Essa moça é diferente

Essa moça é diferente

Ela pode até não parecer, mas é uma moça vulcânica no sentir. Equilibrada no falar. E um tanto quanto reservada no demonstrar. Sim, às vezes ela tem medo de deixar à mostra o que guarda lá dentro. Ela aprendeu a se conter como forma de não sofrer muito. Ela é profunda, mas é sensata.

Essa moça, às vezes, frequenta multidões, mas é em lugares pacatos que ela gosta mais de estar. Onde seus pensamentos podem ganhar voz, sem julgamentos e impedimentos. Ela não faz questão de que a aceitem. Mas não abre mão de que permitam ser ela mesma, sem máscaras. Afinal, é nisso que consiste a essência do ser. Pra ela, não há razão em estar aqui senão for pra ser quem realmente se é.

Ela, às vezes, me confunde pois possui traços de delicadeza com um quê de fortaleza. Dentro dela existem sonhos tão leves e simples, tão belos e raros que eu quase acredito que estou em um filme francês ao cruzar o meu caminho com o dela. Simultaneamente, ela é a intensidade de um filme de Almodóvar, ela é a presença de alguém que chega e se nota.

Poesias, músicas, livros e versos são apreciações que ela possui. Ouso dizer que Los Hermanos canta alguns dias da sua vida, mas é de Chico Buarque, (Ah, Chico!) que ela gosta mais.

E por falar em gostar, quando ela gosta, ela tem certezas, jamais dúvidas. No silêncio dos dias de solitude, ela aprendeu a se conhecer. Ela não ignora o que diz suavemente o coração. Embora seja fato que ela também tenha medos. Ainda assim, essa moça opta por escutar o que vem de dentro já que o quem vem de fora muitas vezes não vai de encontro à sua alma. E pelo que eu percebo é a sua autenticidade que vai levá-la além.

É no silêncio do quarto que ela encontra a si mesma. É na multidão que às vezes ela se sente só. É no mar ou na cachoeira que ela se diverte. É o barulho da chuva que mais a encanta. Há quem diga que ela é fechada, inacessível… Mas ela é apenas alguém que valoriza sua intimidade. É pra poucos e bons que ela se abre. É pra ainda mais poucos que ela se doa. Por fora ela é até comum, mas por dentro… Ah, por dentro ela é diferente!

Imagem de capa: Zolotarevs, Shutterstock

Já leu “Ética e pós-verdade”? Pois, deveria.

Já leu “Ética e pós-verdade”? Pois, deveria.

Um livro único. Essa seria a minha definição tamanha a grandiosidade da obra.

Muito se tem falado sobre “pós-verdade” e, após ter sido eleita a palavra do ano de 2016, pela Universidade de Oxford, a sua definição ganhou uma nova aparência: “descreve circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

O livro “Ética e pós-verdade” que reúne artigos de cinco dos pensadores mais respeitados do país: o psicanalista Christian Dunker, o crítico literário Julián Fuks, o escritor Cristovão Tezza e os filósofos Marcia Tiburi e Vladimir Safatle, é uma verdadeira obra de arte, já que leva o leitor a refletir sobre o poder de decisão e a influência que exerce na sociedade.

O livro foi organizado pelo jornalista Manuel da Costa Pinto, com o objetivo de propor análises sobre a pós-verdade no Brasil a partir de diferentes pontos de vista: psicanalítico, político, filosófico e literário. Porém, a obra consegue ir além disso e fazer com que o leitor repense sobre suas atitudes sociais.

Sem lirismo ou verdades encobertas, o tema “pós-verdade” é tratado de forma objetiva e certeira. Um exemplo disso é o ensaio que abre a obra. Em “ Subjetividade em tempos de pós-verdade “ de Christian Dunker há uma análise sobre o conceito do tema na sociedade. O autor, sabiamente, faz um breve histórico do conteúdo e apresenta sua argumentação baseada na psicanálise. Com ricas citações que vão dede Woody Allen até os personagens do filme Matrix.

Sobre o mesmo tema, mas com base no tema diálogo, Vladimir Safatle é mais ousado. O grande escritor, em “É racional parar de argumentar” aborda o tema diálogo e violência de forma contrária à convencional. “Pode parecer paradoxal afirmar que a organização dos conflitos a partir da expectativa de diálogo produza necessariamente niilismo e violência, afinal aprendemos que o diálogo é exatamente o inverso da violência, que ele é seu melhor antídoto. Mas talvez devamos assumir que há uma violência implícita no diálogo”.

Enfim, esses são apenas um dos motivos pelos quais você deveria ler a obra. Mas, claro, é apenas uma sugestão. Como afirma a filósofa Marcia Tiburi, “a verdade depende, de certa forma, de nosso gosto”.

Que amanhã eu seja uma pessoa melhor do que fui hoje

Que amanhã eu seja uma pessoa melhor do que fui hoje

Qual é o seu primeiro pensamento ao acordar? É um agradecimento ou uma queixa? Às vezes a gente não dorme tudo o que queria ter dormido; ou não descansou direito porque está muito calor; ou tinha pernilongo; ou percebe resolveu chover justo agora, bem na hora que a gente tem que levantar para ir cuidar da vida…

Eu costumo chamar isso de pensamentos bumerangue; eles estão tão acostumados a ser invocados que acabam voltando para a gente, mesmo sem terem sido chamados. Você joga para o universo, o universo te devolve… essa é uma lei tão, mas tão perfeita que chega a assustar. Pensa bem, se não é verdade…

Tome como exemplo aquele tipo de pessoa que critica tudo, que tem sempre um “até que estava bom, mas…”; ou; “quer apostar como o meu vai vir errado?”; ou ainda, – e talvez seja este o mais famoso – “eu sabia que não ia dar em nada…”.

Essa gente tem um imã para encrenca, para falta de sorte e para insucessos que é de dar medo. Se o peixe tiver uma única espinha, é no prato dessa pessoa que vai cair; se o hotel tiver um único ar condicionado enguiçado, é nesse quarto que ela vai se hospedar; a água aquecida acaba na vez dela; o garçom anota o pedido errado… é impressionante, mas é a mais pura verdade!

Evoque como um outro exemplo – pegando agora um atalho diferente -, aquela pessoa que se acha o ponto de referência em quase tudo na vida: ela é a melhor funcionária do setor (e porque não dizer de toda a empresa, não é mesmo?!); seus filhos são os mais espertos e engraçadinhos; o marido é um “eterno namorado”; a vida dela é tão, mas tão perfeita que ele deveria mesmo era morar em Narnia.

