A paz é uma “mercadoria” muito preciosa, evite desperdiçá-la.

A paz é uma “mercadoria” muito preciosa, evite desperdiçá-la.

Você já viveu a experiência de deixar “pra lá” algo que merecia uma atitude enérgica sua? Se sim, já passou pela cabeça a ideia de que isso seja um grande indicador de sabedoria e maturidade de sua parte? Eu sei que não é tão simples assim, é provável que você tenha se martirizado e se cobrado por não ter tomado uma atitude. Talvez você se sentiu um verdadeiro frouxo ou trouxa por não ter reivindicado algo que você tinha certeza que era seu por direito.

Contudo, entenda uma coisa: você não agiu como trouxa, frouxo ou idiota, veja a questão por outro prisma. Muito provavelmente, você avaliou a relação custo-benefício entre pleitear o seu direito, ou tomar satisfação com alguém, e deixar “pra lá” e fez o que foi melhor para você. Certamente você optou pela sua paz e, por essa “mercadoria” não existe quantia de dinheiro que pague. Eu entendo que, em determinadas situações, nosso sangue ferve de raiva, quando nos damos conta de que fomos enganados, injustiçados, caluniados, traídos, roubados e etc. a primeira ideia que vem à nossa mente é o desejo de justiça ou de vingança.

Entretanto, essa necessidade de não aceitar levar desaforo para casa e, de pagar tudo com a mesma moeda precisa ser repensada em prol da nossa saúde emocional e nosso equilíbrio interior. Precisamos avaliar até que ponto um dissabor que enfrentamos merece tamanho desgaste de nossa parte. Essa avaliação merece um olhar atencioso de nossa parte, do contrário, não teremos tempo, tampouco condições de saborear a nossa tão sagrada paz.

Precisamos ponderar, se compensa mesmo, entrar na sintonia asquerosa de quem não tem nada a perder e só vive de atormentar a vida alheia. Sabe, essas pessoas estão mergulhadas no próprio limbo que elas criaram em torno delas, são seres amargurados e atormentados que não suportam nem a eles mesmos. São pessoas que não merecem o nosso desgaste. Elas vivem de fofocas, de maldades, de leva e traz, de mentiras e de um câncer chamado inveja. Então, se nos dispusermos a tirar satisfação com uma pessoa dessa, teremos que descer ao nível dela. Teremos que mergulhar no esgoto emocional em que elas vivem.

Há um ditado popular que afirma: “quem anda com os porcos, farelo come”. E é fato. Se nos dispusermos a descer ao submundo deles para tirar alguma satisfação, voltaremos de lá com a alma empanturrada de lama. Então, não há dúvidas de que o melhor a fazer é optarmos pela nossa paz. Isso pode incluir deixar de receber uma dívida, fingir de surdo sobre uma calúnia que falam a nosso respeito e por aí vai. Em se tratando de dívidas financeiras, por vezes, compensa a gente esquecer o prejuízo e preservar a nossa serenidade. Sabe, dinheiro a gente continua ganhando, as portas continuarão se abrindo para quem tem disposição. Raramente uma quantia financeira compensa o desgaste que sofremos numa ação de cobrança, seja judicial ou diretamente com quem nos deve. Óbvio que existem dívidas e dívidas, nem tudo é possível perdoar, dependendo das circunstâncias envolvidas no contexto.

Em suma, quero apenas ressaltar que fazer cara de paisagem e vista grossa, em determinados momentos, são decisões sábias que contribuem para a nossa paz e saúde emocional. Não podemos perder tempo buscando uma reparação de todos as afrontas que sofremos. Se olharmos bem a vida de quem deseja roubar a nossa paz, perceberemos que eles são dignos de pena. São pessoas muito infelizes cuja motivação na vida é observar a vida alheia e se ressentir com quem cresce e evolui. Essas pessoas são escravas do próprio rancor que já está petrificado na alma. Tudo o que elas querem é que o outro também fique amargurado e que entre na sintonia delas, para que se sintam acompanhadas.

Deixe pra lá, se te ofenderam, se te caluniaram, se te deram prejuízo financeiro. O universo é implacável, cada um vai colher o que plantar. É só uma questão de tempo. Preserve a sua energia para fazer aquilo que te faz bem e que faz bem ao outro. “Os cães ladram enquanto a caravana passa”.

Imagem de capa: Avesun/shutterstock

Troco toda e qualquer certeza por um segundo de leveza

Troco toda e qualquer certeza por um segundo de leveza

Não, eu não tenho certeza de nada. Nada. Aliás, eu não quero, obrigado. Tem gente demais por aí exibindo convicção sobre tudo. Gente demais pontificando sobre as doenças do gado, os novos astronautas, o cio da capivara. Gênios seguros colecionando certezas sobre o que, no fundo, desconhecem. Façam bom proveito!

Daqui, do meu canto no mundo cercado de dúvidas, tenho tantas questões a responder, tanta dívida a pagar! Mas certeza, mesmo, nenhuma. Quando muito uma impressão aqui, um palpite ali, uma intuição acolá. E todas elas me sopram no ouvido que as perguntas mais fundas e os encargos mais altos não pesam tanto quanto a menor convicção. E que acumular certezas na vida é como arrastar uma velha locomotiva morta num terreno baldio.

Não tem jeito. Uma hora isso tudo pesa. Isso. Você sabe o quê. Essa sanha por razão, esse empenho por serventia, utilidade, importância. Nosso ímpeto de glória, nossa corrida extenuante, nosso esforço por predileção e prestígio, as infinitas tentativas de acerto, essa peleja contra o tempo, a idade, o outro, a vida, a morte, o mosquito da dengue e o leão do imposto de renda, o bandido na esquina e o vilão da novela. Isso tudo já pesa tanto! Para quê aumentar o fardo com velhas certezas esfarelando ferrugem?

Está certo. Eu compreendo que tanta gente por aí se refestele portando a verdade das coisas, o latifúndio das crenças, o veredicto instantâneo de todos os crimes. Entendo de longe o prazer de exibir tudo isso pendurado no pescoço como o maior diamante do mundo. Mas eu ainda prefiro a leveza das dúvidas corriqueiras.

Prefiro, sim, o movimento incerto de um dia depois do outro. Escolho não saber do futuro mais que o imediato instante seguinte. Não me interessa por enquanto o que vai na última página do livro, mas tenho aqui uma impressão humilde de que o que lá estará depende do que eu fizer agora.

Não, eu não sei o quanto vai chover amanhã. Mas sinto alegria de olhar a água no pote de sorvete roído nas bordas, esperando mansa as lambidas largas do vira-lata que vê em mim seu melhor amigo.

Que sejam felizes os oráculos, suas certezas profundas como os pires e sua sabedoria de papagaio. Eu prefiro a leve e boa descoberta do que repousa debaixo dos móveis, nos vãos do sofá, dobrado entre as páginas de um livro cuja leitura retomamos de quando em vez.

Não, eu não tenho certeza de nada.

Imagem de capa: Stone36/shutterstock

Entre o primeiro e o último suspiro acontece uma coisa chamada vida!

Entre o primeiro e o último suspiro acontece uma coisa chamada vida!

Nascer talvez seja nosso feito mais corajoso. Sair do acolhimento do ventre materno, onde recebíamos alimento, vida, segurança e o conforto da ausência de ruído e luz, para enfrentar um ambiente barulhento, agressivamente claro e caótico, requer de nós uma experiência que não temos. O que fazemos para enfrentar o desafio? Vamos com a cara e com a coragem. Literalmente!

O momento do nascer biológico chega, é definitivo e inexorável. À nossa volta, uma explosão de acontecimentos segue o fluxo, num mundo que já existia muito, muito tempo antes de nós. Nada de ensaio. Nada de período de adaptação. Nada de trailer. A história já começa com a gente dentro dela. O jeito é dar um jeito de acertar o passo, mesmo que a aventura de andar por aí só esteja reservada para alguns tantos meses depois da estreia.

