Mostre suas unhas para o predador

Mostre suas unhas para o predador

Cada qual reage de um jeito ao perigo iminente. Mais do que isso,  cada um sabe o leque de seus perigos pessoais, o que lhe aterroriza, lhe mortifica, paralisa, deixa os medos à mostra.

Minha experiência particular é de não reação total, um completo estado de imobilidade que, no mínimo, irrita até o próprio agente do perigo. Mas também me irrita, me mostra que aceito como justa a ameaça que me chega, que obedeço a uma palavra ou não mais fortes do que as minhas.

Pais e filhos predadores…

Amizades predadoras…

Carreiras predadoras…

Amores predadores…

Palavras e promessas predadoras…

Sonhos, ilusões, momentos, olhares predadores…

…e a lista é interminável e muitas vezes inconfessável.

E sem nos aperceber, seguimos pela vida alimentando e engordando nossos predadores, aprendendo a não contrariar, a preferir a aceitação e a mudez, a anulação à reação.  Temos medo do que nos possa acontecer. Temos medo do abandono, da rejeição, do ridículo, da opinião e julgamento alheios, dos rompimentos.

Somos quase sempre assim, se não somos os predadores, somos as vítimas. E geralmente desempenhamos esse papel com um talento invejável, tanto que acreditamos ser um estado normal esse, de coração assustado, acelerado.

Mas, se um dia olhamos de frente para esse predador e resolvemos que não pode mais ser do jeito que é? Será que ele entende e se compadece? Temos tempo e vontade de aguardar pela mudança? Seria justo esperar que se pacifique o predador que nós mesmos alimentamos e fortalecemos?

E quantas vezes olhamos para dentro de nós mesmos e buscamos força? Mas será a força uma solução aceitável? Vamos travar duelos com nossos predadores? Se muitos deles nós amamos e queremos na nossa vida, o que fazer?

Talvez o caminho seja a conquista de um respeito que há muito se foi. O respeito que todos costumam bater no peito e anunciar que “é bom e eu gosto”. Sim e eu também gosto desse mesmo respeito e se preciso for, vamos mostrar como as  unhas estão afiadas para cada predador, para que pense duas vezes antes de vir para cima com todos os seus perigos.  Que considere vir para o lado, sem machucar, sem atropelar, pedindo a devida licença e aguardando a resposta.

E na dúvida, mostre sempre as suas unhas. Se for um predador, recuará. Se não for, dirá que estão bonitas. E ainda poderá vir a ser uma linda história!

Imagem de capa: Captblack76/shutterstock

Cara, desista dessa mulher, você não tem o que ela busca.

Cara, desista dessa mulher, você não tem o que ela busca.

Cara, quer minha opinião sincera? Ela não é pra você. Desculpe desapontá-lo, mas essa é a realidade. Ela não é o tipo de mulher que acredita que vai gostar de alguém “com o tempo”. Ela sabe exatamente o que quer e, principalmente, o que não quer. Ela já caiu na esparrela de se relacionar com um homem apenas por consideração, afinal, o cara era um bom moço, homem de família, com perfil “pra casar” e foi um desastre. Não, ela não está se fazendo de difícil, ela, de fato, não se atraiu por você, aceita que dói menos.

Olha, confia em mim, se ela tivesse se engraçado por você, ela não conseguiria deixar dúvidas sobre isso. Ela é muito autêntica com o que sente, entende? Outra coisa: ela não é mulher de joguinhos, essas infantilidades, nem de longe, combinam com ela. Ela é desprovida dessas regras permeadas de machismo, ela é o tipo de mulher que demonstra interesse, sim, sem se importar em ser taxada de “mulher fácil”. Cá pra nós, acho que você não está preparado para se relacionar com uma mulher como ela, você não daria conta, em nenhum aspecto.

Ela é livre de alma, caminha com as próprias pernas, segue o próprio roteiro e detesta superficialidades. Ela é movida a autenticidade, ela detesta gente rasa, morna e insossa. Você não vai impressioná-la com a sua conta bancária, esqueça essa ideia. Ela anda em busca de viver coisas que o dinheiro não pode comprar. Ela anda interessada em gente que pode contribuir com risos sinceros e acolhimento genuíno. Os critérios de beleza dela são completamente diferentes dos seus. Ela se encanta com o que a toca na alma e não com o que a sociedade estipula como belo.

Ela não é mulher para beijos insossos, ela não faz questão de casamento de “papel passado”, ela não está interessada em ostentar uma aliança de ouro no dedo anelar esquerdo. É que ela sabe, muito bem, que essas convenções sociais costumam mascarar muitas realidades aversivas que envolvem os casamentos. Não que ela seja avessa à tais formalidades, ela apenas não vê sentido nisso se os casais não estiverem juntos de verdade, de corpo e alma.

Ela não tem perfil para viver relacionamentos sem sal, ela é muito visceral para isso. Ela não se incomoda mais em ser apontada como a “mulher que não dá certo com ninguém”. Ela não vai ficar com alguém que não abala as estruturas dela só para dar satisfação à sociedade e “tranquilizar” a família. Cara, ela é diferente das mulheres que você considera ideal. Ela não tem papas língua, nem tempo a perder usando máscaras sociais. Ela sabe do que precisa em se tratando de amor, e sabe o que tem a oferecer. Cara, sinceramente, acho melhor você ir em busca de outro alvo.Você não tem a capacidade de extrair o riso gostoso dela, você não tem a sensibilidade capaz de enxergar a beleza que ela traz além das curvas, você não tem a capacidade de ouvir, que ela tanto valoriza. Você não teria a habilidade de acariciá-la além da pele, e ela detesta carinhos cronometrados, previsíveis e com uma rota pré definida. Cara, na boa, ela não é pra você.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

O direito de ser infeliz

O direito de ser infeliz

O homem contemporâneo contempla a sociedade como se esta tivesse chegado ao seu ápice. Contempla o “Admirável Mundo Novo”, onde sentimos prazer o tempo inteiro, onde temos a liberdade de sermos senhores do nosso destino, onde não há limites. Entretanto, sinto-me como o “selvagem” da história de Huxley, isto é, inadequado, como se esse mundo novo não tivesse nada de tão admirável.

Por trás da liberdade propagada e clamada, existem inúmeras ditaduras tão fortes ou talvez piores do que as que já existiram. Contudo, já estamos tão condicionados a esse modus vivendus, que não conseguimos percebê-lo, tampouco questioná-lo. A bem da verdade, essas ditaduras agem de forma delicada. Não há espaço para violência ou coerção física: o segredo dessas ditaduras é o controle mental.

