O presente é um presente

O presente é um presente

Você já viu aquelas pessoas que falam sozinhas na rua, gesticulando enquanto caminham, como se estivessem fazendo um discurso para uma platéia que só elas conseguem ver?

Já né? De vez em quando a gente encontra um exemplar confuso e amalucado no caminho.

E seu eu te disser que a diferença entre eles e nós, é apenas que eles dizem em alto e bom som o que nós pensamos em silêncio?

Pode reparar. Essas pessoas via de regra não falam nenhuma incongruência, apenas emendam uma coisa em outra coisa, sem uma sequência lógica.

Elas “pensam” em voz alta e manifestam a livre associação. O que as torna “malucas” não é a livre associação, é a exposição em alta voz da livre associação.

Os malucos extravasam o pensamento desconexo, os “normais” o guardam dentro da cabeça.

Nos “normais” o potencial para a maluquice se manifesta e é reprimido, mas, em compensação, é possível amalucar o tempo todo quando se deixa o pensamento correr frouxo e sem fronteiras.

Esse é o padrão de consciência coletiva que herdamos dos nossos antepassados, e que escraviza a humanidade.

É um padrão que foge do “agora”. É como se o momento atual não tivesse nada de interessante para ser vivido, e precisássemos buscar refúgio na fuga do pensamento que invariavelmente nos leva para longe do lugar onde estamos agora.

Muitas pessoas vivem desse jeito, mas ninguém conta. E se bobear, ainda nega.

É possível que só se deem uma trégua quando durmam, e é possível que vivam sem terem consciência do fato, crendo que esse é o padrão normal de pensamentos.

Segundo pesquisas científicas, obter plena consciência do padrão saudável de pensamentos é uma necessidade ignorada pela maior parte da humanidade.

Quando se tem consciência, metade do problema já foi resolvido. A outra metade depende de treino. Analise o que você pensa, e a sequência em que pensa, o que pensa.

Se de céu você emenda com pássaro, e de pássaro com nuvem, e de nuvem com tempestade, e de tempestade com janela, e de janela com a diarista que não limpou a janela, e segue nessa toada sem lógica até perceber, duas horas depois, que voltou a olhar para o céu porque nada na terra te levou a lugar algum, então você não é muito diferente do maluco da esquina, embora ninguém mais saiba disso.

O pensamento não pode ser um macaco que macaqueia de um galho para o outro, de forma a te consumir sem que você assuma a consciência e a direção do seu pensar.

Pare! Adote a respiração consciente e pratique a presença. Esteja presente com seus pensamentos no lugar onde você se encontra agora.
Se o pensamento “fugir” faça a recaptura. Tente isso, sempre que se lembrar.

Estar presente é estar concentrado naquilo que vc faz, não necessariamente como uma tarefa, para atingir um determinado fim, mas para absorver o momento.

Você pode lavar a louça, por exemplo, não apenas para que a louça fique limpa, mas para sentir a água, a espuma, o seu corpo em pé ao lado da pia, a textura da esponja, e todos os estímulos que essa tarefa lhe proporciona.

Enquanto se concentra no “agora” o seu pensamento “não voa”. E se voar, que seja para saborear o voo com toda a força da sua consciência. Voe, mas voe no controle do seu avião.

Não entregue para o “macaco”, para a mente inconsciente, a tarefa de viver por você. Treinar a prática é uma semente para a iluminação interior. Quanto mais prática, mais presença.

Se este texto despertou a sua atenção, procure bons autores que possam lhe esclarecer ainda mais sobre a prática da presença. Não é um caminho fácil e sem tropeços, mas é o único caminho que pode nos levar ao descanso de uma vida plena.

Imagem de capa: Microgen/shutterstock

Uma estranha rebeldia de não querer mais sonhar.

Uma estranha rebeldia de não querer mais sonhar.

Passamos por tantos furacões nessa vida que, depois de um certo tempo, começamos a pensar que o chão nunca mais vai parar de ceder. Que nunca mais vamos encontrar a segurança da terra firme.

Quando parece não haver mais nada que nos sustente de pé, nos resta apenas a companhia enfadonha das nossas incertezas.

Não vemos atalhos nem rotas interessantes. Não queremos sair do nosso lugar comum, da redoma habitual, de onde assistimos ao desmoronamento dos nossos sonhos.

O conformismo chega e não vem só. Desânimo. Tristeza. Apatia. Uma estranha rebeldia de não querer mais sonhar. Um certo desdém pelas coisas bonitas, que agora não são mais tão atraentes assim porque nossos olhos estão nublados.

O desânimo cega, a comodidade nos leva a imaginar que onde estamos é o nosso lugar. Que só acontece o que tem de acontecer.

Então, começamos a desembrulhar o leque de frases feitas e sem sentido algum. Cessaram aquelas lágrimas alegres diante de uma flor. Aquele deslumbramento depois de observarmos as cores esvoaçantes de uma borboleta foi pro ralo. O riso farto foi fatalmente atingido pela bala perdida da incredulidade. O furacão veio com tudo e enterrou aquela mania de alegria. Aquele olhar de descoberta, que despia e desembrulhava cada cantinho da vida desapareceu.

Agora, andamos pela casa “camisolentos”, com uma quietude no olhar. Uma deselegância nos gestos. Uma mania de colocar rótulo em tudo e antecipar o que o outro vai dizer. Não sabemos mais conversar, abrimos a boca só pra dizer não. Recusamos convites, afrouxamos os abraços e seguimos cambaleantes, boiando numa realidade desbotada, quase trágica.

Cada vez mais quietos, colecionamos uma pilha de ressentimentos e acolhemos o silêncio como guia. Dizemos adeus pro que antes enchia o peito. Deixamos de regar as sementes vistosas da esperança. Arquivamos os sonhos nas gavetas mais fundas pra não correr o risco de encontrá-los em cima da mesa.

É o tempo que não sobra. O amor que não vem. O cansaço que massacra as pálpebras. As contas pra pagar. As prioridades que até hoje não sabemos o motivo de considerá-las assim, já que não fazemos parte delas.

E então, só depois da passagem do furacão é que refletimos sobre essa coisa movente e finita que é a vida. Do tempo que escorre depressa demais.

