que se doa, interessando-se pelo que não se trata da própria vida. Porque a bondade ainda existe, mas vem se tornando, a cada dia, artigo raro, de luxo, uma riqueza ímpar.

Ninguém perde por ser bom, por ajudar, por colocar-se no lugar do outro, por ser um humano que tem coração e não olha somente para as próprias necessidades. Tudo o que fazemos se irradia para além do que podemos enxergar, atingindo várias pessoas, trazendo luz a muito mais gente do que imaginamos. Tanto nossas atitudes boas quanto as más disseminam-se, ou seja, nada melhor do que irradiarmos energias positivas.

Infelizmente, muitos confundirão bondade com servidão, ou porque não sabem lidar com o que desconhecem, ou mesmo propositalmente, visto serem oportunistas e folgados. Tentarão tirar tudo, mais e mais, aproveitando-se de cada oferta nossa, exigindo, inclusive, que façamos o que é obrigação nada menos do que deles próprios. Tentarão ir além dos limites, transformando favores em exigências, porque nunca estarão satisfeitos, por mais que façamos por eles.

E o pior de tudo é que, na primeira vez que lhes negarmos algum pedido, esquecerão tudo o que já fizemos em seu favor, para então se revoltarem contra nós, taxando-nos de insensíveis, de egoístas, tentando fazer com que nos sintamos mal. Se possível, contarão a quem quiser ouvir a versão deturpada que elas criam acerca dos fatos, para que nós é que fiquemos como os malvados da história.

Caberá sempre a nós, portanto, deixar claros os limites de nossa solicitude, porque tem gente que não se limita, não se toca, tampouco consegue entender o outro nem nada além do próprio mundinho egocêntrico no qual se fecha. Por isso mesmo, não podemos, em hipótese alguma, permitir que ninguém abuse de nossa bondade, a ponto de transformá-la em servidão. Jamais.

Quem quer, demonstra. Quem não quer, passa a vez.

Quem quer, demonstra. Quem não quer, passa a vez.

Não precisa muito, não. Um abraço apertado, mãos dadas com tesão e estar presente para confirmar o que está sendo sentido. Pequenas atitudes que podem parecer tolices, mas que na verdade valem mais do que um eu te amo declarado a todo instante.

Pensa comigo, qual é o sentido de negar as aparências e disfarçar as evidências? O interesse arrebatador que você acha ganhar escondendo o jogo, cedendo desejos aos poucos, francamente, maior infantilidade não há. Finais infelizes no passado te deram um certo crédito para frear alguns sentimentos, mas isso não quer dizer que tenha uma imunidade emocional, onde você dita como e quais sinceridades deve proporcionar. Além de ser injusto com quem vem se aproximando, ainda é trapaça com quem já estava lá, antes de você, querendo somar em vez de subtrair.

O melhor jeito de saborear um relacionamento é sendo entregue. Porque amantes não constroem obstáculos. Eles criam, desde o início, pontes de honestidade, tranquilidade e respeito mútuo. Bateu aquela saudade? Coragem. Ousadia para deslocar o tempo, mover moinhos e ventos ao encontro. Tendo a aprovação prévia de quem se quer estar, dane-se o mundo.

Mas e o risco? O risco é onipresente. Quebrar a cara acontece até para os desacreditados. Relacionamentos são assim mesmo. Nenhum contrato amoroso deveria contemplar obrigações. Pelo contrário, as cláusulas atribuídas viriam com artigos sobre disposições, tornando assim, tudo legítimo e palpável.

Agora, você pode tentar a sorte e ver o que te espera. Não cabem muitos julgamentos para essa gente que insiste no desprazer de ter prazer. Talvez sejam machucadas demais, cansadas demais. De qualquer forma, algo precisa mudar. Não precisa muito, não.

Quem quer, demonstra. Quem não quer, passa a vez. Existem mais amores entre o doce feito e as metades do que supomos.