Uma delas é a ditadura da felicidade. Embora pareça engraçado, já existe a fórmula da felicidade; para tanto, basta enquadrar-se, seguir a cartilha. O sucesso e a felicidade resumem-se à nossa modernidade líquida em ter dinheiro, ou seja, ser uma mercadoria valiosa.

Sendo assim, pouco importa o que se gosta ou o que se faz. O importante, no fim das contas, é estar valorizado no mercado e, na sociedade capitalista, é impossível estar valorizado sem uma boa conta bancária. Mais que isso, ostentar essa conta, pois de nada adianta ter, se não se pode mostrar, afinal, vivemos na era do Instagram.

No entanto, uma pergunta me vem à mente: se não coaduno com essa ordem, como sou visto? É simples, como um selvagem, incapaz de viver em sociedade. Um subversivo que não se adapta à ordem estabelecida. Então, outra pergunta surge: se existe total liberdade, por que sou excluído? Mais simples ainda, porque não existe essa liberdade.

Estamos presos a um sistema que nos obriga o tempo inteiro a seguir a sua cartilha, que nos destitui da capacidade de racionar, de falar e de agir por nós mesmos. Devemos buscar somente o prazer pelos bens materiais. Devemos ter. Devemos mostrar. Devemos seguir o rebanho. Pois essas são as regras do jogo, pois assim a sociedade entende a felicidade.

Mas e você? E eu? Precisamos fazer parte desse jogo? Tenho o direito a uma liberdade verdadeira, em que não preciso de reinos ou de castelos para ser feliz. Quero mais do que um carro luxuoso pode me dar. Quero chorar e sorrir quando der vontade. Lamber os dedos depois de comer pipoca. Ler Shakespeare. Sem mãos acusadoras apontando para o transgressor. Sem uma inquisição que me despersonalize e me obrigue a ser uma máquina de ganhar dinheiro, digo, uma pessoa feliz.

Se for para ser apenas mais um, entre tantos, com as mesmas roupas, as mesmas gírias e as mesmas piadas, prefiro ser um estranho. A minha subjetividade não está à venda. Não consigo ser condicionado a me desconfigurar. Sinto medo. Sinto dor. Envelheço e fico triste. Faço tudo isso porque posso, porque sou livre para fazer escolhas. Para escolher as notas que compõem a minha sinfonia.

Não preciso ser tão adequado, tampouco estar condicionado. O frenesi de construir um alguém é para os civilizados, dentro dos seus carros com ar artificial. Não preciso sentir prazer o tempo inteiro, pois sou humano e, às vezes, preciso chorar. Talvez o mundo não seja tão perfeito e as minhas escolhas não sejam as melhores. Mas preciso fazê-las, saber que errei e consertar o meu erro.

No Admirável Mundo Novo de Huxley, assim como no nosso, não existe liberdade verdadeira, como também não há felicidade. Pois somos singulares e, portanto, não podemos ser conjugados no plural. A felicidade para o selvagem era mais do que sentir prazer o tempo inteiro; para mim, é mais do que simplesmente ganhar dinheiro. Mas, se ainda disserem que a felicidade é isso, então:

“Eu reclamo o direito de ser infeliz.”

Imagem de capa:/shutterstock

HER – as nossas pseudo-relações afetivas

HER – as nossas pseudo-relações afetivas

Lidar com as emoções parece ser um problema para o homem. Dessa forma, buscamos nos esconder atrás de máscaras e de personagens, a fim de que as nossas emoções reais não sejam conhecidas pelo outro, assim como preferimos lidar com pessoas que se comportam da mesma maneira, uma vez que construir uma relação verdadeira com o outro traz riscos que nem sempre estamos dispostos a correr.

As redes sociais virtuais potencializaram essas pseudo-relações que possuímos. Na rede, as pessoas sempre estão alegres e felizes, entusiasmadas com a vida e cheias de disposição. Por trás das telas, todavia, escondem seus medos, suas dores, suas angústias e sua solidão, com o desejo de manterem-se interessantes perante os olhares virtuais. Criam-se, assim, verdadeiras ilhas afetivas e pessoas incapazes de lidar com as frustrações que os relacionamentos podem trazer.

Esse problema é apresentado no filme “Her”, em que o protagonista Theodore, sentindo-se solitário após o seu divórcio, desenvolve um relacionamento com um sistema operacional. Este, apesar de certa autonomia, apresenta-se sempre de forma bem humorada e, como o próprio Theodore diz, “entusiasmada com a vida”.

A realidade disposta no filme demonstra, com clareza, o modo de vida contemporâneo. Criamos relações fictícias com um sem número de pessoas, as quais sempre se mostram felizes e “entusiasmadas com a vida”, do mesmo modo que, evidentemente, nós mostramos, o que faz com que a relação seja atraente. Ou seja, busco relações que não me tragam problemas ou dores de cabeça e, como estas não existem na vida real, busco-as por meio da rede.

O grande problema é que relacionar-se com outra pessoa vai muito além de sorrisos e de experiências boas, de modo que as relações construídas sob o pilar da facilidade tendem, indubitavelmente, a sucumbir e a deixar o indivíduo ainda mais solitário, como também a aumentar a sua incapacidade de lidar com emoções reais.

No entanto, a única forma de construir uma relação verdadeira é estando disposto a lidar com as emoções e sentimentos que formam o outro, isto é, suas alegrias, seus sonhos, suas conquistas, bem como suas dores, seus medos e suas derrotas. Somente quando consigo sentir o outro naquilo que este possui de mais vivo (e ninguém é formado só de alegrias), posso conectar-me de fato.

Ter uma relação em que o outro sempre me diz o que quero ouvir, sempre está contente e parece não ter problemas, demonstra, tão somente, o egoísmo de um indivíduo que se preocupa apenas em receber algo da relação. Entretanto, devo estar disposto a doar-me ao outro nas suas alegrias, para que se possa rir junto, como nas suas tristezas, para que se possa consolar, dar um abraço, uma palavra amiga e um beijo sincero. Devo, também, entender que o outro tem sua subjetividade e, portanto, terá um olhar próprio sobre a vida, o qual nem sempre corresponderá ao meu.

Desse modo, qualquer relação requer paciência e esforço mútuos. Isolar-se atrás de uma tela só garante mais isolamento, solidão e tristeza. É preciso estar disposto a viver emoções reais, com pessoas reais, que riem, mas também choram, para que se possa crescer e aprender a lidar com os próprios sentimentos. Sempre haverá o risco de alguém sair magoado, ou de se decepcionar, pois as pessoas não vêm com garantia de uso.

