O nosso estranho medo de amar

O nosso estranho medo de amar

Por que há, em nós, um desejo imenso de amar e um medo maior ainda de viver o amor? Por que sentimos vontade de ter um amor que nos arrebate, mas não queremos correr o risco de nos machucar? É estranho como o ser humano é tão paradoxal ou, quem sabe, tão medroso ou preguiçoso, afinal, querer colher os frutos sem nenhum esforço, ou correr o risco de ter alguns frutos estragados, parece-me contraditório à própria colheita, isto é, ao amor.

Sabe como é, quem não arrisca não petisca, diz o ditado popular. Não querer correr o risco de se machucar é inconciliável com o amor. Amar é estar disposto a cair, pois sabemos que nem sempre as pessoas são o que aparentam. Mas não há como saber sem arriscar. Então, se verdadeiramente queres viver um amor, desprende-te do medo que te impede de vivê-lo.

Abrir-se para alguém a ponto de tornar-se completamente vulnerável sempre trará o risco de esse alguém nos machucar. Sendo assim, porque existe um risco inerente, devo evitar todo tipo de contato mais íntimo, de abrir o coração e mostrar os recantos mais longínquos, as tristezas mais escondidas, as angústias mais sombrias? Devo evitar sentir o deleite de um toque suave e profundo na alma? Ah! Se queres um amor, trata de arrancar as muralhas que tornam teu coração inacessível. Ninguém quer se machucar, mas, às vezes, acontece. Como disse Montesquieu, “correndo em busca do prazer, tropeça-se com a dor”.

Deixar de se envolver pelo medo de descobrir que o outro não é tão inteligente quanto imaginamos, que, talvez, durma de um jeito estranho, que não seja talvez a pessoa maravilhosa e encantadora que se mostra agora, é apenas medo. Medo de se apaixonar por todas as idiossincrasias que as formam e são exatamente dessas coisas que têm medo de sentir falta caso acabe, pois saberá que são delas e que não encontrará em outro lugar. Se queres um amor que seja inesquecível, aceita que são as coisas que apenas o ser amado possui que te faz amá-lo. Coisas que os outros chamam de imperfeições, mas você chamará de dádivas.

Achar-se mais forte por ter uma vida que subsiste apenas em si mesmo é uma fraqueza da alma que desnutre o coração. Sai do teu casulo, cheio de proteções. Sai do teu mundo de regras e perfeição, porque não és perfeito, tampouco precisa ser um pedante de coração duro que não se permite guiar pelos sentimentos sinceros de um coração que anseia por um cobertor e por palavras que apaziguem qualquer cólera.

Para que serve um álbum com apenas fotos suas? Por que ter medo de dividir um pedaço de bolo e uma xícara de café? Todos nós já tomamos café sozinhos e, sem dúvida, caso quebremos a cara, saberemos tomá-lo sozinhos novamente. Então, por que o medo? Será que ter alguém, na sua cozinha, lambendo a tampa do iogurte, te aflige tanto? Ou será que é insuportável ver os móveis da sala arrumados de um jeito diferente?

Por que esse nosso estranho medo de amar? O amor torna a vida uma bagunça e um lugar divertido, ao mesmo tempo. É complexo e só aceita desbravadores. Não há espaço para quem não queira se envolver a fundo, de corpo e alma. Não há espaço para quem não tenha paixão e loucura. Se queres um amor, sai do teu esconderijo, onde não sofre, não chora e não fica triste, e vem dançar entre os cravos e as orquídeas, onde há perfume e a vida é bela. Onde se chora até soluçar e o chão é escorregadio.

Não há certezas na vida. Não há certezas no amor. Disseram, certa feita, que o maior pecado de todos é viver a vida inteira sem conhecer o amor. Mais: por vontade própria, por medo de se machucar, decepcionar-se e sofrer. Todos nós podemos e devemos ser felizes sozinhos, mas existem coisas que só podemos sentir com o amor. Assim, deixar de sentir a magia de risos compartilhados com um amor por medo, realmente é um pecado sem perdão. E, como escreveu o poetinha:

“[…] ter medo de amar não faz ninguém feliz.”

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Imagem de capa: wrangler/shutterstock

A saudade de quem já morreu

A saudade de quem já morreu

Quem sente sabe, a saudade é presença. A saudade permanece. É o que fica quando a dor se vai, a revolta se vai. Saudade não morre.

Saudade maior é de quem já se foi. Mesmo nos que nutrem a fé no reencontro, é visível a dor de ter que seguir longe de quem se queria por perto. A dor de perder quem nos é querido, pela astuta ação da morte deixa em todos nos a marca da saudade.

Quando a morte ocorre, experimentamos a forte dor e a sensação de termos perdido o chão, perdido as raízes e estarmos, então, soltos no mundo. A falta do outro bagunça e desestrutura. Sofremos muito e então vem o luto. O luto é um processo de adaptação após perdermos algo ou alguém que era importante para nós, ou seja, uma perda significativa. Quanto maior o vínculo afetivo, maior será o impacto. O luto é a incapacidade que temos de nos divertir, de estarmos felizes.

Por um tempo é como se funcionássemos no automático e só conseguimos nos ocupar das tarefas cotidianas e daquilo que chamamos de trabalho. Quanto mais repentina é a ação da morte, mais é exigido de nós. Muitos se vão aos poucos, vão adoecendo e partindo lentamente, dando-nos assim tempo de assimilar e digerir a difícil realidade. Na contramão, há situação nas quais somos pegos de surpresa pela partida repentina de quem estava ali ontem, jovem, cheio de vida. A morte exige muito de nós, exige muita coragem.

O que fazer então quando ela nos encontra e leva de nós quem amamos?

Em primeiro lugar devemos entender e aceitar que vamos sofrer e então tentar sofrer o mínimo de tempo possível. Quem sofre mais tempo não significa que vive um luto maior nem tampouco que sua dor e/ou seu afeto por quem se foi é maior. O sofrimento pelo sofrimento não tem nada de digno, nem de profundo ou saudável. O sofrer deve ser superado com resiliência (aquela capacidade de cair e se levantar o mais breve possível) e nunca alimentado. Superar a dor, superar o luto deve ser sempre o nosso objetivo, aprendendo sempre. A dor sempre nos ensina muito e ela é inevitável.