Imagem de capa: Saudações de Tim Buckley (2012) – Dir. Daniel Algrant

Não conquistei tudo o que queria, mas amei tanto quanto podia

Não conquistei tudo o que queria, mas amei tanto quanto podia

Imagem de capa: Dmitry Pustovalov, Shutterstock

É muito fácil chegar e descontar na vida e nos outros tudo o que você poderia ter sido. Não passam de desculpas desconcertantes para um problema crônico, a falta de olhar para si e agradecer pelo tanto que você amou e ainda pode amar.

A gente sabe que a vida não é esse mar de rosas. Que, independente dos nossos esforços, não há uma garantia vitalícia de reciprocidade, felicidade e objetivos a serem conquistados. Faz parte perder. Faz parte não conseguir. Faz parte se decepcionar. Perceber essas coisas não é um recibo de desistência ou uma prática de pessimismo, mas é transparecer maturidade para aceitar, nada e nem ninguém está sob o nosso controle. Viver são intervalos de liberdade.

Não é todo dia que o amor está para amar. Mas você ama. Você tenta. Você interfere e usa das mais variadas artimanhas para fazer do seu bem, o seu bem. É aí que está, não é seu. Todos os contatos que temos, em todos os níveis de relacionamentos e passagens da nossa jornada são permitidas. Você não aparece e fica. É necessário um convite, uma recomendação, um interesse. Logo, não é enchendo a alma de reclamações que conseguirá uma prioridade especial da vida.

Seja leve. Encosta o sorriso no coração e deixe-os a sós. Eles se entendem, se encontram. Nenhuma rota de fuga justifica esse descontentamento. Às vezes, expectativas são só expectativas. Sensações sem endereço fixo, mas que se deixarmos, ficamos procurando a vida inteira. Enquanto isso, o tempo vai passando. O amor vai passando.

Vai lá, vive. Acorde vestindo inteiros. Faça a sua parte. Se o mundo não colabora, azar o dele. Mas tenha gratidão, contemple e priorize suas belezas e fôlegos. Não conquistei tudo o que queria, mas amei tanto quanto podia. Por quê? Porque soprei para o presente. E o presente é mais um daqueles sinais que você finge não existir. Ou, a onipresente força da escolha.

“Nada volta, mas graças a Deus algumas coisas recomeçam”

“Nada volta, mas graças a Deus algumas coisas recomeçam”

Imagem de iiiphevgeniy/shutterstock

A aceitação do fim dos ciclos é sempre um capítulo doloroso.

Não fomos preparados para as perdas. Não fomos treinados para o adeus repentino.

Somos péssimos perdedores.Quando o assunto é o fim do amor, somos incorrigíveis. Nos transformamos em meninos birrentos, profissionais do remendo. Queremos a todo custo colar os fragmentos da história falida. Rebobinar a fita e corrigir os erros.

Acreditamos que somos capazes de lidar com qualquer contratempo, desde que tenhamos como provar que toda dificuldade amorosa é apenas um desafio,um teste para aguçar a nossa capacidade argumentativa. Só questão de usar a recordação certa para convencer o outro a mudar de opinião.

Compreendemos que basta um pouco mais de jeito para lidar com os medos e bagagens sentimentais do outro.Só uma questão de mudar o método de tratamento, até que se sinta em casa novamente dentro de nossas vidas.

Sempre arrumamos um jeito de convencer o outro de que a decisão de ir embora é equivocada. Abrimos os arquivos felizes de outrora e com as provas na mão, o informamos que não poderá partir porque já foi feliz ali, portanto tem um compromisso sério, como se o fato de não amar mais não fosse suficiente.

Jogamos a culpa no outro e o acusamos de desistir do amor cedo demais enquanto desistimos de nós mesmos implorando para que ele permaneça.

As pessoas têm o direito de ir embora. Às vezes, chegam e não ficam. Dormem na varanda das nossas ilusões e se despedem. Não há nada de errado em não permanecer. Errado é cobiçar a estima de quem não nos ama. Insistir em quem não nos quer por perto. É um desejo oco porque os sentimentos trafegam em via única. Não há fluxo. Não há troca. Não há reciprocidade.