Pois bem… esse segundo tipo encardido é capaz de fantasiar uma felicidade plena e acreditar nela de verdade. E pode até ser que viva satisfeita com isso. Contudo, viver encenando um interminável conto de fadas tem seu preço, e ele não costuma ser muito camarada.

Em algum momento, os sapos, as bruxas, os ogros e fantasmas acabarão aparecendo para cobrar o seu papel na narrativa… afinal de contas, toda história bacana que se preze tem que ter, inclusive, uma boa dose de emoção, confere?

O caso é que em se tratando dessas idílicas pessoas perfeitas, o mal está sempre no outro. Se ela perdeu a compostura foi porque o fulaninho passou dos limites; se ela se atrasou no cumprimento de algum prazo, certamente foi por ser mal assessorada; se ela destrata os funcionários, é porque são completamente incompetentes. O problema está sempre fora delas, à parte de sua responsabilidade, fora do seu alcance. O problema são os outros.

O que esses seres tão especiais parecem não perceber, ou evitar, ou negar mesmo, é que toda a gente – por mais imperfeita que seja –, cada um de nós ganha uma nova ampulheta da vida, cada vez que abre os olhos de manhã. É bem ali, naquele momento de “restart” que a gente tem a chance de quebrar os ciclos viciosos, de jogar fora o dadinho viciado e de tomar nas mãos uma folha bem branquinha… uma folha onde a gente pode se arriscar a escrever uma nova história.

De mim, o que posso dizer, sem nenhum receio de ser julgada, é que neste dia de um janeiro qualquer – nesse finalzinho de tarde -, o balanço que é possível fazer resultará no seguinte saldo: hoje eu já senti inveja; comprei algo de que não precisava; comi uma porcaria que não devia ter comido; fiz de conta que não ouvi uma crítica velada para evitar uma briga inútil; demorei mais tempo do que o necessário no banho e julguei uma pessoa na rua, só porque ela era muito diferente de mim… e olhe que até dar meia-noite ainda temos cinco horas e vinte e um minutos!

De você, eu não sei… mas eu aprendi que a minha capacidade de repetir os mesmos erros ou de criar outros novinhos em folha, é infinita e constantemente renovada. E é por isso, e porque é tão mais fácil tropeçar do que seguir deslizando pela vida que, toda noite, antes de me diluir no esquecimento bendito dessa pequena morte que é o sono, eu murmuro, na esperança de que algum anjo me ouça: “Que amanhã eu seja uma pessoa melhor do que fui hoje!”.

Imagem de capa: Olga Osadchaya/shutterstock

Meias-verdades machucam por inteiro

Meias-verdades machucam por inteiro

Em um mundo onde apenas meias-verdades são ditas, jogar com a verdade é arriscado. Louco é aquele que se lança de alma e coração. Sem armaduras ou subterfúgios. Eu me lancei. Eu poderia dizer que agora estou triste e que perdi um pedaço de mim. Não estaria mentindo e essas lágrimas que agora correm em meu rosto em plena tarde de uma segunda-feira cinza não negariam. Mas o fato é que eu estou aliviada. A outra metade da verdade, aquela que você escondeu por mais de um ano, finalmente apareceu. E eu… Bom, a verdade é que eu quase desabei com sua justificativa tão pequena. Confesso. Mas então eu olhei pra mim mesma e me vi inteira, íntegra. Senti alívio. Como disse alguém antes, eu detestaria ser aquela que causou algum sofrimento a outrem. Prefiro ser a parte que corre o risco de ser ferida porque essa parte é sempre a mais viva. É sempre a mais livre. É sempre a mais admirável e altruísta.
Consciência… Era algo que você dizia tanto prezar e no final das contas, a sua estava longe de ser o que você dizia.

Eu, ao contrário, via tantos defeitos em mim mesma, me achava tão pouco, me sentia menor de alguma forma por não ser o modelo padrão de personalidade esperado por uma sociedade cada vez mais fria, líquida e equilibrada. Mas no fim das contas, eu é que fui autêntica do início ao fim. Sem dizer meias-verdades para me beneficiar de alguma forma.

Lembra quando através da carta da Leslie, em “A Ponte para o Sempre”, eu te disse que aprendi muito com você? Mas, no fim de tudo, o que você melhor me ensinou, de forma dura, foi a não ser como você. E devido a isso, te agradeço. Te agradeço até a noite virar dia, que se tornará noite novamente, e assim, sucessivamente até que esse mês deixará de ser esse mês. E um dia esse mundo deixará de ser esse mundo. Mas eu sei que as nossas consciências ainda existirão em algum lugar. E a minha se manterá livre. Certamente, em paz.

Lágrimas doem mas secam. Meias-verdades são um pouco mais amenas mas machucam por inteiro. Eu só queria que você soubesse que não sou apenas um corpo. Eu sou um coração que agora sangra, eu sou uma alma que agora está imersa em bruma. Eu só queria entender o porquê de não me ter dito o segundo motivo, a verdade inteira, antes… Eu só queria entender por que não ser franco quando já éramos íntimos. A carne não é nada, isso tudo um dia se esvai e foi por ela que você feriu minha alma e meu coração.

E ao mundo, se eu pudesse pedir alguma coisa, seria que eu não mais me esbarrasse em alguém como você. Porque agora eu estou descrente, mas antes… bom, antes eu achava o amor… mágico.

Imagem de capa: Africa Studio, Shutterstock

O que tenho de mais sagrado é a capacidade de me encantar.

O que tenho de mais sagrado é a capacidade de me encantar.

Eu registro aqui um dos meus maiores receios: tenho medo de que as circunstâncias e os tombos da vida me roubem a capacidade de me encantar. Eles ainda não conseguiram, a luta foi ferrenha, a famosa “briga de cachorro grande” contudo, sigo vitoriosa. Não posso afirmar que tal capacidade saiu intacta, óbvio que não. Houve uma parcela de comprometimento, porém, considerando a gravidade das pancadas que levei no embate, posso afirmar que os prejuízos foram mínimos.

Graças a Deus, ainda me encanto, e muito. Quando viajo de carro com o meu filho, sorrimos muito. Ele deve me achar muito boba, sei lá. Eu fico, o tempo todo, dizendo, em tom eufórico: “olha que lindo aquele ipê, Gabriel!”, mais adiante: “eita, filho, olha esse flamboyant, tem um vermelho alaranjado!” Daí a pouco: “Gabriel, olha que gracinha aquele cachorro!”. Numa dessas, ele falou me zoando: “nossa, mãe, qualquer mato é bonito para a senhora!”

