Eu sou eu, você é você

Eu sou eu, você é você

“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.” Fritz Perls

A Gestalt-terapia, também conhecida como terapia do contato, é uma das muitas abordagens humanistas da psicoterapia. O contato para a GT é tão fundamental que grande parte da literatura gestáltica é baseada nisso (fronteiras de contato, mecanismos de evitação de contato). Porém, esse contato a que se referem os estudiosos da GT não é exatamente o contato como entendemos de maneira literal, nem somente o encontro com o outro. As formas possíveis de contato descritas na GT são diversas e dinâmicas.

Perls, Hefferline e Goodman descreveram: “contato é todo tipo de relação viva que se dê na fronteira, na interação entre o organismo e o ambiente, é um processo contínuo de reciprocidade em que homem e mundo se transformam. O contato acontece no diferente, é o reconhecimento do outro, o lidar com o outro, o que eu sou, o diferente, o novo, o estranho. O contato acontece na fronteira eu-outro, conhecido-desconhecido, velho-novo, todo contato é dinâmico e criativo”.

Em um sentido mais abstrato, conseguimos encerrar nossos conflitos emocionais quando finalmente entramos em contato com a verdade dos fatos como eles são; quando nos damos conta das verdades que tantas vezes evitamos, justamente por serem tão dolorosas; quando lamentamos nossas histórias mais tristes. Esse momento do “dar-se conta” é fundamental para que deixemos de repetir antigos padrões (neuróticos) de comportamento, que se tornaram anacrônicos e, portanto, inadequados. Dar fechamento aos nossos conflitos emocionais, ou “gestalten”, é fundamental para que façamos as pazes com nossa história e possamos então trazer para o mundo um “eu” mais completo e emocionalmente saudável.

Quando nos referimos ao contato com o outro, ele é autêntico quando ocorre na fronteira, ou seja, quando existe interesse e disponibilidade emocional de ambos, sem que haja manipulações ou invasões. Não é necessário que haja esforço, não é necessário que uma pessoa precise ajustar-se à outra para ser amada ou aceita. Contato autêntico é aquele que inclui as duas partes, e todas as partes dessas duas partes.

Eu sou eu, você é você.

Constantemente me pergunto quanto de mim devo deixar de lado para ser amada? A resposta da GT é clara, nada. Dentro da visão gestáltica, para sermos verdadeiramente amados, devemos incluir (e não alienar) todas as nossas partes que muitas vezes tentamos anular na ânsia de sermos amados. Na prática isso requer um boa dose de bom senso, maturidade, auto-conhecimento e (muito) treino. Isso não quer dizer que não devo me moldar para incluir o desejo do outro, mas que esse desejo de mudar deve ser voluntário.

Nos escritos que ficaram conhecidos como “Oração da Gestalt-terapia” o convite de Fritz Perls, considerado o pai da GT, é para que nos empenhemos em trazer para nossa vida e nossos relacionamentos auto-responsabilização. Eu sou responsável pelo meu caminho, você é responsável pelo seu. Eu sou responsável pelas minhas dores, você é responsável pelas suas. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.

Imagem de capa:  Sergey Nivens/shutterstock

Eu tenho a honra de encontrar você! Seja gentil, mesmo em tempos rudes.

Eu tenho a honra de encontrar você! Seja gentil, mesmo em tempos rudes.

Estava vendo um filme alemão na TV, rodado na Baviera, onde se fala um dialeto regional. Lá, quando alguém se despede, não diz “Auf Wiedersehen!” ou “Tchüss!“, como no resto da Alemanha. Lá se diz “Servus!” (que é ótimo para estrangeiros, pois é fácil de pronunciar), mas se diz também “Habe die Ehre!”, que significa Eu tenho a honra. Tanto “Servus!” como “Habe die Ehre!” podem ser ditos ao chegar como ao se despedir.

No filme, dois homens se encontraram e se cumprimentaram com “Habe die Ehre!”. Eles conversaram por um longo tempo e, ao se despedirem, disseram novamente “Habe die Ehre!”.

Fiquei pensando sobre isso. É uma forma bonita de se saudar e se despedir. “Eu tenho a honra de encontrar você!”, “Eu tive a honra de encontrar você!”. É uma maneira de dizer ao outro que ele é estimado e respeitado (mesmo que as pessoas nem sempre pensem no significado dessas palavras ao dizê-las). São palavras gentis.

Identifiquei-me com “Habe die Ehre!” porque é assim que costumo encontrar as pessoas.

Ser gentil não é questão de ser politicamente correto nem de mera formalidade social. É muito mais uma questão de ser humano, um ser social, que precisa das pessoas à sua volta e que por isso precisa honrá-las para assim honrar a si mesmo, já que cuidar bem de suas relações é cuidar bem da própria necessidade humana de ter a companhia de outros humanos e não viver isolado.

Seria tão bom se não desaprendêssemos a nos respeitar mutuamente, mesmo em momentos críticos, em fases duras da vida, mesmo quando a discussão é cerrada, a tensão à nossa volta aumenta e os histéricos já ensaiam entrar em pânico.

Precisamos ter cuidado para não perdermos um dia esse dom tão lindo que temos de viver em grupos sociais, de sermos capazes de nos relacionarmos pacificamente com nossa própria espécie e de superarmos os obstáculos da vida juntos, unindo nossas forças e nossas ideias.

O problema é que muita gente anda rude, a hostilidade, a grosseria e a falta de respeito e boas maneiras só parecem aumentar. Os rudes, porém, não são a maioria, disso estou convicto. Os rudes só são mais barulhentos e chamam mais a atenção. Mas, mesmo como minoria, eles são perigosos porque polarizam e atrapalham assim nossas relações.

Gente insegura, assustada com o barulho dos rudes, termina se deixando instrumentalizar, o que faz com que a grosseria cresça ainda mais e o resultado é essa grande falta de empatia e respeito que vemos por aí atualmente.

