Não mande nudes, mande rosas.

Não mande nudes, mande rosas.

“Precisamos do amor para nos sentirmos vivos, precisamos da paixão para seguirmos em frente sem sucumbir, precisamos de carinho para suportar o peso do cotidiano em nossas vidas.”

Ao longo do tempo, os comportamentos e valores sofrem rupturas, permanências e novas formas de enxergar o mundo, que tanto podem promover quanto emperrar avanços sociais significativos. A aceitação de novas configurações familiares e a inclusão social de minorias, por exemplo, são exemplos claros de oxigenações bem vindas à dinâmica da vida em sociedade. Por outro lado, a supervalorização das aparências materiais e a banalização do sexo trazem consequências nocivas ao fluxo das relações e interações entre as pessoas.

Os dias estão acelerados, tornando-nos sujeitos cada vez mais apressados e assoberbados de atribulações e compromissos trabalhistas, uma vez que buscamos freneticamente a aquisição de uma qualidade de vida tão somente alicerçada sobre o consumo de bens que possam elevar nosso status social. Essa velocidade errática a que nos entregamos nos desumaniza aos poucos, pois acabamos não dispondo de tempo para prestarmos atenção às necessidades de nossos sentidos, às nossas necessidades humanas e que não estão à venda nem expostas nas vitrines do shopping.

Não prestamos mais atenção em nada de nós mesmos que não possa ser visto e admirado visualmente, como se fôssemos apenas uma carcaça oca, esquecendo-nos de que o vazio não sustenta, não acrescenta, não é. Desacostumados, portanto, a cuidar de nossos sentimentos, de nossa essência, somos incapazes de enxergar também no outro nada além do que podemos ver e tocar. Se não atentamos para os nossos sentidos, não atentaremos para os de ninguém mais.

Temos pressa para chegar ao serviço, cumprir as metas, terminar o almoço, ganhar dinheiro, pois as tarefas se acumulam intermitentemente. Enredados nesse redemoinho de compromissos inadiáveis, agregamos a interação com o próximo à lista de metas a serem cumpridas, agendando, em meio aos compromissos inadiáveis, quando possível, encontros, conversas com amigos, sexo com o parceiro. Tudo acaba virando obrigação, mas obrigação não tem nada a ver com prazer. Nessa toada, agregamos interações humanas ao rol de tarefas diárias, descaracterizando os encontros com o outro, retirando-lhes qualquer traço de prazer.

Não tendo mais tempo para o imprevisto, para paixões súbitas, olhares demorados, abraços mornos, conversa fiada, não mais nos dispomos às interações que não sejam superficiais, ao descobrir e ser descoberto, ao despertar das paixões, a tudo que necessita de demora, contemplação e entrega incondicional. Se estamos condicionados aos objetivos a serem cumpridos, não nos lançamos ao incerto, ao que não tem preço, ao que não depende de aparências visíveis. Como não damos atenção ao que sentimos, estamos fechados aos sentimentos alheios. E assim vamos nos afastando das trocas, dos relacionamentos sinceros e da cota de humanização que nos resta.

Essa pressa que nos conduz e desumaniza perpetua-se e encontra terreno perfeito na velocidade célere proporcionada pela internet. A interação virtual é rápida, fria e manipulável, um lugar onde podemos ser quem quisermos, falar sem censura e repreensão de olhares alheios. Nas redes sociais, podemos fantasiar à vontade, ter o corpo perfeito que todos desejam, esconder o rosto e nos exibir pela webcam. Com isso, os relacionamentos vão dispensando o toque de peles, a troca de calor, o conquistar e cativar, o entrelaçar das mãos e demais preliminares que deveriam anteceder a entrega total – caso não se procure o sexo casual, o qual às vezes pode ser a resposta ao que se quer naquele momento.

As amizades e o amor não são instantâneos, não ficam prontos em cinco minutos, não podem ser comprados, tampouco parcelados em dez vezes no cartão de crédito, pois demandam tempo e disposição para conhecer e entregar-se. Assiste-se a jovens queimando etapas da vida inconsequentemente, perdendo chances de conhecer o outro em suas verdades, de nutrir pacientemente os sentimentos, de desenvolver-se enquanto pessoa, antecipando o sexo ao bom dia, substituindo a caixa de bombons pelos nudes, banalizando, enfim, o “eu te amo”, distribuindo-o a qualquer um que acabou de conhecer.

Precisamos do amor para nos sentirmos vivos, precisamos da paixão para seguirmos em frente sem sucumbir, precisamos de carinho para suportar o peso do cotidiano em nossas vidas. Lançar-se à jornada diária sem prestar atenção em nossos sentidos equivale a negar nossa essência humana, pois, por mais que haja pessoas à nossa volta, dessa forma estaremos solitários e incompletos. Por mais confortável que sejam nossas casas, por mais dinheiro que tivermos no banco, estaremos ainda necessitados de alguma coisa, caso negligenciemos o pulsar de nossos sentidos.

É preciso, portanto, desacelerar nossos passos e prestar atenção em nossos desejos, permitindo-nos a demora no fortalecimento de nossos relacionamentos. Tenhamos de volta o direito a cultivar os sentimentos, a conhecer o outro, a entender o que está se passando aqui dentro de nós, para que não sufoquemos nossas necessidades sob os efeitos superficiais dos ansiolíticos e antidepressivos. O amor a dois, afinal, é algo que se conquista com paciência, entrega, dedicação e que sobrevive não somente do sexo em si, mas também de tudo o que o cerca – o bom dia sorridente, os bilhetes rascunhados, os olhares furtivos, o toque das mãos, o calor que ruboriza, o ouvir atencioso, as flores inesperadas, o compartilhamento das dores e das alegrias. Cultivar o antes nos dará um depois mais prazeroso e sincero, porque então não teremos dúvidas do que e de quem queremos e teremos certeza de quem somos. E, onde houver verdade, lá repousará o amor.

Imagem de capa: David Prado Perucha/shutterstock

Quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem

Quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem

Somos seres livres. Essa é uma premissa irrefutável. No entanto, é sabido que existe a possibilidade de sermos influenciados e condicionados, isto é, de não exercermos a nossa liberdade primordial. Esta, todavia, não significa, necessariamente, escolhas corretas e moralmente aceitas. Diante disso, devemos considerar uma problemática: até que ponto vale, ainda que seja para um bem maior, abdicar da liberdade de escolha?