Talvez vocês concordem comigo em afirmar que a maior dor que o ser humano pode vivenciar é a dor da perda de um filho. Acredito que a maior injustiça, que o maior descompasso, que o maior equívoco da natureza é um filho partir antes dos pais, obrigando-os à suportar a dor de uma dilacerante ferida e a depois caminhar com uma cicatriz inescondível. Talvez então vocês estejam agora me perguntando como e onde conseguir motivação, força para superar algo tão penoso assim. Acredito que a ternura e a fé hão de ser ainda maior e que não há nada a fazer a não ser superar e seguir. Negar, agredir, deprimir-se, desistir…, nenhuma dessas alternativas funciona. O fim de tudo é sempre a aceitação e há vários caminhos para se chegar a ela.

Lembro-me de um depoimento bonito de uma paciente que, ao perder repentinamente a filha jovem em decorrência de um acidente de trânsito, um dia me disse:
-Ao ler A Cabana eu achei um caminho para seguir.

E assim, depois de um tempo ela conseguiu abandonar os psicotrópicos.
O caminho pode estar em um livro, na fé, nas relações afetivas, na caridade ou em qualquer lugar. Ele existe e nós o chamamos de motivação. Cabe a cada um descobrir o que lhe motiva, o que lhe faz vivo e lhe dá força, combustível para seguir.

A única pessoa que permanecerá conosco pelo resto de nossas vidas somos nós mesmos. Por isso nós, estudiosos do comportamento e das emoções humanas, insistimos tanto para que, cada um de nós, tenha uma ótima relação consigo mesmo. E importante que nos bastemos e que possamos nos carregar no colo, que possamos jogar no nosso próprio time, que nos amemos a ponto de cuidar de nós mesmos e das nossas feridas.
A saudade é companheira de todos nós.

Imagem de capa: Cait Eire/shutterstock

Lore e a perda dos sentidos

Lore e a perda dos sentidos

Com produção e fotografia impecáveis, narrativa lenta e poética, o filme “Lore” conta a saga de uma garota em busca de abrigo e segurança. No pós- segunda guerra, quando o exército alemão entra em colapso e os aliados ocupam a Alemanha, os pais de Lore são presos e de repente a jovem menina se descobre sozinha com quatro irmãos pequenos. A missão dada à Lore por sua mãe, é seguir viagem e atravessar a Floresta Negra até a casa da avó materna onde eles encontrarão segurança.

O mais intrigante nessa narrativa é a confusão de sentimentos em que Lore se encontra. Lore fica confusa e vai perdendo a capacidade de enxergar os fatos como são e de identificar o que sente ao dar-se conta de que tudo que ela acreditava ser certo e bom era mentira.

Talvez isso esteja ainda mais claro, quando ao longo do caminho, a menina depara-se com um estranho (que se apresenta como Thomas) e que a ajuda a completar tão árdua travessia. Como ela perde a capacidade de confiar no que sente e nos seus sentidos, ela passa a ver maldade em todos os homens e soldados e não consegue enxergar o bem que Thomas faz. Em várias cenas fica nítido o conflito interno de Lore e a confusão de sentimentos que ela vivencia. Uma das cenas em que esse fato é bem evidente é quando Lore, em prantos, confessa a Thomas que enxerga todos os outros homens nele e que todos mentem.

A perda (e a importância da recuperação) da capacidade de identificar o que sentimos e o que necessitamos, é um fenômeno já estudado em algumas linhas da psicologia, como a Gestalt-terapia. Quando o que vemos não é confirmado, quando o que ouvimos, não é validado, quando nossos sentimentos não são reafirmados, aos poucos vamos nos desconectando de nossos sentidos. Lore não consegue ver em Thomas bondade, mesmo gostando dele, mesmo quando os olhos dela enxergam as atitudes dele (que vão de encontro ao que é melhor para ela e seus irmãos), porque ela desaprendeu a acreditar no que vê e no que sente com relação ao que vê.

Talvez a dificuldade de confiar no que sentimos aconteça porque somos condicionados desde muito cedo a não acreditar no que vemos, ouvimos ou sentimos. Muito provavelmente porque os adultos são tão incoerentes para a compreensão de uma criança que seus sentimentos raramente podem ser validados. Fora isso, em um mundo tão cartesiano, é quase como se não fossemos permitidos a sentir aquilo que não conseguimos explicar de maneira racional.

O problema em tudo isso é que tudo que sentimos gera uma necessidade vital em nosso organismo que precisa ser atendida. Assim, quando perdemos a capacidade de identificar o que sentimos, passamos também a não saber mais identificar quais são nossas verdadeiras necessidades com relação ao que sentimos. E ao desconhecermos nossas necessidades autênticas acabamos suprindo-as de maneiras não-autênticas.

Dessa maneira, comemos quando estamos tristes (e talvez só precisamos de um abraço), bebemos quando precisamos chorar, falamos demais quando estamos nervosos. Ou seja, em vão tentamos suprir nossa raiva, tristeza, solidão e outros sentimentos tão genuínos com religião e crenças, remédios, drogas, sexo, vícios. Passamos a anestesiar sentimentos sem saciar, e muitas vezes nem conseguir identificar, nossas mais genuínas necessidades, que uma vez não saciadas, continuarão sempre latentes.

E, como uma bola de neve, quanto mais anestesiados estamos, mais perdemos a capacidade de identificar o que de fato precisamos. Assim surgem as neuroses e transtornos mentais. A raiz do comportamento neurótico surge da perda da capacidade de saber identificar qual é nossa verdadeira necessidade e como supri-la. Para ter (um pouco de) sanidade, é preciso reaprender a ouvir e a confiar no que sentimentos, é preciso alinhar o que vemos e ouvimos com o que sentimos e o que isso demanda de nós, sem anestesias.

No fim da jornada nota-se que Lore encontra amor, mas não consegue amar; encontra segurança, mas não consegue se sentir segura; encontra alegria, mas não consegue alegrar-se. Porque ela não consegue identificar o que necessita, porque teve sentidos e sentimentos invalidados, porque, assim como muitos de nós, ela perdeu a capacidade de confiar no que sente.

*Em agradecimento a psicologa Yara Gualda Carneiro do Instituto de Gestalt de Curitiba, que me recomendou esse belíssimo filme e alguns pontos essa leitura.

Imagem de capa: Reprodução

O amor é tarja preta: cura mas vicia, salva mas tem a saudade como efeito colateral.

O amor é tarja preta: cura mas vicia, salva mas tem a saudade como efeito colateral.