Não precisamos disso. E isso não nos faz bem! O que precisamos é despertar, sim, acordar e perceber o óbvio: se os rudes são uma minoria barulhenta, eles só incomodam porque uma maioria gentil anda calada. Sim, é isso mesmo: andamos nos calando perante a grosseria, dando espaço para que os rudes se espalhem e façam ainda mais barulho.

Peço aos gentis que não se calem, pois precisamos de palavras gentis. Precisamos de gente que honre o outro, mesmo quando o outro é difícil, mesmo quando a situação é complicada, mesmo quando muitas coisas incentivam a pagar grosseria com a mesma moeda. Precisamos de gente que entende que perder o respeito pelo outro, por sua dignidade, reagindo então com a mesma grosseria, não é somente desonrar o outro, mas também a si mesmo.

Não tenha medo de ser gentil, não tenha medo de honrar o outro ao encontrá-lo, mesmo que ele seja grosso, mesmo que você não goste dele, mesmo que queira manter uma distância saudável daquela pessoa. Não somos obrigados a gostar de ninguém, podemos discordar de opiniões e não temos que conversar com todo mundo, mas, quando o fazemos, quando entramos em contato com o outro, seja de que forma, o respeito é intocável, inviolável e deveria valer sempre e para todos.

Se um rude cruzar seu caminho, lhe tratar mal e faltar com respeito por sua pessoa, não aceite, diga isso a ele, mas diga com gentileza. O resto depende então do outro: se ele estiver aberto ao diálogo e disposto a se comunicar de forma respeitosa, tudo bem, prossiga gentil. Mas, se ele reagir com grosseria, rejeitando o diálogo civilizado, despeça-se cordialmente e se afaste, pois a gentileza é um presente que não devemos desperdiçar com gente que insiste em ser grossa e não está interessada em um outro nível de comunicação. Se afaste, mas sem ser grosso, pois, assim, você não estaria sendo diferente de quem lhe tratou com grosseria.

Nunca esqueça: gentileza gera gentileza!

O importante é cuidar da própria gentileza, respeitando o outro e também a si mesmo, sem se deixar contaminar pela grosseria dos rudes, já que a gentileza é a base que segura nossos relacionamentos em um nível saudável e respeitoso. Seja gentil e a gentileza à sua volta aumentará. Seja grosso ou se cale diante da grosseria e os rudes vencerão!

Vamos ser então gentis, pois é nossa gentileza que cicatriza muitas feridas causadas pela grosseria que vemos por aí.

“Habe die Ehre!“, prezado leitor ou prezada leitora. Foi uma honra encontrar você 🙂

Imagem de capa:  Ivanko80/shutterstock

 

Em nossas vidas, nada acontece por acaso

Em nossas vidas, nada acontece por acaso

Falem o que quiserem, apresentem os argumentos mais bonitos, poetizem o destino. Mas, a verdade é que não somos frutos de acaso algum. Tudo o que acontece em nossas vidas tem um motivo, um tempo e uma aprendizagem.

É humano procurar explicações para tudo. Queremos entender o fim do relacionamento, a traição do amigo, a morte de alguém querido. Normal! Mas a verdade é que nem tudo tem explicação e que os motivos pelos quais as coisas acontecem, nem sempre nos são revelados.

A vida gosta de mistérios. Na música “Variações sobre um mesmo tema” do grupo Engenheiros do Hawaí, Humberto Gessinger fala, exatamente, disso: “(…) nem tudo tem explicação, há mistério em quase tudo, nem todo veludo é azul, o coração sempre arrasa a razão, o que é preciso, ninguém precisa explicar.”

Embora queiramos ter o controle de tudo, precisamos entender que há coisas que fogem dele e, geralmente, são as coisas mais importantes. A vida não é um carro que entramos e escolhemos o caminho percorrido. Na verdade (e mesmo que isso possa soar agressivo), ela não nos deve explicações de absolutamente nada. A vida segue seus próprios percursos, suas próprias regras e suas próprias razões. Cabe a nós a sabedoria da aceitação e da apreciação da viagem.

Precisamos deixar a teimosia de lado e entender que somos incapazes de realizar tudo a todo o tempo e aceitar que somos humanos e que a vida não precisa seguir o nosso roteiro pré-determinado de expectativas.

Em o “Trem Noturno para Lisboa”, de Pascal Mercier, o acaso é tratado em forma de romance. Com quase 500 páginas, o livro conta a história de Raimund Gregorius, um reconhecido professor suíço de línguas clássicas, que, acostumado com sua rotina monótona se depara com uma portuguesa misteriosa que tirou sua vida dos trilhos.

Entre temas e subtemas a obra ficou famosa por levar o leitor a refletir sobre a própria existência: “a vida que temos é a que gostaríamos de ter?”, “até que ponto somos responsáveis pelo próprio destino?”, “o que faz uma pessoa largar tudo e partir para outro lugar, aprender outra língua, apenas para conhecer a vida de um desconhecido?”

Reflexões a parte e sugestão de leitura explícita, voltemos ao tema do nosso texto. É preciso muita sabedoria para entender que o sofrimento vivido não foi em vão. O nascimento do filho não foi na hora errada e que o amor não chegou tarde demais. As coisas acontecem como devem acontecer e na hora que estão marcadas para isso (mas, por favor, excluam dessa lista os acontecimentos opcionais como traições, mentiras e jogos de poder. Essas atitudes configuram desvio de caráter e não tragédias do destino).

Aprenda com as situações, faça a sua parte e deixe o destino fazer o seu papel. Há caminhos que a vida só nos levará para conhecer, se formos capazes de sentarmos no banco do passageiro.

Imagem de capa: Fulltimegipsy/shutterstock

Eu já não me apaixono mais, agora eu apenas me encanto

Eu já não me apaixono mais, agora eu apenas me encanto

Eu já não me apaixono mais, agora eu me encanto.