Percebemos que o furacão passou, mas a desordem ainda vigora. O telhado ainda molha e as infiltrações ameaçam o pouco que restou intacto.

Então, despertamos do sono temporário e iniciamos a limpeza de dentro pra fora, investimos pesado na ornamentação interna, nos laços de fita e aromas sutis. Reconstruímos o cenário, com a certeza de que, não controlamos nada. De vez em quando, tudo desaba e cabe a nós esse recolhimento necessário, que serve para nos empurrar mais fortes para os braços da vida.

Imagem de capa: Stokkete/shutterstock

Naquela esquina

Naquela esquina

Andava distraidamente naquele dia como andava em todos os demais dias. Sem necessidade de pensar muito no que fazia. Afinal, eu era apenas uma pessoa comum, em um lugar comum, fazendo uma atividade que à mim era comum. Em dado momento me aproximei de uma esquina. Aquela esquina. Parei. Precisava olhar para os lados antes de atravessá-la. Foi quando olhei para a esquina de cima. O sinal de lá acabara de fechar. E você, era o primeiro da fila a esperar com seu veículo. Percebi que era você porque no momento em que olhei, você se assustou e virou o rosto, na vã tentativa de me mostrar que não me vira. Sua tentativa de disfarce acabou por te denunciar.

O sinal fechar no momento em que você seguia com seu veículo. Eu atravessar a rua no momento em que seu sinal fechara. Nossos olhos se cruzarem no momento em que eu, distraída, me preparava para passar por aquela esquina. O relógio marcando o mesmo tempo. A geografia marcando o mesmo lugar. Fiquei a pensar em quantos acasos foram necessários para que aquele acaso ocorresse. Talvez muitos. Ou nenhum. Talvez aquilo não significasse muito, afinal.

Por um momento, após te olhar por uma fração de segundos, estive titubeante sobre qual atitude tomar. Mas logo percebi que seguir em frente não era só a melhor como era também a única alternativa plausível. E então atravessei a rua sem olhar pra trás, deixando ali um passado recente que se tornava cada vez mais distante.

Naquela esquina, nossas vidas, agora tão indiferentes uma à outra, se cruzaram mais uma vez. Mas elas não se tocaram e algo me disse que nunca mais se tocariam.

Imagem de capa: Izabela Magier/Shutterstock

Esquecendo pessoas e livros

Esquecendo pessoas e livros

– Moço, você esqueceu seu livro – veio correndo a senhora com um monte de sacolas, esbaforida, até a porta do metrô. Eu agradeci e disse que não tinha esquecido, mas que tinha soltado o livro. Ela ficou ali embasbacada sem saber o que fazer com aquilo, aquilo que eu tinha esquecido de propósito para que outra pessoa encontrasse e fizesse melhor proveito.

Ela me olhava como se eu fosse um marciano enquanto o metrô se afastava da estação Pinheiros. Eu a entendo. A gente não foi mesmo educado pra libertar, coisas e pessoas. Se há amor, há de ser pra sempre nosso. Se há apego, há de estar pra sempre com a gente. E assim vamos colecionando pessoas e livros que não nos servem de nada, que não nos emocionam mais, para quem não damos tempo, atenção. Pessoas por quem passamos os olhos diariamente, mas não lemos.

Assim como o livro, você jura diariamente que amanhã terá um tempo pra ela, jura que vai mergulhar nela, mas sua promessa rasa não carrega nada além de apego e culpa. Culpa danada. A organizadora oriental Marie Kondo costuma dizer que se você não leu um livro de cabo à rabo quando o comprou, provavelmente não o lerá nunca mais. De igual modo, pessoas também vão ficando empoeiradas, também perdem o sentido, também são acumuladas na rotina diária. Triste, triste.

A gente guarda mesmo, pessoas e livros que não têm nada a ver com a gente porque aprendemos que tudo que cruza nosso caminho precisa ser nosso. Mesmo que não faça nenhum sentido, como colecionar pedras ou engaiolar pássaros. Você ama mesmo essa pessoa que amanhece contigo todos os dias ou só está com ela porque se acostumou? Você a ama ou só teme que alguém seja mais feliz com ela? Você a ama ou promete todos os dias que vai amá-la direito amanhã? Poeira que é lágrima em pó, acúmulo de tristeza.

E assim, ambos vão ocupando um espaço danado onde poderia habitar justamente a felicidade do outro. Olhe à sua volta, para as pessoas e livros, se elas não fazem mais sentido, se não há mais amor, talvez seja a hora de soltá-las, de esquecê-las carinhosamente para que outra pessoa as possa encontrar pelo caminho.

Imagem de capa: Viktoriya Heart/shutterstock

Quem concorda com tudo não tem escuta. Tem medo de dizer o que pensa.

Quem concorda com tudo não tem escuta. Tem medo de dizer o que pensa.

Não, você não precisa concordar com tudo o tempo todo só para não se indispor com seja lá quem for. Também não precisa gostar do que todo mundo gosta só para não estar só. Nada disso. Entre outras coisas, liberdade serve para isso mesmo. Para discordarmos de quem quisermos, quando desejarmos. Discordemos, pois!

Acredite. Concordar com tudo não faz de você alguém que tem “escuta”. Faz de você um capacho. Tem gente por aí tentando provar o contrário, mas você e eu ainda somos livres para ter opinião. E quem abre mão de seu direito à opinião neste mundo tem a mesma relevância de um repolho. Um repolho cortado ao meio. Um vegetal no último estágio de sua existência. Vegetando à espera da bocarra alheia ou do latão do lixo.

É raro, mas ainda que você tenha um milhão de amigos, mesmo que encontre um número imenso de pessoas pela vida, mil, dez mil, cem milhões, ainda que conte com um batalhão de afetos, admiradores, discípulos, funcionários e afins, acredite: você não precisa agradar a todos eles a toda hora. Não pode concordar com eles sempre, de qualquer jeito, e nem deve, da mesma forma, roubar-lhes a liberdade de discordar de você quando quiserem. Então, por caridade, fuja da obrigação de contentar a qualquer custo quem estiver perto.

