Ao casar-se certifique-se de que o escolhido entenda de companheirismo

Ao casar-se certifique-se de que o escolhido entenda de companheirismo

Ainda hoje existe no ar uma ideia, controversa, de que ao casar a mulher ganha um marido e com ele todos os afazeres relacionados ao lar e aos filhos. Ainda hoje vigora uma ideia idílica de que essa mulher cresceu em um ambiente a parte, recheado de compotas de doces por todos os lados e que o serviço de casa é algo compulsório assim como o canto da noviça rebelde. Sinto desapontá-los. Não, não é.

Maridos que se comprometem a dividir as tarefas do lar ainda são raros. Encontramos uma infinidade deles que, de vez em quando, resolvem fazer algo, ou melhor, ajudar, mas se você já leu o texto “Eu não ajudo minha esposa” deve saber que uma ajuda implica na ideia de que a obrigação é do outro, sendo essa ajuda quase sempre um “plus” e não um comprometimento de iguais.

Agora imaginem uma cena: um homem e uma mulher recém-casados acordam em um belo dia de sol e ela vai até a cozinha, por vontade própria, preparar um café da manhã delicioso e o leva até o marido na cama. No outro dia, o marido pergunta onde está o café dele. No dia seguinte ele exige que o café esteja na cama sem demora e a mulher que, à princípio, acreditou que o marido fosse um companheiro, se vê em uma situação desconfortável e desanimadora de “ter” que fazer algo que antes era uma doce opção. Com o tempo aquela atmosfera de amor se transforma em uma cheia de ressentimentos e o café, antes com gosto de carinho, passa a ter um gosto amargo de desapontamento.

As mulheres não nascem com facilidades inatas ligadas às atividades do lar. Não tem mãos mágicas que cozinham melhor ou mais rápido que as mãos masculinas. As mulheres foram condicionadas ao lar por anos, por conta de contratos sociais e, infelizmente, ainda hoje em tempos nos quais a união por amor é gritada aos quatro ventos, ao descobrirem que se casaram com alguém que efetivamente não pretende dividir a vida e as tarefas dela com igualdade, acabam por assumirem sozinhas todas a funções do lar.

Por isso eu lhe peço, ao pensar em se casar certifique-se de que o escolhido, antes de querer ser seu marido, tenha no íntimo, a certeza de que será um companheiro. Alguém que não se comporte como visita em sua própria casa, que saiba que uma união determina responsabilidades para ambos os lados. Alguém que participa de ocupações, atividades, e aventuras ao seu lado e que sabe que uma ajudinha em casa, de vez em quando, está bem longe do ideal.

Quando limpar a sujeira varrida para baixo do tapete for tarefa de todos, homens e mulheres juntos, tocaremos o cerne de um amor respeitoso e gentil. Do contrário ainda estaremos vivendo as desigualdades de um mundo de faz de conta no qual um belo elefante branco é comemorado com júbilo, como um presente real maravilhoso, mas que com o tempo leva o presenteado fatalmente à exaustão.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Atribuição da imagem: pexels.com – CC0 Public Domain.

 

A minha depressão não é frescura

A minha depressão não é frescura

“Levante aí da cama, dê um jeito”. “Seja forte”. “Não dá pra viver desse jeito, acorda pra vida”.

Eu

sei

disso.

Eu sei que preciso levantar cedo, sentir o amargo do café na boca, arrumar a cama e tomar um banho. Mas se você realmente soubesse como eu me sinto, saberia que essas tarefas se tornam trinta vezes mais difíceis de se realizar quando as sombras invadem a minha história. Eu já não consigo sair de casa como ultimamente e tenho ouvido bastante que não é pra tanto, já que tenho a faca e o queijo na mão. Eu bem queria ser feliz com pouca coisa, rir por bobagens, falar por horas sobre as coisas mais mirabolantes do mundo… mas eu simplesmente não consigo. Não consigo sorrir nem pra foto nem pra quem está comigo. Não consigo sair da cama sem sentir que estou levando um elefante comigo. Eu queria, na verdade, ficar 24h por dia na minha cama, já levanto pensando na hora de voltar pra lá.

Se soubessem que eu sei a essência de cada uma das frases que usam pra me colocar pra cima… eu sei que preciso ser forte, eu sei que preciso levantar, eu sei que preciso tomar banho. Eu sei. Eu só não consigo realizar essas tarefas como se fossem simples, porque pra mim não são. Eu gasto toda a minha energia fazendo o básico, eu não consigo me sentir bem por ter esse tipo de dificuldade. Dói ver a vida passando, as pessoas evoluindo e eu aqui sem conseguir criar coragem para fazer o básico do básico.

Quando me pedem pra ser mais forte, eu tenho vontade de dizer que se eu assim fosse, não estaria nessa. Em alguns momentos fica impossível ser forte. Em alguns momentos as pessoas precisam desabar até mesmo pra crescer (e é uma pena que algumas pessoas precisem disso).

Quando me pedem pra fazer mais uma forcinha, eu tenho vontade de chorar alto, gritar por socorro e esperar que alguma ajuda caia do céu, porque é minha única esperança.

Quando me pedem para acordar pra vida eu tenho vontade de descrever como eu a enxergo e tudo que ela me ensinou na marra. Eu não quero acordar para uma vida como a minha, é tão simples.

As pessoas não entendem que é difícil demais viver uma vida com a sombra da depressão e seus outros transtornos. Tem momentos em que é difícil respirar, se mexer e até mesmo pensar – porque dói. E dói muito, dói em todas as partes do corpo. E é uma dor sobre a qual não temos controle, assim como uma dor de cabeça ou uma dor de estômago. Só que essa é muito mais persistente e geralmente não é tratada com a seriedade que devia ser tratada.

Eu quero melhorar, sabe. Eu não quero ficar no fundo do poço nem viver o resto dos meus dias tirando forças de onde nem sei só pra tomar um banho, comer um prato deou até mesmo sair de casa. Eu não quero conviver com essa doença pra sempre, mas no momento eu preciso de um pouco de compreensão. Um pouco de carinho e de atenção também seriam bem vindos. Quando eu me sinto vulnerável, eu só preciso de um abraço. Quando eu me estresso, só quero alguém pra ouvir minhas preocupações. Quando ninguém me ouve, eu só queria um mega fone pra poder desabafar. Quando eu me sinto mal, eu só preciso de um ombro amigo. E não tô pedindo nada demais, porque eu quero o respeito a minha atual condição. Eu preciso de um pouco de paciência, por tempo indeterminado, pelo menos enquanto eu exercito a minha.

Médicos, terapias, espiritualidade… tudo isso pouco adianta se as pessoas ao redor não entenderem que o que aparenta frescura é dor, é exaurimento de forças, é sofrimento.

Imagem de capa: Tam Patra/shutterstock

O perdão alivia o coração, mas não apaga o erro

O perdão alivia o coração, mas não apaga o erro

Humanos que somos, será inevitável errarmos e sermos vítimas de equívocos alheios. Errar faz parte da natureza humana, sendo extremamente útil em nosso aprimoramento pessoal, no fortalecimento de nossas convicções e em nossa busca pela realização dos sonhos que acalentamos diariamente. Depararmo-nos com erros nossos ou de outrem será algo constante em nossas vidas; caberá a nós encontrar a melhor maneira de lidar com isso tudo em nosso favor.