Esse problema é tratado no filme “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange) de Stanley Kubrick, inspirado na obra homônima de Anthony Burgess. No filme, um jovem chamado Alex e sua gangue de “drugues” praticam todos os tipos de violência, incluindo espancamentos, estupros e assassinatos, em uma Londres distópica. Movidos por puro prazer, ou seja, sem motivações aparentes para cometer tamanha violência, os jovens saem todas as noites praticando o que chamam de “ultraviolência”. Esse comportamento não se reduz à gangue de Alex, sendo praticado por outras gangues formadas por jovens.

Fica nítido, dessa forma, que a “ultraviolência” é um traço marcante daquela sociedade, em que jovens, sob efeito de drogas, libertam toda a violência contida nos seus corpos. Não há um motivo para o que fazem, eles simplesmente fazem porque sentem prazer. O comportamento, sobretudo de Alex, não nos deixa dúvida de que aquela violência é vista como um espetáculo ou, como chamam, “horrorshow”. As suas características cultas, como a sua apreciação por música clássica, principalmente Beethoven, enaltecem o caráter de show ao horror que praticam.

Em uma das suas investidas, Alex é pego pela polícia e condenado a 14 anos de prisão. Preso, ele descobre que estão desenvolvendo um método que promete curar o indivíduo de sua maldade, tornando-o incapaz de praticar qualquer ato de violência. O nosso protagonista é submetido ao tratamento, chamado de “Método Ludovico”, e tem, como prometida, a sua cura, de tal modo que está apto a retornar à sociedade. Ao retornar à sociedade, Alex sofre da mesma violência que praticara, sem que possa retribuir, posto que, todas as vezes que pensa ou tenta cometer algum ato violento, ele sente fortes náuseas que o impedem de fazer qualquer coisa.

O texto até aqui serve apenas para ambientar a história (o que, na maioria das vezes, nem faço, pois prefiro ir direito ao cerne do problema). A problemática se desenvolve em torno da pergunta inicial, ou seja, o condicionamento violento praticado pelo Estado em Alex é satisfatório? Produz resultados benéficos? Obviamente, o comportamento de Alex é reprovável, mas a violência não se restringia somente a ele. Estava na sociedade como um todo, bem como no Estado, já que o método utilizado em Alex também era “ultraviolento”.

Sendo assim, percebemos que, em uma sociedade preocupada exclusivamente em punir, pouco importam as motivações do indivíduo, se ele faz de forma espontânea ou não, o importante é não desrespeitar a lei, mesmo que através da criação de robôs morais. Como diz o Ministro do Interior, o Estado não está preocupado com éticas elevadas, mas apenas com a diminuição da criminalidade. A importância está, portanto, na funcionalidade e não na escolha moral do individuo, na sua motivação para não fazer o mal.

Desse modo, temos o homem mecânico, condicionado e programado para seguir a vontade do Estado. Alex deixa, assim, de ser um homem propriamente dito, pois deixa de ter o poder de escolha e passa a ser a laranja mecânica, incapaz de seguir naturalmente seus instintos. Percebam que a vontade de fazer o mal ainda está presente no nosso jovem “herói”, esta apenas está impossibilitada de ser executada pelo condicionamento que sofrera. Em outras palavras, o fato de ele não ser capaz de cometer a “ultraviolência” é bom para o indivíduo e para a sociedade, mas, na medida em que ele não a pratica tão somente por ter sido programado, passamos a questionar o valor da sua ação, assim como a sua humanidade.

Essa visão é corroborada pelo padre da prisão, que não estando convencido da “cura” de Alex, quando diz – “A bondade vem de dentro, (…) quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem”. Ou seja, há uma forte crítica ao método utilizado pelo Estado, que retira o livre-arbítrio e impede o indivíduo de agir por vontade própria, pois, na proporção em que o nosso jovem “Deixa de ser um malfeitor, (…) deixa também de ser uma criatura capaz de escolhas morais”.

Dito de outro modo, o método utilizado não torna um homem bom. Torna o homem inapto para o cometimento do mal, o que é bem diferente. Assim, questionamos o valor das ações de Alex, do homem mecânico, do robô moral, programado para não fazer o mal, mas tão inapto quanto antes para fazer o bem. Será que, naquelas condições, ele era melhor do que antes? Ou, nas palavras do padre – “Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor do que um homem que teve o bem imposto a si? Questões difíceis e profundas, pequeno 6655321”.

 

Não se trata de ignorar a extrema violência que Alex cometia, mas de discutir o valor de uma ação condicionada, contraditória à vontade do indivíduo. A violência da trama não é construída como um elemento qualquer, um atributo de violência por violência, mas é uma metáfora que demonstra a violência de um poder autoritário, controlador e condicionador. Como também não devemos negar que a violência é a demonstração, na obra, de que o homem é violento e difere muito do “bom selvagem” rousseauniano.

Entretanto, se considerássemos apenas o último fator, de que a obra é apenas uma demonstração pessimista da natureza violenta e perversa do homem, todas as discussões que giram em torno do filme seriam incabíveis. E elas não só cabem, como são o mote central da história. Ou seja, a liberdade do indivíduo não pode ser extirpada, pois os seus desejos não podem ser suprimidos. O condicionamento para que o indivíduo não faça o mal age somente na ação final, mas não modifica os meios, as motivações que possui. Além do mais, o condicionamento feito pelo Estado se dá por meio de extrema violência, que, por ser de ordem psicológica, acaba não sendo equiparada como equivalente às atrocidades cometidas por Alex. Todavia, são equivalentes, por isso vejo a violência física do filme também como uma metáfora para a violência psicológica praticada pelo Estado, já que, sem fazer esse elo, torna-se difícil equiparar as duas violências.

Sendo, portanto, iguais, há de se considerar a condenabilidade do condicionamento feito pelo Estado, uma vez que a técnica utilizada é equivalente aos espancamentos e estupros cometidos pelos “drugues”. Assim, a trama, como uma boa distopia, critica ferozmente (e bem) governos autoritários que querem condicionar homens e transformá-los em autômatos, em laranjas mecânicas. O fato de esse condicionamento ser feito em indivíduos inescrupulosos como Alex, que promovem o mal por bel-prazer, não anula a natureza autoritária da medida.

A grande sacada da obra é demonstrar que, independentemente do condicionamento construído, não há a possibilidade de “produzir” homens bons, como se estes fossem biscoitos. Ser bom é uma decisão e não pode ser produzida pela vigilância, punição e condicionamento. Os homens devem, de forma espontânea, viver de forma ética, respeitando os limites do outro. Qualquer programação feita no indivíduo é incapaz de mudar as suas vontades, fato que fica mais claro no filme, visto que neste não há uma redenção do protagonista.