Nunca faltarão espíritos de porco anunciando aos quatro cantos que você são sabe ouvir, “não tem escuta”, que é isso ou aquilo só porque ousou recusar o que lhe tentaram empurrar goela abaixo. Mas alto lá! Diferente do que desejam alguns, “saber escutar” é diferente de concordar com tudo o que lhe dizem. Você pode muito bem ter um bom ouvido e manter intacta a sua liberdade de acreditar ou não, concordar ou discordar. Mas é bom se preparar para a cara feia, o desafeto e a gritaria de quem não suporta ser contrariado. Que seja. Deixe estar. Limpe a sola na grama e siga em frente.

Aliás, será mesmo que “amigo” é aquele a quem não se pode desagradar jamais? Será de fato que os nossos melhores amigos são aqueles de quem nós nunca discordamos? Se lhe resta alguma esperança mínima de acreditar que sim, desista. Não vai dar. Quem acha possível encantar de qualquer jeito a Deus e ao mundo perde tempo, dinheiro, amor próprio, respeito, saúde. E há de se frustrar para sempre. Discordar é preciso de quando em vez.

Você sabe. Os impecáveis de plantão adoram pontificar sobre a verdade das coisas e a fórmula da perfeição. Estão sempre aí, feito emas pescoçudas, escondidas na moita, à espreita, esperando para disparar suas normas de conduta. São os de sempre, bradando velhas regras caquéticas copiadas de outro alguém: “ah, o amor de verdade não acaba”, “quem ama não tem medo de nada”, “leite com manga dá congestão” e outras piadas. Tudo assim, determinado por decreto. Verdades absolutas.

Montados em certezas de quatro patas, eles vêm com a profundidade de um pires e a sabedoria das capivaras disparando convicções. Olhe ao redor. Tem sempre uma moita balançando por perto. Você respira mais alto e pronto. Um monstro pavoroso lhe salta à frente e lhe cospe na cara uma certeza pegajosa. É aí que começa o trabalho pesado. Você vai ter de decidir entre concordar e discordar. Se consentir, abana a cabeça em silêncio para evitar a discussão e se junta à manada. Agora, se resolver discordar, prepare-se. Você vai assumir a forma de um bicho odioso, um ser “do contra”, um “antipático”, “metido a besta” e outros elogios.

Que seja. A escolha é sua. A vida é sua. Você é livre para concordar ou discordar de quem quiser, não precisa gostar do que todo mundo gosta e nem odiar o que todos odeiam. Vá para onde você deseja estar. Porque o lugar-comum para onde todos seguem, lá onde vivem os que concordam com tudo, anda entupido de gente chata e cruel jogando lixo no chão, falando alto em fila de cinema, maltratando empregado, socando a esposa em casa e alegando com cara de santo que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.

Para quem está disposto a pagar o preço de divergir, dizer o que pensa e sobreviver ao ataque, a vitória é doce. É o gosto bom de discordar ou concordar quando quiser e seguir adiante, enquanto observa de longe a matilha dos gênios a postos, uniformizados, paralisados no tempo e no espaço à espera de novos alvos, como velhas chaves penduradas num prego, esquecidas pelo mundo, fiscalizando a vida que amanhece e anoitece seu dia vai, dia vem. Bem ali, logo acima do latão de lixo carcomido, onde jazem meios repolhos jogados fora.

Imagem de capa: pathdoc/Shutterstock

O leite só ferve quando você sai de perto

O leite só ferve quando você sai de perto

Em meados dos anos 80, lá em Minas, o costume era comprar leite na porta de casa, trazido pela carroça do leiteiro, que vinha gritando “Ó o lêeeeeite!!!”.

Minha mãe corria porta afora e o leite _ fresquinho, gorduroso e integral_ era despejado na leiteira para nosso consumo. Porém, era um leite impuro, não pasteurizado, e necessitava ser fervido antes de consumir.

No início, minha mãe tinha um ritual no mínimo interessante para esse evento: Colocava o leite na fervura e saía de perto. Literalmente esquecia. Simplesmente I.g.n.o.r.a.v.a.

É claro que o leite fervia, subia canecão acima e despencava fogão abaixo. Eu era criança, e quando via a conclusão do projeto, gritava: “Mãe!!! O leite ferveu!!! Tá secaaaannndo…” e ela vinha correndo, apavorada, soltando frases do tipo “Seja tudo pelo amor de Deus…” e desandava a limpar o fogão, o canecão, e ver o que sobrou do leite_ pra tudo se repetir no dia seguinte, tradicionalmente.

Até hoje não entendo o porquê desta técnica. Parecia combinado, tamanha precisão com que ocorria. Mais tarde, ela mudou de estratégia. Eu já era maiorzinha e podia ficar perto do fogo. Assim, ficava ao lado do fogão, de olho no leite esquentando_ pra desligar assim que a espuma subisse, impedindo que transbordasse. Foi assim que aprendi uma grande lição:

O leite só ferve quando você sai de perto.

Não adianta ficar sentada ao lado do fogão, fingir que não está ligando; até pegar um livro pra se distrair. É batata: ele não ferve. Parece existir um radar sinalizador capaz de dotar o leite de perspicácia e estratégia. Porque também não basta se afastar fingindo que não está nem aí. O leite percebe que é só uma estratégia. E só vai ferver ( e transbordar) se você esquecer DE FATO.

A vida gosta de surpresas e obedece à “lei do leite que transborda”: Aquilo que você espera acontecer não vai acontecer enquanto você continuar esperando.

Antigamente o sofrimento era ficar em casa aguardando o telefone tocar. Não tocava. Então, pra disfarçar, a gente saía, fingia que não estava nem aí (no fundo estava), até deixava alguém de plantão. Também não tocava. Porém, quando realmente nos desligávamos, a coisa fluía, o leite fervia, a vida caminhava.

Hoje, ninguém fica em casa por um telefonema, mas piorou. Tem email, msn, facebook, whatsApp, e por aí vai. O celular sempre à mão, a neurose andando com você pra todo canto. E o leite não ferve…

Acontece também de você se esmerar na aparência com esperança de esbarrar no grande amor, na fulana que te desprezou, no canalha que te quer como amiga. Então ajeita o cabelo, dá um jeito pra maquiagem parecer linda e casual, capricha no perfume… e com isso faz as chances de encontrá-lo(a) na esquina despencarem. Esqueça baby. O grande amor, a fulaninha ou o canalha estão predestinados a cruzarem seu caminho nos dias de cabelo ruim, roupa esquisita e vegetal no cantinho do sorriso.