Tudo isso, supondo que a nossa chegada FOSSE esperada, desejada, planejada e querida! De outra forma, tudo, absolutamente tudo, fica infinitamente mais difícil. E, muitos de nós vêm ao mundo assim mesmo: sem querer!

O que nos iguala é, justamente, a imensa diversidade de nós. Há tantas versões de existir humano, que deveríamos ser infinitamente mais flexíveis e acolhedores às nossas variações de ser. Mas, o fato é que somos encapsulados por natureza. Nascemos prontos para o individualismo e, aos poucos, vamos sofrendo arranhões em nossa armadura de proteção, a cada insucesso, a cada não que ouvimos, a cada tropeço, a cada queda. Pois é… É justamente o fracasso que nos abre pro mundo. É a dor que nos faz tirar os olhos do próprio umbigo e olhar em volta.

A dor, de não saber, de não conseguir, de não ter, de não pertencer, nos iguala. De repente, aquele estranho incompreensível, parece que fica tão parecido conosco. Reconhecemos na urgência dos olhos, na secura da boca, no arfar do ar que falta a nossa própria dificuldade de existir no mundo. É a dificuldade que tira a gente do conforto, da tranquilidade falsa de uma vida mais ou menos. É o desequilíbrio que faz brotar na gente, a força criativa e o germe da possibilidade de levar em conta o outro.

Assim que damos o primeiro suspiro, somos tragados por um entorno que contribuirá em muito para nos definir enquanto ser, ser humano, ser vivente, ser presente, ser ausente. Nossas primeiras experiências sensoriais, de toque, sons e cores criam em nós um tipo de silhueta afetiva. É nas primeiras relações de amor, ou da falta dele que ergueremos nossas primeiras frágeis estruturas emocionais. E, de pouco em pouco, vamos colecionando vivências, impressões, crenças e valores que nos farão únicos nesse mundo tão diverso.

Cada vida que pisa nesse chão do nosso pequeno planeta traça caminhos de desenhos irregulares e ímpares. Os caminhos que traçamos, cruzam outros caminhos. E, é nessa intersecção de estradas que somos presenteados com a experiência maravilhosa de entrar em contato com o outro. É desses encontros que vamos tecendo nossas leituras do mundo. É nesses encontros que vamos nos humanizando, rompendo a cápsula da individualidade e aprendendo que, juntos somos mais possíveis do que em nossa obstinação pelo crescimento isolado.

A vida é um espetáculo sem pré-estreia! A vida é a fantástica experiência que acontece no intervalo entre o nosso primeiro e último suspiro. A vida é a marca da nossa passagem no mundo. Por isso, não faz o menor sentido desperdiçar momentos, adiar escolhas, economizar afetos, esconder intenções. Nesse exato momento, a ampulheta do tempo escoa, estejamos vivendo ou apenas existindo. Tomara que sejamos capazes de abrir mão dos casulos. Tomara que sejamos ousados para voar, ainda que nossas asas não estejam de todo prontas. É da ousadia que nasce a coragem. É da coragem que nasce a habilidade de olhar além de nossas próprias necessidades. É desse olhar que nasce o encontro. E é desse encontro que nascem pessoas capazes de fazer a vida valer à pena!

Ana Macarini

                                                                  Imagem de capa: Rawpixel.com/shutterstock

O Pequeno Príncipe- sobre buscar com o coração

O Pequeno Príncipe- sobre buscar com o coração

Sobre o que realmente temos controle na vida? Às vezes, faço-me essa pergunta e chego à conclusão de que sobre pouquíssimas coisas. A vida é mesmo frágil, é a chama de uma vela, como diria Shakespeare. Além de frágil, é fugaz, passa rápido e, contemporaneamente, em um mundo de extrema fluidez, a sensação que tenho é de que a vida passa sem que eu possa, de fato, senti-la.

Temos que fazer mil e uma coisas em um dia, quando não temos condições de fazer cinco com qualidade. Cheios de obrigações e sem tempo para nada, as horas passam e a chama que nos mantém vivos fica mais fraca. Esse tempo não volta e, pior, não fica na memória, pois não o gastamos com o que de fato deveria ser gasto.

A obrigação em dar certo na vida não nos permite parar, ainda que não saibamos para aonde estamos indo. Essa maneira de se comportar intensifica-se com a vida, em uma sociedade capitalista, em que a obrigação em dar certo na vida resume-se a ganhar dinheiro. Vivemos sob o jugo da alta performance e exigências de um mundo cada vez mais dinâmico.

O que me preocupa é a forma como já estamos adaptados a viver dessa forma, sem questionar se essa é a melhor forma de viver, pois, como disse, a vida é breve e, por ser breve, deve ser aproveitada naquilo que realmente importa. Um dia a gente acorda, os anos se passaram e perdemos a oportunidade de deixar a nossa marca no mundo, de dar um abraço e de ganhar um sorriso. Ou seja, ser importante para alguém e fazer alguém importante.

Devemos produzir, devemos correr, devemos “ter” coisas para mostrar, como se objetos definissem pessoas, mas, mesmo que definam, são definições muito superficiais. Nessa busca incessante por um sem número de coisas, existem pessoas em lugares que não querem estar, em trabalhos que não trazem nenhuma felicidade, em relacionamentos vazios, e contentam-se, afinal, vendem-nos a ideia de que essa é uma vida feliz.

Nós a aceitamos, por medo, preguiça ou insegurança de viver uma vida que realmente faça jus à nossa existência e àquilo que somos. Acreditamos que a vida, dessa forma, é levada a sério, que estamos fazendo “coisas sérias”. Como é tola a sabedoria que os adultos carregam. Mal sabem que as areias da ampulheta chegam ao outro lado e suas vidas são vividas como a dos outros, sem diferenças, sem essência, sem nada que possa fazê-los importantes.

Tantas coisas que passam por nós ao longo da vida, tantas coisas que vêm e vão, tantos de que não nos lembramos, tantos que não se lembram de nós. Poderíamos ter nos ocupado de menos coisas, ter ficado mais tempo com o que faz o coração enternecer, chorado quando sentíssemos vontade e colecionado sorrisos para fortalecer a alma.

Mas não temos tempo para essas coisas. No mundo dos adultos, só há tempo para as coisas sérias, para fazer contas, para o racional. Desse modo, ao longo do tempo, vamos esquecendo quem somos e nos transformamos em máquinas ou qualquer outra coisa. Nem tudo pode ser contado e, assim, há coisas que somente são sentidas. Embora tenhamos nos ocupado muito em deixar de sentir. E nos orgulhamos disso, pois somos homens “sérios”.

“Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!” e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!”

Como a sabedoria do principezinho é diferente da nossa. Cegos da nossa razão, estamos inchados de orgulho de uma vida que nos afasta dos outros e de nós mesmos. Acreditamos que a felicidade está na grandiosidade ou quantidade. Guardamos tralhas que, no fim das contas, apenas nos deixam mais vazios. Tentamos cultivar milhares de pessoas, mas não temos tempo para cuidá-las e, logo, não colhemos nada.

Shakespeare disse que a vida é a chama de uma vela; Quintana, que a vida é breve; Niemeyer, que a vida é um sopro. Eu vos digo que a vida só vale a pena, quando com pequenas coisas se ganha um sorriso. Acho que a vida do homem contemporâneo não se adequa ao que penso, mas as pessoas grandes são muito esquisitas e isso não fui eu que disse, mas um frágil e pequenino sábio:

“- Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim… e não encontram o que procuram…

– Não encontram, respondi…E, no entanto, o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa, ou num pouquinho d’água…- É verdade. E o principezinho acrescentou: 

– Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração…”

Imagem de capa: Reprodução

Cirque du Soleil no Brasil- Amaluna: um espetáculo que nos transforma

Cirque du Soleil no Brasil- Amaluna: um espetáculo que nos transforma

Do sonho infantil à presença como espectadora de um dos shows mais cobiçados do mundo foram anos de interesse. Mas, assim como tudo o que acontece com o que realmente desejamos e nos organizamos para realizar, chegou o dia em que sonho e realidade encontrariam um momento de intersecção. Afinal, o êxtase só acontece em decorrência de sua efemeridade.