Laranja Mecânica é uma crítica a formas autoritárias de governo que pretendem despersonalizar as pessoas, à extrema violência presente na nossa sociedade, que, para ser entendida, deve ser expandida para além das atrocidades cometidas por Alex, como os preconceitos, os desrespeitos éticos (ou o jeitinho brasileiro não é uma violência?), a falta de empatia e compaixão etc., e, sobretudo, a dificuldade que o homem tem para fazer o bem, sem que, para isso, sofra de violência que o transforme em uma marionete, um autômato ou, como genialmente Burgess escreveu, uma Laranja Mecânica.

Imagem de capa: Reprodução

A maior riqueza de duas pessoas é o que fica entre quatro paredes.

A maior riqueza de duas pessoas é o que fica entre quatro paredes.

Pode vir. Faz as malas, vem. Chega contente, disposta, à vontade. A casa é sua. Entra, senta, fica. Tira os sapatos se quiser, pula na cama, descansa teus pés cansados nestas costas. Repousa tua alma na companhia da minha, encosta teu corpo neste canto do mundo. Chega aqui. Pode chegar.

Enquanto essa multidão de casais felizes passeia lá fora, lotando sessões de cinema, corredores de shopping, festas da uva, lojas de material para construção, parques cheios de luz, nós aqui nos deixamos estar sem mais, desconfiando o mundo pelos desenhos do sol e da lua no teto do quarto entre os vãos da janela, esquecidos do tempo, do vento e da chuva. Entregues a nossas questões pessoais, nossas mecânicas domésticas, nossos movimentos íntimos universais. Distantes da rua lá embaixo, da festa das vozes em grupo, das luzes acesas.

Benditos sejam os amantes afeitos a exibir seu amor ao mundo, empurrar juntos o carrinho do supermercado, beijar em público, esperar a tardinha em sorveterias de bairro. Que sejam felizes como felizes estamos nós, que escolhemos o caminho inverso. Nem piores, nem melhores. Apenas e tão somente nós. O que é nosso, amor, por escolha nossa, há de ficar aqui.

Vem, goza comigo o direito sagrado de fazer, sentir e manter nossas coisas em um paraíso secreto, restrito. Que estas quatro paredes nos guardem, protejam e preservem dos males do mundo, dos olhos alheios, das coisas da vida. Que sejamos assim, você e eu, enquanto der. Enquanto for.

Ninguém mais carece saber de nossos risos e angústias, nossas alegrias desaforadas, nossas horas lentas e silêncios longos. A quem mais interessam nossos cheiros e nossos gostos? Tem coisa que não tem jeito: ainda que se queira, não é possível dividir. Não se deve. Tem coisa que é só nossa, nascida para a intimidade. Se sair ao sol, à chuva, ao olhar dos outros, derrete, definha, desaparece. Tem coisa que nasce, cresce e fica para sempre dentro da gente, no infinito espaço íntimo de um mundo para dois.

A olhos nus, despimos nossos corpos entre quatro paredes de discrição e resguardo. Aqui, aquecidos em nossos fogos, dividimos nossas riquezas escondidas, entregamos nossos mistérios um ao outro. E assim, sem que ninguém nos ouça e nem nos veja, colhemos juntos toda a ternura do mundo.

Nossa disposição generosa para o amor merece o conforto silencioso das horas mudas. Deixa cá entre nós. Conta pra ninguém, não. O que nos é mais caro ninguém há de saber. Nosso tesouro mais valioso, nosso segredo irrevelável, nosso tempo e espaço invioláveis.

Vem. Entra, fica. Em nosso canto suspenso, repletos de alegria e pudor, guardaremos instantes de graça infinita aqui dentro. Por nada, não. Nada senão a sorte de preservar-nos em nossa riqueza de bichos simples, discretos, inteiros, amantes.

Imagem de capa: Mikhail_Kayl/shutterstock

Ansiedade: Meu ser parado em alta velocidade.

Ansiedade: Meu ser parado em alta velocidade.

Não tenho a pretensão de fazer um relato científico sobre as sensações que tenho tido ao longo desses anos, nem descarto outras histórias de vida que possuam os mesmos sintomas. De fato, eu tenho uma biografia de altos e baixos. Vivi situações que eu costumo chamar de classicamente difíceis. Foi dureza ter que escolher entre comer ou ter o dinheiro da passagem pra escola. Presenciar cenas de violência familiar. Viver o luto da perda de pessoas queridas. Mas sei que diversas pessoas vivem a ansiedade e não tiveram estes episódios no caminho. Seriam elas mais fracas do que eu? Penso, com muita convicção, que não.

Aquela história de “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional” me parece estranha. Aparentemente esta frase me diz que essas inúmeras vezes em que senti meu peito arder, uma intensa ameaça vinda do nada, é fruto de uma seleção minha. Estavam lá várias possibilidades e eu escolhi sofrer. Pois essa afirmativa sendo verdadeira, surge uma questão; Como melhorar nossa capacidade de escolha?

Cá entre nós, eu estou muito interessado em escolher ser mais feliz.

Independentemente de sua história , você é frágil ser humano procurando sossego. Enquanto eu lutava para ter o que comer, o seu problema poderia ter sido um coração partido, uma não-aceitação do nariz, falta de amigos no recreio. Que seja, tudo é problema. Não existe balança. Nossas dores só são vividas por nós mesmos. Até podemos ser solidários com a história do outro, mas é só o outro que sabe exatamente qual o cheiro do ar que respira.

Foram tantas vezes em que simplesmente não consegui mais pensar.

A minha cabeça gira numa velocidade maior do que posso suportar, ou flutua, perde a gravidade, e eu não consigo trazê-la a terra como quero.

Aquela vez, moça, eu não tava sendo grosso, mal educado, era apenas meu corpo pedindo fuga. Do quê? Apenas fuga.

Quando vocês todos falavam na roda e eu não conseguia embarcar no assunto, não era antipatia, pessoal. Eu não estava ali. Enquanto vocês falavam, eu senti minhas ideias correrem sem destino.

E aquela festa que eu voltei mais cedo? Não, eu queria ter continuado lá. Tinha tanta gente legal. Eu pensei  tanto conhecer novas pessoas. Mas não deu, meu peito esquentava e todas as minhas percepções eram negativas. Precisava sair dali.