Do mesmo modo, se quiser engravidar, pare de desejar. Não contabilize seu período fértil e desista de armar estratégias pro destino. Continue praticando esportes radicais, indo à balada, correndo maratonas. Na hora que ignorar de verdade, dará positivo.

A vida _como o leite_ não está nem aí pra sua pressa, pro seu momento, pra sua decisão. Por isso você tem que aprender a confiar. A relaxar. A tolerar as demoras. A não criar expectativas. A fazer como minha mãe: I.g.n.o.r.a.r…

E lembre-se: Tem gente que prefere ser lagarta a borboleta. Sem paciência com os ciclos, destrói seu casulo antes do tempo e não aprende a voar…

Imagem de capa: ViChizh/shutterstock

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A palavra é prata, o silêncio é ouro

A palavra é prata, o silêncio é ouro

Quando eu era menina, minha mãe tinha aquele hábito do interior de dizer: “Moça boa não deve ser arroz doce de festa…” Era pra gente se resguardar, valorizar a imagem, não ser presença batida nos bailinhos, não ficar cansativa demais. Mas naquele tempo o perigo era ser enjoativa só no fim de semana; hoje a coisa debandou de vez: Toda hora no instagram, todo tempo no feed de notícias, cada segundo no whatsapp. Impossível fugir, difícil não ser encontrado, improvável desintoxicar.

A vida é barulhenta. Dentro ou fora de nós, nada se aquieta. Queremos nos comunicar, exigimos respostas na velocidade de super-hiper-mega bytes, contabilizamos “notificações”, desejamos ser cutucados de volta. Sem perceber, desaprendemos a silenciar. Desaprendemos a suportar a voz que cala e sofremos com a falta de respostas. Desaprendemos a ser ausência.

De vez em quando é necessário ser silêncio. Habituar-se à própria presença, inteirar-se de sua solidão. Comunicar tudo sem dizer nada.
A gente vive certo porque errou um dia. E silencia quando entende que todas palavras foram ditas. Porque de vez em quando, aquilo que conserta é aquilo que cala ou ausenta. O nada que diz tudo. Quando o verbo é equívoco, o silêncio é corretivo.

Mas não pode ser um silêncio forçado. Daquele tipo que quer chamar a atenção. Tá cheio disso por aí… De gente que anuncia a saída. Que exclui um amigo por desconforto consigo próprio. Que usa o silêncio como arma, a fim de manipular o outro. Não é por aí; falo de silêncio pra serenizar a alma, proteger o espírito e encontrar o caminho de volta.

Preste atenção. Se você está cheio de barulho dentro de si, se seus pensamentos já não são mais seus e sim uma mistura daquilo que ouve, engole e não digere todos os dias; se seus sentimentos estão todos embaralhados e da boca só poderia sair desespero e desesperança, se seu amor-próprio ficou tão reduzido a ponto de só falar de suas carências, se tudo o que você quer é rastejar por mais uma chance, suplicar por mais uma mudança… então cale-se. Saia de cena e espaireça um pouco. Apenas respire… Conte até dez, tome um café, desligue o celular, não abra o laptop. Fácil não é. Qualquer nova escolha requer tempo para tornar-se hábito. E você precisa aprender a se resguardar. A diminuir o foco sobre si mesmo.

Porque são tempos difíceis. Todo mundo fala, todo mundo posta, todo mundo curte. Todo mundo aparece_ de frente, de perfil, de costas, sorrindo, triste, indignado. E então você percebe que ser #todomundo não é sua praia. E sente falta do tempo em que as coisas eram mais simples.

Suportar o próprio silêncio _ quando tudo o mais já foi dito_ e sair de cena pra vida continuar, é quase como curar-se de um vício. Mais ou menos como engolir o choro, do jeitinho que você fazia quando era pequeno e seu pai vinha com aquela: “Engole o choro!” lembra? Então você engolia e ele descia engasgado, duro dentro do peito.

O que seu pai queria é que você tivesse autocontrole, entende? E é isso que você precisa agora pra seguir em frente quando tudo o mais virou equívoco. No fundo, no fundo, o que a gente gostaria é que nosso silêncio fosse produtivo, que gerasse bons frutos (do jeito que a gente imagina serem “bons” os frutos…). Mas e se na verdade quem deveria mudar fosse você? E se o silêncio viesse pra lhe ensinar e não “comunicar” apenas aos outros?

Então anote: Autocontrole e silêncio. E se está difícil ter autocontrole, se sua vontade é pegar o telefone agora e discar aquele número fatídico, se sua mão coça de desejo de postar um álbum de fotos no facebook ou no instagram, se as mensagens não param de chegar no celular exigindo uma resposta… apenas respire. Respire e ore, respire e durma, respire e disque outro número, respire e desvie o foco.
Desaprendemos a seguir o conselho de nossas mães porque o mundo mudou. E de tanto desobedecer, nos tornamos reféns da ansiedade, do imediatismo, do “tudo ou nada”, do “agora ou nunca”. E agora precisamos de um aplicativo que nos salve de nós mesmos. Ontem descobri que já existe_ chama-se “Self-control”. Ideia genial, diga-se de passagem. Porque no fim das contas, autocontrole é raridade. E contar com um aplicativo que faça como seu pai, que lhe mande “engolir o choro” e o ajude a reencontrar aquele que hoje se mistura ao #todomundo, é encontrar um tesouro. Procure, baixe, aprenda, use. Shhhhh… E Boa sorte!

Imagem de capa: Syda Productions/shutterstock

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A pior maldade com o mundo é se habituar a um mundo maldoso.

A pior maldade com o mundo é se habituar a um mundo maldoso.

Meu filho João é dessas crianças que pegam no sono em sua própria cama e depois, lá pelas tantas da noite, caminham no escuro apalpando a parede até o quarto ao lado para se apossar de um canto na cama dos pais. Noite dessas foi assim. Era já madrugada, eu seguia desperto entre tanto pensamento, e meu menino invadiu meu quarto para prosseguir seu sono ao meu lado. Junto com ele veio o Bob, nosso cachorro. Deitou-se aos pezinhos do dono, vigilante como um pequeno leão doméstico, e logo dormiu também.