Paixão é um momento de êxtase, é efeito alucinógeno causado por uma necessidade de vida. Paixão muda a química do corpo, deixa tudo à flor da pele, o sangue corre mais rápido, a vida fica cheia de sensações e de pequenas explosões. Paixão é algo que surge para que as rotinas se quebrem, a monotonia desapareça, e a gente se lembre que ainda está vivo.

A paixão é cega, parece ser uma necessidade de sentir a vida no seu ápice, de sentir vibrações intensas percorrendo as veias; por isso a paixão inventa, é amiga da ilusão, vê mais cor no mundo, transforma o cheiro do ser amado no perfume preferido, acha tudo lindo, louco e imenso, e quer sempre mais uma dose para alimentar essa chama alta e passageira. Pela necessidade de fascinação, vê coisas onde não existem, coloca pessoas no patamar de deuses, chega perto de sentir a perfeição. Mas só pelo tempo que durar… Depois se dissipa em nada e a gente até ri de si mesmo.

Eu já não sinto paixão. Pra mim qualquer ser humano é apenas um ser humano, claro, ainda me admiro com as pessoas, ainda vejo beleza e vontade de ficar perto, de me vincular, ainda sinto arrepios na pele, e tenho sonhos rondando meus pensamentos. Mas, meu coração parece não ficar mais assim cheio de adrenalina a todo momento, é outra vibração o que agora me passa por dentro, é isso o que eu chamo de encantamento.

O encantamento é uma energia mais sutil. No encantamento a gente não vê coisas a mais numa pessoa, a gente não precisa sentir ciúmes, querer saber dos caminhos da vida dela, a gente não precisa ficar inseguro, com medo de que se a gente não chegar muito perto, a queda pode ser muito grande. (Na paixão é assim, porque da ruptura da bolha de ilusão até a realidade, a queda é longa). No encantamento não há queda, pois já estamos com os pés no chão. É um sentimento consciente, lúcido, que não cria coisas extras, fantasias e apetrechos para enfeitar a vida; o encantamento enxerga da pele pra dentro. Quem aprende a se encantar por pessoas, fica empático, vira observador, sorri com detalhes pequenos, essas coisas que quase passam despercebidas, mas revelam tanto do interior de uma pessoa.

O encantamento se interessa por seres que brilham de dentro pra fora. Se interessa pelo jeito de viver, pelo tom de voz, pela forma de olhar. O encantamento sabe ver pessoas de verdade, conecta um humano no outro, rompe grandes expectativas, cria meditação e amizade. A vida vira uma contemplação.

O encantamento é a surpresa boa de encontrar uma pessoa tão bonita no mundo. E isso, por si só, já é uma grande alegria.

Não importa se a pessoa é minha, dela ou de mais ninguém. A felicidade é ter o prazer desse encontro e é saber que ainda existem pessoas que valem a pena sentir.

O encantamento se satisfaz com um aprendizado compartilhado, com momentos de verdade, com carinho, amizade, trocas de qualquer tipo…

No encantamento o coração não fica descompassado, o estomago não queima, as emoções não vão de um extremo à outro dentro da gente. Isso é paixão. No encantamento a gente reaprende a respirar mais profundamente, a não se preocupar com o caminhar de cada um, a gente gosta da troca, e ela é mais saudável e menos exigente.

A paixão é um foguete que se perde no espaço, o encantamento é um pássaro planando no ar.

Imagem de capa:  Anetlanda/shutterstock

A Lei do Antagonista

A Lei do Antagonista

O leão que você encara todo dia é o reflexo externo de sua realidade interior, é você mesmo que o cria e ele será tão forte quanto sua capacidade de encará-lo, de dominá-lo.
Essa é a lei do antagonista, esse é o caminho para o crescimento intelectual, emocional e espiritual.

A expressão “matar um leão por dia” está associada ao sentimento de termos que vencer os desafios que a vida nos impõe a cada dia. E por que um leão e não um outro animal deve ser encarado todos os dias, deve ser vencido todos os dias?

Acredito que é pelo fato do leão ser imponente, majestoso, seguro, forte e não atoa ser considerado o rei dos animais. Penso também que, quanto mais forte for o leão que encaramos, mais forte nos tornamos, logo matá-lo não é a melhor estratégia, pois certamente estaremos nos enfraquecendo e morrendo junto com ele, portanto, o que precisamos é aprender amar nosso leão, deixar que ele cresça e se torne cada vez mais forte.

Observem como a figura do leão está associada a realeza e ao entendermos essa relação, também nós poderemos estar destinados à realeza. É uma questão de escolha, daí uma outra expressão popular: Você é um homem (leão) ou um rato? Temos que saber onde vamos nos posicionar na cadeia alimentar, pois a natureza é sábia e a realidade é inexorável.

Segundo o autor do livro “A Escola dos Deuses”, o professor Elio D’anna, “O destino de uma pessoa, e tudo aquilo que ela possui, é ligado por um fio duplo à saúde de seu corpo, assim como o destino financeiro de uma pessoa depende de sua integridade física, da sua impecabilidade corpórea (corpo, mente e espírito). Grandes empreendimentos, fortunas financeiras, impérios industriais, assim como nações e civilizações formam-se e prosperam, ou adoecem e morrem com seu líder, com seu fundador-idealizador. Um fio de ouro liga sua imagem e seu destino pessoal ao de sua organização e de seus liderados. Seu SER corpóreo coincide com a dinâmica de sua organização, como foi para os antigos soberanos. O REI É A TERRA E A TERRA É O REI.”

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Percebam a relação direta com a imagem refletida no leão que encaramos, que alimentamos, na expressão que vem de uma das leis da sabedoria hermética quando diz: “O rei é a terra e a terra é o rei”.