A melhor forma de enfrentar os equívocos que nos rodeiam é refletir sobre as causas que culminaram nas situações desagradáveis que teremos pela frente, de modo a corrigirmos nossos comportamentos e atitudes, para que não voltemos a cometer os mesmos erros. Da mesma forma, essa reflexão nos ajudará a nos afastarmos de pessoas e de situações que venham a nos colocar em meio a situações embaraçosas e desgastantes.

Infelizmente, quando magoamos ou somos magoados, acabamos acumulando um peso emocional incômodo, que de uma ou de outra maneira, emperra o caminhar sereno, o seguir em frente desanuviado e tranquilo. E jornadas intranquilas fatalmente não se completam, pois não se revestem da verdade necessária ao nosso crescimento diário. É preciso enfrentar essa escuridão, adentrando em seus porões, para clareá-la, no sentido de podermos deixá-la realmente para trás.

O perdão, nesses casos, será a arma mais acertada contra esforços inúteis de enterrar uma verdade que sempre teimará em nos lembrar do mal que fizemos ou de que fomos vítimas. Perdoar, no entanto, nem sempre significa a retomada de tudo como era, do amor como já foi um dia, da amizade tal como nos parecia inabalável. Ninguém nem nada permanece igual após ser alvejado pela carga avassaladora das decepções, da quebra de promessas, da traição, da falsidade, da maldade enfim.

Mesmo que doa, será preciso voltar aos lugares onde fomos feridos, para reviver e encarar o fracasso dos sonhos, as lágrimas da decepção, a nossa impotência diante da maldade do outro, bem como da maldade que dentro de nós cede terreno às nossas fraquezas. Será necessário assumirmos a parcela de culpa que nos cabe pelas tempestades que desabam sobre nossas cabeças, para que nos libertemos definitivamente das amarras emocionais que atravancam o nosso prosseguimento.  Será urgente, sobretudo, perdoar-se.

Somente após nos perdoarmos, entendendo e aceitando nossas limitações e nos conscientizando das mudanças necessárias, estaremos prontos a perdoar a quem nos magoou, nos feriu, nos usou, debilitando o nosso melhor de forma mesquinha. Perdoar nos retira da posição de vítimas, pois assim retomamos de volta o rumo de nossas vidas. Perdoar nos alivia a alma, tranquiliza-nos o coração, suavizando-nos as dores e devolvendo ao outro a carga de responsabilidade que é dele tão somente. Somente assim nos libertamos do que nos fere para prosseguirmos.

Poderemos tentar continuar sem digerir os fardos que nos assolam, sem enfrentar aquilo que nos desagrada, mas então nossos passos muitas vezes parecerão se arrastar sob o peso de algo que teimará em incomodar. Inegavelmente, perdoar a si mesmo e perdoar o semelhante nos trará a lucidez e a tranquilidade necessárias e imprescindíveis para que possamos continuar buscando a felicidade, mesmo que em outras paragens, junto a novas amizades, novos amores, mas sempre ao som das batidas harmoniosas de nosso coração.

Imagem de capa: Tymonko Galyna/shutterstock

Não aceite qualquer companhia por medo de ficar só.

Não aceite qualquer companhia por medo de ficar só.

Crescemos embalados pelos contos de fadas, por filmes e romances que idealizam um mundo onde os romances idílicos permeiam todo e qualquer enredo, passando-nos a mensagem de que necessitaremos encontrar o amor de nossas vidas, caso queiramos ser felizes para sempre. Não que essa procura seja inútil, mas tornar a presença de um companheiro como condição imprescindível à nossa felicidade pode acabar nos levando ao distanciamento do que nos preenche a essência, para que aceitemos menos do que merecemos ao nosso lado.

Todos queremos encontrar nossa cara-metade, alguém que esteja ao nosso lado, de braços abertos, ao final do dia, ajudando-nos a recobrarmos as forças para os amanheceres vindouros. Todos necessitamos de um companheiro para partilhar tudo o que temos dentro de nós e transborda, para receber em troca verdades que venham ao encontro de nossos sonhos e desejos. Sempre foi assim e assim o será, não se foge a isso.

No entanto, a ânsia por encontrar esse amor jamais poderá ser maior do que o nosso amor-próprio, do que as convicções que nos constituem e constituem nossa humanidade, nosso respirar. Lançarmo-nos ao encontro de uma união desigual, sem contrapartida, sem retorno de toques ou de sentimentos, desconstruirá as bases que sustentam as verdades que nos consolidam o caminhar seguro e tranqüilo. Aceitarmos que a escuridão alheia ofusque-nos o brilho que temos e ansiamos por irradiar nos afastará de qualquer possibilidade de sermos felizes.

Antes de tudo, é necessário que solidifiquemos os propósitos que alimentam as nossas esperanças, para que não nos sujeitemos a abrir mão do nosso viver, em favor de uma companhia aviltante, mesquinha, indigna de nossa grandeza. Precisamos nos amar, praticar o bem-me-quero, fortalecendo nossas certezas contra os quereres alheios que não nos somam, não nos agregam, não nos amam verdadeiramente.

Estar sozinho muitas vezes não significa solidão, tampouco tristeza ou incompletude. Podemos muito bem nos sentir felizes e realizados na companhia de ninguém mais do que nós mesmos. Amadurecer nossos sentimentos enquanto caminhamos desacompanhados nos fortalecerá, trazendo-nos a segurança necessária para que deixemos a pessoa certa entrar em nossas vidas. Caso não estejamos lúcidos e seguros o bastante, estaremos sujeitos a dar as mãos ao vazio, à violência e ao egoísmo alheios. Caso não estejamos vivendo em sintonia com o que nossa alma pede, qualquer um será capaz de adentrar nocivamente nossas fraquezas, destituindo-nos da regência de nossas próprias vidas.

A busca por uma companhia de vida estará sempre presente em nossos planos, fazendo parte dos sonhos que impulsionam nossa jornada. Porém, priorizarmos os relacionamentos, em detrimento de nosso bem estar e de nossa dignidade, somente nos trará dor e decepção. Aproveitemos os tempos em que estamos desacompanhados para firmar em nós tudo aquilo que queremos e não queremos em nossas vidas. Somente assim saberemos aproveitar cada momento que integra a nossa caminhada, seja com ou sem alguém do nosso lado. Porque, assim, estaremos felizes e completos, ainda que sós, mas jamais mal acompanhados.

_ Imagem de capa: Kichigin/shutterstock

Não se acostume com o que lhe faz mal

Não se acostume com o que lhe faz mal

Para que possamos nos equilibrar emocionalmente e conseguir segurar as pontas das atribulações diárias que consomem o nosso caminhar, muitas vezes teremos que aceitar resignadamente certas coisas que não podemos mudar, ou então nos perderemos em meio a sucessivas frustrações. Mesmo assim, deveremos sempre estar atentos para que não nos acomodemos e aceitemos os excessos alheios, a ponto de anularmos nossa dignidade e permanecermos feridos e enfraquecidos.

