Tiras do desenhista Paulo Stocker conquistam públicos de todas as idades

Tiras do desenhista Paulo Stocker conquistam públicos de todas as idades

Um convite a pensar. Assim são os quadrinhos do cartunista Paulo Stocker. Suas mensagens são carregadas de sutileza e fogem das obviedades. As tiras com o personagem Clóvis retratam seu olhar singular sobre o cotidiano, com humor, doçura, crítica e acidez, quando necessário.

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Urbano, ingênuo e clown, o personagem Clóvis é atemporal. Seus traços trabalhados em nanquim reforçam a simplicidade. Os quadrinhos são pantomímicos- não é utilizado recurso de texto – com mensagens representadas pelos traços singulares de Stocker.

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As crônicas desenhadas encantam pela forma e narrativa, enfatizam a ideia e colocam o leitor em diálogo com o desenho. A identificação do público com o personagem é imediata. A diversão é garantida com a plasticidade provocante de seu trabalho.

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Clóvis permeia São Paulo através dos grafites da Rua Augusta, em comércios, bares, muros. As tiras também são retratadas em camisetas, quadros, pôsteres e canecas personalizadas. Por sua identidade também com o público infantil, recentemente fez uma coleção para a marca Vacamarella.

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PAULO STOCKER (Brusque/SC, 1965) é desenhista, ilustrador, caricaturista, cartunista e professor de desenho. Recebeu o prêmio de melhor publicação de cartum, pela revista Tulípio, no Hqmix 2008. Publicou o livro Stockadas, em 2006, pela Via Lettera Editora. Colaborou nas revistas Coyote, Caros Amigos e Periódicos como Pasquim 21 e Jornal do Brasil. Vive em São Paulo desde 1995. Em 2010 Paulo Stocker lançou o livro Tulípio em coautoria com Eduardo Rodrigues pela Editora Devir. Atualmente publica o personagem Clóvis por diversos meios de comunicação e publicações.

Vejam outras tirinhas…

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Publicação autorizada pelo artista

A juventude dourada do rádio de pilha

A juventude dourada do rádio de pilha

Por Claudia Antunes
Os dias estavam quentes e ensolarados, enquanto o verão fervilhava no Rio. Ipanema era o reduto fashion do planeta, com suas boutiques psicodélicas. A ‘Aniki Bobó’ e a ‘Bibba’, dois expoentes da moda, recendiam a San Francisco. A cidade americana foi o berço das primeiras manifestações ‘flower power’, o movimento pacífico que transmutou os cabelos e as cabeças da geração 60’s.
Éramos meninas de corpos dourados, que frequentavam a praia inspiradora de inúmeras canções. Havia um jeito próprio de se expor ao sol, deitadas sobre toalhas enormes com estampas coloridas, óleo de bronzear ao lado e o revolucionário rádio de pilha. Era pequeno, envolto em capa de couro, com o dial no 860, a Rádio Mundial. Nela, reinava soberano, o saudoso Big Boy. Nada do que fazíamos era planejado. Tudo acontecia.