Trazendo para os dias atuais, é fácil perceber isso ao olharmos as organizações que estão surgindo, crescendo e prosperando, bem como aquelas que estão definhando, regredindo e morrendo. As primeiras estão sabendo amar e alimentar os leões que são vistos e refletidos como ameaça, as últimas estão os matando a cada dia, e por temê-los estão morrendo junto com eles.

“Lembre-se sempre! Nada é fora de você… O mundo que você vê e toca é somente um efeito. Tem o seu sopro… vive se você é vivo e morre com seu morrer. Não tema o Antagonista! Sob sua máscara feroz esconde-se nosso maior aliado, nosso mais fiel servidor.” ( A Escola dos Deuses)!

Tudo o que é forçado acaba espanando

Tudo o que é forçado acaba espanando

Não force nada, nem roupa, nem sapato, nem sentimento, nem relacionamento. Tudo o que for insistência apenas trará dor, decepção e sofrimento. Deixe a vida fluir e lute pelo que vale a pena e por quem faz diferença positiva na sua vida.

A regra é clara: cada vez que insistimos em alguém ou em algo que não retorna, acabamos desistindo, aos poucos, de nós mesmos. Ficar correndo atrás do que não tem chances de fazer parte da vida da gente só serve para trazer decepção e para minar qualquer autoestima. É preciso discernir o que pode do que não pode acontecer, ou adoeceremos e viveremos infelizes e intranquilos.

Existirão pessoas que gostarão de nós já na primeira vez e manterão amizade sincera conosco pelo resto de nossas vidas, sob sol ou sob tormentas. Outras pessoas jamais gostarão muito de nós. Afinidade não se explica nem se cobra, simplesmente acontece. Não conseguimos explicar direito, mas os amigos verdadeiros serão aqueles que, não importa há quanto tempo conhecemos, parecerão como amigos de infância.

Alguns empregos parecerão serem feitos para nós, por mais que relutemos em aceitá-los. Poderemos até tentar nos aventurar por ocupações outras, investindo e nos dispondo a dar certo naquilo, porém, nem sempre nosso perfil será afim com o trabalho que desejamos. Aceitarmos nossas limitações e valorizarmos nossas potencialidades é o que nos tornará mais abertos a nos sentirmos realizados fazendo aquilo que se encaixa perfeitamente em nossas habilidades e aptidões.

Nem todo mundo que amarmos nos amará de volta. Não seremos a escolha de todos por quem nos apaixonarmos. Por mais que nos entreguemos, por mais que nos doemos e ofereçamos o nosso melhor, não conseguiremos ser morada de quem não tiver a real intenção de ficar. Sentimento também é algo que não se explica, ele simplesmente acontece ou não. Deixar de insistir em sentimentos não correspondidos pode ser penoso, de início, mas, com o tempo, irá nos oportunizar vivenciar afetividade recíproca junto a quem retornará afeto na mesma medida.

Não force nada, nem roupa, nem sapato, nem sentimento, nem relacionamento. Tudo o que for insistência apenas trará dor, decepção e sofrimento. Deixe a vida fluir e lute pelo que vale a pena e por quem faz diferença positiva na sua vida. O que não ficar, foi-se, já era, adeus. O que permanecer então será intenso, verdadeiro e recíproco, como deve ser.

Imagem de capa: Michelangelo Gratton/shutterstock

“Comigo ele(a) será diferente” – A ilusão que atrai para os relacionamentos abusivos.

“Comigo ele(a) será diferente” – A ilusão que atrai para os relacionamentos abusivos.

Você conhece alguém que se submete aos maus tratos nos relacionamentos amorosos? Neste momento, lendo este artigo, vem em sua lembrança alguém que comporta-se com total submissão dentro de um relacionamento, aceitando humilhações, traições, desrespeito e até mesmo agressões físicas? Certamente, toda pessoa conhece alguém que vive ou já viveu essa realidade tão deprimente, como também é possível que este artigo esteja nas mãos de alguém que esteja vivendo esse drama.

É fato que, perceber uma pessoa querida vivendo um relacionamento abusivo, nos causa uma série de sentimentos conflituosos. Causa muita indignação ver uma pessoa cheia de atributos intelectuais, físicos e morais sendo tratada como se fosse um entulho, pior ainda é perceber a passividade dessa vítima, aceitando tudo sem nada questionar e ainda demonstrando muito temor em perder o seu algoz a quem ela refere-se como “amor”. Diante disso, uma pessoa será sempre vista como alguém que “não tem vergonha na cara”, “que só dá valor em quem não presta” dentre outros julgamentos. O que a maioria das pessoas talvez não compreenda é o motivo que leva alguém a se posicionar dessa forma nos relacionamentos amorosos e, também, em outros contextos.

Ocorre que costumamos avaliar as pessoas pelo o que elas apresentam externamente, então, diante de uma pessoa bonita e culta, tendemos a acreditar que ela é dona de si e que faz sempre as escolhas mais sensatas para ela. Entretanto, não é bem assim que a coisa funciona. Nem sempre uma pessoa com um elevado nível intelectual possui independência emocional. Esses dois atributos, não são, necessariamente, vinculados. Inteligência emocional e autoestima não são adquiridos nas cadeiras das universidades.

Obviamente, uma pessoa esclarecida intelectualmente e com independência financeira terá menor vulnerabilidade no que se refere às relações abusivas, uma vez que ela não terá a dependência econômica como um fator agravante que venha a dificultar a ruptura de uma união tóxica.