Não se acostume com a tirania alheia, com a imposição de verdades que não são suas, com a neutralidade frente ao incômodo. Temos que nos impor como pessoas que possuem algo a oferecer, pois somos merecedores de conquistar nosso lugar no mundo, de alcançar a felicidade a partir daquilo em que acreditamos. Não podemos engolir pontos de vista que não são nossos, apenas para evitar conflitos e apaziguar o ambiente externo enquanto nosso íntimo é açoitado injustamente.

Não se acostume à intolerância do outro para com seus pensamentos e atitudes. Não aceite não ser respeitado pelo que você vive, pela transparência com que caminha sobre os percalços que são só seus. Ninguém tem o direito de ridicularizar ou menosprezar as suas crenças, as suas vivências, os seus sentimentos. Você é especial e único em sua essência e nada poderá deter a extensão de seus sonhos, a menos que você permita.

Não se acostume ao mendigar por atenção, por carinho, por amor, por qualquer coisa que seja, pois somos todos merecedores de receber sentimentos de forma voluntária e sincera, nada menos do que isso. Esqueça o medo de perder alguém, o medo de não ser amado, de não ser querido. Você tem muito dentro de si para atrair olhares, sorrisos, abraços, sem precisar implorar ou se sujeitar à subserviência que lhe apaga as faíscas de humanidade que borbulham em seus poros.

Não se acostume com as pessoas que já estão ao seu lado, a ponto de se esquecer de cativá-las continuamente, acomodando-se com o que já parece consolidado. Qualquer tipo de relacionamento necessita de atenção e de responsabilidade emocional, ou seja, temos um compromisso com quem nos admira e torce pela nossa felicidade. Não podemos achar que o amor sobreviverá do que já aconteceu, do que o trouxe até nós. Caso negligenciemos os sentimentos alheios, o amor partirá em busca de outras moradas.

Não se acostume com a não existência, com a nulidade, com a invisibilidade perante o mundo. É preciso que sejamos alguém perceptível, alguém admirável, confiável, alguém que seja visto, em casa, no trabalho, na rua, na escola. Não conseguiremos suportar uma vida muda, atuando como coadjuvantes da trama do destino que se descortina diariamente diante de nós. Precisamos falar o que pensamos, lutar pelo que queremos, reclamar contra o que nos incomoda, ou ruiremos por dentro, longe de tudo o que pode nos tornar melhores e mais felizes.

Não se acostume com a corrupção, com a violência, com a miséria social. Não perca a capacidade de indignar-se contra tudo o que avilta o bem estar da sociedade como um todo, contra as injustiças que acometem os desvalidos, por conta de dogmas insustentáveis e/ou preconceitos ilógicos. Não deixe de lutar com paixão em favor dos seus sonhos, atrelando-os sempre ao bem estar do coletivo do qual faz parte e é peça imprescindível. Não se acostume a ser uma ilha isolada, mas integre-se ao todo, sem egoísmo, sem covardia, sem titubear.

Muito do que nos acontecerá independerá de nossas ações e desejos, porém, jamais poderemos nos furtar de evitar que nos tratem com desrespeito, desprezo ou violência. Nascemos para sermos felizes, para buscar a realização de nossos sonhos junto a pessoas que dissiparão nossos medos e acalentarão nossas necessidades íntimas e pessoais. Perder-se dentro de si por temor ao enfrentamento de conflitos parecerá cômodo, num primeiro momento, mas fatalmente nos distanciará de nossa essência, de nossa humanidade, de nosso bem estar. Seja, portanto, você mesmo, ou assista à felicidade esvair-se por entre as escuridões de seus próprios medos.

Imagem de capa: TRIG/shutterstock

Se você não se respeita, os demais se sentirão autorizados a desrespeitá-lo também.

Se você não se respeita, os demais se sentirão autorizados a desrespeitá-lo também.

Na vida é assim, quem não se valoriza o suficiente será sempre tratado como “tapa-buraco” dos outros. Infelizmente é assim que acontece. Quando uma pessoa não se trata com o devido respeito e zelo, ela dá, mesmo sem perceber, autorização para que todos a tratem, também, com descaso. Muitas pessoas confundem autoestima com possuir dinheiro ou ter uma aparência invejável.

Ledo engano, você pode estar vestido com uma roupa bem simplória, não ter um centavo na conta e não ter atributos físicos invejáveis e ainda assim proteger-se de ataques que firam a sua dignidade. Essa proteção é a própria pessoa que evidencia ao tratar-se com respeito, afinal ela se compreende como alguém cujo valor não está atrelado a fatores externos como beleza e dinheiro. É assim que as pessoas com autoestima elevada se percebem e essa era para ser a percepção pertinente à todas as pessoas.

O indivíduo que se trata com respeito emite esse comportamento aonde quer que vá. Isso é explicitado na fala, naquilo que ele permite e naquilo que ele rejeita. Em contrapartida, aqueles que não se percebem como sujeitos valorosos, também emitem essa comportamento. Ainda que estejam vestindo a roupa de grife mais cara do planeta e ainda que sejam esteticamente muito atraentes, num dado momento suas máscaras cairão e virá à tona o conceito negativo que têm de si próprios.

Eu costumo ilustrar uma pessoa que se respeita usando aqueles jardins, seja em via pública ou em condomínios fechados, nos quais existem sempre umas plaquinhas escrito “proibido pisar a grama”. O que acontece quando estamos transitando por esses espaços e nos deparamos com essas advertências? Ficamos atentos, não é mesmo? Redobramos os cuidados para não pisarmos as plantas, as gramas etc. Por mais mal educada que uma pessoa seja, ela terá o mínimo de receio nesses ambientes, seja por concordar com a regra, seja por temer uma possível advertência por parte de alguém que esteja fiscalizando. Traçando um paralelo com as pessoas que se enxergam como preciosas, estas também carregam em si, por meio da sua postura, uma “plaquinha” advertindo: cuidado, trate-me com respeito, aqui é um território sagrado”. E tenham a certeza de que essa “plaquinha” será lida por todos e a mensagem será compreendida.

De modo análogo, as pessoas que não se compreendem como valorosas, parecem carregar um adesivo na testa com letras garrafais dizendo: “eu não valho nada, façam o que quiserem comigo, eu permito”…suas atitudes emitem essa permissão. Então, as pessoas, especialmente as abusivas, sentem-se totalmente à vontade para tratá-las com total desrespeito e hostilidade. Há um ditado popular que diz: “a lagarta sabe da folha que morde”, tradução: a lagarta não morderia uma folha venenosa, pois poderia ser fatal para ela. Dá mesma forma, as pessoas sabem muito bem com quem praticar o abuso e o desrespeito. Creio que sempre é tempo de um despertar acerca do nosso valor. É sempre possível adquirir uma nova percepção sobre si e estabelecer novas formas de se posicionar na vida.

Infelizmente, nem todas as pessoas tiveram a oportunidade de aprender, em suas histórias de vida, sobre o amor próprio. Acontece que, não raro, tudo o que elas aprenderam na vida foi exatamente o oposto desse princípio que funciona como um escudo protetor da dignidade humana. São vítimas de uma conjuntura que envolve muitos aspectos (socioculturais, afetivos, familiares etc).