Ficaram os dois ali, comigo, adormecidos. O silêncio na casa e no mundo era tão alto que eu não podia mais dormir. Vencido, desisti de me juntar a eles no outro lado da noite, em alguma praça de calçadas riscadas com giz, onde outras crianças brincam à tardinha, rodeadas de árvores e bancos de pedra com os nomes de velhos comerciantes, sob o olhar curioso de seus cachorros. Fiquei de cá, assistindo ao sono deles. E aquilo me fez bem.

João e Bob sonhavam juntos, decerto com um mundo diferente do nosso, onde a maldade não passa de um conjunto de lendas que os mais velhos contam às crianças para fazê-las comer tudo no almoço, concluir o dever de casa, escovar os dentes, dormir cedo e essas coisas que os pequenos insistem em deixar de fazer. “Olha, se você não comer esse bife o ‘homem do saco’ vai vir pegar você de noite, hein!”.

No mundo que criança sonha não há de haver absurdos como guerra entre torcidas, facções, países, roubalheira de dinheiro público, políticos remunerados, violência doméstica, concentração de renda, gente pedindo esmola, crime organizado, criança sem escola, briga no trânsito. Não deve haver sequer o trânsito! Os carros vêm e vão sem pressa, sob o comando de pessoas felizes por ter para onde ir e para onde voltar. Não há separações litigiosas. Imagine! Os casais que decidem se separar simplesmente se despedem e levam suas vidas adiante, cada um seu caminho. Porque em sonho de criança pessoa nenhuma pode ser propriedade de outra. A gente é livre e nosso primeiro ofício é fazer por ser feliz sem prender, prejudicar ou maldizer ninguém.

A tristeza, ahh… a tristeza é só um negócio chato que dá de quando em vez na gente quando acaba o leite condensado, o desenho animado, o feriado, quando dá a hora de fechar o parquinho, quando a gente perde um brinquedo e recorre a São Longuinho, quando o time da gente perde ou um amigo se muda com os pais para outro país. Tem tristeza de tanto tamanho, mas é sempre só tristeza e tristeza passa. É prenúncio de alegria. Em mundo que criança sonha é assim.

Um lugar em que líderes religiosos não gritam discursos de separação, inimizade, competição. Um canto possível em que ninguém jamais esbraveja “a minha religião é melhor que a sua”. Tampouco o outro retruca “não, a minha é mais honesta”, nem um terceiro anuncia “só a minha é que está certa”. E onde ninguém jamais atropela, descarado e vil, o preceito básico da semelhança entre nós. Daqui de fora, dá pra ver e ouvir que nos sonhos do João e do Bob nós ainda não deixamos de ser “o semelhante” para nos tornarmos meros inimigos medíocres, previsíveis adversários.

Impossível dormir com um barulho desses. Não se pode adormecer sob o ruído doce dos sonhos de um menino e seu cão. Então deliro acordado que tal e qual nos sonhos deles, a paz e o amor não aceitam “não” como resposta. Acontecem arbitrários, à revelia dos canalhas. Logo ali, para dentro daqueles olhinhos, grupos fortemente AMADOS invadem locais públicos, restaurantes, casas noturnas, estações do metrô e estádios de futebol disparando carinhos. Por todos os lados, beijos atirados a esmo alvejam bochechas e testas, lábios estalam em infinitas bitocas, bocas se encontram em pura e simples manifestação de afeto, compreensão e apaziguamento.

Cá do lado de fora dos sonhos bem podia ser assim também. E é difícil não imaginar que só não é porque nos habituamos a um mundo maldoso, povoado de cretinos se reproduzindo feito coelhos. Porque nos acostumamos, desistimos, largamos a mão. Enquanto isso, tem de tudo nessa terra “de verdade”. Gente que mata, que fere, tortura, maltrata, rouba, chantageia, manipula, sequestra, estupra, engana, persegue, obriga, espanca, mente, faz e arrebenta e empreende uma fábrica de maldades funcionando em todos os turnos. E nós, tão acostumados, desistimos do sonho e vamos achando tudo isso “normal”. Assim, sem mais, deixamos de nos indignar quando é preciso.

E, você sabe, perder a nossa capacidade de indignação é mais ou menos como ter extirpada uma glândula e por isso ter de tomar remédio todos os dias para sobreviver. Em nosso caso, o remédio vem em doses cavalares, bobagens autopiedosas, pílulas de autoengano e toda sorte de pseudobondades nos fazendo acreditar que a culpa não é nossa.

Sem sonho, nos acostumamos a todo mal verdadeiro e toda gente vil. E quem se habitua a um mundo maldoso perde o viço e a capacidade de conspirar para que ele melhore. Porque aqui, dentro da gente, resiste ainda um sonho de que o mundo só melhora se cada um de nós mudarmos a nossa casa, nossos hábitos, gestos, atitudes, palavras, ações. Mas esse sonho caiu de sono e tédio. Adormeceu.

Resta a nós acordá-lo. É preciso dormir para acordar o sonho e levantar de manhã a seu lado. Trazê-lo são e salvo à realidade do nosso dia depois do outro.

Só assim, quem sabe, seremos tomados de um sentimento antigo, uma ternura cuidadosa, um desejo de ajudar. Como quem descobre atrasado que um amigo enviuvou, superou um câncer, perdeu os pais, mudou de país e, de repente, estremece de uma vontade irresistível de fazer desde já todo o bem que não fez até agora. Como quem chega a uma cidade arrasada, depois que a lama, o descaso e a ganância destruíram tudo, arregaça as mangas e diz “vamos juntos começar tudo de novo!”. Fácil não há de ser. Mas possível sempre será.

Porque é tudo uma questão de sonhar e fazer. Como no inevitável movimento dos relógios. Como no silêncio barulhento das crianças que dormem. Como nos sonhos de um menino e seu cachorro vigilante. Vamos. Vamos que ainda dá.

Imagem de capa: Lapina/shutterstock

O tempo da delicadeza

O tempo da delicadeza

Gosto muito de livros e filmes que retratam recomeços. Deve ser porque lá no fundo a gente esteja sempre recomeçando, mesmo que não perceba. Todos os dias estamos fazendo escolhas, decidindo voltar para casa, para os braços de quem amamos, para a vida que vivemos.