Sabe, ainda vibro quando me deparo com um texto meu publicado. Nas primeiras vezes, já aconteceu de eu chorar de contentamento. Hoje em dia, estou mais acostumada, mas não fico indiferente, não consigo ficar. Eu gosto de conferir o texto e sentir a sensibilidade e a sintonia de quem escolheu a imagem que ilustra o que escrevi. E o mais especial, namoro o meu nome escrito abaixo do título. Viajo no tempo, vou lá para os meus tempos de menina, quando eu morava no sítio e tudo o que eu tinha de material literário era a cartilha Caminho Suave, da Branca Alves de Lima.

Lembro-me que eu namorava a capa daquela cartilha, olhava o nome da autora e dava vida a ele. Eu imaginava como seria a dona daquele nome. Eu inventei um rosto, uma voz, uma personalidade, as roupas, enfim. E pensava: “nossa, que mulher importante, ela tem o nome na capa de um livro!” Ah, um dia desses, fiz uma busca no google e encontrei fotos daquela autora. É bem diferente do que imaginava quando criança. Senti emoção e gratidão, pena que ela faleceu.

Então, a cada vez que vejo o meu nome como autora de alguma obra, eu digo à menina que fui um dia: “isso é pra você, parabéns por não ter desistido, eu te amo!” É meu momento de redenção. É o meu resgate. Sou eu presenteando a minha criança interior que, de tão pobre e sem incentivo, tinha vergonha de sonhar. Então, nesses momentos de extremo contentamento que a escrita me proporciona, a mulher adulta e a menina que fui se misturam, se abraçam e se emocionam. Festejamos, juntas, o nosso sagrado, pois uma compreende a alegria da outra. Somos inseparáveis, nos amamos, e precisamos muito uma da outra.

Tenho pavor da ideia de fazer tudo de forma automática. Tenho receio de não gargalhar mais. Me apavora a ideia de achar tudo normal. Eu sou movida a emoção. Amo quando me pego sentindo encanto com o trivial. É que acontece de meu filho dizer “mãe” e eu achar lindo, diferente, como se fosse a primeira vez. É como se eu tivesse ouvindo além da audição fisiológica. Ouço com a alma. Então, me dou conta de que eu tenho um filho, meu descendente, minha herança. Então digo a ele: Gabriel, eu acho lindo você me chamando de “mãe”. Ele diz sorrindo: “mãe, a senhora é esquisita demais, eu sempre te chamei assim, ué!” No fundo, ele tá acostumado com a mãe que tem (risos).

A nossa capacidade de sentir encanto é o que salva a gente. Precisamos de endorfina, precisamos desse olhar lúdico. Do contrário, a vida vira um saco. Por isso, defendo com unhas e dentes o meu direito de ser boba, de me arrepiar ouvindo uma música, de chorar olhando uma fotografia e de dançar sozinha no meu quarto ao som da música que marcou minha adolescência. Eu sou feliz assim.

Imagem de capa: HiddenCatch/shutterstock

Minimalismo: o que me fez querer transformar a minha vida

Minimalismo: o que me fez querer transformar a minha vida

Tudo que é excesso nos desgasta

O minimalismo é um estilo de vida que vem ganhando notoriedade no mundo ao nos fazer repensar o nosso modo de viver. O objetivo é viver menos para coisas e mais para experiências. Não é sobre deixar de consumir, é passar a ter um consumo consciente. Não é sobre deixar de se conectar ou se relacionar com as pessoas, é sobre escolher melhor os nossos relacionamentos, sobre só se conectar ao mundo digital o suficiente, sobre assumir apenas compromissos que nos façam bem e nos levem à evolução. Agora que todo o deslumbre das redes sociais e do consumismo começam a nos trazer desgaste e infelicidade em determinados momentos, somos levados a nos questionar: “Precisamos mesmo de tantos amigos, de tantas roupas e sapatos, de tantos compromissos, de tantos likes e visualizações? O nosso tempo é o nosso bem mais precioso, para onde ele está indo? Investimos a maior parte dele para ganhar dinheiro e comprar coisas que nos fazem ou não nos fazem feliz?”. São esses questionamentos que começaram a me alfinetar. Eu não descobri o minimalismo por acaso, descobri por necessidade. No início do ano comecei a apresentar algumas insatisfações com a minha vida, são elas:

1.O alto número de demandas nas redes sociais. Muitas pessoas me chamando para conversar ou pedir conselhos. Tudo bem você conversar duas ou três pessoas por dia através das redes. Mas quando vinte, trinta pessoas te chamam ou mandam vídeos, áudios e textos, isso se torna bem complicado. Um dia eu parei para contar e se eu fosse responder todas as mensagens, ouvir todos os áudios, ler tudo que me chegava e ver todos os vídeos que me enviavam, eu teria que pedir contas do meu emprego pra poder atender a tudo isso.

2. O alto número de roupas e objetos que eu possuía. Essas coisas sempre ocuparam muito espaço no meu guarda-roupa. Esporadicamente eu doava quantidades enormes de coisas, até mesmos roupas que eu nunca cheguei a usar. Mas eu escoava isso, porque logo em seguida em comprava mais coisas. Isso tudo se tornou uma preocupação pra mim. “E se roubarem as minhas coisas?”, “E se um dia eu for embora da cidade? Não vai ter como eu levar tudo! Acho melhor eu nem ir porque não quero perder minhas preciosas coisas…”.

Foi bem nessa época que eu li o livro “Clube da Luta”. O livro faz um questionamento bem interessante sobre o consumismo, que pode ser sintetizado em uma frase gloriosa: “As coisas que você possui acabam possuindo você”. Eu super concordei com a frase, mas só isso. Porque eu não estava nem um pouco aberta a adotar a filosofia de vida relatada no livro. Abrir mão do conforto e da segurança definitivamente não eram opção pra mim.