Contudo, leitor(a) querido(a), eu parto do princípio de que, enquanto estamos vivos, estamos sujeitos à transformações. Sabe, não somos obrigados a nos portar diante de determinadas situações como se elas fossem um diagnóstico de uma doença incurável, praticamente uma sentença de morte. Uma vez que algo te causa desconforto, busque entender a origem disso, investigue sobre o que possa estar por trás da sua falta de autoestima(se for o seu caso).

É possível que você reverta esse quadro e se apaixone pela pessoa que você é. Voltar a estudar, cuidar da aparência e saúde, investir em hobbies que nos agrade, evitar pessoas que nos oprima, etc, são algumas atitudes que contribuem bastante para o fortalecimento do nosso amor próprio.
Trate-se como um jardim sagrado, por onde andar, leve contigo algumas plaquinhas sinalizadoras escritas como essa frase: “sou maravilhoso(a), pratico o respeito e a empatia e faço questão de ser tratado(a)assim também”.

Imagem de capa:/shutterstock

Não mande nudes, mande rosas.

Não mande nudes, mande rosas.

“Precisamos do amor para nos sentirmos vivos, precisamos da paixão para seguirmos em frente sem sucumbir, precisamos de carinho para suportar o peso do cotidiano em nossas vidas.”

Ao longo do tempo, os comportamentos e valores sofrem rupturas, permanências e novas formas de enxergar o mundo, que tanto podem promover quanto emperrar avanços sociais significativos. A aceitação de novas configurações familiares e a inclusão social de minorias, por exemplo, são exemplos claros de oxigenações bem vindas à dinâmica da vida em sociedade. Por outro lado, a supervalorização das aparências materiais e a banalização do sexo trazem consequências nocivas ao fluxo das relações e interações entre as pessoas.

Os dias estão acelerados, tornando-nos sujeitos cada vez mais apressados e assoberbados de atribulações e compromissos trabalhistas, uma vez que buscamos freneticamente a aquisição de uma qualidade de vida tão somente alicerçada sobre o consumo de bens que possam elevar nosso status social. Essa velocidade errática a que nos entregamos nos desumaniza aos poucos, pois acabamos não dispondo de tempo para prestarmos atenção às necessidades de nossos sentidos, às nossas necessidades humanas e que não estão à venda nem expostas nas vitrines do shopping.

Não prestamos mais atenção em nada de nós mesmos que não possa ser visto e admirado visualmente, como se fôssemos apenas uma carcaça oca, esquecendo-nos de que o vazio não sustenta, não acrescenta, não é. Desacostumados, portanto, a cuidar de nossos sentimentos, de nossa essência, somos incapazes de enxergar também no outro nada além do que podemos ver e tocar. Se não atentamos para os nossos sentidos, não atentaremos para os de ninguém mais.

Temos pressa para chegar ao serviço, cumprir as metas, terminar o almoço, ganhar dinheiro, pois as tarefas se acumulam intermitentemente. Enredados nesse redemoinho de compromissos inadiáveis, agregamos a interação com o próximo à lista de metas a serem cumpridas, agendando, em meio aos compromissos inadiáveis, quando possível, encontros, conversas com amigos, sexo com o parceiro. Tudo acaba virando obrigação, mas obrigação não tem nada a ver com prazer. Nessa toada, agregamos interações humanas ao rol de tarefas diárias, descaracterizando os encontros com o outro, retirando-lhes qualquer traço de prazer.

Não tendo mais tempo para o imprevisto, para paixões súbitas, olhares demorados, abraços mornos, conversa fiada, não mais nos dispomos às interações que não sejam superficiais, ao descobrir e ser descoberto, ao despertar das paixões, a tudo que necessita de demora, contemplação e entrega incondicional. Se estamos condicionados aos objetivos a serem cumpridos, não nos lançamos ao incerto, ao que não tem preço, ao que não depende de aparências visíveis. Como não damos atenção ao que sentimos, estamos fechados aos sentimentos alheios. E assim vamos nos afastando das trocas, dos relacionamentos sinceros e da cota de humanização que nos resta.

Essa pressa que nos conduz e desumaniza perpetua-se e encontra terreno perfeito na velocidade célere proporcionada pela internet. A interação virtual é rápida, fria e manipulável, um lugar onde podemos ser quem quisermos, falar sem censura e repreensão de olhares alheios. Nas redes sociais, podemos fantasiar à vontade, ter o corpo perfeito que todos desejam, esconder o rosto e nos exibir pela webcam. Com isso, os relacionamentos vão dispensando o toque de peles, a troca de calor, o conquistar e cativar, o entrelaçar das mãos e demais preliminares que deveriam anteceder a entrega total – caso não se procure o sexo casual, o qual às vezes pode ser a resposta ao que se quer naquele momento.

As amizades e o amor não são instantâneos, não ficam prontos em cinco minutos, não podem ser comprados, tampouco parcelados em dez vezes no cartão de crédito, pois demandam tempo e disposição para conhecer e entregar-se. Assiste-se a jovens queimando etapas da vida inconsequentemente, perdendo chances de conhecer o outro em suas verdades, de nutrir pacientemente os sentimentos, de desenvolver-se enquanto pessoa, antecipando o sexo ao bom dia, substituindo a caixa de bombons pelos nudes, banalizando, enfim, o “eu te amo”, distribuindo-o a qualquer um que acabou de conhecer.

Precisamos do amor para nos sentirmos vivos, precisamos da paixão para seguirmos em frente sem sucumbir, precisamos de carinho para suportar o peso do cotidiano em nossas vidas. Lançar-se à jornada diária sem prestar atenção em nossos sentidos equivale a negar nossa essência humana, pois, por mais que haja pessoas à nossa volta, dessa forma estaremos solitários e incompletos. Por mais confortável que sejam nossas casas, por mais dinheiro que tivermos no banco, estaremos ainda necessitados de alguma coisa, caso negligenciemos o pulsar de nossos sentidos.

É preciso, portanto, desacelerar nossos passos e prestar atenção em nossos desejos, permitindo-nos a demora no fortalecimento de nossos relacionamentos. Tenhamos de volta o direito a cultivar os sentimentos, a conhecer o outro, a entender o que está se passando aqui dentro de nós, para que não sufoquemos nossas necessidades sob os efeitos superficiais dos ansiolíticos e antidepressivos. O amor a dois, afinal, é algo que se conquista com paciência, entrega, dedicação e que sobrevive não somente do sexo em si, mas também de tudo o que o cerca – o bom dia sorridente, os bilhetes rascunhados, os olhares furtivos, o toque das mãos, o calor que ruboriza, o ouvir atencioso, as flores inesperadas, o compartilhamento das dores e das alegrias. Cultivar o antes nos dará um depois mais prazeroso e sincero, porque então não teremos dúvidas do que e de quem queremos e teremos certeza de quem somos. E, onde houver verdade, lá repousará o amor.

Imagem de capa: David Prado Perucha/shutterstock

Quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem

Quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem

Somos seres livres. Essa é uma premissa irrefutável. No entanto, é sabido que existe a possibilidade de sermos influenciados e condicionados, isto é, de não exercermos a nossa liberdade primordial. Esta, todavia, não significa, necessariamente, escolhas corretas e moralmente aceitas. Diante disso, devemos considerar uma problemática: até que ponto vale, ainda que seja para um bem maior, abdicar da liberdade de escolha?