Houve dias piores. Em que a capacidade do disfarce faltou e eu precisei admitir; eu estou com muita ansiedade, e voltei pra casa.

Os nossos sintomas podem ser causados por diferentes motivos, nossa reações podem ser as mais variadas, como o nosso alívio vem de diferentes formas. O meu é a escrita, o verso, o texto. Nada mais me alivia no mundo que a possibilidade de palavrear, reinventar por meio das letras as perturbações que me cercam. O seu alívio pode ser igual ao meu, pode ser o que tiver de ser e também nem existir ainda. Não se envergonhe das suas dificuldades e logo você o encontrará.

Talvez não dê imediatamente de se sentir menos ansioso, talvez demore pra que consiga realizar essas atividades que deseja. Mas vá, pouco a pouco, passo a passo. Andar lentamente para direção certa é melhor do que ficar parado. Se não deu pra conversar por horas, comemore o Bom Dia. Se não foi possível ficar até o fim da festa, comemore ter ido.

Este são conselhos que dou, antes de tudo, para mim mesmo. A ansiedade me namora há anos, deixá-la parece impossível, melhorar os nossos beijos é essencial. Eu quero ainda estar ansioso pelo futuro, mas sem sentir que o futuro me ameaça.

Voltar pra casa depois da festa ter me festejado bem.

E se você tem sensações semelhantes, saiba lendo esta crônica que não é sua a única cabeça acelerada no planeta. Procure ajuda como se sua sensação fosse uma dor de dente nas ideias. Só você sente e sabe a razão dela te impedir de sorrir. Brega, né? É assim mesmo. Os caminhos podem ser os mais clichés, nem tão originais, mas levam a algum lugar.

Pega aí o que você puder de si e vamos.

Imagem de capa: Reprodução

 

 

Afetividade masculina

Afetividade masculina

Ao final de cada dia, numa espécie de ritual, ela encosta a cabeça contra o peito dele e diz:

“Vem cá me dar colo, tô precisando.”

Ela sempre faz isso e ele sempre dá. Ele estica um dos braços por trás do pescoço dela e a puxa em sua direção, encaixando-a num lugar seguro, cobrindo-a com o outro braço, como quem empacota algo frágil e valioso.

Todo dia é a mesma coisa. Ela faz aquela cara de satisfeita e ele, aquela de protetor. Ela o percebe como um gigante, intocável, inquebrável, pronto para protegê-la de todo mal do mundo. Ele a vê pequena, dependente e frágil. Assim, nessa simbiose perfeita, pegam no sono todo santo dia.

Acontece que, na noite passada, algo diferente aconteceu. Dengosa, aconchegou-se ao lado dele com seu pedido habitual por colo, mas antes que pudesse alcançar seu peito, foi interrompida:

“Ah, não! Hoje quem quer colo sou eu! Está na hora de mudar este roteiro! Na história do Shrek é assim, da Cinderela é assim, da Branca de Neve é assim. Não é justo. Hoje, quem quer proteção sou eu e desconfio que o Shrek também!”

Antes que ela pudesse contra-argumentar, lá estava ele enfiado como um filhote com frio, no melhor encaixe do corpo dela que ele pode encontrar, fazendo pequenos ajustes para que seus braços o envolvessem com o mesmo cuidado e proteção que ele sempre lhe oferecia.

Ela, quieta, apenas olhou por cima de sua cabeça e, pela primeira vez, o viu menino, pequenino, indefeso e frágil. Pensou em quantas vezes ele sentiu medo e fingiu coragem para que ela se sentisse segura. Pensou nas vezes em que ele sentiu vontade de chorar e se lembrou de alguém dizendo que homem não chora, e engoliu o choro.

Pensou na sua adolescência, quando sonhava em encontrar o homem que a manteria a salvo de tudo, enquanto ele era bombardeado de mensagens, verdades e afirmações de que tinha nascido para exercer aquele papel e, desesperado, dormia pensando no que teria de fazer para se tornar aquele super-herói.

Sorriu ao perguntar-se, afinal, quem tinha inventado tudo aquilo, deixando ao homem a incumbência de ser essa fonte inesgotável de força, proteção e provimento. Respirou fundo, imaginando quanto ele deveria estar exausto de conviver diariamente com toda aquela pressão.

Então, ficou ali, imóvel, até que ele pegasse no sono, abraçando-o com todo cuidado para não quebrar. Se sentiu gigante. Gigante na capacidade de dar na medida que gosta de receber. Gigante na percepção de que, para que bons homens passem a ver mulheres como fortes, é preciso antes conferir-lhes o direito de serem frágeis.

Imagem de capa: Jacob Lund/shutterstock

Perdas Necessárias

Perdas Necessárias

“Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro.” (Caio Fernando Abreu)

Assistindo à vida esvair-se dos olhos de meu Yorkshire, quando finalmente resolvi poupá-lo do sofrimento que meu egoísmo lhe demorava, agarrei-me mais fortemente à minha própria vida, como que me conscientizando da certeza de um dia também chegar a minha hora de partir. Ficou mais claro, para mim, que quanto mais vivemos, mais perdas acumulamos, e quanto mais perdemos, mais queremos viver, agarrando-nos ao que nos resta com a força que nos sobrou.

Todo chavão é muito verdadeiro, não há dúvidas de que ficamos mais fortes à medida que vamos sobrevivendo ao que a vida nos tira. Ouço isso desde pequeno, quando morreu meu querido Porquinho da Índia, quando perdia nos jogos de tabuleiro, quando os trapalhões não sorteavam a minha carta, quando sentia arder o merthiolate vermelho. Porque inclusive a gente já perde quando nasce ao ter que deixar o ventre acolhedor de nossa mãe, mas ganha a vida lá fora. A vida quer que a gente sempre ganhe.

Minha mãe sem dúvida foi minha melhor e maior referência de mundo, sendo seu sorriso gostoso meu mais eficiente combustível de vida. Ela se foi aos poucos, enquanto eu me despedia dela e me preparava para aquele amanhã sem sua presença. Doeu além da conta não a ter mais comigo, e fui obrigado a procurar forças em mim mesmo para enfrentar a lida diária. Sua morte me fortaleceu muito, tornando-me mais autônomo emocionalmente, obrigando-me também a me aproximar de meu pai, a quem até então eu não dava a devida atenção. Irônico consolo, no fim inexorável da morte existe um recomeçar.