O Começo da mudança

Mas, diante essas insatisfações, eu fui fazendo algumas mudanças. Parei de estar tão disponível nas redes sociais. No meu Facebook pessoal até pedi que as pessoas evitassem me chamar no Messenger e Whatsapp. Também fiz uma limpa em meu guarda-roupa. Me desfiz mesmo daquelas roupas que eu nunca tinha usado e achava que ainda usaria um dia. Fiz um brechó para as amigas e consegui cerca de 500 reais com roupas que estavam paradas no meu guarda-roupa. Só que parte desse dinheiro eu acabei usando pra comprar mais roupas, ou seja, eu escoei meu estoque (o que não foi nada minimalista). O lado bom foi que eu acabei comprando somente roupas que tinham muito a ver com meu estilo, que é mais sóbrio (metade das novas roupas eram cinza, a outra metade se dividiam entre preto e branco). E como eu estava praticamente renovando o meu guarda-roupa, eu decidi que compraria um maior, para poder caber as coisas de modo mais organizado e espaçado.

O desgaste com as redes sociais e a experiência da morte

Foi nessa época da minha vida também que a minha mãe teve uma piora em seu estado de saúde. Foram três meses vivendo em um hospital. Minha vida se resumia a: casa, trabalho, hospital. Não foi fácil. Eu tive que dar uma pausa nos meus textos. E expliquei o motivo à quem me lia através das redes sociais. Foi bem bacana porque muitas pessoas me mandavam diariamente mensagens de carinho, desejando força. E eu sempre tive o cuidado e a consideração de responder. Mas hoje vejo que me preocupar em sempre responder às mensagens não foi bom pra mim naquele momento. Porque as quase duas horas diárias que eu gastava respondendo às mensagens, poderiam ser dedicadas à minha mãe. Infelizmente ela faleceu no fim de julho e é algo que hoje não posso mudar. O que me conforta é que ela confidenciou antes da sua morte à três ou quatro amigas que estava muito feliz comigo, pois eu estava cuidando muito bem dela. Mas isso não me tira a certeza de que eu poderia ter vivido mais aquele momento. Eu poderia ter feito ainda melhor.

Vou comprar um carro! Mas pra quê mesmo?

Após a morte da minha mãe, eu comecei a me questionar: quero continuar vivendo na cidade? Sei que outros lugares poderiam me proporcionar mais oportunidades. Mas tudo ficava no imaginário. Eu não tinha nenhum plano real. Foi nessa época também que eu passei a ter possibilidades concretas de comprar um carro e esse foi se tornando meu plano principal. Voltei para a auto escola e coloquei metas de economia na minha vida, o que foi bem bacana. Sim, ter um carro era o meu objetivo agora. Isso é interessante porque lá em casa praticamente não tivemos carro. Isso me deixava muito frustrada. Eu via meus colegas com pais que tinham carro, meus tios, conhecidos, todo mundo! E não eram raras as vezes em que nós, lá em casa, deixávamos de ir a algum lugar ou evento pela falta de um carro. Mais tarde, vinham as cobranças dos amigos e colegas: “Você tem que juntar dinheiro pra comprar um carro logo”. Sim, eu tinha que juntar dinheiro pra comprar um carro logo. Nisso, foram mais de 25 anos sem carro. Frustante, não é? Mas agora finalmente eu teria condições de comprar um! E foi justamente quando essa possibilidade veio, que eu me perguntei: “Pra quê mesmo eu quero um carro? Porque eu vivi a vida inteira sem um e sei viver muito bem sem. Não sinto falta do que praticamente nunca tive. Além de não ter falta, não sinto necessidade pois moro pertinho do trabalho e dos lugares dos quais mais gosto de ir, sem citar que hoje temos o bom e acessível Uber. Minha casa não tem garagem e eu teria que me mudar de um lugar que é meu, em uma excelente localização, pra ir morar de aluguel só pra poder ter um carro do qual não tenho necessidade. Carro precisa de manutenção, requer grana, necessita lugar para estacionar, traz preocupação e como pontuou um amigo: “Poderia despertar ainda mais a minha ansiedade”. Comprar um carro também não seria a melhor escolha se eu penso em mudar de país no ano que vem, por exemplo. Isso somente travaria meus planos.

O que a sociedade quer X O que eu quero

Eu caminhei a vida toda para chegar ao momento em que a sociedade dita como indicador de sucesso para finalmente descobrir que esse lugar não atende às minhas expectativas e nem melhora a minha qualidade de vida. Talvez um carro melhore muito a qualidade de vida de quem dependa de transporte público, dependa de terceiros ou atravesse longas distâncias, mas esse não é o meu caso. Definitivamente não! Inclusive há estudos que mostram que determinadas gerações não se interessam tanto em comprar casa ou automóveis, preferem adquirir experiências. Essa diferença de interesse também é muito comum entre culturas e países diferentes. Eu não estou falando que comprar carro é besteira. Mas eu parei de ouvir a sociedade para me entender melhor e vi que os meus anseios diferem um pouco do padrão.

Enfim, o Minimalismo!

E foi neste justo e iluminado momento que eu descobri o “Minimalismo”, que é o estilo de vida onde o “Menos” é considerado “Mais”. Aqui não se fala de não consumir, mas fala do consumo consciente: Eu vou comprar só coisas que eu gostarei muito de usar. Eu vou manter na minha casa e na minha vida somente o que é essencial. Bacana, não é? E isso não é sobre o lado material da vida, mas também o lado virtual, social e tantos outros. “Só vou aceitar compromissos em que quero realmente ir”, porque quando dizemos por educação um “Sim” a algo que não queremos muito, estamos dizendo um “Não” a nós mesmos ou a algo que queremos muito. Minimalismo é ter consciência de quem somos. Não é sobre ter dois pares de sapato. Não existem regras. Se pra você é importante ter 12 pares de sapato, ok. Mas que você tenha realmente pares de sapatos que você goste muito de usar, e não pares de sapatos que são lindos mas machucam, que são lindos mas você não usa, que são lindos mas que não combinam mais com o seu estilo. Minimalismo é você reduzir coisas, pessoas, situações e ficar apenas com o que é essencial e te faz muito bem. Mais tempo, mais afeto, mais relações genuínas e profundas, mais grana. Minimalismo no meu conceito é: “Ei, eu quero mesmo ir nesse ritmo, eu quero mesmo estar nesse pódio, isso realmente me traz felicidade e paz?”.

Imagem de capa: Luna Vandoorne/shutterstock

Às vezes ela só quer ficar em silêncio

Às vezes ela só quer ficar em silêncio

Às vezes ela precisa disso. Ela não quer ouvir som algum além dos próprios pensamentos. Não é que ela esteja deprimida, chateada ou infeliz. Ela só quer ficar em silêncio. Para organizar os sentimentos, para imaginar cenários ou para encontrar uma espécie de paz que ninguém pode proporcionar. E se ela estiver com você, não a recrimine. Apenas entenda. Apenas aceite. Apenas seja acolhimento em seus braços.