A forma como uma pessoa se comporta num relacionamento afetivo é o reflexo da forma como ela se percebe. Normalmente, as vítimas de relacionamentos abusivos aprenderam, em alguma fase da vida ou ao longo da vida, que isso é normal e aceitável. Provavelmente, essa pessoa tenha vindo de um contexto familiar desajustado, onde, dentre outras disfunções, presenciava o pai bater na mãe, por exemplo. Ela aprendeu a associar o amor à dor e ao desrespeito, então, ainda que ela adquira esclarecimentos teóricos sobre a forma saudável de se relacionar, aquilo que ela viveu na prática ainda terá um peso gigante na sua percepção. Entretanto, vale lembrar que esse quadro não é irreversível, contudo, é fundamental que a vítima se disponha a buscar essa desconstrução. O processo pode ser lento, mas vale a pena investir todos os esforços nessa busca, que tem na psicoterapia individual, uma poderosa aliada.

As vítimas de relacionamentos tóxicos não se percebem como pessoas dignas e merecedoras de afeto e respeito. No geral, elas não exigem nada do parceiro, no fundo, elas se percebem como inferiores demais para pedir algo ou manifestar alguma vontade. Tudo o que vier será aceito, e, como elas temem muito a rejeição, elas evitam, ao máximo, contrariar o parceiro. Na realidade, quando você olha aquela mulher super bonita e interessante ou aquele homem super bacana vivendo essa realidade tão triste, é preciso entender que eles não se enxergam assim. Eles não tem a menor consciência da beleza física, ou de qualquer outra virtude que eles possam ter. Essas pessoas já entraram no relacionamento com a autoestima adoecida e, se ainda tinha algum resquício de amor próprio, ele foi extinto na convivência com o parceiro.

Reforçando que a construção da autoestima e a percepção de si próprio como um sujeito digno de amar, de ser amado, de ser respeitado e de ser tratado com dignidade poderá ser reforçado nos bancos das escolas e universidades, porém, essa compreensão será adquirida pelo sujeito no seu contexto familiar, o seu núcleo de referência. Contudo, vale lembrar que, no geral, o histórico de relações abusivas tendem a se perpetuar se não sofrer uma interrupção, dessa forma, as vítimas farão novas vítimas, repassando o modelo doentio de se envolver afetivamente aos seus descendentes. Contudo, faz-se necessário compreender que ninguém deverá encarar o histórico de vida sofrido dos antepassados como uma sentença irrevogável que será estendida aos descendentes, basta buscar ajuda e se posicionar como um agente de transformação desse ciclo, beneficiando a si próprio bem como as gerações futuras da própria família.

Imagem de capa: Billion Photos/shutterstock

Um guerreiro que caminha na trilha do coração é capaz de enfrentar o desconhecido

Um guerreiro que caminha na trilha do coração é capaz de enfrentar o desconhecido

A vida é mesmo uma grande caixinha de surpresa. A gente nunca sabe o que vai encontrar, sentir e experienciar. A cada novo dia, refeitos do sono, com as energias recalibradas, nos colocamos em contato com o mundo, para um novo encontro que requer preparo (físico e psicológico) para enfrentar todo tipo situação que possa surgir pela frente. E porque na verdade, é disso mesmo que a vida é feita – de (fortes) emoções.

Preparo para vivê-las é requisito básico de formação mas que nunca, jamais estaremos prontos, completos e formados pois enquanto encarnados, estaremos jogando o grande jogo da escola da vida. E é por isso que aceitamos este convite, para colocarmos nossos seres em prova, confrontar nossas almas e nos colocar em teste para seguir dentro da espiral da evolução.

Encarnar é um grande desafio que requer coragem e humildade. Sem estas duas bagagens não há individuo que passe com louvor nas provas que serão aplicadas no caminho
Coragem, pois muitas situações ela será essencial para não nos acovardar e sentirmos menos capazes. E a palavra coragem traz na sua origem o significado de coração. Portanto, ser corajoso é viver com o coração, e viver com coração é viver no amor.

No coração há a sabedoria da alma, aquilo que somos em essência.

Quem vive muito no plano mental acaba se perdendo diante do pensamentos egoicos, intelecto, das reações primitivas e de muitas ideologias, fundamentos e paradigmas.

Quem vive com o coração tem a chance de expandir, compreender e aplicar a sua força interior, agir com mais sabedoria nas diferentes situações da vida, motivados pela sua essência, o amor.

Um ato de coragem é um ato de amor.

Levar a humildade como escudo também se faz necessário pois sem ela nada se aprende. Um ser que vive na arrogância não é capaz de reconhecer um ensinamento, saber ouvir quando necessário e observar. O arrogante acha que já está pronto e não dá oportunidade para seu crescimento pessoal.

E mesmo diante dos embates mais emblemáticos da vida, a solução jamais será o de “ir embora”, até porque, ninguém vai embora de si mesmo, nós sempre nos levaremos junto seja pra onde for. Nós jamais escaparemos da eternidade. A solução será sempre o de ser um guerreiro.

Um guerreiro que caminha na trilha do coração é capaz de enfrentar o desconhecido, as batalhas mais perigosas, os riscos, carregando consigo a espada da sabedoria e o escudo da humildade.

A covardia não permite os ganhos e os louros das experiências, pois quem se acovarda já está morto. Estar vivo é encarar os combates com fé, confiança e coragem.
E a vida é assim mesmo, com seus dias de luta e seus dias de glória. Jamais pense que não é capaz, pois se você está aqui, nesta vestimenta humana, é porque sem dúvida em você existe todos os instrumentos e capacidades necessárias para esta vivência.

Acredite! A vida vai fazer você se mexer e o objetivo será sempre a sua evolução.

Por isso, abrace a vida com amor, e não permita se esquivar ou paralisar diante das dificuldades. Você pode sim ter dúvida, e elas fazem parte das escolhas, você pode também ter medo, pois elas auxiliam na sua proteção, mas não se permita paralisar diante disso.

Os combates são na verdade os presentes que a vida te deu para seu crescimento pessoal e espiritual. Aceite com amor.