No entanto, não há outro caminho. Somente com o tempo vamos amadurecendo e aprendendo com os erros. Vamos descobrindo mais sobre nós mesmos e sobre a vida. E, para isso, é preciso viver, arriscar e aceitar os tombos que a vida dá. As relações virtuais, como a de Theodore, no filme, podem ser até “bonitas”, mas nada substitui um sentimento sincero, pois, como diz Clarice:

“O bonito me encanta. Mas o sincero, ah! Esse me fascina.”

Imagem de capa: Reprodução

Sentir a dor do outro é honrar a natureza humana

Sentir a dor do outro é honrar a natureza humana

A nossa capacidade de interagir afetivamente germina ainda no conforto do útero materno. Enquanto estamos confortavelmente protegidos pela morna piscina de líquido amniótico que nos envolve, nos adaptamos às restrições de espaço que vão sendo alteradas à medida que ficamos maiores e mais parecidos com os seres aqui de fora. Até que fica impraticável manter a moradia. Somos obrigados a nascer. Se pudéssemos nos lembrar desse momento com a nitidez do impacto externo, talvez fôssemos capazes de compreender que ser “nós” é muito maior que ser “eu”. Afinal, se formos deixados à própria sorte ao nascer, não sobreviveremos. No entanto, aprendemos com incrível rapidez a deslocar o eixo de sobrevivência para a manutenção de nós mesmos, como se os outros não passassem de figurantes da nossa gloriosa, individualista e solitária história.

O choro é nosso primeiro recurso de linguagem. É por meio dele que chamamos a atenção dos adultos responsáveis pela satisfação de nossas necessidades físicas e afetivas. Ainda que as palavras articuladas não façam nenhum sentido, absorvemos os tons, os ritmos, a sinfonia de ruídos à nossa volta e constituímos um acervo de melodias mais ou menos agradáveis que afetarão de forma decisiva a aquisição da linguagem como forma de comunicação e interação com o mundo. Ainda no útero materno, somos afetados pelas sensações transmitidas pela voz da mãe e seus batimentos cardíacos. Dias após o nosso nascimento somos capazes de reconhecer a voz materna. Quando a mãe canta ou fala calmamente, emite vibrações reconfortantes que nos aliviam da dor de não podermos explicitar nossas necessidades, sensações e desconfortos. Quando a voz mais familiar que conhecemos produz sons ríspidos e alterados, entramos em estado de alerta, sentimos medo e apreensão. Somos absolutamente afetados pelo meio à nossa volta. E, aquela que se dispôs a nos abrigar antes de nossa estreia no mundo exterior, é o ponto de apoio e a referência mais importante, o norte, a rede de segurança. É bem devagar que chegamos à conclusão de que nós e ela não somos um ser uno.

O toque e o carinho personificam a linguagem do afeto na forma concreta. O prazer provocado pelo contato físico é a mensagem que expressa para nós a certeza de que estamos amparados nesse mundo. A ausência do carinho nos coloca em situação de abandono. Entendemos que não há quem cuide de nós, quem nos dê atenção, quem nos compreenda. A resposta do cérebro à sensação de abandono é acionar os alarmes de perigo e desligar tudo o que não esteja estritamente relacionado à necessidade de apenas sobreviver. Quando somos expostos a um ambiente em que a falta de carinho físico é constante, entramos em uma frequência emocional de stress, que ao se tornar crônico nos transformará em crianças inseguras, irritadiças, agressivas e sem recursos para estabelecer relações minimamente saudáveis com o nosso semelhante. O abandono emocional acarreta transformações dificilmente reversíveis em nossa constituição social e afetiva. Para nos proteger da ameaça do abandono, o cérebro aprende a assumir a capacidade de pensar individualmente e esperar o pior de todas as situações. Ao sermos negligenciados na infância, interpretaremos as adversidades pessoais como catástrofes e as catástrofes alheias como adversidades externas que não os dizem respeito. A presença de uma rede de sustentação afetiva nos torna capazes de construir relações sociais mais saudáveis e íntegras, nas quais seremos capazes de atuar pelo bem coletivo acima dos interesses individuais.

 

O sentimento de amor e afeto é construído até os dois anos, aproximadamente, em nosso contato com a figura materna e afeta diretamente o nosso desenvolvimento cognitivo, tanto intelectual quanto emocional. Entre os dois e doze anos, mais ou menos, nosso comportamento vai se modificando em conformidade com a nossa inserção nos círculos sociais de convivência. Nossa maneira de interagir com o mundo refletirá um intrincado mosaico formado pelos valores assimilados até os dois anos e sua mescla, advinda das relações com os pais, os irmãos, demais familiares, vizinhos, colegas da creche e posteriormente da escola e outros locais de convivência. Assim, o nosso núcleo afetivo será ampliado e sofrerá modificações à medida que somos submetidos a situações emocionais relativas a prazer, frustração, tolerância e flexibilidade.

O nosso processo de formação e enriquecimento afetivo está diretamente relacionado à nossa capacidade de atuar segundo um conjunto de valores que leve em conta o bem ou o sofrimento da coletividade. Quanto mais amadurecidos formos, maior será a nossa condição de deslocar o desejo centrado na satisfação rápida e pessoal, para a disposição em conquistar objetivos que acolham os interesses dos nossos semelhantes, além dos nossos.

A partir do momento em que formos capazes de abandonar a miragem da felicidade embasada unicamente nas conquistas materiais e individuais, estaremos libertos do peso da competição, da exposição, da obrigação de possuir tantas coisas que de tão perecíveis, transformam-se em lixo, antes que tenhamos tempo de consumi-las completamente.

Enquanto não nos incomodarmos com esse nosso comum perfil social irresponsável, continuaremos a cultuar um comportamento e pensamento heterônomos. Continuaremos seguindo normas apenas para nossa autoproteção, por receio das eventuais punições ou pelo desejo de termos nossa obediência recompensada e premiada. Seguiremos como fantoches, sem compreender o real valor de agir corretamente por princípio, por sermos moralmente responsáveis por nós e pelos que nos cercam, aqui do lado ou lá no outro extremo do mundo.

Já é hora de ambicionarmos a conquista da autonomia moral, sob cuja ótica nossos atos sejam planejados considerando as consequências para todo o povo do planeta; os que vivem agora e os que ainda nem nasceram. É urgente e necessário adotarmos uma conduta cuja principal característica seja o compromisso com valores universais. É inadiável aprendermos a conviver harmonicamente, não apenas com as leis sociais; mas, principalmente com as leis naturais que garantem o equilíbrio do universo. É preciso quebrar a casca impermeável do individualismo e compreender que enquanto não pudermos ser felizes no plural, o singular não terá direito à nenhuma felicidade real.