Uma das partes mais complicadas de entender num relacionamento é o direito da outra pessoa em não ter nada para dizer. Vez ou outra, do nada, quem você está quer simplesmente levantar os pés no sofá ou na cama e ali ficar. Sem televisão, sem música, sem conversa. Não é egoísmo. Também não é maltrato com quem se ama. Talvez você não perceba, mas inconscientemente também busca por esses momentos. Às vezes é quando você acorda e não sente vontade de falar com ninguém. Noutras é indo para o trabalho e se escondendo do mundo através de um fone de ouvido ou da tela do celular. Tantos exemplos.

O que para você pode ser um sinal de frieza, na verdade é o coração pedindo um pouco de sossego. E isso não tem nada a ver com amar ou não amar mais alguém. Tampouco está relacionado com estar ausente ou presente naquele instante. É só silêncio, sabe? Seu. Particular e intransferível. É a prática da ioga para quem não pode pagar.

Não complique o silêncio de alguém. Deixe estar. Em algum momento, a pessoa volta. O mais importante é ser gentileza para respeitar e abraçar quem precisa daqueles minutos consigo. Às vezes estar do lado de alguém que não quer dizer nada é uma grande demonstração de amor. É nessa cumplicidade exposta nos instantes de calmaria que o amor fica mais harmonioso.

Às vezes ela precisa disso. Ela não quer brigar, afastar ou impedir que você se aproxime. Não é que ela esteja sem amor, ternura ou saudade. Ela só quer ficar em silêncio. No canto dela ou em qualquer lugar. Para juntar forças para continuar, para fazer crescer as coisas que sente e para ser totalmente entregue para quem a ama. Quando ela pedir para você ficar, fique. Quando ela pedir para você ir, vá. Ela está com você, ainda que palavras não saiam dos seus lábios.

Imagem de capa: VK Studio, Shutterstock

Sobre o meu direito de ser múltiplo

Sobre o meu direito de ser múltiplo

Fui falar com Clarice. Meu tom de voz era doce e meu sorriso era fácil. Depois fui conversar com Francisco. Meu sorriso já não era tão fácil e a ironia e o deboche se faziam notar em cada palavra que eu pronunciava. Logo encontrei com João. Ri de todas as piadas que ele contou, mesmo não tendo achado graça, pois a explicação da piada é ainda mais sem graça do que a piada em si. De repente esbarrei com Ana Júlia. Dei-lhe um abraço apertado, ouvi, impassivelmente, seus desabafos sobre a sua “vida complicada” e lhe ofereci sábios conselhos. No caminho de volta pra casa, avistei André. Rimos do nosso histórico de insucessos na vida e discutimos uma série de inutilidades, como o resultado do paredão do Big Brother Brasil. Por fim, falei com Luana. Filosofamos sobre a utopia da felicidade, discutimos temas diversos, contestamos teses, criamos outras.

Cheguei em casa, pus-me a refletir sobre os últimos acontecimentos e, intrigado com as gritantes diferenças entre as interações que tive com cada um dos meus amigos, me perguntei: Tenho transtorno de personalidade? Sou uma pessoa carente, que tenta desesperadamente agradar as pessoas? Sou alguém sem personalidade? Estou oferecendo para as pessoas uma versão editada de mim mesmo? Será que ando fazendo personagens e já nem sei ao certo quem sou eu de verdade? Poderia ser tudo isso. Considerei seriamente cada uma dessas possibilidades. Mas aí olhei para mim mesmo e, para o meu espanto, encontrei em mim cada uma daquelas pessoas que eu ofereci aos meu amigos.

Posso ser otimista, pessimista, gentil, grosseiro, entusiasmado, sarcástico, caloroso, indiferente, sagaz, extremamente inocente, sério, debochado… Depende da minha disposição, da pessoa com quem converso, das preocupações que me afligem, da Lua, do horóscopo, ou do que quer que seja…

Sim, eles todos são fragmentos heterogêneos de mim mesmo. Então tomei consciência de que sou um homem inteiro, feito aos pedaços. Achei bonito. Desde então me reservo o direito de ser múltiplo.

Imagem de capa: lassedesignen/shutterstock

É preciso perdoar a vida e se sentir perdoado por ela

É preciso perdoar a vida e se sentir perdoado por ela

Como fazemos todos os anos, desde quando ela chegou aqui, nos reunimos na última sexta feira para assistir ao concerto de Natal do coral que minha mãe faz parte. Sentada ao lado de meu marido, filho e sobrinho, deixei meus pensamentos voarem enquanto ouvia e observava D.Clau e seus companheiros de ensaio às quintas à noite se apresentarem e ensinarem a mim, que ainda tenho tanto a aprender, que o que a vida quer de nós é coragem; não uma coragem destemida e audaciosa, mas sim uma coragem sensível e gentil, amparada na busca das alegrias miúdas nem sempre férteis ou fáceis de encontrar, e na capacidade de resistir e sorrir, ainda que a história do momento não seja a que queríamos contar.

Cantando, dançando e gesticulando muito, minha mãe afugentava as dores e fantasmas de seus dias e aquecia meu coração de filha ao criar memórias de felicidade e um tipo de paz que a gente só sente quando aceita as novas realidades, os novos caminhos, os novos rumos que nossas vidas e daqueles que amamos tomou.

Ao seu lado, algumas amigas queridas encerravam o ano cantando, mesmo que o silêncio de seus corações contasse histórias dolorosas. Eu sabia de alguns fatos e por isso me surpreendia com recolhida alegria e grandiosa admiração. Uma delas, em especial, me ensinava uma lição importante, algo que carregarei comigo para sempre.

Em seu íntimo, ela travava uma batalha importante. Por trás do sorriso e da música, havia momentos de dor, despedida, aceitação, conformação. Por trás da união com os parceiros de palco, havia a história de uma vida marcada por ausências e encontros. Em sua comovida vibração, ela me ensinava que a gente tem que continuar. Em seu delicado entusiasmo, ela me ajudava a compreender que, mesmo que tenhamos nossas promessas descumpridas, é preciso perdoar a vida e se sentir perdoado por ela.