Esse problema é tratado no filme “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange) de Stanley Kubrick, inspirado na obra homônima de Anthony Burgess. No filme, um jovem chamado Alex e sua gangue de “drugues” praticam todos os tipos de violência, incluindo espancamentos, estupros e assassinatos, em uma Londres distópica. Movidos por puro prazer, ou seja, sem motivações aparentes para cometer tamanha violência, os jovens saem todas as noites praticando o que chamam de “ultraviolência”. Esse comportamento não se reduz à gangue de Alex, sendo praticado por outras gangues formadas por jovens.

Fica nítido, dessa forma, que a “ultraviolência” é um traço marcante daquela sociedade, em que jovens, sob efeito de drogas, libertam toda a violência contida nos seus corpos. Não há um motivo para o que fazem, eles simplesmente fazem porque sentem prazer. O comportamento, sobretudo de Alex, não nos deixa dúvida de que aquela violência é vista como um espetáculo ou, como chamam, “horrorshow”. As suas características cultas, como a sua apreciação por música clássica, principalmente Beethoven, enaltecem o caráter de show ao horror que praticam.

Em uma das suas investidas, Alex é pego pela polícia e condenado a 14 anos de prisão. Preso, ele descobre que estão desenvolvendo um método que promete curar o indivíduo de sua maldade, tornando-o incapaz de praticar qualquer ato de violência. O nosso protagonista é submetido ao tratamento, chamado de “Método Ludovico”, e tem, como prometida, a sua cura, de tal modo que está apto a retornar à sociedade. Ao retornar à sociedade, Alex sofre da mesma violência que praticara, sem que possa retribuir, posto que, todas as vezes que pensa ou tenta cometer algum ato violento, ele sente fortes náuseas que o impedem de fazer qualquer coisa.

O texto até aqui serve apenas para ambientar a história (o que, na maioria das vezes, nem faço, pois prefiro ir direito ao cerne do problema). A problemática se desenvolve em torno da pergunta inicial, ou seja, o condicionamento violento praticado pelo Estado em Alex é satisfatório? Produz resultados benéficos? Obviamente, o comportamento de Alex é reprovável, mas a violência não se restringia somente a ele. Estava na sociedade como um todo, bem como no Estado, já que o método utilizado em Alex também era “ultraviolento”.

Sendo assim, percebemos que, em uma sociedade preocupada exclusivamente em punir, pouco importam as motivações do indivíduo, se ele faz de forma espontânea ou não, o importante é não desrespeitar a lei, mesmo que através da criação de robôs morais. Como diz o Ministro do Interior, o Estado não está preocupado com éticas elevadas, mas apenas com a diminuição da criminalidade. A importância está, portanto, na funcionalidade e não na escolha moral do individuo, na sua motivação para não fazer o mal.

Desse modo, temos o homem mecânico, condicionado e programado para seguir a vontade do Estado. Alex deixa, assim, de ser um homem propriamente dito, pois deixa de ter o poder de escolha e passa a ser a laranja mecânica, incapaz de seguir naturalmente seus instintos. Percebam que a vontade de fazer o mal ainda está presente no nosso jovem “herói”, esta apenas está impossibilitada de ser executada pelo condicionamento que sofrera. Em outras palavras, o fato de ele não ser capaz de cometer a “ultraviolência” é bom para o indivíduo e para a sociedade, mas, na medida em que ele não a pratica tão somente por ter sido programado, passamos a questionar o valor da sua ação, assim como a sua humanidade.

Essa visão é corroborada pelo padre da prisão, que não estando convencido da “cura” de Alex, quando diz – “A bondade vem de dentro, (…) quando um homem não pode escolher, deixa de ser homem”. Ou seja, há uma forte crítica ao método utilizado pelo Estado, que retira o livre-arbítrio e impede o indivíduo de agir por vontade própria, pois, na proporção em que o nosso jovem “Deixa de ser um malfeitor, (…) deixa também de ser uma criatura capaz de escolhas morais”.

Dito de outro modo, o método utilizado não torna um homem bom. Torna o homem inapto para o cometimento do mal, o que é bem diferente. Assim, questionamos o valor das ações de Alex, do homem mecânico, do robô moral, programado para não fazer o mal, mas tão inapto quanto antes para fazer o bem. Será que, naquelas condições, ele era melhor do que antes? Ou, nas palavras do padre – “Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor do que um homem que teve o bem imposto a si? Questões difíceis e profundas, pequeno 6655321”.

 

Não se trata de ignorar a extrema violência que Alex cometia, mas de discutir o valor de uma ação condicionada, contraditória à vontade do indivíduo. A violência da trama não é construída como um elemento qualquer, um atributo de violência por violência, mas é uma metáfora que demonstra a violência de um poder autoritário, controlador e condicionador. Como também não devemos negar que a violência é a demonstração, na obra, de que o homem é violento e difere muito do “bom selvagem” rousseauniano.

Entretanto, se considerássemos apenas o último fator, de que a obra é apenas uma demonstração pessimista da natureza violenta e perversa do homem, todas as discussões que giram em torno do filme seriam incabíveis. E elas não só cabem, como são o mote central da história. Ou seja, a liberdade do indivíduo não pode ser extirpada, pois os seus desejos não podem ser suprimidos. O condicionamento para que o indivíduo não faça o mal age somente na ação final, mas não modifica os meios, as motivações que possui. Além do mais, o condicionamento feito pelo Estado se dá por meio de extrema violência, que, por ser de ordem psicológica, acaba não sendo equiparada como equivalente às atrocidades cometidas por Alex. Todavia, são equivalentes, por isso vejo a violência física do filme também como uma metáfora para a violência psicológica praticada pelo Estado, já que, sem fazer esse elo, torna-se difícil equiparar as duas violências.

Sendo, portanto, iguais, há de se considerar a condenabilidade do condicionamento feito pelo Estado, uma vez que a técnica utilizada é equivalente aos espancamentos e estupros cometidos pelos “drugues”. Assim, a trama, como uma boa distopia, critica ferozmente (e bem) governos autoritários que querem condicionar homens e transformá-los em autômatos, em laranjas mecânicas. O fato de esse condicionamento ser feito em indivíduos inescrupulosos como Alex, que promovem o mal por bel-prazer, não anula a natureza autoritária da medida.

A grande sacada da obra é demonstrar que, independentemente do condicionamento construído, não há a possibilidade de “produzir” homens bons, como se estes fossem biscoitos. Ser bom é uma decisão e não pode ser produzida pela vigilância, punição e condicionamento. Os homens devem, de forma espontânea, viver de forma ética, respeitando os limites do outro. Qualquer programação feita no indivíduo é incapaz de mudar as suas vontades, fato que fica mais claro no filme, visto que neste não há uma redenção do protagonista.

Laranja Mecânica é uma crítica a formas autoritárias de governo que pretendem despersonalizar as pessoas, à extrema violência presente na nossa sociedade, que, para ser entendida, deve ser expandida para além das atrocidades cometidas por Alex, como os preconceitos, os desrespeitos éticos (ou o jeitinho brasileiro não é uma violência?), a falta de empatia e compaixão etc., e, sobretudo, a dificuldade que o homem tem para fazer o bem, sem que, para isso, sofra de violência que o transforme em uma marionete, um autômato ou, como genialmente Burgess escreveu, uma Laranja Mecânica.