Todas as pessoas mudam e consequentemente os sentimentos vão se adequando a essa nova ótica, a esses novos modos de ordenar a realidade. Deixar para trás é amadurecer. O amor ou qualquer outro sentimento de afeição não pode ser exigido para suprir desmedidas carências. O que falta no lugar de tanta cobrança, é nos ocuparmos com o que somos e aceitarmos que as faltas mais agudas que temos não são responsabilidade de ninguém.Precisamos delas para compreendermos o nosso complexo funcionamento. Quando insistimos que o outro fique e nos ame de acordo com o nosso manual, deixamos claro que não estamos interessados em partilha, mas em posse.

Só pode haver recomeço quando compreendemos que é natural que não nos amem pelo que somos e deixem de nos amar pelas incompatibilidades que surgirem depois. Não há nada de errado nisso. Quando iniciamos um relacionamento, costumamos agir como quem hasteia uma bandeira permanente num terreno já conquistado e esquecemos que não temos controle sobre o sentimento alheio.

Não há muito o que fazer além de aceitar que o relacionamento acabou. Que a estrada será diferente para cada um e as interseções serão apenas um ornamento da memória. Se não tivermos a plena convicção de que a companhia do outro deve ser livre e espontânea, estaremos sempre acuados pelo medo dos términos. E isso, se deve à nossa própria habilidade de criar obstáculos, porque amarramos as expectativas no que é mutável, e o recomeço só estará disponível depois que o kit da maturidade entrar em vigência.

Autor da frase-título: *Felipe Arco

Reconfigurar sagaranas

Reconfigurar sagaranas

Imagem de capa: eelnosiva/shutterstock

A gente não tem chances infinitas de corrigir a rota para alcançar o porto que queremos. Por toda vida, talvez tenhamos três ou quatro oportunidades para acertar o alvo. Aqui me refiro a oportunidades internas – aquelas que nós mesmos nos damos.

Nos últimos tempos muita gente escreveu, nos livros e redes sociais, que devemos abandonar o emprego quando estamos infelizes com ele. Chegar para o chefe, dar uma banana, encher a boca e saltar o sonoro: fui!

Mas a vida como ela é: nem sempre é possível abandonar o lugar onde se ganha o pão com manteiga, os tênis para caminhadas, a mensalidade da escola do filho. Segue lista! Não existe vida sem contas a pagar.

Até mais dramático: não há empregos sem sapos a engolir. Alguns autores, majoritariamente americanos, ganharam bastante grana vendendo mantras nos encorajando a fugir de empregos chatos, burocráticos, repetitivos.

Esses autores perceberam que a maioria dos humanos gostaria de trabalhar em funções e postos desafiadores, criativos, abertos. No entanto, a maior parte dos trabalhadores do mundo está longe dessa utopia.

Eu passei boa parte da minha história profissional esperando o editor genial, o mecenas camarada, o leitor paciente, o dinheiro na conta. Nenhum dos quatro deu as caras. Ou, quem sabe, não foram com a minha cara.

Minha solução foi procurar recursos interiores para trilhar cenários adversos. De jeito algum mudei de ramo. Não apenas por conta da paixão de escrever, mas também pela certeza de que fracassaria em qualquer outra atividade.

Quando percebemos que não podemos sair do emprego, ou que é inviável mudar de ramo, surge uma oportunidade de ouro: se reinventar. Se não dá para transformar a paisagem, que tal olhá-la de um outro ângulo? Repaginar o trabalho pode nos ajudar a ver diferente.

O que não é necessariamente ver coisas novas, mas ver o que estava invisível. Há coisas boas na frente no nosso nariz, implorando por atenção. Várias atividades profissionais são desvalorizas, o que não significa que elas não tenham valor. Valorizar o que fazemos começa com a gente.

Outro dia entrei na Fnac de Pinheiros perguntando pelo Sagarana livro de contos do João Guimarães Rosa, publicado em 1946, considerado um clássico. A vendedora franziu a testa, procurou no computador, disse: Esse título é muito antigo, não temos na loja.