A morte é a perda absoluta de algo fora de nós, pois leva sem volta, sem chances de conseguir de novo. Mesmo assim, dentro da gente há crescimento, que as memórias prazerosas de quem se foi alimentam enquanto reorganizamos nossos sentidos. Da mesma forma, perder traços do que nos define naquilo que somos parece ser irreversível. Voltar a confiar em quem nos traiu, no político que se envolveu em falcatruas, no artista enredado em escândalos é um caminho difícil a ser percorrido. Confiança é muito parecida com a morte nesse sentido, pois ela parece teimar em ir embora para sempre. Mas mesmo o caráter possui a capacidade de regenerar-se, pois a vida não condena ninguém de forma perpétua.

Perder-se enquanto se explora a vida em suas múltiplas oportunidades e armadilhas, ao contrário do que possa parecer, é benéfico – como disse Lispector, perder-se também é caminho. Muitas vezes temos que levar o fel até a boca, sentir-lhe o amargor, para então evitá-lo em nossas vidas, pois a experiência pode ser – e quase sempre é – mais didática do que a teoria discursiva. Sofrer as consequências do que fizemos é, por isso, um aprendizado incomparável, embora doloroso, pois lidamos com o pior de nós mesmos e temos que fazer alguma coisa daquilo tudo, caso queiramos continuar caminhando. Os porres que tomei, os empregos que me dispensaram, as garotas e amigos que perdi fizeram com que eu enxergasse meu lado ruim e tentasse mudá-lo. É assim com todo mundo.

A vida não gosta de gente acomodada e resignada e trata de nos chacoalhar o tempo todo, de forma dolorida, mas, na maioria das vezes, colhendo bons resultados. Vamos nos tornando mais gente após os reveses e tsunamis emocionais, pois as dores nos absolvem de nossos pecados imaginários, aparam as arestas que emperram nosso aprimoramento pessoal. Por mais que tentemos fugir aos desvios de caminho e ao enfrentamento do que restou de nossas escolhas, será inevitável o recolhimento dos cacos, o reerguer-se, o pesar da culpa e do remorso que nos dão as mãos em direção a um futuro com menos erros.

As perdas são vitais, imprescindíveis e necessárias para que continuemos tentando de novo, dia após dia. Elas nos trazem de volta aos caminhos desejáveis, nos forçam a repensar nosso modo de vida, nos jogam em meio à escuridão aqui de dentro, para que sejamos resgatados por quem devemos nutrir amor verdadeiro. O sofrimento é libertador, aumenta nossa fé, nosso querer viver mais e melhor, nossa busca pelo conforto junto a quem amamos verdadeiramente. Como nos ensinam desde a mais tenra idade, perdas nos trazem ganhos, fraquezas nos fortalecem, tombos nos levantam, cada vez mais seguros do que somos, de quem amamos, do que não podemos e do que realmente queremos. A beleza disso tudo é que a vida é incansável e estará pronta a nos dar novas chances, que nascem a cada amanhecer, sempre, todos os dias, para mim, para você, para todos nós que ainda estamos vivos.

Imagem de capa: Rangzen/shutterstock

Neste mundo pesado, benditas sejam as pessoas leves

Neste mundo pesado, benditas sejam as pessoas leves

Eu queria ser um sujeito engraçado. Desses que na hora certa dizem coisas tão divertidas, mas tão incrivelmente alegres que fazem quem estiver perto parar e sorrir.

A cada palavra minha, uns iam gargalhar de doer o ventre, outros ririam rasgado de esquecer as dores. E outros sentiriam um fiozinho de leveza em seu lá dentro capaz de provocar um riso tímido, um alívio de contentamento, um refresco humilde no peso da vida. Mas ninguém, ninguém seria indiferente à minha graça. Eu queria ser um sujeito assim.

Quando eu contasse uma lembrança brincalhona, um caso curioso da minha avó, um chiste à toa, por exemplo, no ponto de ônibus, toda pessoa aborrecida com o atraso do transporte, o cansaço do trabalho ou o preço do feijão desabaria na risada. Esse riso haveria de afetar o cidadão ao lado, e o outro, o outro e os outros mais. E todos nós ali, contagiados, juntos, riríamos tanto e tão refeitos, restabelecidos, que quase nem notaríamos o ônibus demorando.

Quem tomasse parte desse instante chegaria em casa comentando com a mulher, o marido, os filhos, os irmãos: “você não sabe! Hoje um sujeito divertido fez todo mundo dar risada no ponto!”

Ah, quem me dera ser um tipo engraçado mesmo. Não “engraçadinho”, que por aí tem tantos. Queria ser um pândego autêntico. Teria sempre, de cabeça, um relato cheio de graça, jamais de “gracinha”, para sacar no instante preciso, desarmando interlocutores cheios de ódio, desconhecidos travados de fúria, rivais tomados de ira partindo um contra o outro.

No segundo que antecede uma briga de bar, lá estaria eu, enfiado entre os valentões irascíveis. Implacável, eu gritaria um chiste saboroso, simples, e confusão nenhuma iria para a frente, porque todos cairiam numa gargalhada irresistível, profunda, demorada. E ao fim todos desabaríamos em descabido estado de festa, unidos, leves, reconciliados com a graça da vida. Essa vida espantosa, sublime, que tanta gente tenta fazer ordinária e vil.

Fosse eu um sujeito engraçado de fato, minha graça seria requisitada pelas Nações Unidas em missões de paz ao redor do mundo. Sairia por aí, diplomata sem formação, orientado a contar passagens pitorescas para carrancudos chefes de estado, conspirando por melhorar seus humores, em minha pequena contribuição para a paz, a compreensão e a ajuda generosa entre os povos. Eu queria ser um sujeito poderosamente engraçado.

E ainda que um dia, por qualquer sorte, a vida me levasse tudo, família, amor, trabalho, dinheiro, saúde, esperança, amigos, eu manteria aqui dentro um punhado de lembranças inventadas, memórias recreativas, recordações contentes queimando numa fogueirinha humilde que me aqueceria o coração e me conservaria, para sempre, um sujeito nem rico e nem pobre, nem louco e nem são, nem certo e nem errado. Nada senão alguém confusa e inexplicavelmente cheio de graça.

Quem sabe assim eu me sentisse menos triste à tardinha, quando o sol apronta as malas e me faz sentir saudade e esperança. Tristeza que dói mansinha compensando o fato de que vai doer para sempre.

Se eu fosse um brincalhão espirituoso eu teria tudo isso. Teria só para dividir aqui e ali, alastrando por todo canto uma chama de sonho, de riso e de festa.