Imagem de capa: Reprodução

A maior riqueza de duas pessoas é o que fica entre quatro paredes.

A maior riqueza de duas pessoas é o que fica entre quatro paredes.

Pode vir. Faz as malas, vem. Chega contente, disposta, à vontade. A casa é sua. Entra, senta, fica. Tira os sapatos se quiser, pula na cama, descansa teus pés cansados nestas costas. Repousa tua alma na companhia da minha, encosta teu corpo neste canto do mundo. Chega aqui. Pode chegar.

Enquanto essa multidão de casais felizes passeia lá fora, lotando sessões de cinema, corredores de shopping, festas da uva, lojas de material para construção, parques cheios de luz, nós aqui nos deixamos estar sem mais, desconfiando o mundo pelos desenhos do sol e da lua no teto do quarto entre os vãos da janela, esquecidos do tempo, do vento e da chuva. Entregues a nossas questões pessoais, nossas mecânicas domésticas, nossos movimentos íntimos universais. Distantes da rua lá embaixo, da festa das vozes em grupo, das luzes acesas.

Benditos sejam os amantes afeitos a exibir seu amor ao mundo, empurrar juntos o carrinho do supermercado, beijar em público, esperar a tardinha em sorveterias de bairro. Que sejam felizes como felizes estamos nós, que escolhemos o caminho inverso. Nem piores, nem melhores. Apenas e tão somente nós. O que é nosso, amor, por escolha nossa, há de ficar aqui.

Vem, goza comigo o direito sagrado de fazer, sentir e manter nossas coisas em um paraíso secreto, restrito. Que estas quatro paredes nos guardem, protejam e preservem dos males do mundo, dos olhos alheios, das coisas da vida. Que sejamos assim, você e eu, enquanto der. Enquanto for.

Ninguém mais carece saber de nossos risos e angústias, nossas alegrias desaforadas, nossas horas lentas e silêncios longos. A quem mais interessam nossos cheiros e nossos gostos? Tem coisa que não tem jeito: ainda que se queira, não é possível dividir. Não se deve. Tem coisa que é só nossa, nascida para a intimidade. Se sair ao sol, à chuva, ao olhar dos outros, derrete, definha, desaparece. Tem coisa que nasce, cresce e fica para sempre dentro da gente, no infinito espaço íntimo de um mundo para dois.

A olhos nus, despimos nossos corpos entre quatro paredes de discrição e resguardo. Aqui, aquecidos em nossos fogos, dividimos nossas riquezas escondidas, entregamos nossos mistérios um ao outro. E assim, sem que ninguém nos ouça e nem nos veja, colhemos juntos toda a ternura do mundo.

Nossa disposição generosa para o amor merece o conforto silencioso das horas mudas. Deixa cá entre nós. Conta pra ninguém, não. O que nos é mais caro ninguém há de saber. Nosso tesouro mais valioso, nosso segredo irrevelável, nosso tempo e espaço invioláveis.

Vem. Entra, fica. Em nosso canto suspenso, repletos de alegria e pudor, guardaremos instantes de graça infinita aqui dentro. Por nada, não. Nada senão a sorte de preservar-nos em nossa riqueza de bichos simples, discretos, inteiros, amantes.

Imagem de capa: Mikhail_Kayl/shutterstock

Ansiedade: Meu ser parado em alta velocidade.

Ansiedade: Meu ser parado em alta velocidade.

Não tenho a pretensão de fazer um relato científico sobre as sensações que tenho tido ao longo desses anos, nem descarto outras histórias de vida que possuam os mesmos sintomas. De fato, eu tenho uma biografia de altos e baixos. Vivi situações que eu costumo chamar de classicamente difíceis. Foi dureza ter que escolher entre comer ou ter o dinheiro da passagem pra escola. Presenciar cenas de violência familiar. Viver o luto da perda de pessoas queridas. Mas sei que diversas pessoas vivem a ansiedade e não tiveram estes episódios no caminho. Seriam elas mais fracas do que eu? Penso, com muita convicção, que não.

Aquela história de “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional” me parece estranha. Aparentemente esta frase me diz que essas inúmeras vezes em que senti meu peito arder, uma intensa ameaça vinda do nada, é fruto de uma seleção minha. Estavam lá várias possibilidades e eu escolhi sofrer. Pois essa afirmativa sendo verdadeira, surge uma questão; Como melhorar nossa capacidade de escolha?

Cá entre nós, eu estou muito interessado em escolher ser mais feliz.

Independentemente de sua história , você é frágil ser humano procurando sossego. Enquanto eu lutava para ter o que comer, o seu problema poderia ter sido um coração partido, uma não-aceitação do nariz, falta de amigos no recreio. Que seja, tudo é problema. Não existe balança. Nossas dores só são vividas por nós mesmos. Até podemos ser solidários com a história do outro, mas é só o outro que sabe exatamente qual o cheiro do ar que respira.

Foram tantas vezes em que simplesmente não consegui mais pensar.

A minha cabeça gira numa velocidade maior do que posso suportar, ou flutua, perde a gravidade, e eu não consigo trazê-la a terra como quero.

Aquela vez, moça, eu não tava sendo grosso, mal educado, era apenas meu corpo pedindo fuga. Do quê? Apenas fuga.

Quando vocês todos falavam na roda e eu não conseguia embarcar no assunto, não era antipatia, pessoal. Eu não estava ali. Enquanto vocês falavam, eu senti minhas ideias correrem sem destino.

E aquela festa que eu voltei mais cedo? Não, eu queria ter continuado lá. Tinha tanta gente legal. Eu pensei  tanto conhecer novas pessoas. Mas não deu, meu peito esquentava e todas as minhas percepções eram negativas. Precisava sair dali.

Houve dias piores. Em que a capacidade do disfarce faltou e eu precisei admitir; eu estou com muita ansiedade, e voltei pra casa.

Os nossos sintomas podem ser causados por diferentes motivos, nossa reações podem ser as mais variadas, como o nosso alívio vem de diferentes formas. O meu é a escrita, o verso, o texto. Nada mais me alivia no mundo que a possibilidade de palavrear, reinventar por meio das letras as perturbações que me cercam. O seu alívio pode ser igual ao meu, pode ser o que tiver de ser e também nem existir ainda. Não se envergonhe das suas dificuldades e logo você o encontrará.

Talvez não dê imediatamente de se sentir menos ansioso, talvez demore pra que consiga realizar essas atividades que deseja. Mas vá, pouco a pouco, passo a passo. Andar lentamente para direção certa é melhor do que ficar parado. Se não deu pra conversar por horas, comemore o Bom Dia. Se não foi possível ficar até o fim da festa, comemore ter ido.

Este são conselhos que dou, antes de tudo, para mim mesmo. A ansiedade me namora há anos, deixá-la parece impossível, melhorar os nossos beijos é essencial. Eu quero ainda estar ansioso pelo futuro, mas sem sentir que o futuro me ameaça.

Voltar pra casa depois da festa ter me festejado bem.