Imagem de capa: Samet Guler/shutterstock

Caminhar por terras peruanas é a prova de que a felicidade está na jornada

Caminhar por terras peruanas é a prova de que a felicidade está na jornada

Conhecer cidades do Peru, ou mesmo, Machu Picchu, nunca fez parte do meu repertório de sonhos. A viagem, aceita de supetão, foi um mero acaso ligado ao convite de uma amiga muito querida. Mal sabia eu que o Peru já me esperava.

Caminhar por seu solo sagrado, conhecer um pouco mais de sua história, sentir o amor que seu povo nutre pelo passado, saber de suas lutas… tudo isso me acessou naquele ponto mais íntimo, naquele local que não existe no concreto, mas que faz girar o universo.

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A sensação de real pertencimento é algo que encontramos em poucos lugares de nossa vida. Ele costuma acontecer quando estamos no conforto e na segurança de nossos lares, no seio de nossa família ou mesmo entre amigos queridos. Mas, às vezes, ela também acontece em momentos inusitados. Ou, como disse Guimarães Rosa ao falar da felicidade, nos momentos de descuido.

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No cerne dessa descoberta o pertencimento é aquele que dá ritmo a nossa jornada, é aquele que sincroniza nosso respirar, é aquele que coloca em uma só frequência as dimensões que pensávamos ser inacessíveis. Deve ser daí, desse encontro inesperado, que surgem os andarilhos ou até os modernos mochileiros que vislumbram o movimento e que, mesmo definindo uma meta de chegada, encontram sua renovação na hipnótica frequência dos passos, na sublimatória harmonia com o trajeto, no chão batido, na água e nas pedras que trazem a energia de vidas que, provavelmente, nunca nem mesmo foram registradas.

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As Brumas de Machu Picchu

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É no emblemático encontro consigo mesmo, naquele momento em que as variáveis constantes são deixadas para trás, que o ritmo se instala, que o olhar segue o horizonte: é lá que as guardas são baixadas. É nesse momento, nessa fagulha do sentir , que nos abrimos e aí, finalmente, percebemos que também pertencemos, que somos parte do todo, que somos todos pétalas de uma mesma flor.

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Agradeço ao universo, por cada passo dado, por cada quilômetro percorrido e por cada degrau que meu corpo teve forças para subir. Um após o outro numa sequência infinita que, a cada instante, me levava de encontro ao sol.

Agradeço à minha amiga Maria Carolina Gouvea, pelo feliz convite, à minha sobrinha Ana Carolina, que esteve comigo em cada respiração, mesmo que numa localização onde o ar, mais rarefeito, nos fazia parar frente a insignificância de nossas limitações físicas para nos mostrar nosso ínfimo lugar naquele espaço.

Agradeço aos meus colegas de percurso do grupo. São eles as pessoas que, assim como eu, permitiram-se trilhar o inesperado com o peito aberto para o novo e tudo que ele pode trazer.

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Agradeço, finalmente, aos profissionais que possibilitaram essa jornada: A Fabiana Pagan, da Adventure Peru Brasil  que nos contagiou com todo comprometimento, amor pelo Peru e honestidade em seu trabalho; ao guia Roli Mallqui, que esbanja simpatia e conhecimentos, ao Juju Romero e à sua esposa Sheila e, principalmente, ao gerente da Machupicchu Best Trips , Jean Carlos Romero, que presenteou a mim e ao resto do grupo com sua presença e cuidados constantes, assim como com histórias de família que fizeram toda a diferença em minha percepção do local: definitivamente um belo ser humano que cruzou nosso caminho.

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Do mais, não sei se um dia terei a oportunidade de voltar ao Peru (apenas espero muito que sim). Mas o Peru, definitivamente, jamais sairá de mim.

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Não busco mais uma história de amor dessas que os séculos repetem

Não busco mais uma história de amor dessas que os séculos repetem

Não busco mais uma história de amor dessas que os séculos repetem, com rituais exteriores, com votos ditos altos, com símbolos marcados no corpo, mas com almas pouco despertas. Não busco mais viver uma união de cegueiras, um relacionamento em que um ampara a mentira ou a ilusão do outro, em que quase tudo fica na superfície por termos medo de mexer no que assustaria a todos.

Busco sim companhias para a caminhada, amizades corajosas, trocas de aprendizados, amparo mútuo nesse caminho doce e difícil de flexibilizar o olhar e romper condicionamentos e ciclos viciosos.

Não busco mais um colo familiar e confortável, reconhecível pelas minhas células femininas ancestrais, que atraem o que foram educadas por séculos. Não procuro um alguém para eu repousar a mulher que a cultura me ensinou a ser, porque dentro de mim e no espírito do mundo eu ouço que é tempo de transformar, de despertar, de aprender a deixar o propósito maior da vida vir à tona.

Porque eu ando aprendendo que o meu corpo sabe dizer onde ele gosta de se encaixar, que o meu coração pode ficar mais leve, que a minha alma só pertence a mim mesma e quem chega perto é um visitante que eu posso querer ou não receber.

Por isso, às minhas mãos eu quero que se unam mãos desbravadoras, quero olhos ousados como os meus, quero seres que sejam espelhos revelando as minhas sombras que sozinha eu não consigo ver, e que os sustos desses insólitos contatos com os meus porões não me façam sair correndo, mas me insuflem energia para querer desbravar-me mais ainda e limpar as crostas antigas das paredes da minha alma.

Quero também, a companhia que saiba também abrir as minhas janelas e portas e não tenha medo de encontrar a luz radiante dos meus sóis. E que eu esteja preparada para o mesmo! Que a gente possa unir nossa energia vital, essa coisa que é maior que nós e que pode causar tanto medo pois é um gostinho do que seria a morte, já que é exatamente o auge da vida.

Que a gente tenha estômago e coração para ver nossas sombras e luzes, nossas inteirezas e assim nos libertarmos de sermos apenas vultos de nós mesmos.