E aquela moça amiga, alegre de nascença e juventude que agora vai doente, tristonha e sozinha, ao me receber numa visita breve, cheia de graça e de lembranças infantis, abriria um sorriso franco e a fé na vida lhe voltaria a brilhar na fronte. Eu queria, ah, como eu queria ser um sujeito engraçado.

Imagem de capa: oneinchpunch/shutterstock

Não sou mais boazinha!

Não sou mais boazinha!

Hoje estava pensando nas vezes em que eu disse não e queria dizer sim. Nas vezes em que disse sim e queria dizer não. Nas vezes em que pedi salada, mas queria pedir lasagna; que pedi gelatina, mas queria pedir petit gateau com bastante sorvete.

Nas vezes em que eu disse “vai”, e queria dizer “fica” e nas vezes em que eu queria dizer “some!” e me obriguei a ser humana, complacente e apenas tolerar. Nas vezes em que sorri para esconder a cara feia. Nas vezes em que disse “faça o que seu coração mandar” quando queria dizer “se fizer isso, você tá ferrado” Nas vezes em que queria dizer “vá para o inferno”, e disse “tudo bem, não foi nada não”.

Nas em vezes que retribui comportamento ruim com atitudes boas quando queria mesmo era dar com a porta no nariz. Nas vezes em que eu disse que o tempo resolveria tudo quando queria mesmo era fazer o maior barraco.

Nas vezes em que perdoei uma dívida, dizendo “ah, tá difícil pra todo mundo”, quando queria mesmo era chamar o tal “amigo” de folgado. Nas vezes em que fiz de conta que não entendi um desaforo quando queria mesmo era mostrar para o atrevido onde era o seu quadrado.

Cheguei numa idade mental em que me recuso a viver para ser “a boazinha”. Descobri, do modo mais doloroso possível, que a pessoa “boazinha” esconde uma prepotência e onipotência absurdas. Ela tem a ideia fixa de que está acima das dores que os outros lhe podem causar, acima das suas vontades saudáveis ou não, acima do que a faz feliz, mas não é politicamente correto.

A boazinha faz tudo o que ela acha que o mundo espera de alguém adorável, obrigando-se a caminhar com os dedos dos pés encolhidos diante da possibilidade de qualquer escorregão, a respiração presa e um semblante de paz, paciência e compreensão 24 horas por dia.

A boazinha é a encarnação da perfeição e por isso, espera receber em troca tudo que é disposta a dar. Não recebe, se frustra, engole o choro e faz o quê? Continua boazinha porque seu esforço maternal vai mudar o mundo e tocar os corações mais frios. A um certo ponto a boazinha já não sabe mais se é boazinha ou se tenta, através da doação doentia, controlar o amor e admiração dos outros.

A boazinha nega, mas no fundo sabe que, invariavelmente, ser este anjinho de candura tem um custo enorme, e é ela, no final, quem sempre fica com a fatura.

Não sou mais boazinha. Sou um ser humano.

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Imagem de capa: Farknot Architect/shutterstock

Às vezes, desconectar é ter paz

Às vezes, desconectar é ter paz

Sabe, a gente deveria aprender a se importar menos com certas coisas, dar menos pano pra manga para assuntos sem relevância, não dar corda para aquilo que beira ao precipício emocional.

A necessidade de querer estar sempre certo e provar isso, muitas vezes faz da vida um caos, um embate desnecessário, uma total perda de tempo.

É tão melhor desconectar de algo que não agrada do que bater de frente com a teimosia. É mais fácil assim, a gente se poupa de discussões tolas e segue a vida mais leve, solta, com a cabeça mais tranquila, tendo a oportunidade de criar … mente “pré-ocupada” toma espaço e não permite o fluir das ideias.

Uma mente ocupada com futilidade não se coloca em paz. Além disso, a saúde do corpo começa na mente, ter essa consciência ajuda a prolongar a vida.

Por isso penso que, em determinadas situações, é melhor se retirar, fingir que não entendeu, “sair à francesa” do que brigar para ter razão. Há situações que não precisam ser vencidas, as provações são apenas para si, por isso é bom não se perder nas ilusões.

Trocar pensamentos de baixa frequência por pensamentos elevados é transformador, requer prática, um exercício de vigiar a mente e de se colocar em paz. Perdoar e seguir a vida também traz vitalidade, mas isso é assunto para um outro artigo.

Dito isso, é importante destacar ainda que na vida, haverão determinadas situações que valerão sim a nossa atenção. Há certas vivências que são colocadas em nosso caminho para que possamos aprender, nos curar e evoluir, agindo com coragem e amor, pois aquilo que não é curado e resolvido em dado momento retornará a nossa vida até que tenhamos aprendido a lição.

Nesse sentido, é importante reconhecer as próprias batalhas e escolher bem os combates,para que assim seja possível fazer da vida uma rica e incrível jornada.

Discernir o que é importante e manter uma mente saudável é somar tempo à vida. Cuide-se.

Imagem de capa:  Billion Photos/shutterstock

A experiência do amor, mesmo quando não dá certo, é transformadora

A experiência do amor, mesmo quando não dá certo, é transformadora

Ontem conversamos e achei que sua voz carregava uma tristeza rara, que há tempos eu não via. Você tentou despistar, me convencer por alguns instantes que tudo estava bem, mas por trás da aparente calmaria pude reconhecer lapsos de agonia. Isso me fez lembrar a frase de Jostein Gaarder: “O fato de o mar estar calmo na superfície, não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas”. Então respeitei seu tempo, e mais tarde você confirmou: a vida estava lhe pesando mesmo.

Sabe quando a gente é criança e tenta fazer o movimento de subida numa escada rolante que está descendo? Nem sempre vencemos o desafio, a escada não dá trégua e é mais forte e mais rápida do que nós, e de vez em quando temos que nos render e simplesmente deixar que ela nos conduza para o lado que quer.

É isso que eu queria dizer para você hoje: às vezes a vida é mais forte que a gente. E embora eu acredite em milagres, em recomeços e superações, também aprendi que entrar no ritmo da vida é sinal de sabedoria. Pois nem tudo está ao nosso alcance no momento. Nem tudo podemos prever ou controlar. O que podemos fazer é tentar enxergar o que a vida está tentando nos ensinar. Porque isso é certo também: a vida ensina por meios tortos, e enquanto a gente não aprende, a dor se repete.