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Como toda adolescente, eu tinha a roupa que trazia a sorte, a sandália que arrasava nas festinhas do prédio e os cabelos com tons suspeitos de água oxigenada de 20 volumes, jogada com muita parcimônia, para não me alourar de repente.
O vestido das conquistas era de tecido de colchão, sério! Fundo azul índigo com flores brancas e uma gota vazada e audaciosa que se estendia pelo decote. Justo no corpo, modelagem perfeita da ‘Truc’, outra das grandes grifes do bairro.
O Centro Comercial de Copacabana, o pai dos shoppings, era a referência para as sandálias coloridas e rasteiras, feitas sob medida. Lá ficava a loja, uma desordem total! Garotas circulando no meio de quilos de couro, procurando solados para entregar aos sapateiros que tinham as mãos sujas de graxa e tinta, mas uma tremenda boa vontade. Acho que ventilador era artigo raro, porque o ambiente esturricava!
O namoro também tinha suas performances. A ‘princesa’ usava no próprio braço, a pulseira de prata com placa e corrente, de seu ‘pão’! Ninguém dizia ‘gato’, palavra que Erasmo Carlos, muito mais vanguardista do que o Rei, antecipou em versão feminina, na executadíssima ‘Gatinha Manhosa’.
Atraídas pela beleza estética masculina, não íamos ao cinema – em grande parte – pela qualidade do filme. Somente isto implicou em assistir a ‘Help!’, com os Beatles, entrando na sessão das duas e saindo às 10 da noite, enquanto ficou em cartaz, no Bruni-Ipanema. Estávamos atordoadas pela visão de John, Paul, George e Ringo de jeans, óculos escuros e em Cinemascope. Na trama anterior, ‘A hard day’s night’ – que considero uma obra de arte -, eles vestiam os comportados terninhos, no clássico P&B.
Os Beatles foram e ainda são, na minha vida, uma fonte que jorra infinitamente. Não posso falar da banda só de passagem. A sensação desconfortável de estar subtraindo dados e fatos, talvez explique um pouco da menina que ainda resiste em mim.

Claudia Antunes é carioca, jornalista e já trabalhou em jornais como Jornal da Tarde (SP), O Estado de S. Paulo, Jornal do Commercio e Tribuna da Imprensa e nas Revistas Manchete, Fatos & Fotos e Visão (atual Isto É). Jardim Botânico do Rio de Janeiro e INEA.

Vídeo sugestão: San Francisco, Scott Mckenzie

Hey, qual é o seu nome? Por Josie Conti

Hey, qual é o seu nome? Por Josie Conti

Por Josie Conti

No início do mês, realizei uma compra através de uma página de vendas da internet. O vendedor era qualificado, porém a descrição do produto não indicava tantos detalhes quanto eu gostaria. Mesmo assim, comprei.
Sempre digo que devemos estar atentos às nossas impressões, mas naquele momento, não dei importância a minha impressão de que faltava algo naquele anúncio ou mesmo que as qualificações que eu li a seu respeito não me foram suficientemente convincentes.
Resultado, recebi um produto na cor vermelha (no anúncio o objeto era preto) e mais, o produto NÃO funcionou.
Fiz várias reclamações que foram respondidas com monossílabos que indicavam que eu poderia trocar ou, como pedi, devolver o produto desde que eu “mudasse a qualificação do vendedor”. Ou seja, para eu desfazer o negócio, teria que dizer que a compra não tinha sido tão ruim quanto realmente foi!
E tem mais, recebi 21 emails me solicitando a troca da qualificação.
Até então, entendo que o vendedor quisesse deixar sua reputação sem máculas e tal, porém nos emails que recebi fui chamada de “Sr. Volpiroli”.
Nesse momento, confirmei o total descrédito do vendedor com a minha pessoa particular uma vez que, além de não entregar um produto de qualidade e na cor anunciada, não preocupou-se em falar comigo e, muito menos, em tratar-me pelo meu nome correto.

E aí chegamos à questão….o quanto o tratamento para com as pessoas que nos cercam, sendo elas conhecidas, transeuntes ou clientes, não revela o nosso real grau de interesse por elas.

O nome é o nosso primeiro sinal de identidade e nos acompanha por toda a vida. Perceba que mesmo históricamente, quando alguém era socialmente menosprezado por sua profissão, por exemplo, uma das primeiras coisas que perdia era o nome. A pessoa era então chamada por sua função. “Chame a empregada” , “Chame o mordomo”, “homem que recolhe o lixo”, “ela é mulher da vida” e assim por diante.

A partir do nome percebemos muitas coisas. Da possível descendência de uma pessoa, sua classe social, origem familiar até a própria árvore genealógica que lhe dá consciência e ideia de pertencência a algo maior.