Eu me lembro da gente viajando para a praia. Primeiro você e eu. Depois, você e eu e os nossos. Lembro do nosso jeito de fechar as malas imensas, eu aperto dos lados e você puxa o zíper, da nossa pressa em sair de casa cedo pensando escapar do trânsito, do cansaço bom de chegar ao nosso destino sob um sol generoso e descarregar o carro com pressa, afoitos pela vida.

Lembro da alegria das crianças na praia, do nosso cachorro olhando o mar assustado, respeitoso, encolhido ao nosso lado como quem sente segurança em nossa companhia e não quer incomodar os desconhecidos em volta.

Das nossas conversas de virar a noite eu também me lembro. Lembro do nosso silêncio bom, nossa cumplicidade, nossas conspirações contra os inimigos do mundo. Eu me lembro dos nossos sábados em casa e de nossas leituras de tarde inteira. Lembro das noites com os meninos no hospital, não mais que meia dúzia de vezes, Deus é bom! Tanto quanto era bom passar na farmácia na volta, cuidar deles em casa e assisti-los ficando bons de novo no dia seguinte. Felicidade mesmo é ver os filhos da gente esbanjando saúde. Eu me lembro.

De quando a gente se casou, eu me lembro bem. A festa, a igreja, o padre, a sensação de amor infinito por você, por nós, por tudo e por todos. Lembro de um desejo irracional e bonito de estar ali para sempre.

Não sei você, mas eu me lembro dos nossos feriados prolongados, do sujeito gordo que nos alugava um aparelho de karaokê e entregava em casa, como era mesmo o nome dele? Lembro do almoço no quintal, do churrasco, da cantoria. Do tempo passando rápido. E eu me lembro de no último instante do domingo à noite, um segundo antes de pegar no sono, sentir aqui dentro uma gratidão tão grande pela vida e um desejo bom de trabalhar com empenho a semana inteira. Fazer por merecer o feriado seguinte.

Eu me lembro de segurar a sua mão e descer ao seu lado até o inferno, de onde saímos juntos tantas vezes, chamuscados mas inteiros, íntegros, esforçados, prontos para outra.

É estranho, mas eu também me lembro dos sonhos que esquecemos num canto de sala, dos planos que deixamos lá atrás, de tudo o que sempre quisemos e nunca fizemos. Eu me lembro, eu me lembro de tudo.

Lembro como se fosse agora. Porque no fundo é tudo agora mesmo. O tempo é uma ilusão. Passado e futuro não passam de outros nomes para o presente insuspeitado e inevitável de sempre.

Então eu me lembro da gente neste instante mesmo. Você aí, no seu canto do mundo que eu não sei onde fica, e eu aqui, sonhando com você que ainda não veio. E que eu já nem sei se existe.

Imagem de capa: Andrey Yurlov/shutterstock

Quem sou? – Rubem Alves

Quem sou? – Rubem Alves

Sei que eu sou muitos. Quem me ensinou isso foi um Demônio velho, o mesmo que ensinou psicologia a Jesus. Quando Jesus lhe perguntou “Qual é o teu nome?”, ele respondeu, numa mistura de verdade e gozação: “Meu nome é Legião porque somos.” Coisa maluca: o “eu”, singular na gramática, é plural na psicologia.

Eu sou muitos. Tem-se a impressão de que se trata da mesma pessoa porque o corpo é o mesmo. De fato o corpo é o mesmo. Mas os “eus” que moram nele são muitos.

Sabemos que são muitos por causa da música que cada um toca. A letra não importa. Pode até ser que a letra seja a mesma. O que faz a diferença é a música. Cada “eu” toca uma música diferente: oboé, violino, tímpano, prato, trombone. Juntos poderiam forma uma orquestra. Não formam. Cada “eu” toca o que lhe dá na telha. Como no filme Ensaio de Orquestra. Esqueci-me do nome do diretor: terá sido Fellini? Merece ser visto.

Por vezes os “eus”se odeiam. Muitos suicídios poderiam ser explicados como assassinatos: um “eu” não gosta da música do outro e o mata. Foi o caso de um meu primo. Quando tínhamos sete anos de idade e brincávamos de soldadinhos de chumbo, ele já estava fazendo um dicionário comparativo de quatro línguas: português, inglês, francês e alemão. Quando tirava 98 na prova ele batia com a mão na testa e dizia, arrasado: “Fracassei”. O “eu” que batia na testa era o “eu” que não suportava não ser perfeito. O “eu” que levava o tapa na testa era o eu que não havia conseguido tirar 100 na prova. Um dia o primeiro “eu” se cansou de dar tapas na testa do segundo “eu”. Adotou uma medida definitiva. Obrigou-o a lançar-se pela janela do 17° andar.

O português correto diz: “Eu sou”. Sujeito singular; verbo no singular. Mas quem aprendeu com Sócrates, quem se conhece a si mesmo, sabe que a alma não coincide com a gramática. A alma diz: “Eu somos”. E diz bem. Pergunto-me: “Qual dos muitos ‘eus’ eu sou?”

Albert Camus declara, no seu livro O homem em revolta, que o homem é o único ser que se recusa a ser o que ele é. Essa afirmação encontra uma ilustração perfeita num incidente banal, descrito por Barthes no seu livro A câmara clara.

A partir do momento em que me sinto olhado pela objetiva da câmara fotográfica, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseando-me antecipadamente em imagem.

Olho para a foto. Sofro. O fotógrafo me pegou distraído. Não saí bem. Não me reconheço naquela imagem. Sou muito mais bonito. Sofro mais ainda quando os amigos confirmam: “Como você saiu bem!” O que eles disseram é que sou daquele jeito mesmo. Não posso reclamar do fotógrafo. Reclamo do meu próprio corpo. Recuso-me a ser daquele jeito. É preciso ficar atento. Que não me fotografem desprevenido. Se me perceber sendo fotografado, farei pose. A pose é o sutil movimento que faço com o corpo no intuito de fazê-lo coincidir com a escorregadia imagem que amo e que me escapa. A imagem que amo está fora do corpo. Recuso-me a ser a minha imagem desprevenida. É preciso o movimento da pose para coincidir com ela. Quero ser uma imagem bela.

O mito de Narciso conta a verdade sobre os homens. Narciso aceitou morrer para não se separar da bela imagem sua. Aquele que, como Narciso, vive a coincidência da imagem real com a imagem amada não precisa fazer pose. Está pronto para morrer. A morte eternaliza a imagem.