É importante que eu acredite que de vez em quando a gente perde, mas em algum outro momento a gente irá ganhar novamente, e tudo isso se intercala indefinidamente, por toda a vida. É importante que eu tenha fé que os momentos de ganhos superarão os de perdas, e que quando eu sentir meu coração aquecido de felicidade, irei redimir as noites frias de tristeza e solidão que tive que atravessar. É importante que eu aprenda a perdoar as perdas que tive, para que possa abrir espaços para reconhecer as bênçãos que terei.

Abençoados os que perdoam a imperfeição da vida. Os que não vivem ressentidos, nem blindados, nem desistem da alegria só porque ela tirou alguns dias de férias. Abençoados os que se sentem perdoados. Os que se sentem amparados por Deus mesmo que a história que vivem não esteja sendo contada da forma que desejavam.

A forma como decidimos encarar as perdas determinará nossa qualidade de vida. Podemos decidir que “perdemos”, ou podemos determinar que “aprendemos”. Cabe a cada um de nós dar sentido ao que foi desconstruído, quebrado ou rompido e autorizar que o riso substitua o pranto, que as lágrimas deem lugar a um entendimento novo acerca de nós mesmos e da forma como queremos usufruir a vida daqui pra frente.

O tempo molda as pessoas de formas diferentes, e me esforço para ser o tipo de pessoa que ainda consegue dançar quando a música toca bem baixinho, quase imperceptível. O tipo de pessoa que decide cantar mesmo quando a voz não alcança a nota. O tipo de gente que resolve ter pensamentos doces e gestos leves mesmo quando tudo é rigidez e gravidade.

Minha alma tem pressa de aprender reagir com delicadeza às perdas e falhas. Pressa de aprender a suportar as circunstâncias ruins com gentileza e cuidado comigo mesma. Pressa de querer habitar-me com otimismo, fé e aceitação. Pressa de aprender a perdoar a vida e, acima de tudo, me sentir perdoada por ela…

Quem tem charme não precisa de beleza

Quem tem charme não precisa de beleza

Charme tem a ver com sinceridade, autenticidade, com aceitar-se e viver de acordo com aquilo que possui dentro de si. Charme tem a ver com a forma como se trata o próximo, com as palavras usadas, com o tanto que a pessoa consegue enxergar o outro, o mundo, além do próprio umbigo.

Haja vista a superficialidade que permeia os vários setores da vida em sociedade, hoje, a beleza estética tornou-se um visto de entrada na mídia, nos relacionamentos, entre outros. Com isso, é difícil assistir a algum programa televisivo cujos protagonistas não sejam magros, com rostos lisos e cabelos sedosos. No entanto, por mais que se invista na aparência, nada se compara ao charme natural que certas pessoas transpiram.

Quem de nós não conhece alguém que esbanja um charme todo seu, conquistando nossas atenções, sem nem nos importarmos em notar se seus traços são belos de fato? Sim, existem indivíduos que carregam, em si, uma elegância genética, uma simpatia sem esforços, um brilho que independe de maquiagem. Andam, sorriem, falam, olham de maneira sincera e especial. É o “it”, aquele “quê” inexplicável, um charme totalmente peculiar.

Interessante que o charme cai bem em quaisquer imperfeições físicas que possa haver, tornando um nariz adunco, um estrabismo, ou mesmo um queixo pronunciado, perfeitamente ajustados ao todo de quem encanta para além das aparências, de quem brilha por ser quem e como é. Não precisam se embelezar ou se preocupar demais com a roupa, uma vez que se destacarão onde e como estiverem.

Charme tem a ver com sinceridade, autenticidade, com aceitar-se e viver de acordo com aquilo que possui dentro de si. Charme tem a ver com a forma como se trata o próximo, com as palavras usadas para se expressarem opiniões, com o tanto que a pessoa consegue enxergar o outro, o mundo, além do próprio umbigo. Pessoas charmosas encantam porque olham nos olhos, riem de verdade, respeitam-se e respeitam quem quer que seja.

É por isso que algumas pessoas jamais conseguirão sustentar a beleza, por mais botox e cirurgias plásticas que comprarem, simplesmente porque essa beleza tão somente estética impacta somente de início, mas o que permanece mesmo é o todo, a harmonia entre a aparência e a essência. Preocupar-se exageradamente com o corpo, com as rugas, com os cabelos é inútil, afinal, quem tem charme não precisa de beleza.

Imagem de capa: Dean Drobot/shutterstock

O paraíso mora dentro dos olhos

O paraíso mora dentro dos olhos

“A vida é dura” – disse-me uma senhora – “Vamos definhando aos poucos, até que chegado ao fim, ficamos todos sós”. É, de fato, a vida às vezes se apresenta como uma terra seca, cheia de silêncio e indiferença, infrutífera para os nossos sonhos, fria para a nossa alma, vazia para os nossos sentimentos, pequena demais para que possamos brincar. Entretanto, por mais que a dimensão trágica da vida não deva ser descartada, é preciso educar os olhos para enxergar o que está por trás das trivialidades.

Por mais que queiramos ou tentemos, sempre haverá coisas que nos entristecerão, que diminuirão a nossa potência diante da vida. Isso ocorre porque existir também é sofrer. É saber que somos seres finitos, vulneráveis, imperfeitos, falíveis, incompletos, buscando entender a infinitude do tempo, as lacunas da existência, o mistério da morte. Buscando, mesmo que por instantes, experimentar o transcendente, o universal, o eterno, o indissolúvel. Porque, no fim das contas, queremos continuar a existir mesmo quando já não existirmos, a permanecer na impermanência, a sorrir mesmo no vale das lágrimas.

Mas, ainda que a compreensão da nossa finitude e, por consequência, da nossa limitação seja um processo doloroso, devemos também saber educar os sentidos para enxergar o que há de belo no mundo, pois ele está cercado de magia, em cada pequeno detalhe, que se prestarmos bastante atenção, conseguimos perceber.

A alma sabe disso e, portanto, sempre procura retornar para os lugares em que possa sentir o vento que corre entre as árvores ao entardecer, para que ele possa inebriá-la e dar-lhe serenidade, a fim de que aquilo que está vivo no mundo grite aos olhos e desperte o espírito que tem sede do infinito em nós.

Apesar disso tudo, muitas vezes nos perdemos. Entramos em ruas escuras e, de tanto medo, acabamos por nos esquecer do caminho de volta. Esquecemos de sorrir e do cheiro das felicidades. Esquecemos de nós e do que urge em nossa alma. Esquecemos que há coisas que tornam o mundo um lugar maravilhoso e que fazem, mesmo entre terra seca, erguerem-se jardins de algodão doce, para que provemos da eternidade das nuvens e sejamos mais que partículas fugazes que definham pouco a pouco.