Imagem de capa: Tsomka/shutterstock

Entenda como as relacões tóxicas são semelhantes à dependência de drogas

Entenda como as relacões tóxicas são semelhantes à dependência de drogas

Por Lucy Rocha

Qual é a sua droga?

Você já foi viciado em droga? Eu já. De uma forma tão doentia que tudo em minha vida deixou de fazer sentido diante dela. Minha alegria, minha tristeza, meu tempo, minhas decisões, meus anseios, tudo no meu dia dependia dela. Se recebesse minha dose diária tudo ficava bem mas se me faltasse, me faltava o chão, o foco, a direção, a respiração, a vontade de acordar. Sem ela, me faltava eu. E você que respondeu sim, sabe bem do que eu estou falando. Ou talvez não. Vai depender do potencial para causar dependência que sua droga tinha. A minha tinha muito.

Agora que eu me abri com você, me diga: qual era a sua droga? Maconha, cocaína, heroína, LSD, crack ou alguma moderninha que eu não conheço? Me diga qual era e eu vou lhe dizer com toda minha convicção: não era mais forte do que a minha e nem mais debilitante. Nenhuma droga tem maior poder de destruição e causa tanta dependência no ser humano quanto o AMOR TÓXICO e, confesso, havia me tornado muito viciada nele.

Meu vício tomou conta de mim de tal forma que para me manter recebendo minhas doses diárias de “alegria”, negociei valores inegociáveis, perdi os sentidos, os significados, o contato com meus valores, com a minha dignidade e o meu autorrespeito. Eu me perdi e só me encontrava nela.

Seu mecanismo de ação é bem simples: um belo dia você é apresentado às primeiras doses que invariavelmente vão lhe trazer uma sensação jamais experimentada de bem estar e alegria. A partir daí tudo se desenvolve muito rápido e você passa a viver num paraíso de luz, leveza e riso, o que vai lhe deixar se perguntando o fez para merecer tanto carinho, tanta atenção, tanto….AMOR!

As sensações são tão ricas e genuínas que você abandona suas armas e embarca numa viagem extraordinária e definitiva. O seu mundo em preto e branco ganha cores, se renova e sua cabeça começa a construir sonhos lindos sem qualquer embasamento na realidade e você passa a se alimentar e viver exclusivamente deles e para eles.

E é quando você está embevecido, dependente daquela atenção e preguiçoso consigo mesmo que o amor tóxico mostra suas verdadeiras cores. É neste momento que todas as sensações boas do início se transformam. Sua face dócil assume uma face sombria e tudo o que era quente, gela; tudo que era claro, escuro; tudo o que era certeza, dúvida.

Ao experimentar um amor tóxico, todos os acessos aos seus sonhos e medos são liberados e tudo o que tiver sido aprendido sobre você durante aquele período será usado como armas letais com o objetivo único de humilhar e demonstrar quanto você é fraco e dependente; com o objetivo único de destruí-lo.

Numa reação natural, você fica confuso e, sem entender o que mudou, luta com todas as suas forças para encontrar de novo em sua droga aquela beleza que pouco antes ela trazia para sua vida. E que batalha inútil você trava! E que desfecho estarrecedor, medonho e tenebroso! Você busca a sua face mais linda, aquela guardada em sua memória, mas a única coisa que encontra é uma realidade horripilante, desconcertante e divorciada de tudo aquilo que um dia ela lhe proporcionou.

Num dado momento nada faz sentido e você vira um trapo, uma pseudo pessoa, um pedinte, um escravo faminto enquanto ela, a sua droga, posa soberana em seu reino obscuro e solitário, e observa você lá de cima de seu trono, de onde ora toca sua cabeça com alguma misericórdia, ora olha para você com desprezo e diz: “você é mesmo patético.”

Você pensa em correr para longe dali, mas não encontra nem a saída, nem a força, pelo simples fato que vez ou outra, ao perceber seu esforço para libertar-se, ela vai presenteá-lo com uma daquelas lindas sensações do início e você, ainda que por pouco tempo, se sentirá vivo.

É necessário um enorme esforço para libertar-se de um vício, mas é necessário um esforço imensurável para livrar-se do vício em um amor tóxico. É preciso colocar-se de joelhos e pedir a Deus que segure sua mão e lhe conduza para fora daquele quarto escuro e sem janelas. É necessário reconectar-se com a pessoa que você era antes daquilo. É preciso encarar a dura constatação de que você amou sua droga por todas as boas sensações que ela lhe trouxe, mas sua droga nunca o amou. Drogas não amam, simplesmente causam dependência e só saem da sua vida quando você estiver morto. Saem de sua vida para entrar na vida de outra pessoa e reiniciar o ciclo.

Haverá um período longo, negro e doloroso de abstinência e será necessário lutar contra a força irresistível que lhe fará por vezes esquecer dos horrores, ditando que você se agarre, como uma criança com medo de abandono, às boas lembranças que, dolorosamente, só existem na sua cabeça.

Saiba, porém, que vencida a abstinência brutal, é necessário lembrar que uma vez viciado existe a tendência ao vício permanece e, portanto, é preciso um exercício diário em que você deverá recordar constantemente a si mesmo que você é um indivíduo completo, que sua felicidade não se encontra em alguém ou lugar algum fora de você mesmo e que nenhuma fonte de amor é maior que a sua. Você precisa ser sua fonte inesgotável de AMOR PRÓPRIO.

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Imagem de capa: Beer5020/shutterstock

O silêncio é uma prece e faz bem rezar um pouquinho.

O silêncio é uma prece e faz bem rezar um pouquinho.

Pois em meio a esse barulho todo, esse debate infinito, esse falatório, esse tanto que dizer e essas coisas todas por ouvir, acontece da gente calar um instante.

É que tem hora em que falar e ouvir fazem mal. A gente sente que uma só palavra vai nos fazer explodir. Aí só o silêncio nos salva.

Ele vem voando como um anjo generoso e sutil nos acolher sob asas calmas. Então voltamos ao remanso que existia antes de nós. O silêncio da madrugada em que as crianças dormem, as plantas crescem, o pensamento repousa.