Outra coisa interessante com relação aos nomes é que eles também conotam significados, transmitem expectativas ou mesmo geram lembranças.
É comum que se espere que um filho que recebe o nome do pai, acrescido de “Júnior” no final, tenha características similares às do pai homenageado.

Muitas vezes não sabemos qual a origem etiológica de nosso nome. Mas, se toda vez que ele é pronunciado imediatamente segue uma piada, isso certamente pode influenciar na personalidade da pessoa, tanto positiva quanto negativamente.

Os nomes influenciam no caráter e na personalidade de uma pessoa e podem ser motivo de orgulho ou vergonha. Portanto, a escolha do nome deve ser bem pensada, para que no futuro não atrapalhe a pessoa na escola, no convívio com os colegas e na vida social.

Vocês se lembram, por exemplo, quando o Ministério da Saúde promoveu uma campanha de carnaval onde o “pênis” foi apelidado de “Bráulio”? Imagino, que pelo contexto, nenhum Bráulio se sentiu lisonjeado.

Então você pode me dizer, Josie, mas eu sou péssimo com nomes…e eu entendo sua dificuldade porque também não sou das melhores em memorização. Entretanto também sou da teoria de que perguntar não é vergonha, a atenção à conversa nos dá dicas cognitivas (e chances) de lembrar e, na pior das hipóteses, ainda podemos recorrer aos pronomes de tratamento como senhor, senhora e, para pessoas mais íntimas, até mesmo um “querida” é aceitável pois demonstra afeto.

Aliás, qual é o seu nome?

O que temos visto por aí? Arnaldo Jabor

O que temos visto por aí? Arnaldo Jabor

Por Arnaldo Jabor

Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes. Com suas danças e poses em closes ginecológicos, cada vez mais siliconadas, corpos esculpidos por cirurgias plasticas, como se fossem ao supermercado e pedissem o corte como se quer… mas???

Chegam sozinhas e saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros, analistas, e outros mais que estudaram, estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos. Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos “personal dancer”, incrível.

E não é só sexo não! Se fosse, era resolvido fácil, alguém dúvida? Sexo se encontra nos classificados, nas esquinas, em qualquer lugar, mas apenas sexo!

Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho, sem necessariamente, ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico na cama… Sexo de academia.

Fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão “apenas” dormir abraçadinhos, sem se preocuparem com as posições cabalisticas.

Sabe essas coisas simples, que perdemos nessa marcha de uma evolução cega. Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamo-nos máquinas, e agora estamos desesperados por não saber como voltar a “sentir”, só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós.

Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada nos sites de relacionamentos “ORKUT”, “PAR-PERFEITO” e tantos outros, veja o número de comunidades como: “Quero um amor pra vida toda!”, “Eu sou pra casar!” até a desesperançada “Nasci pra viver sozinho!”.

Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários, em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis, se olharmos as fotos de antigamente, pode ter certeza de que não são as mesmas pessoas, mulheres lindas se plastificando, se mutilando em nome da tal “beleza”.

Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento, e percebemos a cada dia mulheres e homens com cara de bonecas, sem rugas, sorriso preso e cada vez mais sozinhos.

Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário… Pra chegar a escrever essas bobagens? (Mais que verdadeiras) é preciso ter a coragem de encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa.

Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia isso é julgado como feio, démodê, brega, familias preconceituosas.

Alô gente!!! Felicidade, amor, todas essas emoções fazem-nos parecer ridículos, abobalhados…
Mas e daí? Seja ridículo, mas seja feliz e não seja frustrado. “Pague mico”, saia gritando e falando o que sente, demonstre amor…

Você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta mais…

Perceba aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, ou talvez a pessoa que nada tem haver com o que imaginou mas que pode ser a mulher da sua vida. E, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso a dois… Quem disse que ser adulto é ser ranzinza ?

Um ditado tibetano diz: “Se um problema é grande demais, não pense nele… E, se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele?”

Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo, assistir desenho animado, rir de bobagens e ou ser um profissional de sucesso, que adora rir de si mesmo por ser estabanado.