“A vida é dura” – disse-me uma senhora. Mas, é entre os espinhos que se escondem as rosas e no escuro da noite que aparecem as estrelas. Há de se enxergar aquilo que nossa cegueira insiste em não ver, porque, por mais que nossa alma esteja nebulosa e despedaçada, sempre existe algo que nos faz querer viver e coisas que nos guardam dentro delas. São nesses espaços, nesses diálogos, que o divino do mundo se estabelece, que a poesia nos tira para dançar e que somos infinitos. A vida é dura sim, mas nela também há belezas, há de se educar os olhos, essas janelas da alma, para que ao ver, possamos sempre enxergar.

Imagem de capa: Igor Sinkov/shutterstock

De tanto machucá-la, ele a tornou cada vez mais forte

De tanto machucá-la, ele a tornou cada vez mais forte

Tudo o que ele fizera, toda a dor que ele lhe afligira, tudo aquilo tinha feito com que ela encontrasse, dentro de si, uma força que ela jamais imaginaria possuir. E ela reergueu-se, resolveu reviver, fazendo a melhor das escolhas: optou por si mesma.

Ela era frágil, insegura. Queria um amor de contos de fadas, um amor com finais felizes, todos os dias. Passou tanto tempo procurando lá fora o amor, que se esqueceu de voltar os olhos para si mesma, negligenciando os anseios de seu íntimo. Esquecendo-se de si, esqueceu-se de amar-se o suficiente, o mínimo.

Ele parecia o cara certo, aquele sorriso jamais poderia esconder alguma coisa ruim. Ele era forte, seguro, bonito. Sem prestar atenção em si mesma, entregou-se. Deu as mãos, deu-se por inteira, porque era aquilo que esperava receber de volta. Não fazia sentido algum resguardar-se, quando o que sentia era impulso, era completo, era verdadeiro – ao menos por parte dela.

Ela passou a conceder, a abrir mão de muita coisa, para agradar aos desejos dele. E isso foi crescendo. Ela se doava e mudava e reprimia muito de si por causa dele. Ela queira que desse certo. Ela não aceitava nada além de estar junto dele. Mesmo que fosse uma sombra, um arremedo de gente, uma quase nada, engolida pela supremacia dos desejos dele, era somente junto dele que a vida parecia fazer sentido.

Cada vez mais frágil e insegura, passou a viver em um relacionamento pontuado de chantagens emocionais, pois ele sabia que ela morreria sem ele, que ela não era ninguém sem ele, que ela mal sabia quem era de verdade. E ele se aproveitou, ensaiando partidas e rompimentos, deliciando-se com a fraqueza dela, que chorava e implorava pela sua permanência. E ela sumia dentro de si. Diariamente, sumia.

Mas a dor chegou a tal ponto, que, sabe-se lá como, uma voz passou a ecoar dentro dela, clamando pela sua volta ao mundo real, porque seu corpo doía de tanto chorar e se encolher. A dor foi ficando insuportável e ela teve que encara o espelho. Então, chocou-se com a imagem que viu ali refletida à sua frente, pois ela não reconhecia aquele reflexo que mirava. E ela então chorou e desmoronou de vez, mergulhou na escuridão de sua solidão, até que tudo se esvaziou dentro dela.

Tudo o que ele fizera, toda a dor que ele lhe afligira, tudo aquilo tinha feito com que ela encontrasse, dentro de si, uma força que ela jamais imaginaria possuir. Ela reergueu-se, resolveu reviver, fazendo a melhor das escolhas: optou por si mesma. Ele não acreditou quando ela rompeu, ele riu, ironizou a força dela, dando-lhe as costas, na certeza de que ela correria atrás dele. Ela não correu.

Ele sequer podia conceber o quanto ele a fizera mais forte, mais ela, mais alguém de verdade. Ela teve que sobreviver a ele e assim o fez. Cada vacilo, cada desprezo, cada palavra agressiva foi parando de caber dentro dela, e ela tinha que sair da dor – ela ainda queria amar. Ela sofreu por alguns meses, mas a esperança foi se renovando e tomando cada parte de sua essência. Hoje ela é tão forte, tão linda, tão segura de si, que passa por ele sem nem olhar em sua direção. Porque ela olha o horizonte, olha a esperança, não tem mais tempo para sofrer com seres desprezíveis como ele. Como ela é linda!

Imagem de capa: Zolotarevs/shutterstock

Te amo, mas não gosto de você.

Te amo, mas não gosto de você.

O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa.
– Artur da Távola –

Sei lá onde ouvi isso, sei lá se senti isso. Talvez alguém tenha me contado, não é tão difícil assim ouvir sobre o amor. É mais ou menos assim, senta que lá vem história. História Com h, porque tirar o h pode comprometer certas coisas. Vou contar como me lembro.

Ele tinha umas manias estranhas como apertar o nariz com a mão esquerda na hora de decidir o que pedir no restaurante. Ela sempre detestou isso. Ele gostava muito de contar piadas internas, aquelas que só o narrador acha graça, não que ela detestasse, mas por vezes achava um pouco constrangedor.

A camisa preferida dele tinha um estilo anos oitenta, uma década de estampas que sempre despertou na moça uma certa desconfiança. Ele também gostava de usar diminutivos, isso definitivamente ela odiava.

Outra coisa que incomodava um pouco era o lapso temporal entre respostas e perguntas, e uma pequena arrogância nascida da insegurança.

Sim, ela aprendeu a perceber isso. Ele era assim, diferente dela, no entanto havia alguma coisa que não se via, mas que fazia dele o lugar das certezas. Era possível sentir sua presença mesmo na sua ausência, e seu abraço era o lado mais calmo da vida. Alguma coisa em suas mãos eram suaves como rochas e transmitiam a ela a solidez de caminhos certos.

Quando ligavam a TV em programas que a faziam dormir nos primeiros cinco minutos, ela dormia em paz. Amar é estar em paz. E ela amou; e amou de tal forma que o amor era mais silêncio que barulho e por assim ser morava em seu corpo, sem escândalos, educada e delicadamente presente.

Os defeitos já reconhecidos e conhecidos eram apenas detalhes tal qual flor de tomate em salada de vó. Ela aprendeu a ver chegar suas fragilidades, viu também alguns cabelos brancos, essas coisas que chegam sem se anunciar.