Ouvindo a conversa um outro vendedor me conquistou: Não temos o Sagarana no momento, mas temos o Grande Sertão e o Primeiras Histórias do mesmo Guimarães Rosa. Agora responda: qual dos dois vendedores trabalha mais feliz?

Às vezes, a gente não perde, a gente se livra.

Às vezes, a gente não perde, a gente se livra.

Imagem de capa:  Little Perfect Stock/shutterstoc

A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas.

Marcel Camargo

É impossível enxergarmos os fatos com clareza quando estamos inseridos em meio à roda-viva dos acontecimentos desagradáveis. Geralmente, somos levados ao desespero, à impotência e à certeza de que jamais conseguiremos nos reerguer depois daquilo tudo. Mas o passar dos dias, dos meses, sempre acaba trazendo a lucidez necessária para que possamos encontrar meios de superar os reveses, os quais, vistos ao longo do tempo e a uma distância segura, tomam a real dimensão que possuem, sendo muitos deles verdadeiras bênçãos em nossa jornada. Há perdas, sim, mas também há muitos livramentos, felizmente.

A gente perde quando magoa quem nos ama de verdade, quem caminha ao nosso lado torcendo pelo nosso sucesso e nos ajudando a batalhar por nossa felicidade. Ferir essas pessoas é como machucarmos a nós mesmos, pois fazem parte de nós e de nossa história. Ao nos distanciarmos daqueles que nos dão as mãos com devoção sincera, limitamos as possibilidades de encontrarmos a felicidade.

A gente se livra ao perceber que está perdendo tempo em uma relação sem futuro algum, investindo em alguém que não oferece nada em troca. Recobrar a consciência e a lucidez, para juntarmos forças que nos possibilitem romper e partir em busca do amor de nossas vidas significa procurarmos pela felicidade com que sempre sonhamos. Os sonhos não devem permanecer na cama, mas sim nos acompanhar também enquanto estivermos acordados.

A gente perde quando trava lutas inúteis contra pessoas que não fazem a menor diferença em nossas vidas, tentando provar algo a quem não tem a mínima consideração com o que somos.

Despender energia com aqueles que não fazem questão de tomar parte de nosso caminhar com cumplicidade apenas enfraquecerá nossos ânimos, desviando nossas atenção do que realmente importa, do que nos é vital junto às pessoas certas.

A gente se livra ao compreender que somos falíveis e que bem provavelmente erramos muito, todos os dias. Esse entendimento amenizará nossa carga de culpa, tornando-nos mais leves e propensos a internalizar os aprendizados que vêm com as colheitas. Somente analisando os nossos equívocos, com maturidade e criticidade, é que conseguiremos articular nossas ações, no sentido de não repetir os erros que emperram nossos avanços, em todos os setores de nossas vidas. É preciso carregar somente as bagagens que nos serão úteis, ou nos cansaremos sem ter desfrutado tudo o que merecemos.

A gente perde quando se nega a mudar os hábitos que emperram as mudanças necessárias ao nosso aprimoramento pessoal, que nos intoxicam o físico e o psíquico, minando nossos sentidos e limitando nossa visão de mundo. Nunca é tarde para que deixemos o novo adentrar em nossas vidas, reoxigenando nossos pensamentos, elucidando nossas dúvidas, oportunizando-nos novas chances de recomeçar aquilo que não está dando certo.

A gente se livra ao ultrapassar os limites de nossa zona de conforto, deixando para trás o que nos pesa inutilmente, o que nos faz mal, o que fere nossa dignidade. Livrar-se é buscar um novo emprego, novos amigos, outras moradas, amores fresquinhos, paisagens inusitadas, emoções desconhecidas. É inconformar-se com o que se acomodou de forma insossa, rompendo as barreiras do medo e da hesitação que nos impedem de utilizarmos todo o potencial que nos preencherá a essência na medida exata de nossa felicidade.