Eu e minha família estivemos presentes em uma das exibições da turnê Amaluna, realizada no último dia 10 de novembro, em São Paulo. Desde então, passei por uma semana contemplativa onde organizei o misto de sentimentos causados por um espetáculo de tamanha magnitude. Isso porque, como vocês podem imaginar, essa apresentação de beleza extraordinária, que nos toca a imaginação, os sentidos e mesmo a ideia de finitude humana, não é algo que se pode ver e depois sair da mesma forma que entrou. Aquilo nos transforma.

No caso do Cirque du Soleil existe um fascínio universal que permite que algo transborde e atinja profundamente crianças, adultos e idosos, cada um à sua maneira.

O Cirque du Soleil para mim, naquele momento, dentro de um dia de semana na rotina paulistana, foi um alerta para a necessidade urgente da presença absoluta dos sentidos, coisa que, em nosso dia a dia, fazemos cada vez menos, pois passamos todo o nosso tempo transitando por diversos lugares, sem nunca estarmos onde realmente deveríamos estar.

O ritmo frenético e imponente que sincroniza o som e os movimentos dos artistas, também coordena magicamente as células do nossos corpo. É impossível não olhar fixamente; ininterruptamente; hipnoticamente para cada uma das apresentações. Acontece uma batida interna no interior da nossa alma que segue a inspiração e a expiração daquelas criaturas mágicas que nos surpreendem sobre o palco. A cada movimento, nós nos arriscamos com aquele que voa no trapézio; porque nós também estamos simbioticamente interligados ao que acontece com ele. Nós sorrimos com o casal apaixonado que protagoniza a história de amor; rimos com os palhaços que usam do exagero para nos mostrar que na vida, certo e errado, feio e bonito, sério e engraçado, são apenas detalhes; apenas uma questão de intensidade. Nós ficamos fascinados pela beleza que vai da estética do figurino a cada uma das fibras musculares dos artistas que, ao longo de décadas, romperam-se e se reconstruíram torneando corpos que fazem justiça ao enredo que fala de seres divinos.

Paro, respiro, salto, paraliso. Cada movimento é importante, é belo, preciso, mágico e inesquecível.

A sinergia é concretizada, algo em nós permite que adquiramos poderes quase sobre-humanos e também dancemos com a bailarina que construiu sua vida ensaiando sobre um palco. E também nos faz saltar ao lados dos ginastas que, desde a infância, passaram horas repetindo, aperfeiçoando e se superando em cada movimento. No palco, no circo, em Amaluna, junto do pulso, em sincronismo, dentro de nós mesmos, sentimo-nos como parte do todo. Somos enlevados pelo som da voz feminina que abre um portal e nos transcende para um mundo onde homens, deusas e seres antropomórficos coabitam e vão além, simplesmente porque estão presentes no aqui e no agora do espetáculo.

Paro, espero, respiro. A próxima apresentação pode ser muito arriscada e exige a máxima atenção. Então, eu e todos os outros encantados pares de olhos à minha volta, respiramos, e olhamos, e sentimos, e suspiramos e estamos sinceramente presentes.

O circo, em especial o Cirque du Soleil, é algo tão inigualável porque deixa claro, mesmo que a princípio não percebamos, que a felicidade e a vida só existem no aqui e no agora. E essa vida pode ser engraçada, e pode ser imensamente bela. E pode ser mágica, triste ou mesmo perigosa. Mas, estejamos atentos, ela só é nossa quando nos permitimos inspirar e respirar o que nos cerca com atenção máxima, na presença absoluta dos sentidos, na consciência de que a arte jamais imitará a vida: a arte é a própria vida, em sua mais absoluta e arrebatadora plenitude.

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Mais informações: O espetáculo estará no Brasil em São Paulo, no Parque Villa Lobos
de 5 outubro, 2017 – a 17 dezembro , 2017. Site oficial.

Rio de Janeiro: At the Olympic Park.  28 dezembro , 2017 – a 21 de janeiro , 2018

Imagens divulgação. 

Como diz a canção, um joelho ralado dói bem menos do que um coração partido

Como diz a canção, um joelho ralado dói bem menos do que um coração partido

Perderemos muitas pessoas pelo caminho, acumularemos saudades doídas, lembranças espinhosas, corações partidos. Não raro, o saudosismo em relação à nossa infância despreocupada e livre de responsabilidades agiganta em nosso peito, aninhando nossas lágrimas e a saudade de gente cujo colo nos faz tanta falta.

Vivemos correndo contra o tempo, tentando vencer as insuficientes vinte e quatro horas do dia, ansiando por recuperar a passagem do tempo que perdemos enquanto nos ocupávamos com o que não nos preenche a essência, bem como lutando contra as marcas que os anos idos imprimem em nosso físico. É como se nunca vencêssemos essa batalha a que nos propomos contra o que passa, passou, o que não é mais, o que não pode mais ser.

Embora o tempo traga sabedoria e resignação frente a muito daquilo que nos ansiava e angustiava, ele também acaba por nos fazer acumular cada vez mais responsabilidades. O amadurecimento vai nos distanciando das preocupações únicas com o que é somente nosso, estendendo nosso mundo em direção à vida de mais pessoas que começam a caminhar conosco. Passamos a nos tornar responsáveis também por vidas outras, de gente que amamos, que nos ama, gente que fica junto, ali do lado, torcendo por nós.

A felicidade vai deixando de ser egoísta, pois as dores daqueles que amamos acabam nos atingindo, ou seja, por mais que estejamos bem, caso nossos queridos estejam passando por problemas, não nos sentiremos completos de fato. Percebermo-nos parte de um todo que recebe influência de nossas ações nos torna mais suscetíveis a sofrer quando o outro sofre, porque temos, então, a consciência de que ficar feliz sozinho, enquanto há dor à nossa volta, é muito difícil.

Além disso, essa interação com outras pessoas nunca é de todo tranquila. Enfrentaremos decepções, quebras de expectativas, ingratidão, traição, desprezo e falsidade. Perderemos muitas pessoas pelo caminho, acumularemos saudades doídas, lembranças espinhosas, corações partidos. Não raro, o saudosismo em relação à nossa infância despreocupada e livre de responsabilidades agiganta em nosso peito, aninhando nossas lágrimas e a saudade de gente cujo colo nos faz tanta falta. Inevitável.

O tempo passa, sempre, para todo mundo. Lutar contra ele, portanto, sempre será um embate inglório, uma causa perdida, porque o mais sábio sempre será unir-se a ele, sorvendo suas lições e assimilando os tantos aprendizados que ele nos proporciona. A passagem do tempo não deve nos angustiar quanto à nossa finitude e sim nos dar forças para fazermos e sermos o melhor que pudermos, para que nos eternizemos nas lembranças de todos aqueles que viveram junto às nossas verdades. É assim que o amor se eterniza e se torna mais forte do que a morte..

Imagem de capa: Cultura Motion/shutterstock

Não me contento com amores que não são amáveis

Não me contento com amores que não são amáveis

Porque nunca vi um amor durar sendo frio, distante e calculista. Por isso que não me contento com amores que não são amáveis. Eles cansam e, antes que percebam, perdem os seus encantos.

Vivemos em tempos onde é estratégico economizar entregas. Tem gente que não se doa porque não sabe como, mas a maioria simplesmente escolhe manter esse jogo tolo de não mostrar todas as cartas. Pior, tem gente que confunde amor com ilusão. Gente que faz tipo acreditando que a defesa é a melhor forma de fazer o amor de alguém permanecer. O amor que não sente o gosto do imprevisível e do risco que é morar em outra pessoa, pouco conhece da aventura que é o coração.