Tem dias em que toda gente só precisa ficar quieta em seu canto, dizer ao mundo: “não, hoje eu não quero sair. Vou ficar aqui dentro de mim mesmo”. Depois se deixar em franca quietude, esperando doer a dor, que doa, pode doer. E se alguém perguntar “por quê?”, a resposta será nenhuma.

É preciso fazer silêncio, respirar devagar, dormir e acordar tantas vezes quanto o corpo e a alma pedirem. Descansar os músculos na cama que nos abraça com nosso cheiro, como um carinho antigo em cada pedacinho de nós.

Que o silêncio venha nos varrer por dentro, tal qual a casa de móveis revirados em manhã de faxina, as vassouras arrastando de cantos escondidos a sujeira velha, cacos de vidro, pedaços de linha suja, botões perdidos de camisas desaparecidas, asas de inseto, unhas cortadas, emaranhados de cabelo vencidos por tanta chateação, lã de cobertor, pele morta e poeira velha arrancada de tanta sombra em nosso aqui dentro.

Ahh… silêncio, escancara essas janelas pesadas, inunda de sol nosso peito trancado de angústias gritadas em falatório inútil. Esfrega com escova grossa e sabão concentrado nossas paredes encardidas de tanta craca acumulada. Enxágua com esguicho a gordura das reclamações inúteis, o pó rasteiro das picuinhas. Limpa a imundície das falas inúteis, ofensas, injúrias, berros, misérias, invejas. Liberta as palavras de todo mau uso, mergulha suas sílabas em baldes de álcool, lava seus vãos e desvãos e reentrâncias. Deixa-as de novo frescas, livres do burburinho tacanho. Puras à espera de outros usos além do ataque, da intriga e da empáfia.

Como o corpo que jejua, toda alma precisa do silêncio que a liberte de vozes indigestas, desaforos gratuitos, elogios falsos, comentários mesquinhos.

Só o silêncio nos livra de tanto veneno. E quando estivermos restabelecidos, uma enfermeira de olhos risonhos nos encontrará silenciosa, o indicador sobre os lábios, e nos dirá palavra nenhuma, em seu aviso de que a saúde é franca, a paciência é um remédio e o silêncio a tudo refaz. Porque tem hora em que, depois de tanta falação, é preciso silêncio. Não há mais o que dizer. Tem hora em que só a mudez nos fala, nos cura e nos ensina de novo a estar em paz.

Imagem de capa: Aleshyn_Andrei/shutterstock

Sim, sua filha pode ser princesa se ela quiser

Sim, sua filha pode ser princesa se ela quiser

Por Josie Conti e Marcela Alice Bianco

Incomodadas pelo excesso de textos que colocam as princesas como as vilãs do imaginário e do futuro das meninas, gostaríamos de trazer um contraponto e defender o direito que as meninas têm de serem princesas dentro do repertório das suas fantasias infantis.

Durante toda a formação da personalidade da criança é fundamental que ela tenha acesso a um mundo infinito de personagens e papeis. Enquanto ela conhece, identifica-se e vivencia em sua fantasia esses diferentes papeis, ela encontra maneiras de entender o mundo e experimentar a diversidade de possibilidades que ele oferece.

Fantasiar e imaginar faz parte do funcionamento da psique e tem efeito regulador para o desenvolvimento da personalidade. Na verdade, quando falamos dos contos de fadas e dos mitos não devemos entende-los apenas do ponto de vista pessoal ou como preditores de modelos de comportamento a ser ou não seguidos. Precisamos compreender que eles são construções simbólicas que falam do desenvolvimento da consciência e por isso seus personagens são geralmente esquemáticos e possuem relação com uma época e cultura específica.

Nos contos de fadas tudo é muito exacerbado. Os bons tendem a ser sempre “bons”, os maus, sempre “maus”. Se pensarmos no início das formações de conceitos das crianças fica mais fácil entender que as categorizações sejam mais extremas e antagônicas.

Cinderela, por exemplo, fala da passagem de um modo de consciência imaturo e passivo para um modo mais atuante e ativo. Ela recebe um modelo da mãe, o qual cumpre invariavelmente apesar de todos os prejuízos que este incide sobre si, até que o desejo a move e a faz, mesmo que ainda precise de ajuda, contrapor-se àquilo que era imposto. Somente sua atitude parcialmente ativa a tira do borralho e a coloca numa posição vantajosa. Dentro do repertório da criança, a vivencia da Cinderela pode entrar justamente nesta fase em que ela começa a transição de uma postura dependente dos pais para uma de autonomia e firmação de seus desejos.

Além disso, quando pensamos na passagem do tempo e as mudanças na sociedade, temos visto o surgimento de outras princesas com comportamentos bastante diversos do tipo frágil, passiva e dependente. Temos Frozen, Mulan, Valente, Fiona, etc. Todas elas trazem outros aspectos do feminino atualizados para os conflitos e necessidades mais adequados à nossa época e especialmente ao lugar que a mulher ocupa na sociedade atual.

Assim, a princesa corresponde simbolicamente ao nascimento da heroína na menina e surge como auxiliadora imaginária no enfrentamento das exigências que a saída gradual do mundo infantil exige.

É importante que a criança tenha seu momento princesa. Da mesma forma é importante que seja bruxa, rainha má, guerreira ou até Perna Longa. A fantasia só existe porque para ela não existem limites e nem censuras.

E se, até hoje, as princesas foram tão importantes no imaginário das crianças não é só porque a Disney fez um bom trabalho de marketing. Nunca podemos nos esquecer que todo marketing é feito também avaliando a aceitação pública e, se existe aceitação, é porque dentro das pessoas esse papel tem sua função necessária.

Logo, talvez a questão mais importante de uma criança que passa por sua fase princesa seja que ela o faça dentro da fase certa.  O problema acontece quando, por algum motivo, papeis estereotipados ficam fixados até a idade adulta mantendo as mesmas características extremadas. É nessa fase que a fantasia pode ser tornar prejudicial se os componentes de realidade não tiverem sido suficientemente assimilados para mostrar que nem todo mundo é só bom ou só mau, de que para ser feliz não é necessário um príncipe (até porque ele não existe) e que a princesa perfeita dos contos de fadas poderia ser até chata e entediante. Neste caso, de heroína, a menina-mulher pode passar a ser alguém que perdeu a espontaneidade, a criatividade e a autonomia tornando-se o espelho do desejo alheio.

Portanto, não force ou estimule a sua filha, mas deixe ela ser uma princesa se essa atitude surgir espontaneamente. Inclusive você irá perceber que as personagens que lhe atraem se modificam com a idade, mostrando que ela precisa de diferentes papeis para abarcar a complexidade da construção da sua personalidade.