É necessário, pois, sabermos que, ainda que certas rupturas pudessem ter sido evitadas em nosso favor, muitas perdas implicarão ganhos imensuráveis, no tempo e na hora certa. Por mais desoladora que seja a situação, haveremos de vencer a desesperança, o desânimo e a negatividade, renascendo das intempéries cada vez mais fortes e humanos, com uma visão de mundo mais madura e segura. Certamente, ainda haveremos de olhar para trás com uma grata satisfação por tudo o que nos aconteceu e que nos deu a oportunidade de nos tornarmos quem somos, apesar de – e por causa de – todas as escuridões em meio às quais nossa luz interior se fortaleceu para nos guiar de volta, sempre em direção à felicidade.

“Por onde for, quero ser seu par.”

“Por onde for, quero ser seu par.”

Imagem de capa: Katya Suresh/shutterstock

Nesse mês de junho proliferam as emoções e essa é uma frase bastante escolhida pelos apaixonados.

Acho lindas essas frases de espelhamento gemelar que intencionam expressar o amor entre duas pessoas.

Mas vale uma reflexão sobre amor e amor.

Um par de vasos, por exemplo, envolve simetria.
São dois vasos idênticos.
Ambos se espelham um no outro.
Igual, igual, igual.

Existem casais assim?

São raros. A própria biologia se encarrega de criar pessoas diferentes.
Não há duas pessoas iguais.

Qualquer casal, por mais unido que seja, conserva a identidade bem individualizada.
Os gostos.
As preferências.
A praia e o campo.
A novela e o futebol.
E sim, o Jornal Nacional, juntos. Se um deles não preferir a Band.

Uma quadrilha, por exemplo.
Um bolero de Ravel bem dançado.
Um tango em Buenos Aires.
Todas essas musicalidades também envolvem o conceito de par.
Um conduz, o outro se deixa conduzir.

Difícil pensar que esse conceito possa ser aplicado na vida de um casal: você conduz e eu me deixo conduzir.

Até porque existem matérias dominadas por um deles, e outras dominadas pelo outro.

Quem entende mais, deve ser o condutor. De onde se conclui que a condução se alterna.

O conceito romântico de “par” fica melhor descrito em termos de parceria.

As parcerias se estabelecem quando um ser que pensa e conserva a sua identidade, se junta a outro ser que pensa e conserva a sua identidade,

e ambos convergem o olhar para a mesma direção,

e caminham juntos, não por todas as horas do dia, não “por onde for”, mas por tempo suficiente para se separarem, quando um quiser ir ao jogo, e o outro ao cinema,

sem que isso se torne um drama, ou uma guerra declarada.

Nesse sentido real, profundo, e verdadeiro as parcerias se estabelecem e podem durar até que a morte os separe.

Mesmo que um deles goste de sair, bater papo, frequentar festas, e o outro goste de ficar em casa, lendo um livro.

Mesmo que um deles não goste de viajar, e o outro faça viagens regulares a cada ano.

Qual o problema?

O problema existe apenas se você sentir que precisa de um par.
Um par para estar o tempo todo ao seu lado.
Um par que funcione como vaso
ou como partner de uma dança.

Mas o problema não existe se você internalizar o conceito de parceria.
Que é muito mais amplo.
Que envolve desprendimento.
Que abre mão do egoísmo.
Que respeita as diferenças.

Você pode ser o meu parceiro, ainda que não seja o meu par por onde eu for.

Eu posso ser a sua parceira, ainda que você não seja o meu fiel seguidor.

Basta que entre nós haja a confiança mútua de que em todos os lugares,
por onde estivermos,
conservemos a certeza de que somos parceiros na alegria e na tristeza,
convergindo os nossos interesses
e nossos esforços para o mesmo fim.

Nesse sentido, eu não tenho um par. Tenho um parceiro.

Entre nós prevalece o vínculo forte de uma parceria que dura anos, e nos leva a remar o barco na mesma direção, porque dentro dele está a nossa família, o nosso patrimônio, os nossos filhos, e os nossos netos.