E se você tem sensações semelhantes, saiba lendo esta crônica que não é sua a única cabeça acelerada no planeta. Procure ajuda como se sua sensação fosse uma dor de dente nas ideias. Só você sente e sabe a razão dela te impedir de sorrir. Brega, né? É assim mesmo. Os caminhos podem ser os mais clichés, nem tão originais, mas levam a algum lugar.

Pega aí o que você puder de si e vamos.

Imagem de capa: Reprodução

 

 

Afetividade masculina

Afetividade masculina

Ao final de cada dia, numa espécie de ritual, ela encosta a cabeça contra o peito dele e diz:

“Vem cá me dar colo, tô precisando.”

Ela sempre faz isso e ele sempre dá. Ele estica um dos braços por trás do pescoço dela e a puxa em sua direção, encaixando-a num lugar seguro, cobrindo-a com o outro braço, como quem empacota algo frágil e valioso.

Todo dia é a mesma coisa. Ela faz aquela cara de satisfeita e ele, aquela de protetor. Ela o percebe como um gigante, intocável, inquebrável, pronto para protegê-la de todo mal do mundo. Ele a vê pequena, dependente e frágil. Assim, nessa simbiose perfeita, pegam no sono todo santo dia.

Acontece que, na noite passada, algo diferente aconteceu. Dengosa, aconchegou-se ao lado dele com seu pedido habitual por colo, mas antes que pudesse alcançar seu peito, foi interrompida:

“Ah, não! Hoje quem quer colo sou eu! Está na hora de mudar este roteiro! Na história do Shrek é assim, da Cinderela é assim, da Branca de Neve é assim. Não é justo. Hoje, quem quer proteção sou eu e desconfio que o Shrek também!”

Antes que ela pudesse contra-argumentar, lá estava ele enfiado como um filhote com frio, no melhor encaixe do corpo dela que ele pode encontrar, fazendo pequenos ajustes para que seus braços o envolvessem com o mesmo cuidado e proteção que ele sempre lhe oferecia.

Ela, quieta, apenas olhou por cima de sua cabeça e, pela primeira vez, o viu menino, pequenino, indefeso e frágil. Pensou em quantas vezes ele sentiu medo e fingiu coragem para que ela se sentisse segura. Pensou nas vezes em que ele sentiu vontade de chorar e se lembrou de alguém dizendo que homem não chora, e engoliu o choro.

Pensou na sua adolescência, quando sonhava em encontrar o homem que a manteria a salvo de tudo, enquanto ele era bombardeado de mensagens, verdades e afirmações de que tinha nascido para exercer aquele papel e, desesperado, dormia pensando no que teria de fazer para se tornar aquele super-herói.

Sorriu ao perguntar-se, afinal, quem tinha inventado tudo aquilo, deixando ao homem a incumbência de ser essa fonte inesgotável de força, proteção e provimento. Respirou fundo, imaginando quanto ele deveria estar exausto de conviver diariamente com toda aquela pressão.

Então, ficou ali, imóvel, até que ele pegasse no sono, abraçando-o com todo cuidado para não quebrar. Se sentiu gigante. Gigante na capacidade de dar na medida que gosta de receber. Gigante na percepção de que, para que bons homens passem a ver mulheres como fortes, é preciso antes conferir-lhes o direito de serem frágeis.

Imagem de capa: Jacob Lund/shutterstock

Perdas Necessárias

Perdas Necessárias

“Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro.” (Caio Fernando Abreu)

Assistindo à vida esvair-se dos olhos de meu Yorkshire, quando finalmente resolvi poupá-lo do sofrimento que meu egoísmo lhe demorava, agarrei-me mais fortemente à minha própria vida, como que me conscientizando da certeza de um dia também chegar a minha hora de partir. Ficou mais claro, para mim, que quanto mais vivemos, mais perdas acumulamos, e quanto mais perdemos, mais queremos viver, agarrando-nos ao que nos resta com a força que nos sobrou.

Todo chavão é muito verdadeiro, não há dúvidas de que ficamos mais fortes à medida que vamos sobrevivendo ao que a vida nos tira. Ouço isso desde pequeno, quando morreu meu querido Porquinho da Índia, quando perdia nos jogos de tabuleiro, quando os trapalhões não sorteavam a minha carta, quando sentia arder o merthiolate vermelho. Porque inclusive a gente já perde quando nasce ao ter que deixar o ventre acolhedor de nossa mãe, mas ganha a vida lá fora. A vida quer que a gente sempre ganhe.

Minha mãe sem dúvida foi minha melhor e maior referência de mundo, sendo seu sorriso gostoso meu mais eficiente combustível de vida. Ela se foi aos poucos, enquanto eu me despedia dela e me preparava para aquele amanhã sem sua presença. Doeu além da conta não a ter mais comigo, e fui obrigado a procurar forças em mim mesmo para enfrentar a lida diária. Sua morte me fortaleceu muito, tornando-me mais autônomo emocionalmente, obrigando-me também a me aproximar de meu pai, a quem até então eu não dava a devida atenção. Irônico consolo, no fim inexorável da morte existe um recomeçar.

A morte é a perda absoluta de algo fora de nós, pois leva sem volta, sem chances de conseguir de novo. Mesmo assim, dentro da gente há crescimento, que as memórias prazerosas de quem se foi alimentam enquanto reorganizamos nossos sentidos. Da mesma forma, perder traços do que nos define naquilo que somos parece ser irreversível. Voltar a confiar em quem nos traiu, no político que se envolveu em falcatruas, no artista enredado em escândalos é um caminho difícil a ser percorrido. Confiança é muito parecida com a morte nesse sentido, pois ela parece teimar em ir embora para sempre. Mas mesmo o caráter possui a capacidade de regenerar-se, pois a vida não condena ninguém de forma perpétua.

Perder-se enquanto se explora a vida em suas múltiplas oportunidades e armadilhas, ao contrário do que possa parecer, é benéfico – como disse Lispector, perder-se também é caminho. Muitas vezes temos que levar o fel até a boca, sentir-lhe o amargor, para então evitá-lo em nossas vidas, pois a experiência pode ser – e quase sempre é – mais didática do que a teoria discursiva. Sofrer as consequências do que fizemos é, por isso, um aprendizado incomparável, embora doloroso, pois lidamos com o pior de nós mesmos e temos que fazer alguma coisa daquilo tudo, caso queiramos continuar caminhando. Os porres que tomei, os empregos que me dispensaram, as garotas e amigos que perdi fizeram com que eu enxergasse meu lado ruim e tentasse mudá-lo. É assim com todo mundo.

A vida não gosta de gente acomodada e resignada e trata de nos chacoalhar o tempo todo, de forma dolorida, mas, na maioria das vezes, colhendo bons resultados. Vamos nos tornando mais gente após os reveses e tsunamis emocionais, pois as dores nos absolvem de nossos pecados imaginários, aparam as arestas que emperram nosso aprimoramento pessoal. Por mais que tentemos fugir aos desvios de caminho e ao enfrentamento do que restou de nossas escolhas, será inevitável o recolhimento dos cacos, o reerguer-se, o pesar da culpa e do remorso que nos dão as mãos em direção a um futuro com menos erros.