Deixar uma menina ser princesa nesses moldes nada tem a ver com educação ou com a imposição de um modelo de comportamento adequado. Não se relaciona com frases como “feche as pernas“, “se comporte como uma princesa” ou “um dia você vai encontrar seu príncipe encantado“. Isso não tem a ver com o fantasiar natural da infância, mas sim com o desejo projetivo da mãe sobre a filha dentro dos seus próprios conceitos de mundo e de comportamento social.

Neste caso, cabe à própria mãe se questionar sobre por que sua filha precisa ser uma princesa e o que isto tem a ver com o modelo de feminino que regeu sua personalidade até este ponto da sua vida. Pode ser que essa mãe também tenha uma heroína aprisionada, como a mãe da personagem Valente que precisou torna-se uma ursa para liberar seu lado instintivo e assim reconciliar-se com a própria filha que desejava seguir um caminho espontâneo e diferente.

No final, toda história encena uma trama que fala de nós, do nosso mundo e dos caminhos da ampliação da consciência. Quando sabemos transpor o concreto para alcançar o simbolismo saímos de posições extremadas e impassíveis para outras mais equilibradas e compreensivas. Façamos isso com as princesas e com suas mães!

contioutra.com - Sim, sua filha pode ser princesa se ela quiser

Josie Conti

Psicóloga, blogueira e empresária. Abandonou o serviço público para manter seus valores pessoais e hoje trabalha prioritariamente na internet com a administração de sites e redes sociais além da criação e divulgação de conteúdos. É idealizadora e responsável por toda linha editoral do CONTI outra.

contioutra.com - Sim, sua filha pode ser princesa se ela quiser

Marcela Alice Bianco

Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae e em Gerontologia pelo HSPE. CRP: 06/77338-

Para saber mais sobre Marcela Bianco clique em: http://www.psiqueemequilibrio.com.br/

Imagem de capa: Kiselev Andrey Valerevich/shutterstock

Certezas

Certezas
 

 

A terapia do foda-se

A terapia do foda-se

Mais dia, menos dia, teremos que ser aquela pessoa que diz adeus e que briga com quem ultrapassou os limites do bom senso; teremos que nos negar a fazer um favor e que alertar para o ridículo de atitudes alheias; seremos quem não se compadece com as lágrimas do amigo, bem como quem cobra do parceiro tudo o que ele deixou de fazer. Isso nos liberta e nos garante sobrevivência.

Viver em sociedade requer um exercício contínuo de tolerância, caso não queiramos nos desgastar inutilmente. Estamos cercados de pessoas que pensam diferente de nós, que agem de maneira inapropriada, que falam sem pensar e que não medem esforços para ofender gratuitamente quem estiver no caminho. Tentar manter a calma e ser gentil será o maior bem que faremos a nós mesmos, porém, em certos momentos, teremos que nos impor às custas da contrariedade alheia.

Não nos faz bem machucar as pessoas, ainda mais quando explodimos exclusivamente por conta de problemas nossos e não pela situação em si. É preciso saber separar o que é nosso sozinho do que é nosso junto com alguém, ou estaremos fadados a descontar nossas agruras em quem não tem nada a ver com o que se passa dentro de nós. Estender nossas misérias emocionais a quem está ao nosso lado e não merece nossas indelicadezas é uma atitude covarde e que denota tão somente imaturidade e desequilíbrio.

No entanto, muito do que nos fere e nos desestabiliza emocionalmente é consequência da forma como o outro vem lidando conosco, uma vez que existem pessoas que contribuem deveras às escuridões em que mergulhamos vez ou outra. No entanto, como se diz, as pessoas agem conosco da maneira que nós mesmos permitimos, ou seja, muito do que o outro provoca de negativo em nossas vidas tem a nossa anuência, mesmo que não declarada.

Por essa razão, teremos que deixar bem claros os limites até os quais o outro poderá avançar, para que não sejamos atropelados pela tirania, pela maldade e pelas más intenções alheias. Da mesma forma que teremos encontros mágicos e especiais, sempre encontraremos quem nos tentará diminuir, quem desejará se aproveitar de nós, quem necessitará encostar as próprias fraquezas em nossa jornada. Caso não consigamos nos impor como pessoa, caso não nos fortaleçamos com a firmeza de nossas convicções e de nossa dignidade, acabaremos nos perdendo de nós mesmos.

Portanto, em determinados momentos de nossas vidas, teremos que ser aquela pessoa que diz adeus e que briga com quem ultrapassou os limites do bom senso; teremos que nos negar a fazer um favor e que alertar para o ridículo de atitudes alheias; seremos quem não se compadece com as lágrimas do amigo, bem como quem cobra do parceiro tudo o que ele deixou de fazer.  Porque ser maldoso o tempo todo é imperdoável, mas optar por ser antipático na hora certa é libertador e nos garantirá sobreviver e seguir em paz.

Sobre a importância de confiar

Sobre a importância de confiar
Certo dia, na adolescência, me juntei com algumas amigas e unidas decidimos fechar os olhos a fim de buscar nossa calma interior e assim ficamos por um longo tempo tentando não pensar em nada.

E para minha surpresa, depois do nada, do silêncio que me tomou a mente, um pensamento manso se anunciou. Nele alguém me trazia um pequeno vaso com uma planta e dizia que aquele vaso era para mim. Que a planta deveria ser cuidada e nutrida por mim.

No mesmo instante em que o pensamento me tocou compreendi a sua grandeza. Ele tinha suas raízes fincadas no confiar.

Nem sempre temos conosco a noção de como é importante confiar em nós e nos que amamos. Naquele momento não me achava apta para cuidar de coisa alguma, mas houve um pensamento que disse o contrário. De forma silenciosa, ele me fez compreender que a minha capacidade se estendia para além de mim e de meus problemas naquele momento.

Outro dia, vendo um filme antigo na tv, me lembrei desse pensamento. No filme a personagem principal recebia em sua loja um menino que junto da família realizava o sonho de conhecer alguns lugares, pois os médicos disseram que ele estava irremediavelmente doente.

Ao saber da condição do menino a dona da loja disse aos pais que ele podia ficar com o filhote de cachorro dela. A mãe interveio, sem demora, falando que ele não poderia cuidar do animal, pois tinha pouco tempo de vida. Nesse momento, a mulher insistiu dizendo que o menino certamente seria capaz de cuidar do cachorro. E ele foi.

Esse filme, assim como o pensamento do vaso de planta, me lembraram que existem muitas formas de dizer a nós e aos que amamos que confiamos na capacidade nossa e deles de superar e obter êxito em uma determinada situação.