Dizem os religiosos que a existência humana se justifica moralmente. Deus deseja que sejamos bons. Discordo. A existência humana se justifica esteticamente. Somos destinados à beleza. Deus, Criador, buscou em primeiro lugar a beleza. O Paraíso é a consumação da beleza. Deus olhava para o jardim e se alegrava: era belo! No Paraíso não havia ética ou moral. Só havia estética. Os santos que a Igreja canonizou por causa da sua bondade eram movidos pelo desejo de que, por sua bondade, Deus os achasse belos. A beleza gera a bondade. Quando nos sentimos feios somos possuídos pela inveja e por desejos de vingança. Invejosos e vingadores são pessoas que sofrem por se sentirem feias.

Beleza não é coisa física. Não pode ser fotografada. É  a música que sai do corpo. Nisso somos iguais aos poemas. Um poema, segundo Fernando Pessoa, são palavras por cujos interstícios se ouve uma melodia tão bela que faz chorar. A beleza do poema não se encontra naquilo que ele é mas, precisamente, naquilo que ele não é: o não-dito onde a música nasce.

De todos os “eus”, qual deles eu sou? Eu sou o rosto belo. É esse que eu amo – precisamente o que escorrega e tento capturá-lo na pose! Porque esse é o “eu” que eu amo, esse é o “eu” que o meu amor elege como meu verdadeiro “eu”. Os outros “eus” são intrusos, demônios que me habitam e que também dizem “eu” E ainda há quem duvide da existência dos demônios! Como duvidar? Se eles moram em mim, se apossam do meu corpo e me fazem feio – mau! Se, nos momentos em que se apossam do meu rosto, eu visse minha imagem refletida num espelho, talvez morresse de horror ou quebrasse o espelho.

Bom seria que eu não mais me lembrasse desse outro que sou e do seu rosto deformado. Mas a memória não deixa. Ela coloca diante de mim o outro rosto que não quero ser. Como na novela O retrato de Dorian Gray. Ao fazer isso a memória destrói a magia da “pose”: ela não permite que eu me engane. Alberto Caeiro sabia da crueldade da memória: quando me lembro de como uma coisa foi, meus olhos não conseguem vê-la como ela é, agora:

A recordação é uma traição à Natureza.
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.

A cada dia somos novos. Mas a memória do que fui ontem estraga a novidade do ser. Ah! Que bom seria se fôssemos como os pássaros:

Antes do voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve.
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

Pelo rasto se reconhece o animal. A memória é o rasto que deixamos no chão.

Brigas de casais são exercícios de memória. Dizem que estão brigando por isso ou por aquilo. Mentira. Brigam sempre pelos rastos. Invocam os rastos, aquilo que fui ontem para destruir o belo rosto que amo. Não adianta que hoje eu seja uma ave. “Você me diz que é uma ave? Mas esses rastos me dizem que ontem você foi um macaco… Sua pose não me engana…”

Perdoar é esquecer. Deus é esquecimento. Quando ele perdoa os rastos desaparecem. Perdoar é apagar da memória o rasto/rosto deformado de ontem.

Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

“Te conheço…” – diz um para o outro. “Minha memória diz quem tu és. Te conheço – nunca te verei pela primeira vez. Teu rosto, eu o conheço como a soma dos teus rastos…” Aqui termina uma estória de amor porque o amor só sobrevive onde há o perdão do esquecimento.

Somos Narciso. Estamos à procura de olhos nos quais nossa imagem bela apareça refletida. Queremos ser belos. Se formos belos, seremos bons.

Livro: Concerto para corpo e alma
Autor: Rubem Alves
Ano: 1998
Editora: Papirus
Crônica encontrada em : Flavio Hastenreiter  
Imagem de capa: Reprodução

Quando alguém lhe trata mal, lembre-se de que há algo de errado com ele e não com você

Quando alguém lhe trata mal, lembre-se de que há algo de errado com ele e não com você

Temos uma tendência a evitar que as pessoas não gostem de nós, muitas vezes nos chateando quando achamos que alguém está magoado por nossa causa. Por essa razão, costumamos encontrar em nós algum erro que tenha levado o outro a nos tratar mal ou com indiferença. E assim nos esquecemos de que existem pessoas que não precisam de um motivo para ser agressivas, pois o mau humor já se tornou parte integrante de sua pessoa.

Logicamente, não acertaremos o tempo todo em relação aos relacionamentos que tivermos, seja em casa, no trabalho, seja na rua. Poderemos dizer algo que magoe o outro, mesmo que não queiramos. Poderemos ser alvo da antipatia alheia, simplesmente sendo quem somos. Poderemos, nós mesmos, um dia falar atravessado com quem não merece. Algumas pessoas não gostarão de nós, ainda que não lhes tenhamos feito nada demais e o mesmo acontecerá conosco: não gostaremos de todos.

Existem pessoas que não saberão usar outra forma de comportamento que não seja de um jeito ríspido, deseducado, inconveniente. Se prestarmos atenção, certos indivíduos serão grosseiros com qualquer um com quem falarem, pois é assim que, muito provavelmente, foram criados, ou seja, cresceram tendo, como espelhos, pessoas grossas, rudes, vivenciando a deseducação como algo normal. Não poderiam agir de outra forma, visto que não a conheceram.

Mesmo assim, deveremos prestar atenção à forma como vimos tratando as pessoas, porque, algumas vezes, a forma como o outro nos trata é reflexo direto do que estamos lhe oferecendo. Os dias andam por demais estressantes e, não raro, a gente pode descontar nossos problemas em quem não tem nada a ver com eles. Daí a importância de não perdermos de vista a nossa própria vida, nossas ações e o que estamos oferecendo ao mundo, pois ele retorna sempre na mesma medida.

Portanto, caso estejamos seguros quanto à forma como estamos nos comportando junto às pessoas com quem convivemos, seguiremos tranquilos, entendendo que a grosseria que nos são dirigidas não são nossas de fato. Quando somos verdadeiros e agimos de acordo com o nosso melhor, não nos ofendemos com as farpas vindas de fora, pois, aqui dentro, estaremos sempre de bem com a vida e com o mundo.

Imagem de capa:  HBRH/shutterstock

Quem se preocupa demais consigo mesmo não terá tempo para mais ninguém

Quem se preocupa demais consigo mesmo não terá tempo para mais ninguém

“A morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E, por isso, não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. (John Donne)

Sim, é muito importante que cuidemos de nós mesmos, de nossa saúde, agindo em favor de nosso bem estar quando a vida assim o pedir. No entanto, ninguém consegue ser feliz e completo somente pensando em si mesmo e em mais ninguém. Vivemos em sociedade, ou seja, deixar de enxergar o próximo acaba nos tornando incapazes de perceber a extensão de nossos atos.