As perdas são vitais, imprescindíveis e necessárias para que continuemos tentando de novo, dia após dia. Elas nos trazem de volta aos caminhos desejáveis, nos forçam a repensar nosso modo de vida, nos jogam em meio à escuridão aqui de dentro, para que sejamos resgatados por quem devemos nutrir amor verdadeiro. O sofrimento é libertador, aumenta nossa fé, nosso querer viver mais e melhor, nossa busca pelo conforto junto a quem amamos verdadeiramente. Como nos ensinam desde a mais tenra idade, perdas nos trazem ganhos, fraquezas nos fortalecem, tombos nos levantam, cada vez mais seguros do que somos, de quem amamos, do que não podemos e do que realmente queremos. A beleza disso tudo é que a vida é incansável e estará pronta a nos dar novas chances, que nascem a cada amanhecer, sempre, todos os dias, para mim, para você, para todos nós que ainda estamos vivos.

Imagem de capa: Rangzen/shutterstock

Neste mundo pesado, benditas sejam as pessoas leves

Neste mundo pesado, benditas sejam as pessoas leves

Eu queria ser um sujeito engraçado. Desses que na hora certa dizem coisas tão divertidas, mas tão incrivelmente alegres que fazem quem estiver perto parar e sorrir.

A cada palavra minha, uns iam gargalhar de doer o ventre, outros ririam rasgado de esquecer as dores. E outros sentiriam um fiozinho de leveza em seu lá dentro capaz de provocar um riso tímido, um alívio de contentamento, um refresco humilde no peso da vida. Mas ninguém, ninguém seria indiferente à minha graça. Eu queria ser um sujeito assim.

Quando eu contasse uma lembrança brincalhona, um caso curioso da minha avó, um chiste à toa, por exemplo, no ponto de ônibus, toda pessoa aborrecida com o atraso do transporte, o cansaço do trabalho ou o preço do feijão desabaria na risada. Esse riso haveria de afetar o cidadão ao lado, e o outro, o outro e os outros mais. E todos nós ali, contagiados, juntos, riríamos tanto e tão refeitos, restabelecidos, que quase nem notaríamos o ônibus demorando.

Quem tomasse parte desse instante chegaria em casa comentando com a mulher, o marido, os filhos, os irmãos: “você não sabe! Hoje um sujeito divertido fez todo mundo dar risada no ponto!”

Ah, quem me dera ser um tipo engraçado mesmo. Não “engraçadinho”, que por aí tem tantos. Queria ser um pândego autêntico. Teria sempre, de cabeça, um relato cheio de graça, jamais de “gracinha”, para sacar no instante preciso, desarmando interlocutores cheios de ódio, desconhecidos travados de fúria, rivais tomados de ira partindo um contra o outro.

No segundo que antecede uma briga de bar, lá estaria eu, enfiado entre os valentões irascíveis. Implacável, eu gritaria um chiste saboroso, simples, e confusão nenhuma iria para a frente, porque todos cairiam numa gargalhada irresistível, profunda, demorada. E ao fim todos desabaríamos em descabido estado de festa, unidos, leves, reconciliados com a graça da vida. Essa vida espantosa, sublime, que tanta gente tenta fazer ordinária e vil.

Fosse eu um sujeito engraçado de fato, minha graça seria requisitada pelas Nações Unidas em missões de paz ao redor do mundo. Sairia por aí, diplomata sem formação, orientado a contar passagens pitorescas para carrancudos chefes de estado, conspirando por melhorar seus humores, em minha pequena contribuição para a paz, a compreensão e a ajuda generosa entre os povos. Eu queria ser um sujeito poderosamente engraçado.

E ainda que um dia, por qualquer sorte, a vida me levasse tudo, família, amor, trabalho, dinheiro, saúde, esperança, amigos, eu manteria aqui dentro um punhado de lembranças inventadas, memórias recreativas, recordações contentes queimando numa fogueirinha humilde que me aqueceria o coração e me conservaria, para sempre, um sujeito nem rico e nem pobre, nem louco e nem são, nem certo e nem errado. Nada senão alguém confusa e inexplicavelmente cheio de graça.

Quem sabe assim eu me sentisse menos triste à tardinha, quando o sol apronta as malas e me faz sentir saudade e esperança. Tristeza que dói mansinha compensando o fato de que vai doer para sempre.

Se eu fosse um brincalhão espirituoso eu teria tudo isso. Teria só para dividir aqui e ali, alastrando por todo canto uma chama de sonho, de riso e de festa.

E aquela moça amiga, alegre de nascença e juventude que agora vai doente, tristonha e sozinha, ao me receber numa visita breve, cheia de graça e de lembranças infantis, abriria um sorriso franco e a fé na vida lhe voltaria a brilhar na fronte. Eu queria, ah, como eu queria ser um sujeito engraçado.

Imagem de capa: oneinchpunch/shutterstock

Não sou mais boazinha!

Não sou mais boazinha!

Hoje estava pensando nas vezes em que eu disse não e queria dizer sim. Nas vezes em que disse sim e queria dizer não. Nas vezes em que pedi salada, mas queria pedir lasagna; que pedi gelatina, mas queria pedir petit gateau com bastante sorvete.

Nas vezes em que eu disse “vai”, e queria dizer “fica” e nas vezes em que eu queria dizer “some!” e me obriguei a ser humana, complacente e apenas tolerar. Nas vezes em que sorri para esconder a cara feia. Nas vezes em que disse “faça o que seu coração mandar” quando queria dizer “se fizer isso, você tá ferrado” Nas vezes em que queria dizer “vá para o inferno”, e disse “tudo bem, não foi nada não”.

Nas em vezes que retribui comportamento ruim com atitudes boas quando queria mesmo era dar com a porta no nariz. Nas vezes em que eu disse que o tempo resolveria tudo quando queria mesmo era fazer o maior barraco.

Nas vezes em que perdoei uma dívida, dizendo “ah, tá difícil pra todo mundo”, quando queria mesmo era chamar o tal “amigo” de folgado. Nas vezes em que fiz de conta que não entendi um desaforo quando queria mesmo era mostrar para o atrevido onde era o seu quadrado.

Cheguei numa idade mental em que me recuso a viver para ser “a boazinha”. Descobri, do modo mais doloroso possível, que a pessoa “boazinha” esconde uma prepotência e onipotência absurdas. Ela tem a ideia fixa de que está acima das dores que os outros lhe podem causar, acima das suas vontades saudáveis ou não, acima do que a faz feliz, mas não é politicamente correto.

A boazinha faz tudo o que ela acha que o mundo espera de alguém adorável, obrigando-se a caminhar com os dedos dos pés encolhidos diante da possibilidade de qualquer escorregão, a respiração presa e um semblante de paz, paciência e compreensão 24 horas por dia.

A boazinha é a encarnação da perfeição e por isso, espera receber em troca tudo que é disposta a dar. Não recebe, se frustra, engole o choro e faz o quê? Continua boazinha porque seu esforço maternal vai mudar o mundo e tocar os corações mais frios. A um certo ponto a boazinha já não sabe mais se é boazinha ou se tenta, através da doação doentia, controlar o amor e admiração dos outros.

A boazinha nega, mas no fundo sabe que, invariavelmente, ser este anjinho de candura tem um custo enorme, e é ela, no final, quem sempre fica com a fatura.

Não sou mais boazinha. Sou um ser humano.

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Imagem de capa: Farknot Architect/shutterstock

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