O velhinho curvado que mora na rua de baixo e que leva pelas mãos o neto, também me conta o mesmo. Ao ser acreditado na velhice, ele se esquece do que dizem os médicos sobre suas costas e se curva feliz para guiar o neto pelas desniveladas calçadas do bairro.

O poder em crer enaltece nossas capacidades e nos diz que podemos transcender e efetivamente realizar.

O cão, a planta e a criança pequena podem ser vistos como a materialização de boas possibilidades. São sementes do bem.

No entanto, mesmo cientes dessas boas sementes, como agentes criadores dentro das possibilidades do confiar, é impossível negar que muitas vezes temos nas mãos a opção de dizer aos que nos cercam, através de atos que delegam, que eles são capazes, que eles podem muito mais do que imaginam, contudo nem sempre o fazemos.

Não só já fomos omissos no quesito acreditar em algum momento, como também já fomos vítimas de alguma descrença emancipada através de um “isso não vai dar certo” vindo de pessoas próximas. E, quando ouvimos uma frase como essa, antes de largarmos mão dos anseios, o melhor que temos a fazer é silenciar o mundo para ouvir aquele pensamento que em nós baixinho sussurra: “Eu acredito, você é capaz”.

Quando, em contraponto, a ideia do novo nos chegar pelos outros, sejam esses outros pais idosos, filhos jovens, amigos empreendedores ou colegas visionários, que sejamos nós os primeiros a dizer: “Eu acredito no seu êxito”.

Para salvar vidas, para salvar anseios, para salvar sonhos, não precisamos atravessar continentes. Para isso basta apenas que nos deixemos habitar pela beleza que mora no confiar.

Acompanhe a autora no Facebook pela sua comunidade Vanelli Doratioto – Alcova Moderna.

Imagem de capa: Geoff Goldswain/shutterstock

Mães cansadas e a difícil “arte” de colocar limites

Mães cansadas e a difícil “arte” de colocar limites

Escrevo esse texto, primeiramente,num bloco de anotações, o inicio se dá as 00:28, numa noite ou quase dia de março.
Estou do lado da cama do meu filho de 3 anos que acordou e decidiu não dormir mais, quer transgredir regras, deseja assistir televisão ou dormir comigo.

Fiz todas as peripécias possíveis para que fosse mais fácil para ele e para mim também: conversei, expliquei e contei histórias, mas tudo isso de nada adianta se a criança não quer entender e testar os limites, pois isso faz parte do desenvolvimento infantil.

No dia seguinte, terei que acordar cedo para cumprir todos os deveres de profissional, cidadã, mãe e dona de casa e já estava muito cansada de ter cumprido tudo isso durante o dia que terminou.

Certamente, seria muito mais fácil colocá-lo em frente á TV ou levá-lo para dormir comigo, pois a essa hora já estaria dormindo, não haveria esse desgaste todo para ambos, mas, lembrei que se eu esmorecesse, possivelmente, no dia seguinte essa cena se repetiria e depois no outro dia e assim por diante.

Meu filho não parava de chorar e soluçar, então, decidi sentar no chão ao lado de sua cama e escrever, já que não havia mais a possibilidade de qualquer diálogo que o convencesse.Sei que ele está numa fase de testar o poder dos seus desejos e eu como mãe, não posso permitir que ele acredite que todas as suas vontades serão satisfeitas como e na hora que ele desejar, pois o mundo lhe ensinará ao contrário.

Continua chorando e devido ao meu cansaço, quase me convenço que não há nada de mal assistir um desenho animado se ele perdeu o sono depois da meia-noite.
Entretanto, não posso permitir que ele acredite que é o seu horário que rege as pessoas, afinal terá compromissos e terá de ser pontual.

E mesmo cansada e ansiosa por descansar para cumprir a jornada do dia seguinte, permaneci sentada no chão e ao lado de sua cama, refletindo e escrevendo esse pequeno texto.
Ele adormeceu e apesar do embate desgastante, sinto-me com o dever cumprido.

Olho para ele e parece que dorme em paz e sinto-me tranquila, pois em algum momento e com a minha ajuda, entenderá que terá que se adaptar ás regras do mundo, será necessário cumprir horários, respeitar as pessoas e não ultrapassar os limites.

Verifico o relógio e marca 1:14 horas, em menos de uma hora e com muito esforço, termina o dia de uma mãe cansada, assim como todas as outras, mas com a sensação de dever cumprido.
E amanhã começa tudo de novo, certamente haverá outros embates, outras birras, mas haverá também, apesar do cansaço, uma mãe que esforça-separa ensinar o que é necessário para que ele torne-se um adulto preparado para enfrentar as exigências do mundo!

Imagem de capa: Stenko Vlad/shutterstock

Borderline: a vida à beira de um vulcão

Borderline: a vida à beira de um vulcão

A doença psíquica não é diferente das outras doenças. Ela é, apenas mais cruel, porque é invisível. Não há sinais físicos correlatos para quem sofre um transtorno de personalidade; não há febre; não há manchas espontâneas na pele; não há inchaços; nada que se possa ver num exame de raio x, ou mesmo numa sofisticada ressonância magnética. A doença psíquica é íntima apenas de quem convive com ela. E, mesmo assim, pode ser uma íntima desconhecida; dada sua natureza volátil e instável. Os transtornos de personalidade não têm nenhuma lógica que os possa explicar. E, aqueles que sofrem com essas doenças, ainda têm que lidar com um inimigo ainda mais implacável e cruel: o preconceito!

O Transtorno de Personalidade Borderline é caracterizado por um comportamento padrão regido por instabilidade nas relações interpessoais; autoimagem distorcida; dependência afetiva e excessiva impulsividade. Essa combinação explosiva mantém a pessoa numa condição mental perturbada, posto que ela pode ser acometida pelos sintomas de forma inesperada e violenta, transformando sua vida numa experiência caótica, intensa e dolorosa.

É na fase inicial da vida adulta que se observa maior ocorrência no surgimento do TPB. A denominação Transtorno de Personalidade Borderline foi usado pela primeira vez em 1884 e a partir disso, seu diagnóstico e tratamento passaram por várias modificações no decorrer dos anos. No início, enquadravam-se no termo pacientes cujo quadro oscilava entre a sanidade e a loucura, entre a neurose e a psicose; em função disso usou-se o termo “borderline”. O diagnóstico aparecia relacionado a sintomas neuróticos graves. A precisão no diagnóstico começou a se desenhar na década de 1980; antes disso, a maioria dos médicos tinha a crença de que a personalidade era algo definitivo, imutável; e, portanto não poderia ser objeto de observação e estudo para determinar qualquer tipo de doença.