Se alguém falar mal dele, eu brigo até a morte para defende-lo,

e se alguém falar mal de mim, presumo que ele faça o mesmo.

Eu até posso falar, mas não permito que mais ninguém fale na minha presença.

Posso, mas não falo.

Ensinei os nossos filhos a o amarem muito mais do que peço que me amem.

O pai dos meus filhos é o Pai de todos nós, inclusive meu.

Não é um modelo a ser seguido.

Sei que há outros, mais românticos.

Mas posso afirmar que tem funcionado em realidade, e em verdade.

Quem não tem um par, não azede o leite por conta desse conceito romântico.

Você tem um parceiro(a)?

Se tiver, comemore!

As parcerias sobrevivem a tudo, até a eventuais separações.

O casamento pode acabar e a parceria verdadeira se manterá até que a morte os separe.

“Não existe pior prisão do que uma mente fechada”

“Não existe pior prisão do que uma mente fechada”

Imagem de capa:  Who is Danny/shutterstock

Carl Jung disse certa vez que “Todos nós nascemos originais e morremos cópias”. Ao analisar a frase de Jung à luz da contemporaneidade, poderíamos encontrar um enorme problema, uma vez que vivemos em um mundo regido sumariamente pela liberdade. Isto é, o fundamento maior da nossa sociedade é a liberdade, que se ramifica em diversos aspectos, desde o econômico até o comportamental. Entretanto, se olharmos com profundidade, perceberemos que essa estrutura de mundo “livre” existe tão somente no plano teórico e, assim, somos só reprodutores da ordem vigente ou simplesmente cópias, como argumenta Jung.

Obviamente, a nossa cosmovisão sofre influências externas, esse é um processo natural. Da mesma maneira que a vida em sociedade necessita de regras a fim de manter o convívio social dentro de certos limites éticos. Sendo assim, pensar no exercício da liberdade como algo ilimitado é impossível, já que todas as coisas possuem o seu contraponto e limitações. Apesar disso, a existência de pontos limitadores não implica a inexistência da liberdade e o condicionamento irrestrito a valores passados por uma ordem “superior”.

Todavia, é isso que tem acontecido, temos sido escravizados ou, lembrando o João Neto Pitta, “colonizados pelo pensamento alheio”. E pior, por uma ideologia extremamente nociva para nós enquanto seres humanos. Fomos reduzidos a estatística, na qual somos divididos entres os condicionados e os condicionáveis. Ou seja, não existe nessa estrutura a concepção de um ser livre, que exerce a capacidade de raciocínio e afeto para discernir sobre o que quer e deseja. Todos são domesticáveis em potencial.

Esse controle é feito por meio da conversão à sociedade de consumo e seus valores fundamentais, que reduz tudo a um valor mercadológico precário, rotativo e obsoleto. A mídia com todos os seus tentáculos está a serviço do grande capital, que não visa outra coisa a não ser a conversão de mais pessoas, contemplando o deus consumo em seu templo maior: os shoppings centers. Lugar de alegria, satisfação, preenchimento de vazios e liberdade irrestrita, pelo menos teoricamente ou midiaticamente. Mas, em um mundo regido também pelas aparências, pelo espetáculo, o importante não é o que é, e sim, o que aparenta ser, sobretudo, aos olhos dos outros.

Aliás, nesse esquema, não basta ter, é necessário parecer que tenha, expor, mostrar, iludir, ganhar aplausos, tapinhas nas costas, sorrisos falsos e olhar invejosos. Em outras palavras, é preciso confessar ao mundo que você é um vencedor, que é um bom filho de “Deus”, que é recompensado por seguir os seus preceitos, ir ao seu templo e contemplá-lo 24 horas por dia. E existem ferramentas muito úteis para isso, as redes sociais que o digam.

Toda essa teatralidade da vida cotidiana, montada com cortinas que nunca se fecham, é apresentada como verdade e nós — com nossa psique altamente fragilizada — a compramos com extrema facilidade. Para os mais duros na queda, nada que mil repetições não sejam capazes de construir, afinal, como disse Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.