E aprendeu que amar tem a ver também com incompletudes, não as que criam cobranças, mas as que fazem nascer alternativas, porque o amor está para além do óbvio.

Ele sempre gostou dela, do seu jeito, de suas roupas, de seu perfume, de seu sexo, de seu corpo, de sua inteligência. E foi assim que eles nunca mais se viram. Ela despediu-se dele como quem se despede de crenças, com um certo temor. Ele despediu-se dela como quem parte em viagem.

Imagem de capa: Photographee.eu/shutterstock

Nada fica igual após a morte dos pais.

Nada fica igual após a morte dos pais.

Ser pai é ser humano, é falhar, é errar também. É amor que continua, é luz que não se apaga, é eternidade afetiva. Ser pai é, sobretudo, entender o pai que tivemos.

Apesar de ser a única certeza dessa vida, a morte ainda parece ser colocada em recantos onde não possa ser vista, falada e refletida. Porém, ela inevitavelmente chega a nossas vidas e enfrentá-la requer juntar e digerir, dentro da gente, tudo o que ficou oculto, tudo o que evitamos por muito tempo. Perder minha mãe, há oito anos, foi uma jornada extremamente dolorosa. Perder meu pai, recentemente, também foi.

Cada vez mais, a morte vem sendo excluída dos ambientes e da vida das pessoas. Quando eu era criança, a grande maioria das pessoas morria em casa e os corpos eram velados nas casas de família. Hoje, a morte quase que se confina tão somente nos hospitais e clínicas, lá longe de nosso cotidiano, longe das crianças, dos familiares, dos amigos. Longe do curso da vida. Daí ninguém pensa sobre as perdas e tem que lidar com ela de supetão, como algo inconcebível. Com exceção da partida precoce de um filho – essa não há quem entenda -, a morte faz parte do curso natural do ciclo da vida, ou ao menos deveria fazer.

E cá estou eu a refletir novamente diante da partida de meu pai, para a qual, como a maioria das pessoas, eu não estava preparado. Não imaginava que eu sofreria tanto com sua morte, porque nem eu mesmo tinha noção do meu amor por ele. Eu amei minha mãe desde que abri os olhos; todas as minhas lembranças têm o meu amor por ela. Com meu pai foi diferente. Eu não o amei desde o início naturalmente – foi um amor construído, lapidado, suado, maturado, conquistado -, mas, nem por isso, foi menos verdadeiro.

Como ele se foi aos poucos, ao longo deste ano, pude refletir muito sobre nossa relação, que nem sempre foi tranquila. Fui puxando as memórias e assistindo ao filme de minha vida com meu pai, sob meu olhar mais maduro, meu olhar de pai – criar filhos nos traz um entendimento incrível sobre a forma como fomos criados. Eu então me vi agindo com meu filho tal qual meu pai agia comigo; sim, daquele jeito que eu tanto relutava em aceitar. Ouvi a mim dizendo ao meu filho o que meu pai dizia, exatamente o que meu pai me dizia e me deixava irritado.

E fui me lembrando de tanta coisa boa que vivi com ele. Meu pai sambava super bem, dançava com minha mãe, cheios de elegância – amava vê-los dançando -, imitava uns passinhos do Didi dos Trapalhões, cantando “eu fui às touradas de Madri”. Muitas vezes, ele saía de carro comigo e com meu irmão, e, lá pelas tantas, dizia que estava perdido. Parava e perguntava às pessoas como fazia para chegar ao centro e a gente ficava aliviado quando achava o caminho de volta, mesmo, no fundo, sabendo que ele estava blefando – era o modo de ele dizer que nos amava e que jamais nos perderíamos enquanto ele estivesse no comando.

Eu me lembrei de que, na minha infância, sempre que eu estava com febre, eu sentia, madrugada adentro, a mão de meu pai sobre a minha testa, checando se minha temperatura abaixara. E isso me trazia uma segurança imensa. Foi assim que eu cresci tendo a certeza de que, sempre que a vida me derrubasse, eu poderia contar com ele. Meu pai sempre me motivou a publicar meus textos, sempre me falava disso. Revisitar o passado com um olhar maduro nos traz uma compreensão tão clara da importância de algumas pessoas em nossa jornada.

A vida é perfeita e sempre encontra um jeito de nos aliviar a barra, assim como descobri que a morte faz com que a gente se lembre do melhor da pessoa que se foi. Não fica nada de ruim. Nossas lembranças se preenchem dos bons momentos que vivemos juntos, clareando nossa consciência quanto à verdade do que se foi. Hoje, percebo, por exemplo, que, quando meu pai era ríspido comigo, ele estava me preparando para os tombos da vida adulta. Ele me conhecia, percebia que eu era muito sensível e me colocava de frente com a dureza, para que eu me fortalecesse, para que eu não viesse a me machucar quando me tornasse gente grande.

Por isso, é besteira ficar remoendo o que se disse ou não, o que se fez ou não, carregando remorsos inúteis. Se a gente que fica só guarda o que foi bom, o que nos fez bem e nos fez sorrir, é lógico que quem parte leva consigo somente o que foi bom. O amor fica e vai junto, alimentando as memórias que nos fazem reviver todas as cores, os sons, os cheiros e vozes que nos tornaram o que somos – sobreviventes no amor. Amor que sempre está dentro de cada um, embora muitos resistam a enxergá-lo.

Enfim, nada como a maturidade para conseguirmos compreender, aceitar e agradecer tudo o que nossos pais fizeram por nós. Nada como o tempo, para trazer as verdades, apagar as dúvidas, consolidar o que foi bom e teve que acontecer para que chegássemos onde estamos. Eu não seria nem sombra do que sou hoje, sem essa estrutura, esse pilar que meus pais eram, agindo exatamente como agiram. Entender que eles deram o que podiam e foram o que possuíam dentro de si traz compreensão e gratidão. E agora, como pai, transmito toda essa riqueza afetiva que eles me deixaram, para que meu filho continue levando em frente esse sentimento tão essencial, que é o amor – sempre o amor.

Ser pai é amar cada filho exatamente pelo que cada um possui dentro de si. É chorar escondido, para permanecer fortaleza; é dizer não com o coração apertado. Ser pai é ser humano, é falhar, é errar também. É amor que continua, é luz que não se apaga, é eternidade afetiva. Ser pai é, sobretudo, entender o pai que tivemos.

Imagem de capa:  Ruslan Shugushev/shutterstock

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