Ninguém é uma ilha isolada, já dizia J. Donne, estamos todos interligados, de uma ou de outra forma, o que nos torna responsáveis pelo que acontece em nossas vidas e nas vidas que caminham conosco. Quem somente age visando aos próprios propósitos, sem refletir sobre as consequências de seus atos na vida dos outros, muito provavelmente acaba machucando pessoas pelo caminho. Se a única preocupação é a própria vida, as demais em nada importarão.

Mensagens visualizadas e não respondidas, recados não lidos, emails acumulados na caixa de entrada, aniversários esquecidos, palavras não ditas, afetos não correspondidos, tampouco demonstrados. O esquecimento e consequente ignorância do outro aos poucos acaba nos afastando de muito daquilo que deveria sempre ser mantido pertinho, porque então tudo se distancia da gente, tanto o que é ruim, quanto o que era essencial.

Pessoas narcisistas não param para pensar no outro, nem refletem sobre o mal que possam estar causando, caso seus desejos estejam sendo atendidos. Precisam, a todo custo, alcançar os seus objetivos, além de perderem tempo excessivo cuidando de si mesmas, da própria aparência, das próprias roupas, do próprio cabelo, das próprias dores. Gente assim não terá um segundo sequer, em sua agenda, para se voltar além do próprio umbigo.

Sabe-se que quem não se ama não será capaz de amar a ninguém mais, porém, quem somente enxerga a si mesmo pela frente, da mesma forma será incapaz de amar com verdade. Isso porque amor requer pousar os olhos nos terrenos alheios, com entrega. Amar também requer renúncias, concessões, coisas que alguém centrado no próprio ego jamais será capaz de fazer. E todos merecemos um amor de verdade: você também.

Imagem de capa: Lia Koltyrina/shutterstock

Em vez de esperar que lhe tragam flores, regue seu próprio jardim

Em vez de esperar que lhe tragam flores, regue seu próprio jardim

Nada como a maturidade para trazer entendimentos que nos aliviam muito daquilo que nos deixava apreensivos tempos atrás. Se passássemos pela juventude com as experiências que acumulamos lá na frente, seríamos poupados de muitos sofrimentos inúteis, como aquele que nos afligia quando não éramos correspondidos como queríamos.

Um dos maiores equívocos de nossas vidas vem a ser justamente o de esperar que os outros ajam como nós, ou que eles nos completarão naquilo que nos falta. Parece que passamos muito tempo dependendo dos outros, esperando dos outros, vivendo para os outros, enquanto deixamos a nós mesmos em segundo ou terceiro planos. E, quando nos damos conta, percebemos como tínhamos sido ingênuos, perdendo tempo atrás do que poderíamos encontrar bem dentro de cada um de nós.

É assim com o amor, é assim com amizade, é assim com tudo na vida: caso fiquemos esperando encontrar lá fora de nós algo que nos falta, iremos sempre caminhar com um vazio nos acompanhando. Precisamos nos bastar e nos sentirmos completos e inteiros antes de adentrarmos qualquer tipo de relacionamento, porque ninguém possui o que, na verdade, temos de construir em nossa própria vida. Atraímos o que somos e temos, ou seja, enquanto estivermos incompletos, o que nos chegar também estará aos pedaços.

Embora se fale tanto em amor próprio nestes últimos tempos, ainda é difícil nos sentirmos bons e suficientes o bastante, ainda mais com tantas imagens de corpos perfeitos e de sorrisos brancos na mídia em geral. Além disso, a felicidade infelizmente se atrela ao tanto que se consome e ao tanto de carimbos no passaporte, às aparências, interferindo em nossa capacidade de ser feliz com o que temos, com o que somos. Afinal, impossível corresponder às figuras esquálidas, ricas e felizes a que assistimos na televisão.

Na verdade, embora os acontecimentos e as pessoas à nossa volta possam interferir no curso de nossa jornada, teremos que manter felicidade e contentamento dentro de cada um de nós, com otimismo, esperança, fé e positividade, pois é assim que ficaremos mais fortes para encarar o mundo lá fora. É assim que não deixaremos qualquer porcaria entrar em nossas vidas. Regando nossos próprios jardins, estaremos mais protegidos contra as ervas daninhas que tentarem nos empurrar goela abaixo, porque, então, não precisaremos de esmolas, nem de migalhas alheias.

Imagem de capa: Evgeny Bakharev/shutterstock

Pare de carregar culpas que não são suas

Pare de carregar culpas que não são suas

Vamos admitir logo de cara: assumir os próprios erros é um ato de coragem, mas carregar culpas que não são suas, um ato de desequilíbrio.

Por mais bem intencionado que alguém seja, algumas relações não foram feitas para durar. Elas passam por nossas vidas apenas para nos ensinar que alguns sentimentos não valem a pena. Trata-se, nesses casos, da oferta do conhecimento empírico, de um jeito nada convencional.

Assumir falhas, terminar relacionamentos e colocar um ponto final em situações abusivas deveriam ser encaradas como naturais. O que não significa ser algo fácil de ser realizado, já que a prática, nem sempre, está associada ao discurso.

Somos orgulhosos por natureza e medrosos por opção. Por medo da solidão, frequentemente causamos danos à própria alma e perdemos a noção dos próprios limites, do respeito mútuo e do amor recíproco. Achamos melhor carregar fardos de culpas desnecessárias do que encaramos um fim de relacionamento. O problema é quem com isso, nos distanciamos da própria personalidade e comprometemos a própria felicidade.

Encare a verdade: há situações que não há culpados e a solução de todos os problemas não está em suas mãos. Então, apenas relaxe e deixe as coisas acontecerem. O fato do relacionamento não ter dado certo, do seu melhor amigo se afastar ou de você ter sido traído, não deveria te abalar. As atitudes revelam o comportamento de quem as cometem e não de quem as sofre.

Não será pela sua aparência, nem por algo que você disse que fará alguém te trair ou se afastar de você. As pessoas agem conforme o próprio interesse e algumas coisas não acontecem porque, simplesmente, não eram para ser.