Apesar disso, a grande maioria de nós não está revoltada com a sua condição, pelo contrário, aceitamos o jugo de bom grado. Ou pior, o buscamos. É claro que não possuímos o domínio das relações de força na sociedade, não controlamos as leis, o sistema jurídico, tampouco, a mídia. Somos “apenas” espectadores vorazes de uma batalha desigual e opressora. Entretanto, será que não há o que ser feito? Será que não existem alguns pontos de luz que tentam nos iluminar? Eu sei o quanto é difícil se libertar e quão alto é o preço que se paga pela liberdade. Mas de que adianta ter o conforto de uma vida “segura”, se é por meio dessa “segurança” que a servidão e os males decorrentes desta se tornam possíveis?

Como disse Rosa Luxemburgo: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. É preciso, então, se movimentar, correr, gesticular, falar, até que o som das correntes seja insuportável e nós consigamos despertar de um sonho ridículo que apresenta um espetáculo celestial em meio a um inferno cercado de grades manchadas com sangue, suor e sofrimento. Se uma mente que se abre jamais volta ao tamanho original, a que se liberta jamais aceita retornar à prisão; porque por mais que as condições sejam adversas, o princípio da autonomia está dentro de nós, quando decidimos romper o medo de abrir os olhos e passamos a enxergar. Sendo assim, o cárcere não é criado do lado de fora, é criado do lado de dentro, já que a chave que prende é a mesma que liberta, pois não existe pior prisão do que uma mente fechada.

Como assim você se apaixonou por mim?!

Como assim você se apaixonou por mim?!

Carta de uma alma líquida

Que facilidade e vulnerabilidade a sua de ir abrindo assim o coração! Que fraqueza é essa em me mostrar os olhos vermelhos de choro e dizer que se envolveu?!

Meu bem, quantos anos você tem? Em que mundo vive? Em que tempo parou? Que coração mole é esse? Que alma entregue é essa? E que conceitos antigos?!
Você não acredita em amor livre?

Como assim você foi se apaixonar por mim?

A gente transou muitas vezes movidos pelo tesão. Foi tudo tão intenso porque a vida é para aproveitar o momento. Eu só disse que te amo olhando nos olhos porque eu gosto de exercer a minha liberdade de expressão.

E você construiu um mundo em cima disso?
Ah, essas suas expectativas, você tem que olhar bem pra elas e tratá-las. Não fazem bem…

Não me leve a mal, você é sim uma pessoa especial para mim, mas agora eu não tenho energia e nem tempo, (tenho que ir ali ver se a minha técnica funciona bem com outra mulher. Tenho que ir ali massagear o meu ego, tenho que fazer sucesso, ficar por cima, tenho que começar do zero…).

Desculpe, não dá tempo de conversar sobre temas essenciais com você. Tenho um mundo para conquistar. Tenho uma carreira para cuidar, tenho coisas importantes para me ocupar.

Não dá tempo de te ouvir, mas você pode vir aqui às vezes, a casa é sua! E o carinho continua. Somos amigos coloridos. Só não gosto da sua TPM, é bom a gente saber… E você vai estar sempre no meu coração, como uma dessas histórias especiais que ficam na memória.

Não chore assim não! Eu não sabia que você era assim tão sensível, nunca foi a minha intenção te fazer sofrer. Se eu insisti tanto para ficar com você foi porque o universo conspirou (e você ficou dando uma de difícil e fechada e virou um desafio). Agora eu já peguei o que eu precisava, e eu pensei que você fosse uma mulher mais forte, livre, moderna… Dona de si!

E agora está assim, na palma da minha mão. Como pode?
Me desculpe, mas eu lavo minhas mãos. Não posso me responsabilizar por ter te conquistado.
A dor é sua.

Fica bem!

Do seu querido Vampiro de Energia.

Imagem de capa:  nd3000/shutterstock

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