O que realmente, não dá é para continuarmos achando que viver é out ou in.

Que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo, que temos que querer a nossa mulher 24 horas maquiada, e que ela tenha que ter o corpo das frutas tão em moda, na TV, e também na Playboy e nos banheiros. Eu duvido que nós homens queiramos uma mulher assim para viver ao nosso lado, para ser a mãe dos nossos filhos, gostamos sim de olhar e imaginar a gostosa, mas é só isso, as mulheres inteligentes entendem e compreendem isso.

Queira do seu lado a mulher inteligente: “Vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois, ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida”.

Porque ter medo de dizer isso, porque ter medo de dizer: “Amo você”, “fica comigo”… Então não se importe com a opinião dos outros, seja feliz!

Antes ser idiota para as pessoas que infeliz para si mesmo!

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Ovos fritos na calçada

Ovos fritos na calçada

Por Claudia Antunes

Na sexta-feira, com o sol a pino e contestando os termômetros de rua, saí para comprar pilhas para a lanterna que minha neta usaria em atividade do colégio. Desde criança sou sensível ao calor. Todos dirão: ‘Qual é a criança que suporta bem o verão?’
Mal adentrava dezembro nos idos anos 50, minha mãe e minha madrinha já sabiam que meu destino estava selado. Ainda tínhamos a calota polar arrumadinha, o efeito estufa era expressão para flatulência e todos falavam ‘o lotação’, no masculino, para aquele ônibus caolho que chacoalhava nas ruas do Rio. Uma década de memórias ligada aos tios e primos, ao aconchego da avó, ao Coelhinho da Páscoa e Papai Noel.
Paquetá era uma ilha de águas claras, onde os Tios Lauro e Heloísa tinham uma casa muito engraçadinha, com janelas em forma de escotilhas, cravada ao fundo de um belo jardim. Viajava para lá com meus primos gêmeos (e gênios!), com quem convivi, felizmente, durante a infância, adolescência e na fase adulta. Com a morte de minha Tia, não os vi mais.
Nosso apartamento, em Ipanema, ficava ao lado da Chaika, que nas décadas posteriores foi o point de tortas arrematadas por torres de chantilly. Em seus primórdios era um bar tipo ‘noir’, sempre com muita fumaça de cigarro e decoração típica de similares americanos, com estrelas pretas sobrepostas na parede azul.
Se as crianças de hoje conhecem animais por visitas ao Zoológico, tive o privilégio de conviver, diariamente, com um macaquinho que pertencia ao morador de fundos do meu prédio. Ali também moravam dois irmãos – William e Beto – filhos de Dona Sensitiva, uma chapeleira de mão cheia, que abastecia os salões do Jockey.
A TV dava seus primeiros passos no país e os programas não tinham censura. Lembro-me de assistir à ‘Boate do Ali Babá’, com o comediante Zé Trindade. E me desmanchar de amor por Jeff, o menino louro em P&B que era o dono da collie ‘Lassie’.
Mas o verão sempre foi um problema em minha vida. Sujeita a insolações – rosto vermelho e corpo febril – minha mãe me mandava para as casas de parentes, que ficavam em lugares altos como Vassouras, Humberto Antunes e Rio das Flores.
Ontem, enquanto passava de manhã pelo trecho de obras do metrô que fica diante da portaria central do condomínio, perguntei a um operário:
-Como está o rapaz que passou mal? Soube que a ambulância demorou e ele ficou estirado no sol quente…
– Já está bem, moça. Pega no turno das 4.

Claudia Antunes é carioca, jornalista e já trabalhou em jornais como Jornal da Tarde (SP), O Estado de S. Paulo, Jornal do Commercio e Tribuna da Imprensa e nas Revistas Manchete, Fatos & Fotos e Visão (atual Isto É). Jardim Botânico do Rio de Janeiro e INEA.