Escolher o mesmo amor todos os dias é um milagre. Porque todo afeto é feito de pessoas. E pessoas são incompletas e imperfeitas _ o amor também. Tem gente que imagina o amor como solução. Não entendeu que amor é construção.

Existe um tempo em que o amor amadurece. Chico Buarque chamou esse tempo de “Tempo da Delicadeza”, e definiu lindamente como o “tempo que refaz o que desfez”.

Não importa de que matéria é feito seu amor. Você nunca poderá controlar ou evitar que algumas lascas ou rachaduras aconteçam durante o percurso. E quando isso ocorrer, você terá duas opções: partir ou permanecer.

E é nessa hora, no instante em que você decide ficar, que o amor cria raízes. É nessa hora que você entende que entrou no “Tempo da Delicadeza” e terá que refazer o que foi desfeito_ de que forma for.

Ter que escolher talvez diga mais sobre você do que não ter que fazer escolha alguma.
Quando você descobre a razão que te faz permanecer, você começa a decifrar os motivos que te ligam àquela pessoa. Aquilo que faz o amor ser suficiente para você querer voltar para casa todos os dias.

E são essas novas razões que justificam e validam aquelas outras, antigas… pelas quais seu coração se apaixonou. Pois agora você já não enxerga apenas beleza; você percebe os defeitos e tem consciência das lascas.

Então você entende de fato o que são “promessas matrimoniais”, muito além de “na alegria e na tristeza até que a morte nos separe”.

Permanecer na estabilidade diante das provações do tempo é aceitar o amor como um emaranhado de angústias, intimidade e gentilezas. É compreender a contradição que existe no que gera prazer e dor. É ser paciente com o tempo de esperas, em que o amor atravessa o deserto do tédio e da rotina. É acreditar que ainda há o que se esperar mesmo quando esgotaram-se todas as possibilidades.

É entender que ninguém completa ninguém. O copo que está pela metade permanecerá meio vazio. O amor vem dar sabor, mas não tem vocação de plenitude.

O amor moldado pelo tempo ensina. Mas você tem que se permitir vivenciá-lo.
Tem que serenizar a alma e renovar os votos_ acreditando no tempo que refaz o que desfez…

Imagem de capa: wavebreakmedia/shutterstock

Os gatos de Bukowski: entenda o fascínio do escritor pelos felinos

Os gatos de Bukowski: entenda o fascínio do escritor pelos felinos

Na Era Bukowski, em que vemos inúmeras estampas de suas grandes obras e seu rosto veiculando pelas terras clandestinas da Web, eis que encontramos citações sobre os misteriosos felinos.

Charles Bukowski foi um escritor alemão, naturalizado americano, famoso por suas poesias e contos dramáticos recheados de sarcasmo e de uma verdade nua e crua. Um romancista com uma paixão paradoxal pelas mulheres e que destilava todas as frustrações na bebida e nas palavras escritas. Ele carrega uma legião de fãs pelo mundo, até mesmo os mais jovens buscam, em suas anormalidades, um refúgio através da literatura insubordinada desse “Velho Safado”.

Para quem leu os livros e vasculha quaisquer frases ou vestígios que o escritor perpetuou sabe que ele possuía muitos gatos, vários deles, perambulando pela casa, junto dos papéis, canetas, desejos e doses de Boilermaker, sua bebida favorita. Entenda que os gatos não passaram pela vida intensa de Bukowski aleatoriamente, mas era proposital e empático que partilhavam do mesmo comportamento, sendo os gatos inspirações para suas obras.

O escritor gostava de ressaltar o quanto gatos são animais livres, selvagens e de um amor peculiarmente exigente. Por vezes, Charles se encontrava arranhado ou mordido carinhosamente pelos vagantes silenciosos e articulados. Gatos penetram nas entranhas da alma, desarmam nossas defesas e desafiam nossa existência, como um ser pedante e inconstante, pois são animais confiantes e sobreviventes.

Bukowski encontrava, nessas áureas enigmáticas, um consolo para sua jornada inquietante. Dizia: “Ter um bando de gatos por perto é bom. Se você está se sentindo mal, é só você olhar para os gatos e vai se sentir melhor, porque eles sabem que tudo é, tal como é. Não há nada para ficar animado. Eles apenas sabem. Eles são salvadores. Quanto mais gatos você tem, mais tempo você vive. Se você tem uma centena de gatos, você vai viver dez vezes mais do que se você tem dez. Algum dia isso vai ser descoberto e as pessoas terão mil gatos e viverão para sempre. É realmente ridículo”.

Até mesmo um senhor insano e irreverente buscava inspirações de fontes naturais e instintivas para explanar obras geniais, com uma sacada que a minoria reconhece como uma incrível aula sobre sobrevivência humana em um mundo caótico e utópico. Os gatos o ensinavam com maestria essa passagem áspera, entre goles, intimidade, vazio e uma insuportável franqueza, de arrepiar nossas noites literárias. Um gênio.

“A erótica da alma”

“A erótica da alma”

Adélia Prado certa vez escreveu: “Erótica é a alma”. Além de poética, a frase é redentora, pois alivia o peso da sensualidade a qualquer custo, a busca desenfreada pela juventude perdida, a corrida pelos últimos lançamentos da indústria cosmética.

E nos autoriza a cuidar mais da alma, a viajar pro interior, a descobrir o que nos completa. Pois se os olhos são as janelas da alma, de que adianta levantar pálpebras se descortinam um olhar de súplica?

Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o BOM HUMOR apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios; erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores.

Porque não adianta sex shop sem sex appeal; bisturi por fora sem plástica por dentro; lifting, botox, laser e preenchimento facial sem cuidado com aquilo que pensa, processa e fala; retoque de raiz sem reforma de pensamento; striptease sem ousadia ou espontaneidade.

Querendo ou não, iremos todos envelhecer_faz parte da vida. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos_ se você permitir.

O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior_ tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte pra suportar.

Não tem problema cuidar do corpo. É primordial ter saúde e faz bem dar um agrado à auto estima. O perigo é ficar refém do espelho, obcecado pelo bisturi, viciado em reduzir, esticar, acrescentar, modelar_ até plástica íntima andam fazendo! Aprenda: Bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio.