Que a coragem esteja nos nossos passos, que, com amor, a gente saiba abrir frestas um no outro, para que a nossa essência respire. Que a gente respeite os ritmos, principalmente o nosso próprio, que a gente deixe o amor ser como onda, que vem e vai, que foge ou fica… Que saibamos que nada está nas nossas mãos, por isso mesmo podemos relaxar.

Que sigamos nos desvendando um no outro, um com o outro. Que a vida seja um estudo compartilhado de dois cientistas que aceitam ser as próprias cobaias.

Que a gente possa ficar cansado e titubear, mas que as nossas companhias sejam fortalezas, ponte e inspiração, para que nossos passos, mesmo que hesitantes, sigam sempre em frente.

Imagem de capa: patronestaff/shutterstock

A era da incomunicação

A era da incomunicação

Rubem Alves certa feita disse que mais do que cursos de oratória, nós precisamos de cursos de “escutatória”, porque todo mundo quer aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir. O problema do ouvir e, mais apropriadamente dito, o da comunicação, vem se tornando um dos grandes problemas da nossa sociedade, o que lhe garante a alcunha de “Era da Incomunicação”, muito embora se viva na época de ouro dos meios de comunicação.

É fato que a rede mundial de computadores deu voz a todos com um smartphone na mão, mas, parece-me, que o ouvir não acompanhou o mesmo processo de desenvolvimento do falar. Entretanto, para que o que seja dito por alguém possua significado, é preciso que haja do outro lado, um interlocutor, capaz de ouvir, absorver a mensagem e, somente depois disso, falar alguma coisa em resposta ao que ouviu. Ou seja, na comunicação existe um processo no qual deve haver necessariamente no mínimo duas pessoas. A partir do momento em que passamos a desconsiderar o interlocutor, o ouvinte, o outro, da nossa fala, passamos a descaracterizar o próprio ato de se comunicar e, assim, nos tornamos autofalantes.

Dessa maneira, desenvolvemos extraordinariamente a capacidade de falar, mas não, necessariamente, a de se comunicar. Falamos, falamos e falamos, porém, não somos escutados, bem como, não conseguimos escutar o que os outros falam. Essa incomunicabilidade se dá justamente por estarmos preocupados tão somente em nos expressar. É como se andássemos todos na rua, ao mesmo tempo, da mesma forma, mas ninguém conseguisse perceber ninguém. E, sim, podem fazer essa relação, porque ela ocorre inevitavelmente: a incapacidade do ouvir leva à incapacidade de enxergar.

Assim sendo, tornamo-nos surdos, cegos, mas com a fala enormemente potencializada. Podemos gritar, espernear, tentar chamar a atenção de diferentes modos (e constantemente fazemos isso), mas continuaremos autofalantes, porque esse comportamento apenas ratifica o egoísmo e o narcisismo que nos impedem de deixar a nossa voz (ego) um pouco de lado e tentar escutar, perceber o que o outro está dizendo ou tentando dizer.

Ainda que cercados de fios, que – via de regra – devem promover a comunicação, o que se constata é o falar solitário, como se fôssemos início, meio e fim de um mesmo ato. E por mais que viver em grandes cidades, sejam reais ou “cidades.com”, aparente demonstrar que estamos conectados e que estamos próximos, no fundo sabemos que estamos sozinhos em nossos pensamentos, seja por não encontrarmos pessoas capazes de ouvir, seja porque nós mesmos já não conseguimos escutar, sendo apenas mais um autofalante com número e série.

Nessa Torre de Babel que construímos, a comunicação não evoluiu, pelo contrário, se tornou ainda mais primitiva, pois em meio a uma confusão de línguas, raramente se encontra pessoas que se esforçam para entender o dialeto que forma o outro, já que a comunicação, acima de qualquer coisa, é sair de si e adentrar em outro universo particular, não seu, mas do outro.
O que talvez ainda não tenhamos compreendido, apesar disso tudo, é que as palavras e, consequentemente, o sentir, só possuem significado em mão dupla, quando há um significante. Do contrário, elas morrem sozinhas, dentro de nós, sem que possam crescer e criar vida. Morrem no silêncio perturbador de quem grita, mas só escuta o próprio eco (ego) como resposta, até que ele também cansa e, então, já não se escuta nada, a não ser o silêncio pleno da era da incomunicação.

Imagem de capa: VGstockstudio/shutterstock

Às vezes, a ovelha negra é a pessoa mais sadia da família

Às vezes, a ovelha negra é a pessoa mais sadia da família

É muito difícil encontrar um parâmetro do que possa ser considerado normal ou não. Para alguns, a normalidade está atrelada a comportamentos padronizados socialmente; para outros, tem a ver com preceitos religiosos, e por aí vai. Fato é que, muitas vezes, confunde-se normalidade com calmaria, quietude e obediência, sendo que uma coisa não necessariamente depende da outra.

Quantas vezes nós mesmos não temos uma impressão errada sobre alguém que se veste de uma forma totalmente peculiar, ou possui um corte de cabelo diferente, alguém que, aparentemente, foge ao que é considerado normal? Ou sobre alguém que abraça as causas em que acredita de uma maneira efusiva, brigando por elas sempre que necessário, até mesmo empunhando cartazes e saindo às ruas? Pois é, a aparência não tem nada a ver com a essência humana, mas parece ser tão difícil entender isso.

Difícil porque o mundo de hoje se baseia naquilo que se vê, naquilo que se ostenta, nas grifes que se vestem, no poder de compra, no tanto que se consome. Com isso, torna-se cada vez mais difícil enxergar o essencial de cada um, aquilo que a pessoa realmente possui dentro de si e consegue viver, praticar, sem machucar ninguém pelo caminho. É o que fazemos que importa, não o que falamos e aparentamos por aí.