São várias as causas envolvidas na instalação de um quadro de Transtorno de Personalidade Borderline: predisposição genética; experiências tráumáticas na infância ou adolescência; abuso; negligência; e, até fatores ambientais e sociais (guerras; acidentes causados por fenômenos naturais). É prevalente a ocorrência de TPB quando há parentes de 1º grau com esse transtorno. Famílias instáveis, formada por pais agressivos ou envolvidos em relações muito conflituosas e violentas são outro fator de desencadeamento de TPB. Crianças submetidas a uma educação excessivamente autoritária, com exigência completa de submissão e obediência, também podem desenvolver o transtorno, pois têm seu desenvolvimento cognitivo e emocional deformado por dúvidas profundas acerca de suas capacidades e excessivo sentimento de culpa e vergonha por seus fracassos, por mais naturais e típicos que sejam. No entanto, embora seja bem menos frequente, observa-se a ocorrência deste transtorno em indivíduos que não se enquadram em nenhum dos critérios previstos.

Aqueles que são vítimas de Transtorno de Personalidade Borderline vivem num sofrimento profundo. Empenham esforços desumanos na tentativa de evitar situações de abandono, quer elas sejam reais ou imaginárias. Repetem padrões de relacionamentos pautados pela alternância de extremos: ou idealizam demais o objeto de seu afeto, ou o desvalorizam a ponto de humilhar e romper vínculos definitivamente. Lutam com uma dualidade acerca da percepção que têm de si mesmos: ou se acham “o máximo”, ou se sentem “um lixo”. Submergem em comportamentos impulsivos ou obsessivos que podem variar de gastos excessivos; a sexo irresponsável; abuso de substâncias químicas; compulsão alimentar ou desejo de viver em risco permanente. São acometidos de forma constante por sentimento de menos valia, sentem-se vazios e entediados. Irritam-se facilmente, sendo protagonistas de explosões desproporcionais de raiva que duram algumas horas, mas depois deixam o indivíduo destruído diante de situações muitas vezes irremediáveis e que ele não tem como consertar. Não raras vezes, o portador de TPB mutila-se fisicamente e chega a tentar contra a própria vida.

O caos que envolve a vida do portador de Transtorno de Personalidade Borderline, atinge de forma inexorável aqueles que convivem com ele, sobretudo seus familiares. Muitas vezes, a família e os amigos desistem do portador de TPB, em função da dificuldade em lidar com suas intempestivas oscilações de comportamento. Entretanto, é importante salientar que os sintomas e próprio transtorno são tratáveis por meio de psicoterapia, acompanhamento médico-psiquiátrico e, quando necessário, uso de medicamentos sob prescrição, avaliação e orientação médica, para tratar condições periféricas tais como depressão, insônia, ansiedade, compulsão ou irritabilidade, por exemplo.

O prognóstico é de esperança e possibilidade de uma vida plena, organizada e com qualidade, desde que o paciente receba e persista no conjunto indicado de tratamentos e conte com um anteparo emocional, formado por uma rede afetiva de pessoas que se disponham a enfrentar cojuntamente os inúmeros desafios que os transtornos de personalidades infringem.

O fato é que aquele que vive às voltas com esse alucinante estado emocional em carne viva, sofre. Além das inúmeras contingências cruéis da doença, sofre com as catastróficas experiências amorosas nas quais se envolve; sofre com a falta de capacidade (ainda que temporária) de se comprometer com as mais simples tarefas do dia-a-dia; sofre por perder empregos, por não conseguir terminar o que começa, por não ser possível manter a concentração; sofre porque ser diferente é uma afronta que o outro não tolera porque se acha imune de qualquer tragédia dessas; sofre quando o outro à sua frente trata sua condição mental (grave) como algo imaginário ou um comportamento “para chamar a atenção”.

Assim, caso nos caiba a oportunidade de conviver com um de nós que esteja sendo tragado pelas agruras de uma doença psíquica, procuremos enxergar além da nossa tosca mania de rotular o outro com definições reducionistas. Façamos um pequeno esforço para compreender que nunca seremos capazes de mensurar de fato o quanto é dolorosa a luta de alguém cujo opositor não tem cara, nem coração. Tratemos de nos curar dessa doença epidêmica que é o preconceito. Assim, quem sabe, em vez de torcer o nariz e virar as costas, não sejamos capazes de acolher entre os braços e oferecer um tiquinho da nossa valiosa atenção!

 

Afronta!, novo programa do Futura, dá voz à juventude negra brasileira

Afronta!, novo programa do Futura, dá voz à juventude negra brasileira

Série estreia na noite de 20 de novembro e traz nomes como o da cool hunter e blogueira Loo Nascimento, do rapper Rincon Sapiência, da atriz e dramaturga Grace Passô e da bailarina Ingrid Silva. Temas como o movimento estético e cultural Afrofuturismo estarão em evidência

No dia 20 de novembro, às 21h45, o Canal Futura estreia sua nova série “Afronta!”, que dá voz à potente juventude negra brasileira contemporânea. Dirigido pela cineasta negra Juliana Vicente, o programa narra trajetórias e oportunidades geradoras da constituição do negro como indivíduo, expressadas pelos trabalhos de personagens bastante representativos. A série, que é composta por 26 episódios de 15 minutos cada, foi gravada em diversos pontos do país, como Bahia, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro etc.

Ao longo do programa, serão discutidos temas como o movimento estético e filosófico Afrofuturismo, os encontros afrodiaspóricos e a criação desta rede como geradora de autonomia e potência. Entre os convidados estão Loo Nascimento, cool hunter e blogueira, Rincon Sapiência, cantor de Rap, Grace Passô, atriz e dramaturga premiada, e Ingrid Silva, bailarina do Dance Theater of Harlem, em Nova Iorque. “Os jovens negros brasileiros, em sua pluralidade, nos apresentam sua força econômica, cultural e social. A novidade transformadora de caminhos que ainda não foram devidamente percebidos pela sociedade brasileira no seu todo. O que queremos reforçar com essa série é a potência, a energia vital, o poder transformador que trazem em si e tudo o que eles têm a nos ensinar”, explica João Alegria, gerente geral do Canal Futura. (conteúdo divulgação)

AFRONTA!

Estreia: 20 de novembro, segunda-feira, às 21h45

Duração: 15 minutos

Assista também em www.futuraplay.org

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