Vivemos a era das emergências. De repente tudo tem conserto, tudo se resolve num piscar de olhos, há varinha de condão e tarja preta pra sanar dores do corpo, alma e coração. Como canta Nando Reis, “O mundo está ao contrário e ninguém reparou…” Desaprendemos a valorizar aquilo que é importante, o que é eterno, o que tem vocação de eternidade. E de tanto lustrar a carapaça, vivemos a “Síndrome da Maça do Amor”: Brilhantes por fora e podres por dentro. O tempo tornou-se escasso, acreditamos que “perdemos tempo” quando lemos um livro inteiro, quando passamos horas com nossos filhos, quando oramos ou viajamos com a família. E nos iludimos achando que poderemos “segurar o tempo” cuidando da flacidez, esticando a pele, preenchendo espaços.

Cuide do interior. Erotize a alma. Enriqueça seu tempo com uma nova receita culinária, boas conversas, um curso de canto ou dança. Leia, medite, cultive um jardim. Sinta o sol no rosto e por um instante não se preocupe com o envelhecimento cutâneo. Alongue-se, experimente o prazer que seu corpo ainda pode lhe proporcionar. Não se ressinta das novas dores, da pouca agilidade, dos novos vincos. Descubra enfim que a alegria pode rejuvenescer mais que o botox. E não se esqueça: em vez de se concentrar no lustre da maçã, trate de aproveitar o sabor que ela ainda é capaz de proporcionar…

Imagem de capa: michaeljung/shutterstock

Feliz é quem entende que tudo passa…

Feliz é quem entende que tudo passa…

Ontem, procurando por algo diferente no Netflix, me deparei com “Happy”, documentário concebido e dirigido por Roko Belic, que busca definir as causas da felicidade genuína, aquela que cultivamos internamente, e que não está sujeita a condições externas para que possa existir.

“Happy” me fez refletir sobre o modo como tenho dirigido minha vida e educado meu filho, me levando a considerar maneiras de tornar a felicidade mais disponível, independente das circunstâncias que nos cercam ou afetam. Algumas pessoas nascem com potenciais mais elevados para a felicidade (dizem que cinquenta por cento é genético); outras, porém, deveriam criar condições favoráveis dentro de si para a manifestação da felicidade: através de exercícios físicos, gratidão, compaixão e relações afetivas positivas.

Sendo assim, a felicidade não seria apenas um dom, e sim uma habilidade que deveria ser exercitada e praticada. A começar por diminuir o foco sobre nós mesmos e ampliar nossa capacidade de servir aos outros.

De todas as definições sobre a felicidade, a que mais me cativa é: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Pois a felicidade verdadeira, aquela que permanece conosco independente da dança dos dias, é gratuita, à toa, desinteressada e enraizada em nós. Não compete com os fatos ruins que acontecem em nossa vida, apenas abre brecha para que a tristeza venha à tona por algum tempo, e depois retorna colocando tudo de volta no lugar.

Temos vivido tempos difíceis. Tempos em que nos tornamos dependentes da internet, de comida, bebida e remédios. Nossa cultura não nos ensinou que a felicidade genuína é conquistada no convívio afetivo com outras pessoas, praticando a empatia, a generosidade e a compaixão. No reconhecimento de que, mesmo que a vida tenha nos dado uma rasteira, ainda há motivos para agradecer. No aprendizado de que o mais importante não é o que recebemos do mundo, e sim aquilo que a gente oferece.

Algumas tribos indígenas que ainda conservam suas tradições nos servem de exemplo. Lá, se alguém fica doente, todos se unem num ritual para curar essa pessoa. Em nossa cultura, porém, temos vivido relações utilitárias. Esperamos que as pessoas que convivem conosco possam suprir nossas necessidades e expectativas. E em vez de ampliarmos nossas relações, acabamos restringindo-as e diminuindo nossas possibilidades de felicidade.

Enquanto continuarmos acreditando que nossa felicidade está no parceiro perfeito, na foto mais curtida do Facebook, na carreira de sucesso, na viagem dos sonhos ou na aparência plena, permaneceremos insatisfeitos e inseguros, pois é impossível controlar o que vem de fora. Porém, quando entendemos que essa felicidade pela qual nos esforçamos pode vir de dentro, ficamos mais resistentes ao que a vida nos tira, e menos deslumbrados ao que ela nos dá.

Feliz é quem entende que tudo passa. Quem sabe que bênçãos e adversidades se intercalam na vida de todos, mas não são elas que determinam se somos ou não realmente felizes. Feliz é quem não deposita seu bem estar permanente naquilo que é perecível, nem recusa a alegria duradoura em nome de um prazer momentâneo. Quem compreende que a vida é muito frágil, e por isso não adia o encontro com aqueles que ama nem chega tarde demais aos encontros que nunca mais se repetirão. Feliz é quem descobre, a tempo, que ser importante, ter a saia plissada da estação, o carro conversível do momento ou as férias perfeitas do Instagram só aquecem o coração momentaneamente, mas não garantem o fim de nossas inquietações. Pois até esse coração aquecido passa. E depois que passa, restamos nós e o que fizemos de nós. As vidas que tocamos, as oportunidades que aproveitamos, as escolhas que fizemos, a gratidão que temos, a compaixão que desenvolvemos, o amor que ofertamos, o perdão que não recusamos, e finalmente a felicidade que tanto buscamos e na simplicidade de ser e ter, encontramos…

A seguir, um vídeo muito interessante sobre a Felicidade Genuína:

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Imagem de capa:  Halfpoint/Shutterstock

Abrir mão da popularidade para poder abrir os braços a quem somos de verdade

Abrir mão da popularidade para poder abrir os braços a quem somos de verdade

Por trás das palavras é que mora a verdade. As palavras são apenas e exatamente o que são: fragmentos escolhidos de nossos verdadeiros pensamentos. Não tornamos público, na íntegra, o que nos vai na alma por uma simples razão: caso o fizéssemos, acabaríamos a sós. E, nada nos assusta mais do que nossa própria companhia.