A gente pode amar muito uma pessoa, fazer planos de uma vida inteira ao lado dela, prometer que estará junto nos melhores e piores momentos, fazer pactos, sonhar que irá envelhecer lado a lado… mas nada disso é suficiente se a outra pessoa não quiser. Nada disso se concretizará se a outra pessoa não se comprometer. E a única coisa que você pode fazer é reconciliar-se com o adulto que você se tornou. A pessoa que, por forças que não dependiam de sua vontade, não teve suas promessas cumpridas. Como eu já disse: jamais se culpe por aquilo que não dependia somente de você.

 

O lado bom é que a experiência do amor, mesmo quando não dá certo, é transformadora. Você nunca mais será o mesmo após ter amado muito alguém. A experiência da dor também ensina. Por isso não há que se falar em arrependimentos. Não há espaço para arrependimento se você entender que tudo contribuiu para o seu crescimento e fortalecimento. Tudo foi permitido por Deus, e se hoje você é uma porcelana colada e remendada, isso o torna mais rico e amadurecido também. Às vezes você tem que fazer a coisa errada para aprender a certa.

Com o tempo e alguns tombos, me tornei uma pessoa mais intuitiva. E a cada dia tento dar mais ouvidos à minha voz interior. Porque a gente se confunde muito. Nos misturamos ao barulho de fora e perdemos a conexão com o fio invisível que carrega a maioria das respostas. Nos agitamos na superfície, vivemos ansiosos, queremos controlar aqueles que amamos, escolhemos mal, sofremos por antecipação e somos pegos de surpresa porque não damos ouvidos à nossa intuição. Talvez seja hora de recuperar esse poder escondido, fazendo perguntas e escavando no fundo de nossa alma os caminhos possíveis. Só assim entraremos no ritmo da vida e entenderemos a maioria dos acontecimentos. Pois enfim descobriremos que as histórias já haviam sido contadas dentro da gente, a gente já sabia o final, a gente já conhecia a maioria das perdas e ganhos, só que a gente escolheu viver aquilo que convinha; aquilo que, mesmo machucando, valia a pena viver…

Imagem de capa: SunCity / Shutterstock

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Acontece que a lagarta transformou-se em borboleta.

Acontece que a lagarta transformou-se em borboleta.

Moço, sinto muito em desapontá-lo, mas meu coração está fechado para balanço. Não, não se trata de amargura ou ressentimento, a questão é outra. Sabe, se fosse há pouco tempo, muito provavelmente, você teria chances comigo, eu seria capaz de te namorar mesmo sem empolgação, só para me livrar da sua insistência. Calma, não julgue a minha versão passada, você não conhece a minha história, tampouco o que me ensinaram sobre o que era amor. Aliás, quer saber? Pensando bem, julgue-me como você bem entender, isso não faz nenhuma diferença para mim.

Sei que a frase é bem clichê, mas vou lhe dizer: o problema sou eu, e não você. Eu passei por uma grande metamorfose, deixei de ser lagarta que rasteja e virei borboleta que voa, encanta e seduz, mas pousa onde ela quiser. Dos tempos de lagarta, não traga nenhuma saudade, apenas sólidos aprendizados. Não perca o seu tempo tentando me convencer de que você é diferente e que vale pena, a questão aqui não é essa. Eu, pela primeira vez, estou inteira e plena, curtindo cada nuance da minha nova versão. Não foi fácil chegar até aqui e superar o que superei. Se fosse possível visualizarmos a alma como visualizamos a pele, você ficaria chocado com a quantidade de cicatrizes que trago.

Entretanto, as cicatrizes que marcam minha alma, tornaram-se minhas tatuagens sagradas. Elas são indolores, apenas me sinalizam o quão guerreira eu fui e sou. Eu as vejo como adornos que enfeitam a minha essência. Você há de convir que nem todo enfeite é bonito aos olhos de todos, contudo, ele possui um significado especial e subjetivo para o dono.

Não fique chateado comigo, não estou te esnobando, você parece ser um rapaz muito bacana, mas, definitivamente, não há espaço para ninguém em meu coração, ao menos por agora. É que demorei tanto tempo para entender que é possível, sim, ser feliz solteira! Eu estou em lua de mel com essa compreensão tão recente. Na minha fase lagarta, eu acreditava que uma mulher precisava de um homem ao lado para ter seu valor confirmado. É que me ensinaram, desde criança, que uma mulher sem um companheiro é como um “cachorro sem dono”. Você faz ideia dos relacionamentos que acabei atraindo ao longo da minha vida em função dessa crença?

Na antiga “faculdade” onde me ensinaram sobre os relacionamentos amorosos, cursei uma disciplina que, dentre outras teorias, afirmava que “se está ruim com um homem, pior será sem ele”. E, eu, como uma aluna muito aplicada, levava essa disciplina muito à sério. Então, qualquer migalha de afeto e respeito tava bom. Acontece que o tempo passou e resolvi cursar outra “faculdade”, nela aprendi novos conceitos com os quais me identifico plenamente, e o principal é que o amor e o sofrimento não são sinônimos. O Lulu Santos canta: “eu me recuso a admitir que amar é sofrer”, eu também me recuso. Aprendi também que afeto é para transbordar e não para ser servido a conta gotas. Então, estou agora assimilando esse aprendizado, quero cristalizá-los em mim, para nunca mais esquecer.

Ainda estou me familiarizando com esses conceitos da nova “faculdade”, eles estão ganhando consistência na minha compreensão, então, preciso protegê-los para que eles não se dissolvam e eu acabe por esquecê-los. Enquanto isso, vou me apaixonando a cada dia por mim. Descobri tanta beleza em mim, tanta poesia, tanto encanto, tanto poder, tanta força e tanta doçura. E decidi: só vou permitir em minha vida, um homem que me veja assim também. Não quero mais homens com alma analfabeta. Eu ainda terei alguém que consiga ler as poesias que trago em cada silêncio e em cada gargalhada.

Ah, que bom que você me compreendeu…sejamos amigos. Vai valer a pena!

Imagem de capa: Juanjo Tugores/shutterstock

Desejos de Simplicidade

Desejos de Simplicidade

Hoje é dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, e de repente muitas lembranças de minha infância vieram à tona junto com a música “Romaria”, de Renato Teixeira. A música é comovente e nos remete às nossas origens, à lembrança dos avós na varanda esperando a procissão, ao cheiro de incenso, às velas acesas na copa, à simplicidade daqueles que nos ensinaram a rezar e um tributo à fé dos peregrinos e de todos nós, que em um momento ou outro, nos curvamos com humildade esperando uma resposta ou milagre diante dos mistérios da vida.