O amor não pode ser distribuído em medidas contadas e cobradas. A indiferença dos amores atuais é a principal causa dos términos. Falta conversa, falta honestidade, falta cumplicidade. Poucos estão dispostos para a luta diária que é construir e conquistar, dia após o dia, o respeito e o carinho de quem se ama.

Não acredito no discurso do tenho medo de amar e quebrar a cara. Ninguém passa por essa vida sem ter tido o coração partido uma única vez – e é importante que ele seja. Porque é na decepção, no travesseiro surrado pelas lágrimas que, após algum tempo sofrendo pelo luto do amor, que você acorda e percebe ser possível recomeçar. Mas, principalmente, você aprende sobre os amores que você não quer mais e também a não agir como eles.

Quem sente amor, ama. Quem não sente, brinca de fingir.

O amor não precisa ser meloso e cheio de demonstrações públicas de afeto, mas ele precisa sim, de interesse e uma via de mão dupla cultivada pelos envolvidos. É tendo essa sagacidade que o amor encontra um prazer todo especial para não perder o fôlego.

Não me contento com amores que não são amáveis, sinto muito. Quero encantamentos em todos os gestos e palavras não ditas.

Imagem de capa: Mark Manson

A dor da solidão amorosa…

A dor da solidão amorosa…

Alguém sofre muito com uma dor profunda causada pela solidão e por não conseguir finalmente conhecer outro alguém para viver (novamente) um grande amor. Essa pessoa já está há muito tempo sozinha, já fez de tudo que se possa imaginar, já publicou anúncios, já buscou na internet, já perdeu noites procurando em bares e discotecas, já tentou até se apaixonar pelo(a) melhor amigo(a), já experimentou realmente de tudo, sem encontrar o príncipe encantado (ou a princesa encantada). Os sapos que beijou continuaram sapos ou viraram monstros, resultando em muito sofrimento. Essa pessoa nada mais deseja tão ardorosamente da vida que uma relação de amor, de não ter mais que dormir sozinha, de sexo, de carinho, de cumplicidade… A falta disso dói e dói muito e termina roubando toda a energia da pessoa, que quer muito um relacionamento.

Mas como conhecer alguém se a coragem já falta, depois de tantas tentativas frustradas, depois de tantas decepções, de tanta frustração? Onde é que essa pessoa vai achar força para sair, conhecer gente e ter contato social se sua solidão já dói tanto que até o corpo já sofre, a saúde já anda abalada, já que a tristeza da solidão cuidou para que ela não se cuidasse, talvez engordando (ou emagrecendo) muito, se deixando levar, enfraquecendo, perdendo a autoestima, se achando feio(a), se rejeitando, duvidando de si mesmo, entrando talvez até numa depressão?

A pessoa sofre e sofre muito. A solidão a devora. E ela sabe porque sofre. Mas se sente presa na situação, pois sabe que não pode resolver o problema “relacionamento” sozinha, que para isso ela precisa conhecer alguém. Como não consegue, ela sofre, mas permanece no sofrimento, pois tem medo de terminá-lo, pois sabe que isso significaria ter que começar a aceitar certas verdades das quais foge o tempo todo: que ela tem sido exigente e extremamente seletiva com seus pretendentes, que ela deu muita importância a coisas secundárias e superficiais, como aparência, status social, etc., rejeitando pretendentes de bom caráter, porém “pobres e feios”, para correr atrás de “cafajestes bonitos”. É possível que a pessoa tema reconhecer que ela busca alguém que caiba em sua lista de critérios e não alguém que caiba em seu coração. E ela possivelmente também iria perceber que sua impaciência de alma sedenta sufocou pretendentes, assustando-os, colocando-os para correr.

Talvez ficaria também claro para ela que sua autoestima baixíssima fez com que ela se humilhasse muito no passado e buscasse relacionamentos ruins, talvez por achar (inconscientemente?) que não merecia algo melhor. A pessoa reconheceria seus modelos de comportamento e relacionamento, que se repetem, e teria que admitir tantas coisas a si mesma que termina ficando com medo, medo de ver essas coisas, medo de entender que o primeiro passo para sair dessa situação seria aceitar sua solidão, aceitar sua própria companhia, começar vivendo a dois consigo mesma e tentar tirar o melhor proveito da situação, cuidando bem de si, gostando de si, saindo, se divertindo, voltando ao centro da vida, mas sem a fixação de que tem que conhecer alguém a qualquer custo, chegando ao ponto de até acreditar no absurdo que qualquer relacionamento seria melhor que ficar só.

Não há qualquer garantia de que essa pessoa conheceria alguém se finalmente reconhecesse que ela mesma tem que reagir e mudasse então sua postura e suas atitudes. Não, não há garantia alguma, mas com certeza isso aumentaria muito suas chances, que seriam então bem maiores do que se ficasse onde estava, sozinha, recolhida, resignada.

Uma pessoa que aprende a ficar bem consigo mesma, sem precisar de alguém ao lado para ser feliz, se torna muito mais atraente e termina conhecendo alguém mais facilmente que uma pessoa que permanece no estado de “vítima do destino”. Mas para chegar a esse estado de “paz consigo mesmo”, é necessário ter coragem de ser sincero, de não enganar mais a si mesmo, de ver as coisas como são, de gerir melhor suas expectativas e desejos.

Muita gente “prefere” ficar só por causa de algum sofrimento do passado, de algum relacionamento que feriu e doeu muito. Essa gente termina se fechando por medo de algo se repetir, por medo de sofrer novamente por causa de certas coisas. Só que alguém que assim age não está realmente fugindo do sofrimento, mas somente o substituindo por outro: pelo sofrimento da solidão.

Já outras pessoas ficam sós por timidez, por não terem coragem de expor seus sentimentos por alguém, por medo de serem rejeitadas, por medo de ouvirem um “não”, por medo de sofrerem. Também essas pessoas se bloqueiem por medo de sofrer, e terminem sofrendo: pelo sofrimento da solidão.

Alguns ficam sós por causa de uma autoestima baixa, por não acreditarem que merecem um relacionamento feliz, por se acharem feios, pouco interessantes, por acreditarem que não teriam muito a oferecer num relacionamento, o que é uma tolice, algo autodestrutivo e irreal, já que não existe realmente gente feia e bonita neste mundo, já que o amor não quer amar aparência, já que ninguém é feio ou desinteressante demais para viver um grande amor.

Alguns resignam e começam a se entregar totalmente, por exemplo, ao trabalho para distrair a solidão e o desejo de conhecer alguém, trabalhando muito, o tempo todo, não tendo tempo para mais nada, sem perceber que esse comportamento, a longo prazo, só aumenta a solidão.

Tem gente também que, por um lado, sente falta de um relacionamento, mas não está disposta, por outro lado, a abrir mão de sua liberdade de solteiro, o que é uma contradição, o que é contraprodutivo e algo que poderá cuidar para que essa pessoa termine sozinha, caso não entenda que na vida não se pode tudo, que na vida precisamos tomar decisões.

E há os prepotentes, que têm uma visão exagerada de si mesmos, que acham que merecem a “melhor mulher” ou o “melhor homem” deste mundo e, assim, nunca encontram a pessoa certa por acharem que ninguém é suficientemente bom para eles, e terminam ficando igualmente sozinhos.