Para sermos, verdadeiramente, felizes precisamos encarar os erros como aprendizagens e não como uma condenação de infelicidade eterna. Viver a traição, o término ou a decepção como experiências é ter a oportunidade ser feliz sem traumas. É ter autonomia para decidir o que queremos, e o que não, para a própria vida. É entender que bagagem pesada a gente leva na viagem, não na vida.

Por hoje, apenas relaxe. Peso não é interessante nem no corpo, imagine na alma.

Imagem de capa: oneinchpunch/shutterstock

A estranha atração de algumas mulheres por homens que estão no fundo do poço.

A estranha  atração de algumas mulheres por homens que estão no fundo do poço.

Amiga, ouvi seu áudio sobre o seu novo namorado e preferi respondê-lo aqui, olhando em seus olhos. Amiga, perdoe-me se minhas palavras vão fazer o seu entusiasmo despencar, mas acredito que amigos de verdade nos dizem o que sentem, ainda que isso possa gerar em nós algum desconforto.

Amiga, o que acontece contigo? Desde as primeiras paqueras, nos tempos de colégio, vejo tudo se repetindo em sua vida. Você sempre teve uma espécie de ímã para homens que estão, de alguma forma, no fundo do poço. Eu me lembro de todos eles. Um chegou em sua vida todo endividado, apesar de ter um excelente cargo público. E você o acolheu com toda a sua generosidade. Foram muitos anos de namoro em que você deixou de viajar porque ele não tinha condições de ir contigo e você não tinha condições de bancar a viagem dele, embora tivesse vontade. Você bem que cogitava viajar com alguma amiga, mas ele fazia chantagem emocional e você cedia sempre. E lá se foram muitas férias em casa, anulando-se por conta dele.

Mas o pior de tudo, amiga, foi o desfecho daquela história. Você conseguiu ajudá-lo a se livrar das dívidas, inclusive fazendo empréstimos em seu nome e, adivinha? Ele se deu conta, ao quitar a última dívida, que você não era a mulher ideal para ele. Deu-lhe um pé na traseira e arrumou outra rapidinho. E você ficou assistindo, de camarote, as postagens sobre as viagens dele nas redes sociais com outra à tiracolo. Puxa vida, amiga, você nunca conseguiu fazer uma viagem com ele. Amiga, você ficou mergulhada numa depressão terrível, por um longo período. Lembro do quanto você sangrou emocionalmente, ficou só pele e osso. Mas como sempre foi guerreira, acabou se reerguendo.

Daí, veio aquele outro que chegou em sua vida todo despedaçado emocionalmente. Recém divorciado, endividado, depressivo e sem eira nem beira, o cara parecia uma espécie de morto-vivo. Mas, sabe-se lá porque cargas d’água, você entendeu que devia dar uma oportunidade ao coitadinho, afinal, segundo ele, toda aquela mazela em que ele estava mergulhado era por culpa da ex esposa, a quem ele chamava de bruxa. Você, muito comovida, otimista e generosa abriu as portas da sua casa, da sua vida e do seu coração para ele. Levou-o ao psiquiatra, psicoterapeutas, igrejas, centros espíritas e tudo o que estava ao seu alcance. Deu certo, o cara ficou bom das emoções, saiu daquele humor moribundo e endireitou a vida financeira, afinal, você arcava com tudo sozinha para que ele se organizasse. E, outra vez, o terrível desfecho: o cara veio com aquele papo de que não queria uma relação séria porque ficou muitos anos casado e te deu tchau. A consideração contigo foi tanta que ele teve a coragem de terminar a relação pelo whattsapp. Ele foi embora, mas não te deixou sozinha, como companhias ficaram a depressão e as dívidas. Ah, já ia me esquecendo, ele não queria uma relação séria contigo, mas com outra, sim. Está num amor roxo nas redes sociais.

E, agora, você me aparece com essa história de namorado novo? Mulher, você ainda nem se recuperou do baque do último tombo e já tá querendo outra sarna para se coçar? E o histórico desse rapaz é praticamente a cópia do anterior. Acorda, amiga, pare de se mutilar emocionalmente. Por que você não dá um tempo para você mesma? Você precisa se encontrar. Você precisa buscar a raiz desse interesse por homens que não tem nada a te oferecer e, para piorar, te deixam cada vez mais fragmentada. Por onde anda a sua autoestima, se é que ela existiu algum dia?

Que atração mórbida é essa por resgatar homens que estão no fundo do poço e que te viram as costas, tão logo conseguem andar com as próprias pernas? Tudo bem, eu sei que acontecem casos em que nos interessamos por alguém que, aparentemente, é sem futuro. Sei lá, acontece de surgir uma conexão tão forte ao ponto daquele que está bem optar por pagar o preço pelo “investimento”, e, pode, sim, ocorrerem finais felizes. As exceções existem, claro. Acontece que, contigo, isso virou uma regra. Você só se interessa por homens que já aparecem com uma faixa escrita com letras garrafais: “SOU UMA BARCA FURADA”!

Amiga, será que você não se sente merecedora de um homem que possa cuidar de você, ao invés de usá-la como muleta? Olha, vou te falar uma coisa: enquanto você não buscar entender o que existe por trás desse seu comportamento e encarar de frente, você vai continuar andando em círculos. Eles, os homens problemáticos, chegarão e sairão da sua vida como passageiros numa estação de metrô. Eu nunca te vi com um homem equilibrado, que te tratasse bem e que te valorizasse. Só te vejo aos trancos e barrancos, chorosa, ressentida e machucada. Amiga, faça algo enquanto é tempo. Pare de tampar o sol com a peneira. Pare de agir como “recicladora” de homens problemáticos. Você não é um banco, tampouco uma clínica psiquiátrica. Você é uma mulher incrível, cheia de amor para dar e que, óbvio, merece ser amada de volta.

Pronto, já disse o que pensava. Deixo bem claro aqui, amiga, que se quiser ir em busca de ajuda, estou aqui.

Imagem de capa: Dmytro Zinkevych/shutterstock

Devemos aprender a apreciar as pequenas coisas, os pequenos gestos…

Devemos aprender a apreciar as pequenas coisas, os pequenos gestos…

A maioria das pessoas de hoje vive na correria do dia a dia. Muitas precisam ocupar o seu tempo com os muitos afazeres que as levam ao martírio devido ao sistema. E vivem num estilo de vida pautado naquilo que a sociedade consumista, da qual fazemos parte, passa a exigir. Sim, esse sistema nos prepara para que tenhamos um padrão de vida, baseado naquilo que alimenta o nosso ego, não como gostaríamos de viver, mas aquilo que as pessoas querem que aceitemos. A simplicidade da vida é que nos leva a verdadeira felicidade.