De repente me vi com desejos de simplicidade. Carente de tudo que me lembra tardes chuvosas, passeio de bicicleta por ruas de paralelepípedos, café em canecas de ágata descascadas pelo tempo e fé de cidade pequena proclamada pelos sinos da igreja. Neste momento não preciso de nada além das paredes caiadas da casa de minha avó, da lembrança de seu tanque de cimento próximo à roseira, dos trocados que ela guardava na lata de biscoitos, do ranger das tábuas no chão sob meus pés.

As memórias de família enriquecem nosso repertório de significados, valores, fé e tradições. E nos acolhem naqueles momentos de dúvida, falta de sentido diante das inconstâncias da vida e descrença no futuro. Quem tem histórias de afeto ao redor de uma mesa simples, alegrias miúdas contadas através de causos de família, fé aprendida e praticada na intimidade, e melodia de tempos felizes numa voz antiga não se entristece à toa.

A vida é cheia de fases. Há momentos de buscar a novidade, de evoluir e aprimorar, de buscar uma certa elegância e requinte. E há momentos de resgatar o que é simples, descobrindo, como disse Leonardo da Vinci, que “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.

É preciso não perder o encanto das coisas simples. Conseguir entender de poesia ao observar o tracejado das veias nas mãos finas do pai, decifrar delicadezas na marcha de pés descalços do filho, sensibilizar-se com o cheiro de simplicidade que só um bom refogado de cebola e alho traz, não se distrair dos sons de uma casa cheia de histórias, e correr o risco de chorar um pouquinho ao se lembrar dos quintais e ruas da infância.

Nas minhas horas de solidão quero agradecer tudo o que tive e me trouxe até aqui. Tudo que me apazigua a alma e traz consciência de que minha história ainda é linda e coerente, pois dela fez parte meu avô molhando o pão no leite, minha avó cantando enquanto esfregava roupas no tanque, minha mãe rezando em nossa cama à noite, meu pai me ensinando ciências, minha tia mandando a gente raspar o prato sem dar um pio. Não quero lamentar o que eu poderia ter tido e não tive, pois embaixo dos telhados de minha existência conheci e vivi tudo o que amei e ainda me sustenta: vestígios de uma vida jardineira, semeadora de contradições e buscadora de simplicidade…

Imagem de capa:  Cultura Motion/shutterstock

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Não há nada mais deselegante que a mentira.

Não há nada mais deselegante que a mentira.

Como é feio mentir…

Não há nada mais deselegante que a mentira.

Ela é traidora, corrompida, descarada, prepotente e ainda se acha a espertalhona.

Mentir para quem a se ama então é mais triste ainda, pois há tacitamente um contrato de respeito e lealdade, onde qualquer mentira sobrepõe ao que é verdadeiro e bonito entre pessoas que se amam.

Mentir para escapar de um flagra, mentir para omitir, mentir para enganar, mentir para não se aborrecer, mentir para permanecer…

De fato, a mentira carrega inúmeras justificativas, e só quem mente sabe o quanto deve se justificar, não para o outro, mas para si mesmo, pois quem mente, não vive na verdade, vive na ilusão, na fantasia, no egoísmo, no medo.

Quem mente deve carregar uma consciência extra, pois o fardo de uma única consciência deve pesar tanto que não caberia numa só.

Quem mente, vive na densidade, e assim não consegue ter uma vida leve, solta e feliz.

Pior que ser a pessoa enganada é o mentiroso, pois cedo ou tarde, tudo cai à luz da verdade, e o que tava no escuro será iluminado para ser esclarecido.

Quem não sabe mentir direito tem consigo coração puro, já quem entende do assunto é bom se avaliar.

Mentira não tem pé nem cabeça, é bicho estranho, sem coração, sem respeito que prega peça e acha que está tudo bem.

Não deveria haver dia para celebrar tal impostura.

Mentira só traz prejuízo. É preferível viver a dor de uma verdade que acreditar numa boba mentira.

Imagem de capa: Lightspring/shutterstock

Não precisa ser meloso, só precisa ser amor verdadeiro

Não precisa ser meloso, só precisa ser amor verdadeiro

Caso a alma ali não fique enquanto há presença, o que restará será vazio e solidão acompanhada. E isso é muito pior do que estar sem ninguém.

A verdade contida em qualquer relacionamento depende muito mais das atitudes e da confiança em que se baseia do que de palavras que o vento pode levar. Da mesma forma, a qualidade do tempo gasto junto com o outro independe de sua durabilidade, mas tem a ver com a intensidade dos sentimentos que se acolhem, nem que por alguns instantes.

Existem casais que vivem grudados, mas estão sempre se digladiando, ou seja, pouco aproveitam os momentos em que deveriam estar compartilhando o melhor de cada um. Por outro lado, há casais que dispõem de pouco tempo para passarem juntos, no entanto, quando se veem, transformam cada segundo em imensidões de partilha afetiva, de troca sincera e de amor compartilhado.

O mesmo se dá em relação às amizades, pois algumas pessoas sempre serão próximas, mesmo que fiquem distantes por muito tempo. Todos nós temos alguém que, por mais que fique sem nos ver, quando nos encontra, parece que nunca esteve fora. Ainda que os anos nos afastem dos amigos, existirão aqueles que nunca sairão de nossas vidas, que poderemos manter dentro de nós para sempre, porque os reencontros serão mágicos e especiais.

Não precisa ser pegajoso, nem meloso, tampouco demorado, mas precisa ser verdadeiro, intenso, com amor e entrega. E entregar-se não significa, de forma alguma, passar vinte e quatro horas junto, mesmo porque podemos nos sentir sozinhos, ainda que com a pessoa ali do lado. Caso a alma ali não fique enquanto há presença, o que restará será vazio e solidão acompanhada. E isso é muito pior do que estar sem ninguém.

Trata-se daquela velha história: a qualidade dos encontros, e não a sua quantidade, é que determinará o quanto as pessoas se importam realmente conosco. Porque a gente sente quando existe verdade e reciprocidade numa relação, a gente sabe muito bem quem vem para acrescentar e quem vem para tão somente sugar. Por isso é que sempre existirão pessoas que deveremos manter por perto, mesmo que distantes. É assim que o nosso coração vibra, a cada reencontro, a cada lembrança.

Imagem de capa: Delbars/shutterstock

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