Penso que todo mundo pode encontrar o companheiro ou a companheira que busca. Não acho que alguém precise viver sozinho sem querer, penso que “toda panela tem uma tampa” e que é possível sair da solidão amorosa, mas para isso é necessário rever seus critérios, sendo sincero, não se deixando guiar por conceitos e preconceitos, se abrindo para as chances que a vida na verdade vive trazendo. Quem quer escapar da solidão amorosa, precisa se livrar de algumas ideias erradas que colecionou durante sua vida, pois são essas ideias que impedem que enxerguemos os amores que batem em nossa porta. Se você está sozinho e deseja conhecer alguém que caminhe ao seu lado, verifique se não é você mesmo que está bloqueando o que tanto deseja. Pense no seguinte:

– Não faz sentido nenhum se preocupar com a opinião de amigos e amigas ou com a opinião da família. Você busca um relacionamento para você e não para os outros. Não é importante que o parceiro ou a parceira agrade aos outros. O importante é que ele/ela agrade a você. Pior ainda seria querer um “homem bonito” ou uma “mulher bonita” para meter inveja nas amigas ou nos amigos.

– Quando conhecer alguém, faça a pergunta certa! Jamais indague se “ele ou ela lhe quer”. Essa não é a primeira pergunta a se fazer. A pergunta certa seria: “Quero realmente essa pessoa?”.

– Reveja se você não tem um parceiro/parceira pré-moldado na cabeça, já definido em todos os detalhes: alto ou baixo, branco ou negro, rico ou pobre, “feio” ou “bonito”, desse ou daquele modo… Se você tem essa imagem já pronta de quem você procura, saiba que isso normalmente é fruto de preconceitos seus e de outros à sua volta, que excluem e eliminam muita gente interessante que aparece em sua vida, que limitam muito seu espectro social/amoroso e que, no final das contas, impedem que você finalmente encontre alguém. Reflita sobre isso e talvez você descubra que aquela pessoa “pré-moldada” que você tem em sua cabeça não existe assim dessa maneira, que você nunca a encontrará, já que amor jamais se encontra através de critérios, mas sim de um coração aberto e dando uma chance real ao outro.

– Se você está só porque se decidiu assim depois de ter sofrido muito em um relacionamento no passado, lembre-se: existem 7 bilhões de seres humanos no planeta, metade homens, metade mulheres. É gente de tudo quanto é tipo. Se um desses seres humanos (ou mesmo dois ou três) lhe decepcionaram muito, lhe feriram e lhe fizeram sofrer, isso não significa que todos os demais fariam a mesma coisa. São 7 bilhões de pessoas, são 7 bilhões de chances de encontrar alguém. Achar então que não adianta procurar porque todo mundo seria igual ao(s) seu(s) parceiro(s) do passado não seria algo muito sensato, é algo que não faz sentido.

– Se você teve relacionamentos fracassados e isso lhe desanima, não culpe seus parceiros por isso, muito menos culpe a você mesmo! Não existem parceiros bons ou ruins, o que existe são constelações erradas. Se não deu certo com alguém, não é porque ele ou ela ou mesmo você não prestava. Ele ou ela foi simplesmente a pessoa errada para você. Lembre-se: um parceiro ou parceira que não deu certo com você pode ser muito feliz com uma outra pessoa. E o mesmo vale para você!

– E por falar em constelações erradas, seja sincero: quantas vezes você mesmo buscou essas constelações falsas, por medo de achar a certa e ser feliz ou por causa de algum modelo, de algum comportamento que você carrega desde sua infância, como a mulher que tinha um pai alcoólatra e que agora só busca homens com o mesmo vício, ou o homem que tinha uma mãe dominante e que agora só se envolve com mulheres que tentam controlar sua vida… Isso é algo muito comum. Carregamos conosco modelos que foram impregnados (ou nós mesmos impregnamos) em nós, modelos que, em geral inconscientemente, regem nossos relacionamentos, nos fazendo repetir “erros”, fazendo com que nos envolvamos exatamente com aquele tipo de pessoa que nos faz mal, que fortalece nossos medos e inseguranças, que nos atrai por exalar o cheiro de um sofrimento familiar, porém extremamente nocivo. Esses modelos estão bem dentro de nós, bem lá no fundo, e não é fácil livrar-se deles. Mas já ajuda muito se temos consciência de que eles existem, se nos observamos e compreendemos que fazemos algumas coisas nesta vida com certo automatismo e que, às vezes, é esse automatismo que nos conduz a determinados relacionamentos “errados”. Se esses “modelos” forem um problema sério em sua vida, talvez valesse a pena refletir sobre uma psicoterapia, para compreender a coisa melhor e talvez até resolvê-la.

– Se você quer conhecer alguém, pare de criar estratégias para isso, deixe de procurar o tempo todo, desligue-se dessa fixação, abandone as listas de critérios e saia, vá para fora, para o meio do mundo, para o meio da vida (não é dentro de casa que você conhecerá alguém!), e conheça gente nova, de coração aberto, dando uma chance real àqueles que cruzam seu caminho. Sim, seja crítico, observe e diga não se perceber que não é a constelação certa para você, mas não faça isso logo de cara, sem realmente ter dado uma chance a uma pessoa que se interessou por você. E se essa pessoa não for o príncipe ou a princesa que você esperava, lembre-se da história e do que pode acontecer quando se beija um “sapo”. É o amor que torna uma pessoa realmente bela e, sem o amor, nenhuma beleza é real.

– Se alguém se interessa por você, jamais a rejeite com a desculpa de você mesmo não ser bonito(a) ou interessante o suficiente para esse alguém. Se a pessoa gostou de você, ela tem motivos para isso. Deixe, portanto, que ela mesma julgue se para ela você é feio ou bonito, interessante ou desinteressante. Isso não é de sua competência ?

– Antes de poder ser feliz com outra pessoa, você deveria aprender a ser feliz consigo mesmo. Aprenda a ficar bem (!) sozinho, aprenda a não precisar ninguém para ser feliz. E você verá: no momento em que você aceitar sua própria companhia e fizer as pazes consigo mesmo, deixando de parecer “desesperado” no desejo de conhecer alguém, sua atração aumentará e você conhecerá alguém muito mais fácil.

– Goste de você mesmo! Como é que o outro/a outra vai gostar de você se você mesmo não se gosta? Pessoas que se rejeitam são pouco atraentes. Então, antes de esperar que alguém goste de você, comece fazendo isso você mesmo.

Repito: ninguém neste mundo precisa ficar sozinho. Há gente sobrando por aí. Quem estiver sozinho assim mesmo, deveria rever sua postura, seu comportamento, seus modelos e suas expectativas, pois é muito provável que a própria pessoa esteja bloqueando seu caminho e evitando ela mesma que seja feliz também no lado amoroso.

Imagem de capa: nd3000/shutterstock

Mostre suas unhas para o predador

Mostre suas unhas para o predador

Cada qual reage de um jeito ao perigo iminente. Mais do que isso,  cada um sabe o leque de seus perigos pessoais, o que lhe aterroriza, lhe mortifica, paralisa, deixa os medos à mostra.

Minha experiência particular é de não reação total, um completo estado de imobilidade que, no mínimo, irrita até o próprio agente do perigo. Mas também me irrita, me mostra que aceito como justa a ameaça que me chega, que obedeço a uma palavra ou não mais fortes do que as minhas.

Pais e filhos predadores…

Amizades predadoras…

Carreiras predadoras…

Amores predadores…

Palavras e promessas predadoras…

Sonhos, ilusões, momentos, olhares predadores…

…e a lista é interminável e muitas vezes inconfessável.

E sem nos aperceber, seguimos pela vida alimentando e engordando nossos predadores, aprendendo a não contrariar, a preferir a aceitação e a mudez, a anulação à reação.  Temos medo do que nos possa acontecer. Temos medo do abandono, da rejeição, do ridículo, da opinião e julgamento alheios, dos rompimentos.

Somos quase sempre assim, se não somos os predadores, somos as vítimas. E geralmente desempenhamos esse papel com um talento invejável, tanto que acreditamos ser um estado normal esse, de coração assustado, acelerado.

Mas, se um dia olhamos de frente para esse predador e resolvemos que não pode mais ser do jeito que é? Será que ele entende e se compadece? Temos tempo e vontade de aguardar pela mudança? Seria justo esperar que se pacifique o predador que nós mesmos alimentamos e fortalecemos?