Quando vivemos com plenitude, e as pequenas coisas são valorizadas em nossas vidas, elas se tornam tão grandes, que não caberiam no universo dos materialistas, que não veem gestos tão grandes a partir de coisas simples, tampouco veem o quão importante é, viver algo que para muitos não existe valor financeiro, mas que pode preencher uma vida fútil e vazia a ponto de mudar um ambiente. Gostaria de citar, para ilustração, um trecho de uma canção antiga, mas que expressa uma verdade incrustada nos corações de muitos, um desejo simples, modesto, mas com gosto de felicidade. Sim… As coisas simples da vida, nos fazem mais felizes, porque quanto mais simples for o modo como vivemos, teremos mais tempo livre para nos divertirmos e menos coisas com as quais teremos que nos preocuparmos. Eu sempre ouvi uma canção antiga que reflete essa realidade.

“Eu queria ter na vida
Simplesmente
Um lugar de mato verde
Pra plantar e pra colher
Ter uma casinha branca
De varanda
Um quintal e uma janela
Para ver o sol nascer.” (Trecho da música: Casinha Branca – Peninha).

Devemos aprender a dar valor àquilo que é pequeno, mas que faz a diferença nas nossas vidas. Lugares simples, pessoas simples, gestos pequenos ou pequenas atitudes. Uma palavra direcionada com expressão da verdade, uma flor arrancada no momento do passeio (do muro por onde passava), um abraço sem preparação ou mesmo uma música com total desafinação. Aquilo que muitos desprezam, pode ter um valor incalculável, isso porque a felicidade está sempre nos pequenos detalhes e que muitas vezes passam despercebidos por serem julgados “insignificantes”. Por isso muitos a deixam ir embora.

Não podemos esperar as “megacoisas” como especiais. Muitas vezes, por exemplo, não importa o tamanho da casa. O amor não está na dimensão de um imóvel, mas nas pessoas que nele habitam. Um carro luxuoso pode conduzir pessoas aos lares e às reuniões, mas não pode levar o amor e o carinho dessas pessoas a lugar nenhum, muito menos aos corações das pessoas que as esperam. Uma roupa luxuosa pode cobrir até mesmo um corpo, mas a alma continuará sempre despida, se desprovida de um sentimento verdadeiro. E o que pode caber dentro de um simples abraço? Braços contendo “penduricalhos” podem até se alongar, mas não poderão mostrar valor, se não se abrirem para a solidariedade. E saibam que uma massagem num pé descalço é bem melhor que um lindo sapato apertado. Então não devemos economizar sorrisos, devemos suavizar nossas palavras, abraçar e afagar com carinho e trazer paz aos corações, e abrir os olhos para visualizar onde está o amor. Na simplicidade e na naturalidade daquilo que vemos, ouvimos e vivemos. Basta apenas querermos encontrar a felicidade, ela está nas coisas mais simples.

Imagem de capa: Alex Brylov/shutterstock

Dói-me a vida aos poucos- Fernando Pessoa

Dói-me a vida aos poucos- Fernando Pessoa

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.

No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora. Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do «Marinheiro» ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as cousas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena — cheia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.

Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar. Pode ser que se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no «Livro do Desassossego». Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.

Fernando Pessoa, in ‘Carta a Mário de Sá-Carneiro (1915) ‘
Fonte indicada: Cá entre nós
                                                                                        Imagem de capa: Reprodução

 

Nada é mais urgente que deixar o amor viver na gente.

Nada é mais urgente que deixar o amor viver na gente.

Sabe, eu ando sentindo amor de novo. É fogo. Mas eu dei de ter ternuras, frio na barriga, fazer planos, decorar letra de música, sonhar grandezas. Eu ando sentindo amor de novo!

Assim, sem mais, pulo da cama querendo construir uma casinha na árvore onde meu filho vai brincar com o irmão que eu hei de lhe dar no Natal. Tenho ímpetos de bater palmas de porta em porta, contar aos desconhecidos que o amor foi dar lá em casa. Comprar uma câmera, fotografar os besouros, caramujos, tatus-bola e joaninhas que derem as caras por aqui.

Ando sentindo amor de novo. E isso é tão bonito que eu nem acho que é comigo. Careço distribuí-lo por aí. Penso nas minhas avós avisando que tudo o que a gente ganha a gente tem de dividir.

Quero arrumar a casa, ajeitar a vida, construir uma biblioteca, batizar o filho de um amigo num domingo de manhã, ter planta na sala, comprar um abajur. Ajudar uma amiga que arrecada livros no fim do ano para as crianças de um orfanato. Eu quero, ah, eu quero tanto chorar de rir com meu irmão lembrando as trapalhadas do nosso pai. Quero, imagine você, ser amigo da Angela Rô-Rô que me lembra poderosa “que a vida é bela, só nos resta viver”.

Sou nada além de um pobre homem antigo que ainda chama calendário de “folhinha”, comercial de TV de “reclame”, guaraná de “refresco”, jaqueta de “abrigo”. Mas sinto aqui dentro um amor tão amigo, grandioso, maior que a minha árvore genealógica e seus avós imigrantes, trisavós vendedores de doces, tataravós escravos alforriados e suas florestas de histórias. É que eu ando sentindo amor de novo, sabe?

É amor que dá vontade de trabalhar mais, amor que vem vestindo esperança, que renova a fé na vida e nos faz seguir adiante até o lugar dentro da gente onde os nascem os sonhos, entre samambaias e espadas de São Jorge.

Assim, de novo, eu me sinto tão rapaz, tão capaz de tudo! Posso abrir a janela agora e gritar para as cigarras e os vizinhos: eu ando sentindo amor de novo!

E meu pequeno gesto será capaz de soprar um cisco de ternura no olho direito de um assassino que, com o dedo no gatilho, a arma apontada para a vítima, se pega a sentir vergonha daquilo que se tornou. Então desiste do crime, joga o revólver para longe e sai correndo se entregar à polícia, arrependido, disposto a pagar por todos os seus crimes.

Minha declaração de amor descarada há de fazer o policial despreparado que torce o braço da estudante, em um protesto contra o fechamento de uma escola, se dar conta do quanto está enganado e cair no choro de joelhos, pedindo desculpas à moça, a Deus e ao mundo.