E, nos núcleos familiares, não raro se tomam como ovelhas negras justamente as pessoas que contestam, que ousam, que enfrentam o que, embora já esteja estabelecido há muito tempo por várias gerações, trata-se de algo que precisa ser mudado, oxigenado, a fim de se quebrar uma falsa base da zona de conforto que se perpetua há anos. Porque ninguém é obrigado a manter um casamento fracassado ou a se vestir seguindo a moda, somente porque sempre foi assim entre os familiares. Os ousados é que promovem avanços que abrem novos caminhos a muita gente sem coragem.

Portanto, é preciso muita cautela ao julgar alguém que já foi julgado, pelas pessoas ou pelos familiares, como sendo uma ovelha negra, visto que somente a convivência e o tempo é que mostram realmente o que cada um é de fato. Muitas vezes, apenas se trata de alguém que não se sujeitou a regras e comportamentos ditos como normais, sabe-se lá por quem ou por quê, e resolveu viver de acordo com as batidas do próprio coração. Trata-se, enfim, de alguém que não se permitiu ser aceito pelos outros em troca da própria felicidade.
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Texto originalmente publicado em: Prof Marcel Camargo

Quem insiste pelo amor do outro acaba desistindo da própria dignidade.

Quem insiste pelo  amor do outro acaba desistindo da própria dignidade.

No geral, as pessoas persistentes são admiradas em seu contexto familiar e social, podendo ser alvos de inspiração e inveja. Elas são obstinadas e não se intimidam diante dos obstáculos que surgem na busca por um determinado objetivo, elas entendem que, para algumas conquistas, é uma questão de tempo e empenho. Contudo, faz-se necessário compreender e aceitar que, em se o objetivo envolve o sentimento de outra pessoa, a persistência será inútil.

O amor nasce espontaneamente, ele é inegociável, tampouco depende da persistência de alguém para vir à tona. Nesse território, o máximo que alguém pode fazer é demonstrar o seu interesse à pessoa que deseja conquistar e considerar um espaço de tempo mínimo para que a investida surta algum efeito, porém, uma vez que foi feito isso e não houve reciprocidade, é preciso entender que a persistência, nesse caso, passará a ser sinônimo de inconveniência, algo totalmente repelente em qualquer contexto relacional.

Acontece, sim, de alguém vencer o outro “pelo cansaço”, sabe-se que existem relacionamentos que são iniciados e arrastados porque, de tanto um implorar, o outro acabou cedendo, ainda que sem o mínimo de empolgação, provavelmente por receio de não ter outras possibilidades. Isso é possível detectar naqueles casais nos quais um dos parceiros faz de tudo e se desdobra pela relação, enquanto o outro comporta-se como se estivesse naquele relacionamento fazendo um favor. São casamentos compostos por um que sempre “pisa em ovos” e se comporta como um capacho e outro que manda e desmanda, agindo sempre como se fosse a última “bolacha do pacote”. Uniões assim mais parecem uma relação profissional com uma hierarquia bem definida e rígida, como se fossem um general e um soldado.

Fica implícito um quê de revanchismo nessas relações que não são movidas pela reciprocidade, parece conter, nas entrelinhas, a seguinte mensagem: “estou contigo mesmo sem nunca ter sido apaixonado(a), em contrapartida, você vai ter que fazer todos os meus caprichos e se conformar com as migalhas que eu te oferecer”. Eis a pergunta: faz sentido um relacionamento assim? Seguramente esse formato de parceria amorosa é comparável a um rolo compressor passando sobre a autoestima dos envolvidos, especialmente sobre a dignidade daquele que se dispôs a implorar pelo amor do outro, acreditando que, de tanto insistir, seria recompensado.

Se uma pessoa entende que precisa insistir para ter a companhia de outra, já existe aí um indicador de uma autoestima patológica. E, se o outro cede apenas porque houve insistência, estará formada uma parceria com todos os requisitos para um relacionamento disfuncional. Relacionamento bacana é quando ambos estão interessados, quando a química é flamejante, quando a admiração recíproca salta aos olhos e o respeito é companheiro inseparável. O que foge disso será encaixado naquele rol de parcerias formadas por duas pessoas murchas, desidratadas afetivamente, que acreditam possuírem uma companhia, quando, na realidade, estão solitárias, em alguns casos, tão sozinhas ao ponto de terem perdido a própria identidade.

Imagem de capa: Everett Collection/shutterstock

As coisas que me fizeram ficar com você

As coisas que me fizeram ficar com você

E não foram poucas. Você não precisou pedir, eu já tinha escolhido passar todo esse tempo ao seu lado. Agora, apenas quero contar as coisas que me fizeram ficar com você.

Foi esse sorriso aberto quando eu estava distraído. Foi esse olhar sonhador e intenso quando eu segurava a sua mão. Foi esse carinho inesperado, gratuito e cheio de vontade que você fez quando eu não imaginava mais ser possível.

Também foi o frio na barriga que senti e ainda sinto quando te encontro. Foi o medo que você desfez com um abraço. Foi a coragem que você argumentou com um beijo. Foi o respeito, a responsabilidade e a honestidade com nossos instantes juntos.

Mas foram tantas outras coisas. Teve o dia em que você deitou comigo e colocou a sua perna sobre a minha. Um gesto comum, talvez. Mas foi de um jeito que significou uma declaração de presença. E estar com alguém é ser presença nos detalhes.

Ficar com você foi passar a ter confiança. Confiança naquilo que quero, naquilo que demonstro. Sem perfeições ou através de uma corrida desenfreada para. Foi a tranquilidade com a qual você me fez redescobrir a importância de olhar para os lados, mas nunca deixando de mirar para frente.

Foi a sua força para lutar todos os dias. Foi esse jeito que você tem de acolher, de retribuir e de querer aproximar pessoas das gentilezas e sentimentos que carrega. Foi esse prazer pela vida. Foi essa preguiça pela rotina.

As coisas que me fizeram ficar com você…

Imagem de capa: Monsieur & Madame Adelman (2017) – Dir. Nicolas Bedos

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