E quantas vezes olhamos para dentro de nós mesmos e buscamos força? Mas será a força uma solução aceitável? Vamos travar duelos com nossos predadores? Se muitos deles nós amamos e queremos na nossa vida, o que fazer?

Talvez o caminho seja a conquista de um respeito que há muito se foi. O respeito que todos costumam bater no peito e anunciar que “é bom e eu gosto”. Sim e eu também gosto desse mesmo respeito e se preciso for, vamos mostrar como as  unhas estão afiadas para cada predador, para que pense duas vezes antes de vir para cima com todos os seus perigos.  Que considere vir para o lado, sem machucar, sem atropelar, pedindo a devida licença e aguardando a resposta.

E na dúvida, mostre sempre as suas unhas. Se for um predador, recuará. Se não for, dirá que estão bonitas. E ainda poderá vir a ser uma linda história!

Imagem de capa: Captblack76/shutterstock

Cara, desista dessa mulher, você não tem o que ela busca.

Cara, desista dessa mulher, você não tem o que ela busca.

Cara, quer minha opinião sincera? Ela não é pra você. Desculpe desapontá-lo, mas essa é a realidade. Ela não é o tipo de mulher que acredita que vai gostar de alguém “com o tempo”. Ela sabe exatamente o que quer e, principalmente, o que não quer. Ela já caiu na esparrela de se relacionar com um homem apenas por consideração, afinal, o cara era um bom moço, homem de família, com perfil “pra casar” e foi um desastre. Não, ela não está se fazendo de difícil, ela, de fato, não se atraiu por você, aceita que dói menos.

Olha, confia em mim, se ela tivesse se engraçado por você, ela não conseguiria deixar dúvidas sobre isso. Ela é muito autêntica com o que sente, entende? Outra coisa: ela não é mulher de joguinhos, essas infantilidades, nem de longe, combinam com ela. Ela é desprovida dessas regras permeadas de machismo, ela é o tipo de mulher que demonstra interesse, sim, sem se importar em ser taxada de “mulher fácil”. Cá pra nós, acho que você não está preparado para se relacionar com uma mulher como ela, você não daria conta, em nenhum aspecto.

Ela é livre de alma, caminha com as próprias pernas, segue o próprio roteiro e detesta superficialidades. Ela é movida a autenticidade, ela detesta gente rasa, morna e insossa. Você não vai impressioná-la com a sua conta bancária, esqueça essa ideia. Ela anda em busca de viver coisas que o dinheiro não pode comprar. Ela anda interessada em gente que pode contribuir com risos sinceros e acolhimento genuíno. Os critérios de beleza dela são completamente diferentes dos seus. Ela se encanta com o que a toca na alma e não com o que a sociedade estipula como belo.

Ela não é mulher para beijos insossos, ela não faz questão de casamento de “papel passado”, ela não está interessada em ostentar uma aliança de ouro no dedo anelar esquerdo. É que ela sabe, muito bem, que essas convenções sociais costumam mascarar muitas realidades aversivas que envolvem os casamentos. Não que ela seja avessa à tais formalidades, ela apenas não vê sentido nisso se os casais não estiverem juntos de verdade, de corpo e alma.

Ela não tem perfil para viver relacionamentos sem sal, ela é muito visceral para isso. Ela não se incomoda mais em ser apontada como a “mulher que não dá certo com ninguém”. Ela não vai ficar com alguém que não abala as estruturas dela só para dar satisfação à sociedade e “tranquilizar” a família. Cara, ela é diferente das mulheres que você considera ideal. Ela não tem papas língua, nem tempo a perder usando máscaras sociais. Ela sabe do que precisa em se tratando de amor, e sabe o que tem a oferecer. Cara, sinceramente, acho melhor você ir em busca de outro alvo.Você não tem a capacidade de extrair o riso gostoso dela, você não tem a sensibilidade capaz de enxergar a beleza que ela traz além das curvas, você não tem a capacidade de ouvir, que ela tanto valoriza. Você não teria a habilidade de acariciá-la além da pele, e ela detesta carinhos cronometrados, previsíveis e com uma rota pré definida. Cara, na boa, ela não é pra você.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock

O direito de ser infeliz

O direito de ser infeliz

O homem contemporâneo contempla a sociedade como se esta tivesse chegado ao seu ápice. Contempla o “Admirável Mundo Novo”, onde sentimos prazer o tempo inteiro, onde temos a liberdade de sermos senhores do nosso destino, onde não há limites. Entretanto, sinto-me como o “selvagem” da história de Huxley, isto é, inadequado, como se esse mundo novo não tivesse nada de tão admirável.

Por trás da liberdade propagada e clamada, existem inúmeras ditaduras tão fortes ou talvez piores do que as que já existiram. Contudo, já estamos tão condicionados a esse modus vivendus, que não conseguimos percebê-lo, tampouco questioná-lo. A bem da verdade, essas ditaduras agem de forma delicada. Não há espaço para violência ou coerção física: o segredo dessas ditaduras é o controle mental.

Uma delas é a ditadura da felicidade. Embora pareça engraçado, já existe a fórmula da felicidade; para tanto, basta enquadrar-se, seguir a cartilha. O sucesso e a felicidade resumem-se à nossa modernidade líquida em ter dinheiro, ou seja, ser uma mercadoria valiosa.

Sendo assim, pouco importa o que se gosta ou o que se faz. O importante, no fim das contas, é estar valorizado no mercado e, na sociedade capitalista, é impossível estar valorizado sem uma boa conta bancária. Mais que isso, ostentar essa conta, pois de nada adianta ter, se não se pode mostrar, afinal, vivemos na era do Instagram.

No entanto, uma pergunta me vem à mente: se não coaduno com essa ordem, como sou visto? É simples, como um selvagem, incapaz de viver em sociedade. Um subversivo que não se adapta à ordem estabelecida. Então, outra pergunta surge: se existe total liberdade, por que sou excluído? Mais simples ainda, porque não existe essa liberdade.

Estamos presos a um sistema que nos obriga o tempo inteiro a seguir a sua cartilha, que nos destitui da capacidade de racionar, de falar e de agir por nós mesmos. Devemos buscar somente o prazer pelos bens materiais. Devemos ter. Devemos mostrar. Devemos seguir o rebanho. Pois essas são as regras do jogo, pois assim a sociedade entende a felicidade.

Mas e você? E eu? Precisamos fazer parte desse jogo? Tenho o direito a uma liberdade verdadeira, em que não preciso de reinos ou de castelos para ser feliz. Quero mais do que um carro luxuoso pode me dar. Quero chorar e sorrir quando der vontade. Lamber os dedos depois de comer pipoca. Ler Shakespeare. Sem mãos acusadoras apontando para o transgressor. Sem uma inquisição que me despersonalize e me obrigue a ser uma máquina de ganhar dinheiro, digo, uma pessoa feliz.

Se for para ser apenas mais um, entre tantos, com as mesmas roupas, as mesmas gírias e as mesmas piadas, prefiro ser um estranho. A minha subjetividade não está à venda. Não consigo ser condicionado a me desconfigurar. Sinto medo. Sinto dor. Envelheço e fico triste. Faço tudo isso porque posso, porque sou livre para fazer escolhas. Para escolher as notas que compõem a minha sinfonia.

Não preciso ser tão adequado, tampouco estar condicionado. O frenesi de construir um alguém é para os civilizados, dentro dos seus carros com ar artificial. Não preciso sentir prazer o tempo inteiro, pois sou humano e, às vezes, preciso chorar. Talvez o mundo não seja tão perfeito e as minhas escolhas não sejam as melhores. Mas preciso fazê-las, saber que errei e consertar o meu erro.