Vai, sim. Sentir amor vai nos salvar de tanto ódio, tanta guerra, tanta dor. É urgente, minha gente. Nada é mais urgente que deixar o amor viver na gente. Imperioso sentir na carne esse amor que entra e se esparrama no caminho feito cachorro que retorna do passeio, bagunça quase tudo e desarruma o resto. O amor que é um incêndio se espalhando em mato seco quando a gente o assopra e alimenta.

Eu ando sentindo amor de novo. Amor que faz viver. Viver que é imprescindível, que é pra já e é pra sempre. É tempo. Chega de ódio, chega de dor. É tempo de deixar o amor viver na gente. Não repare o mau jeito, meu povo. É que eu ando sentindo amor de novo.

Imagem de capa: wavebreakmedia/shutterstock

7 verdadeiros presentes de Natal que os pais podem dar a seus filhos

7 verdadeiros presentes de Natal que os pais podem dar a seus filhos

A experiência de ter filhos talvez seja uma das mais ricas da humanidade. É através das crianças que perpetua-se o legado da humanidade tanto no sentido cultural como no que se refere a própria sobrevivência da espécie.

A sociedade consumista em que vivemos relaciona cada vez mais  o amor que os pais podem ter pelos seus filhos, aos bens materiais que eles proporcionam. Hoje as crianças tem interesse e seus “sonhos de consumo” estão muitas vezes relacionados a objetivos tecnológicos e que são REALMENTE caros.

Entretanto, a real felicidade de uma criança passa a anos luz dessas compras e, no final das contas, o que realmente importa para elas é ter a presença de quem elas amam: uma presença de qualidade.

Abaixo alguns exemplos de VERDADEIROS PRESENTES DE NATAL que os pais podem dar aos filhos:

1. Tempo.

Um estudo publicado em childwelfare.gov descobriu que “Desde o nascimento, as crianças que têm um pai envolvido com suas vidas, são mais propensas a ser emocionalmente seguras, ser confiantes para explorar os arredores, e, à medida que crescem, têm conexões sociais melhores com seus colegas. Essas crianças também são menos propensas a ter problemas em casa, na escola ou na vizinhança.” Ter os pais envolvido é um melhor indicador social de sucesso futuro do que ter dinheiro ou status social. Isso diz o suficiente. (fonte)

2. Rotina.

Uma rotina estruturada, onde seja acompanhada uma seqüência organizada de atividades, em que se separa um tempo pré-determinado é de extrema importância na vida de uma criança, pois é através dela que se cria vínculos afetivos, garante saúde e educa para a vida. Muitos relacionam rotina com mesmice, falta de opção e pasmaceira, mas no dia-a-dia com crianças, o papo é outro. É necessária, concordam vários especialistas. “É importante para o desenvolvimento emocional da criança, ela se organiza internamente”, explica a psicóloga Maria Cristina Gomes. “Sem rotina, os filhos podem se transformar numa grande encrenca”, diz o pediatra Glaucio de Abreu. “Ficam irritadiços, inconvenientes e chatos. Em geral, não dormem nem comem direito, o que pode levar a problemas e saúde, como desnutrição e obesidade”. Mais tarde, segundo o médico, essa criança não produzirá bem na escola, ou será um jovem com excesso de atividades, mais exposto ao estresse,porque não aprendeu a coordenar e administrar a vida, ou seja, toda criança adora manter uma rotina estruturada, pois representa segurança.

A rotina não deve ser vista como sendo rígida e estática. Ela deverá sim ter uma espinha dorsal, mas com mobilidade, quando necessário. (fonte)

3. Um animal de estimação

Animais de estimação podem ensinar responsabilidade e compaixão às crianças. Crianças que possuem animais são significativamente mais empáticas e pró-sociais.

Animais de estimação podem também proporcionar uma sensação de segurança e reduzir a ansiedade. Por estas razões, os animais são muitas vezes utilizados em terapias com crianças.

4. Um instrumento

Tocar um instrumento musical tem inúmeros benefícios para as crianças, que vão desde melhorar a memória e habilidades matemáticas até a criatividade, autoexpressão e alívio do estresse. Se o seu filho participar de uma banda ou orquestra isso pode melhorar suas habilidades sociais e ampliar seu grupo de amigos. Alguns músicos iniciantes até mesmo seguem carreiras musicais.

5. Memórias

Só tem memórias quem vive e compartilha momentos e, acredite em mim, essas memórias não estão relacionadas ao valor gasto na ocasião. Os momentos mais feliz lembrados por um adulto podem ser as lembranças da manhã em que o pai lhe servia o leite pela manhã, ou quando a mãe oferecia o colo após uma dificuldade.  Não se engane quanto a isso, examine suas próprias memórias e você saberá que, mesmo que um presente caro seja muito atraente, não é ele que fornecerá a verdadeira mensagem que você quer transmitir. Para uma criança, desde que esteja com os pais, dentro de 20 anos, estar em uma praça local, na casa dos avós ou em uma passeio de milhares de reais pela Disney não será tão diferente quanto pode parecer hoje.

6.Limites

Ah, como os pais sofrem para dar esse presente aos filhos (sofrem mais que os filhos). Lembrem-se que são os limites que ensinarão a seus filhos como viver, até que ponto ir para não colocar a vida em risco ou mesmo que, mesmo para o prazer, existe um ponto que deve ser respeitado antes que a pessoa se perca. Bons pais entendem que os limites serão os grandes alicerces que darão rumo na estruturação de uma personalidade saudável e em um adulto com capacidade de olhar a vida em perspectivas. Adultos maduros e que sabem ser mais tolerantes frente às adversidades da vida, certamente, aprenderam como lidar melhor com os limites.

7. Exemplos

Na função de pai ou de mãe, você sempre estará ensinando, embora não se dê conta. Ser honesto, paciente, tolerante, humilde, solidário, cuidadoso? Se você passar a sua vida olhando para além de seus próprios problemas, tenha certeza que seus filhos perceberão. Não tenha dúvidas, os filhos, na maioria das vezes, seguirão seu exemplo e esses exemplos serão o MAIOR e mais VALIOSO presente que qualquer pais ou mãe poderá dar para um filho.

E, é claro, se você puder gastar um pouco mais nesses contextos, é um mérito seu e isso dará mais conforto a todos. Só não inverta as prioridades!!!

Nota: ah, e nem preciso falar o motivo: Livros!

Imagem de capa: Pavel Ilyukhin/shutterstock

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