A despeito de nossa desesperada necessidade de categorizar tudo, não existem corajosos e covardes puros. Coragem ou covardia são acessórios que habilmente aprendemos a usar, a depender de nossa necessidade emergente. Assumir a autoria pelos desequilíbrios que causamos requer coragem; requer vontade confessa de abdicar da aparente proteção de um comportamento politicamente correto. Arcar com as consequências de uma postura rotulada como “covardia”, também requer coragem. Coragem de admitir que somos fracos, falhos, invejosos e egoístas. Admitir que essas mazelas fazem parte da nossa natureza nos tornaria, no mínimo, menos hipócritas.

Colocar a necessidade do outro adiante da nossa é uma decisão absolutamente subversiva. Requer de nós uma ousadia que estamos longe de alcançar. Olhar para a dor ou a fraqueza do outro à distância não nos aproxima de sua assustadora condição; mas, via de regra, é o que damos conta de fazer. O sofrimento é interpretado por nossa acanhada capacidade de compreensão como situações de punição ou de fatalidade. Temos enorme dificuldade de compreender que o sofrimento, assim como a felicidade, é o pão pronto saindo do forno. Esquecemos que para que esse pão fique pronto, antes de qualquer coisa é necessário que se tenha “a intenção do pão”. É preciso planejar, contar os ovos, medir a farinha, verter o leite, dosar a manteiga, quantificar o açúcar e o sal, lembrar que, se não houver fermento não haverá crescimento. E, atire a primeira pedra aquele que, na ansiedade pelo prazer de saborear o pão, iniciou o projeto sem ter certeza de possuir todos os ingredientes. Que fatalidade! O forno já aquecido, a batedeira em plena função, e constata-se que por uma negligência, não há fermento. Nesse momento, nos vemos confrontados com nossa infantil carência das soluções mágicas. Cabe-nos uma decisão. Teimamos em seguir adiante e aguentamos a experiência frustrada do pão ázimo? Ou, interrompemos a missão e vamos em busca de encontrar, lá fora de nós, o fermento esquecido? Desistimos do pão?

Como nos é penoso tomar decisões! Como somos despreparados para os insucessos! Mal uma ideia germina em nossa mente e já somos capazes de vislumbrar a glória. E, se somos corajosos o suficiente para considerar o fracasso, no lugar de emergirmos de nossos casulos tecidos de expectativas de perfeição e lançarmos mão de alguma coragem laboral, desistimos do projeto. Somos eternas raposas desmerecendo as uvas, não porque estejam verdes pra nós, mas sim, porque nós estamos eternamente verdes pra elas.

Perdidos num labirinto interno, cheio de espelhos a alimentar nossa tosca vaidade, nos transformamos em reféns do nosso próprio delírio de paixão por nossos próprios feitos. Desesperados por notoriedade e reconhecimento, subvertemos a ordem da lógica. Vestimos uma toga de poder sobre a interpretação que o mundo pode fazer de nós. Acreditamos em nossa prepotente capacidade de vender uma imagem de nós mesmos, criamos slogans de sedução como forma de impedir o outro de nos enxergar sem a maquiagem tridimensional.

O real significado das nossas projeções não é covardia, é medo, um medo visceral e viscoso. É por medo de que o mundo descubra nossa fragilidade ética que podemos cair numa armadilha tão dourada quanto opressiva que nos leva a vender-nos ao mundo como se fôssemos objetos de desejo numa vitrine de consumo. Olhando bem de perto, nossa propaganda de extrema sinceridade, não passa de uma fraqueza travestida de virtude. E, procuremos não nos esquecer que, antes de vomitarmos em cima do outro nossas “definitivas verdades”, é mais honesto avaliar se somos capazes de viver segundo o código de honra que vivemos bradando por aí, como se ele fosse uma natural extensão de nós mesmos; quando, na verdade, somos bem pouco aptos para honrá-lo.

Imagem de capa: Andrey Yurlov/shutterstock

A perfeição é uma pedra cheia de pontas, prontas para nos ferir

A perfeição é uma pedra cheia de pontas, prontas para nos ferir

A perfeição é uma pedra. Por mais que se queira e tenha boa vontade, não há o que se fazer com ela! Ah… Tenho certeza que você já foi logo imaginando uma pedra preciosa, não é mesmo? Não! A perfeição é uma pedra feia, cinza, coberta de musgo, cheia de pontas, prontas para te ferir. E é pesada. Muito pesada.

A perfeição é uma pedra. Daquelas que você tem vontade de empurrar ladeira abaixo. No entanto, não é aconselhável fazê-lo. Muitos inocentes seriam atropelados. Os culpados nunca estão no caminho das pedras. Eles se protegem no alto, no pico, distante das mazelas humanas. Nunca serão atingidos. Os culpados criaram a perfeição. A perfeição, a pedra cristalizada do sentimento de culpa.

E o culpado, não tendo como livrar-se da culpa, cria rapidamente um estereótipo de perfeição. Pronto. Decretam o modelo do correto, do ideal, do perfeito. A perfeição não existe. Não na vida real. Onde os dias frios esquentam sem avisar e as manhãs quentes se transformam em tardes frias sem pedir licença. O grande amor acaba sem querer voltar. O mar avança sem orientação. O corpo envelhece sem apelação.

Anseio pelo dia em que nossas imperfeições encontrem um jeito de serem conhecidas, reconhecidas e respeitadas, em primeiro lugar por nós mesmos, para em um outro ponto, o serem pelos que nos querem bem; e quem sabe, então, seja possível que o sejam por todos. Assumir que somos imperfeitos há do nos fazer mais tranquilos, mais flexíveis; há de nos colocar em condições de sermos apresentados à compaixão.

A imperfeição, ao contrário da solidez de sua opositora, é fluida; corre livre por entre as experiências da vida; é capaz de se diluir em abraços de compreensão; é capaz de lavar as dores com suas lágrimas genuínas; é capaz de se transformar em habilidades possíveis; recém-conhecidas e conquistadas.

Uma vez assumida nosso permanente estado de construção, encontraremos infinitas opções de lugares a visitar, dentro e fora de nós. Quando formos humildes o suficiente para olhar nos olhos de nosso semelhante e dizer “não sei”; “preciso de ajuda”; “me deixe te ajudar”; “não consigo te acompanhar”; “tenho medo de você”; seremos apresentados a uma outra versão de nós mesmos; uma versão de nós livre da pedra da perfeição, pronta para inaugurar uma nova vida.

Imagem de capa: Anastasiia Fedorova/shutterstock

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