No Admirável Mundo Novo de Huxley, assim como no nosso, não existe liberdade verdadeira, como também não há felicidade. Pois somos singulares e, portanto, não podemos ser conjugados no plural. A felicidade para o selvagem era mais do que sentir prazer o tempo inteiro; para mim, é mais do que simplesmente ganhar dinheiro. Mas, se ainda disserem que a felicidade é isso, então:

“Eu reclamo o direito de ser infeliz.”

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HER – as nossas pseudo-relações afetivas

HER – as nossas pseudo-relações afetivas

Lidar com as emoções parece ser um problema para o homem. Dessa forma, buscamos nos esconder atrás de máscaras e de personagens, a fim de que as nossas emoções reais não sejam conhecidas pelo outro, assim como preferimos lidar com pessoas que se comportam da mesma maneira, uma vez que construir uma relação verdadeira com o outro traz riscos que nem sempre estamos dispostos a correr.

As redes sociais virtuais potencializaram essas pseudo-relações que possuímos. Na rede, as pessoas sempre estão alegres e felizes, entusiasmadas com a vida e cheias de disposição. Por trás das telas, todavia, escondem seus medos, suas dores, suas angústias e sua solidão, com o desejo de manterem-se interessantes perante os olhares virtuais. Criam-se, assim, verdadeiras ilhas afetivas e pessoas incapazes de lidar com as frustrações que os relacionamentos podem trazer.

Esse problema é apresentado no filme “Her”, em que o protagonista Theodore, sentindo-se solitário após o seu divórcio, desenvolve um relacionamento com um sistema operacional. Este, apesar de certa autonomia, apresenta-se sempre de forma bem humorada e, como o próprio Theodore diz, “entusiasmada com a vida”.

A realidade disposta no filme demonstra, com clareza, o modo de vida contemporâneo. Criamos relações fictícias com um sem número de pessoas, as quais sempre se mostram felizes e “entusiasmadas com a vida”, do mesmo modo que, evidentemente, nós mostramos, o que faz com que a relação seja atraente. Ou seja, busco relações que não me tragam problemas ou dores de cabeça e, como estas não existem na vida real, busco-as por meio da rede.

O grande problema é que relacionar-se com outra pessoa vai muito além de sorrisos e de experiências boas, de modo que as relações construídas sob o pilar da facilidade tendem, indubitavelmente, a sucumbir e a deixar o indivíduo ainda mais solitário, como também a aumentar a sua incapacidade de lidar com emoções reais.

No entanto, a única forma de construir uma relação verdadeira é estando disposto a lidar com as emoções e sentimentos que formam o outro, isto é, suas alegrias, seus sonhos, suas conquistas, bem como suas dores, seus medos e suas derrotas. Somente quando consigo sentir o outro naquilo que este possui de mais vivo (e ninguém é formado só de alegrias), posso conectar-me de fato.

Ter uma relação em que o outro sempre me diz o que quero ouvir, sempre está contente e parece não ter problemas, demonstra, tão somente, o egoísmo de um indivíduo que se preocupa apenas em receber algo da relação. Entretanto, devo estar disposto a doar-me ao outro nas suas alegrias, para que se possa rir junto, como nas suas tristezas, para que se possa consolar, dar um abraço, uma palavra amiga e um beijo sincero. Devo, também, entender que o outro tem sua subjetividade e, portanto, terá um olhar próprio sobre a vida, o qual nem sempre corresponderá ao meu.

Desse modo, qualquer relação requer paciência e esforço mútuos. Isolar-se atrás de uma tela só garante mais isolamento, solidão e tristeza. É preciso estar disposto a viver emoções reais, com pessoas reais, que riem, mas também choram, para que se possa crescer e aprender a lidar com os próprios sentimentos. Sempre haverá o risco de alguém sair magoado, ou de se decepcionar, pois as pessoas não vêm com garantia de uso.

No entanto, não há outro caminho. Somente com o tempo vamos amadurecendo e aprendendo com os erros. Vamos descobrindo mais sobre nós mesmos e sobre a vida. E, para isso, é preciso viver, arriscar e aceitar os tombos que a vida dá. As relações virtuais, como a de Theodore, no filme, podem ser até “bonitas”, mas nada substitui um sentimento sincero, pois, como diz Clarice:

“O bonito me encanta. Mas o sincero, ah! Esse me fascina.”

Imagem de capa: Reprodução

Sentir a dor do outro é honrar a natureza humana

Sentir a dor do outro é honrar a natureza humana

A nossa capacidade de interagir afetivamente germina ainda no conforto do útero materno. Enquanto estamos confortavelmente protegidos pela morna piscina de líquido amniótico que nos envolve, nos adaptamos às restrições de espaço que vão sendo alteradas à medida que ficamos maiores e mais parecidos com os seres aqui de fora. Até que fica impraticável manter a moradia. Somos obrigados a nascer. Se pudéssemos nos lembrar desse momento com a nitidez do impacto externo, talvez fôssemos capazes de compreender que ser “nós” é muito maior que ser “eu”. Afinal, se formos deixados à própria sorte ao nascer, não sobreviveremos. No entanto, aprendemos com incrível rapidez a deslocar o eixo de sobrevivência para a manutenção de nós mesmos, como se os outros não passassem de figurantes da nossa gloriosa, individualista e solitária história.

O choro é nosso primeiro recurso de linguagem. É por meio dele que chamamos a atenção dos adultos responsáveis pela satisfação de nossas necessidades físicas e afetivas. Ainda que as palavras articuladas não façam nenhum sentido, absorvemos os tons, os ritmos, a sinfonia de ruídos à nossa volta e constituímos um acervo de melodias mais ou menos agradáveis que afetarão de forma decisiva a aquisição da linguagem como forma de comunicação e interação com o mundo. Ainda no útero materno, somos afetados pelas sensações transmitidas pela voz da mãe e seus batimentos cardíacos. Dias após o nosso nascimento somos capazes de reconhecer a voz materna. Quando a mãe canta ou fala calmamente, emite vibrações reconfortantes que nos aliviam da dor de não podermos explicitar nossas necessidades, sensações e desconfortos. Quando a voz mais familiar que conhecemos produz sons ríspidos e alterados, entramos em estado de alerta, sentimos medo e apreensão. Somos absolutamente afetados pelo meio à nossa volta. E, aquela que se dispôs a nos abrigar antes de nossa estreia no mundo exterior, é o ponto de apoio e a referência mais importante, o norte, a rede de segurança. É bem devagar que chegamos à conclusão de que nós e ela não somos um ser uno.

O toque e o carinho personificam a linguagem do afeto na forma concreta. O prazer provocado pelo contato físico é a mensagem que expressa para nós a certeza de que estamos amparados nesse mundo. A ausência do carinho nos coloca em situação de abandono. Entendemos que não há quem cuide de nós, quem nos dê atenção, quem nos compreenda. A resposta do cérebro à sensação de abandono é acionar os alarmes de perigo e desligar tudo o que não esteja estritamente relacionado à necessidade de apenas sobreviver. Quando somos expostos a um ambiente em que a falta de carinho físico é constante, entramos em uma frequência emocional de stress, que ao se tornar crônico nos transformará em crianças inseguras, irritadiças, agressivas e sem recursos para estabelecer relações minimamente saudáveis com o nosso semelhante. O abandono emocional acarreta transformações dificilmente reversíveis em nossa constituição social e afetiva. Para nos proteger da ameaça do abandono, o cérebro aprende a assumir a capacidade de pensar individualmente e esperar o pior de todas as situações. Ao sermos negligenciados na infância, interpretaremos as adversidades pessoais como catástrofes e as catástrofes alheias como adversidades externas que não os dizem respeito. A presença de uma rede de sustentação afetiva nos torna capazes de construir relações sociais mais saudáveis e íntegras, nas quais seremos capazes de atuar pelo bem coletivo acima dos interesses individuais.

 

O sentimento de amor e afeto é construído até os dois anos, aproximadamente, em nosso contato com a figura materna e afeta diretamente o nosso desenvolvimento cognitivo, tanto intelectual quanto emocional. Entre os dois e doze anos, mais ou menos, nosso comportamento vai se modificando em conformidade com a nossa inserção nos círculos sociais de convivência. Nossa maneira de interagir com o mundo refletirá um intrincado mosaico formado pelos valores assimilados até os dois anos e sua mescla, advinda das relações com os pais, os irmãos, demais familiares, vizinhos, colegas da creche e posteriormente da escola e outros locais de convivência. Assim, o nosso núcleo afetivo será ampliado e sofrerá modificações à medida que somos submetidos a situações emocionais relativas a prazer, frustração, tolerância e flexibilidade.

O nosso processo de formação e enriquecimento afetivo está diretamente relacionado à nossa capacidade de atuar segundo um conjunto de valores que leve em conta o bem ou o sofrimento da coletividade. Quanto mais amadurecidos formos, maior será a nossa condição de deslocar o desejo centrado na satisfação rápida e pessoal, para a disposição em conquistar objetivos que acolham os interesses dos nossos semelhantes, além dos nossos.

A partir do momento em que formos capazes de abandonar a miragem da felicidade embasada unicamente nas conquistas materiais e individuais, estaremos libertos do peso da competição, da exposição, da obrigação de possuir tantas coisas que de tão perecíveis, transformam-se em lixo, antes que tenhamos tempo de consumi-las completamente.

Enquanto não nos incomodarmos com esse nosso comum perfil social irresponsável, continuaremos a cultuar um comportamento e pensamento heterônomos. Continuaremos seguindo normas apenas para nossa autoproteção, por receio das eventuais punições ou pelo desejo de termos nossa obediência recompensada e premiada. Seguiremos como fantoches, sem compreender o real valor de agir corretamente por princípio, por sermos moralmente responsáveis por nós e pelos que nos cercam, aqui do lado ou lá no outro extremo do mundo.

Já é hora de ambicionarmos a conquista da autonomia moral, sob cuja ótica nossos atos sejam planejados considerando as consequências para todo o povo do planeta; os que vivem agora e os que ainda nem nasceram. É urgente e necessário adotarmos uma conduta cuja principal característica seja o compromisso com valores universais. É inadiável aprendermos a conviver harmonicamente, não apenas com as leis sociais; mas, principalmente com as leis naturais que garantem o equilíbrio do universo. É preciso quebrar a casca impermeável do individualismo e compreender que enquanto não pudermos ser felizes no plural, o singular não terá direito à nenhuma felicidade real.

Imagem de capa: Tsomka/shutterstock

Entenda como as relacões tóxicas são semelhantes à dependência de drogas

Entenda como as relacões tóxicas são semelhantes à dependência de drogas

Por Lucy Rocha

Qual é a sua droga?

Você já foi viciado em droga? Eu já. De uma forma tão doentia que tudo em minha vida deixou de fazer sentido diante dela. Minha alegria, minha tristeza, meu tempo, minhas decisões, meus anseios, tudo no meu dia dependia dela. Se recebesse minha dose diária tudo ficava bem mas se me faltasse, me faltava o chão, o foco, a direção, a respiração, a vontade de acordar. Sem ela, me faltava eu. E você que respondeu sim, sabe bem do que eu estou falando. Ou talvez não. Vai depender do potencial para causar dependência que sua droga tinha. A minha tinha muito.

Agora que eu me abri com você, me diga: qual era a sua droga? Maconha, cocaína, heroína, LSD, crack ou alguma moderninha que eu não conheço? Me diga qual era e eu vou lhe dizer com toda minha convicção: não era mais forte do que a minha e nem mais debilitante. Nenhuma droga tem maior poder de destruição e causa tanta dependência no ser humano quanto o AMOR TÓXICO e, confesso, havia me tornado muito viciada nele.

Meu vício tomou conta de mim de tal forma que para me manter recebendo minhas doses diárias de “alegria”, negociei valores inegociáveis, perdi os sentidos, os significados, o contato com meus valores, com a minha dignidade e o meu autorrespeito. Eu me perdi e só me encontrava nela.

Seu mecanismo de ação é bem simples: um belo dia você é apresentado às primeiras doses que invariavelmente vão lhe trazer uma sensação jamais experimentada de bem estar e alegria. A partir daí tudo se desenvolve muito rápido e você passa a viver num paraíso de luz, leveza e riso, o que vai lhe deixar se perguntando o fez para merecer tanto carinho, tanta atenção, tanto….AMOR!

As sensações são tão ricas e genuínas que você abandona suas armas e embarca numa viagem extraordinária e definitiva. O seu mundo em preto e branco ganha cores, se renova e sua cabeça começa a construir sonhos lindos sem qualquer embasamento na realidade e você passa a se alimentar e viver exclusivamente deles e para eles.

E é quando você está embevecido, dependente daquela atenção e preguiçoso consigo mesmo que o amor tóxico mostra suas verdadeiras cores. É neste momento que todas as sensações boas do início se transformam. Sua face dócil assume uma face sombria e tudo o que era quente, gela; tudo que era claro, escuro; tudo o que era certeza, dúvida.

Ao experimentar um amor tóxico, todos os acessos aos seus sonhos e medos são liberados e tudo o que tiver sido aprendido sobre você durante aquele período será usado como armas letais com o objetivo único de humilhar e demonstrar quanto você é fraco e dependente; com o objetivo único de destruí-lo.

Numa reação natural, você fica confuso e, sem entender o que mudou, luta com todas as suas forças para encontrar de novo em sua droga aquela beleza que pouco antes ela trazia para sua vida. E que batalha inútil você trava! E que desfecho estarrecedor, medonho e tenebroso! Você busca a sua face mais linda, aquela guardada em sua memória, mas a única coisa que encontra é uma realidade horripilante, desconcertante e divorciada de tudo aquilo que um dia ela lhe proporcionou.

Num dado momento nada faz sentido e você vira um trapo, uma pseudo pessoa, um pedinte, um escravo faminto enquanto ela, a sua droga, posa soberana em seu reino obscuro e solitário, e observa você lá de cima de seu trono, de onde ora toca sua cabeça com alguma misericórdia, ora olha para você com desprezo e diz: “você é mesmo patético.”

Você pensa em correr para longe dali, mas não encontra nem a saída, nem a força, pelo simples fato que vez ou outra, ao perceber seu esforço para libertar-se, ela vai presenteá-lo com uma daquelas lindas sensações do início e você, ainda que por pouco tempo, se sentirá vivo.

É necessário um enorme esforço para libertar-se de um vício, mas é necessário um esforço imensurável para livrar-se do vício em um amor tóxico. É preciso colocar-se de joelhos e pedir a Deus que segure sua mão e lhe conduza para fora daquele quarto escuro e sem janelas. É necessário reconectar-se com a pessoa que você era antes daquilo. É preciso encarar a dura constatação de que você amou sua droga por todas as boas sensações que ela lhe trouxe, mas sua droga nunca o amou. Drogas não amam, simplesmente causam dependência e só saem da sua vida quando você estiver morto. Saem de sua vida para entrar na vida de outra pessoa e reiniciar o ciclo.

Haverá um período longo, negro e doloroso de abstinência e será necessário lutar contra a força irresistível que lhe fará por vezes esquecer dos horrores, ditando que você se agarre, como uma criança com medo de abandono, às boas lembranças que, dolorosamente, só existem na sua cabeça.

Saiba, porém, que vencida a abstinência brutal, é necessário lembrar que uma vez viciado existe a tendência ao vício permanece e, portanto, é preciso um exercício diário em que você deverá recordar constantemente a si mesmo que você é um indivíduo completo, que sua felicidade não se encontra em alguém ou lugar algum fora de você mesmo e que nenhuma fonte de amor é maior que a sua. Você precisa ser sua fonte inesgotável de AMOR PRÓPRIO.

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Imagem de capa: Beer5020/shutterstock

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