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Feias, bonitas- Danuza Leão

Por DANUZA LEÃO

ERAM DUAS irmãs, uma muito bonita e a outra – bem, a outra não. A bonita tinha um corpo como qualquer mulher gostaria de ter (sem ser esquálida), era não só elegante, como se vestia de maneira diferente. Era original, criativa, isso sem ser extravagante nem exibida. Um show de mulher, que quando entrava nos lugares era olhada por homens e mulheres, com admiração.
Eu, ainda garota, era amiga das duas; inicialmente da mais bonita, pois era com ela que saía à noite, ia às festas, aos lugares onde as coisas aconteciam. A outra era casada; mal casada mas casada, e nos víamos eventualmente para almoçar. Ela era simpática, agradável, mas perto da irmã, desaparecia. E a irmã tinha sempre muitas histórias boas para contar.
Histórias dos bastidores da alta costura (tudo isso se passou em Paris), das pessoas famosas que ela conhecia, e sobretudo dos seus “dramas” amorosos. Ela nunca tinha um namorado só e, como nenhum morava em Paris, isso facilitava bem as coisas.
Ainda me lembro: naquela época -estou falando dos anos 50- os telefones eram precários, e as comunicações aconteciam por telegrama. Um dos namorados era príncipe -havia tantos, sobretudo na Itália- , se chamava Galvano e morava na Sicília. Volta e meia chegava um telegrama, marcando de encontrá-la em Palermo no fim de semana; e lá ia ela. O outro morava em Milão, e o encontro seria em Roma. Na época, nunca me ocorreu por que razão eles não iam nunca a Paris; era assim e pronto.
Ela sofria, e eles aprontavam, sumiam, namoravam outras, e assim foi indo a vida. Um dia ela achou que estava na hora de sossegar e se casou com um belo italiano; não me parece que tenha sido um grande amor, mas foi um casamento que funcionou. Ela foi morar em Milão, trancou-se em casa, e sua única distração, digamos assim, era a moda. Comprava tudo que aparecia de novo, até que um dia teve uma doença ruim e morreu.
Enquanto isso a vida da irmã continuava: separou-se do primeiro marido -porque quis-, marido esse que passou anos fazendo tudo para que ela voltasse. Se casou de novo, com um produtor de cinema, e o casamento, muito feliz, durou até que um dia ele teve um infarto fulminante e morreu.
Ela sofreu, mas não deixou a peteca cair; tempos depois estava casada de novo, com o homem que mais amou, e que trabalhava no show business. Foi um amor louco, absoluto; ele tinha uns 15 anos menos que ela, era lindo, e morreu aos 33 anos de cirrose. Como ela sofreu; parecia que nunca mais levantaria a cabeça.
É preciso aqui fazer uma pausa: desde que a irmã se casou, fomos ficando cada vez mais amigas. Fui percebendo o quanto ela era generosa, interessada pelas pessoas, pelo mundo em geral, sempre pronta a fazer agrados, carinhos, tolerante e paciente com todos que a rodeavam. Um dia conheceu seu último marido, com o qual está casada há 30 anos. Um ótimo casamento, devo dizer.
E fiquei pensando que os atributos físicos, tão valorizados, fazem com que as pessoas se esqueçam do principal, do que realmente importa, e que faz com que as pessoas se gostem, fiquem amigas, até se apaixonem. Nunca nenhum homem largou essa minha amiga; já a bonita teve uma vida sentimental atrapalhada, eu diria mesmo infeliz, e não sei se por acaso ou por que, eu comecei amiga de uma, o tempo passou e fui ficando amiga da outra como nunca havia sido da primeira.
E ainda sou.

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Maternidade em construção

Maternidade em construção

Por Adriana Vitória

Quando estava grávida da nossa fllha, além de uma fome acima da média, não sentia nada de muito diferente, só uma sensação de que algo que eu não conhecia crescia dentro de mim, um alienígena.
Na verdade, meu questionamento é se era eu uma pessoa apta a desenvolver a maternidade e se era madura o suficiente pra este papel.
Quando estava com pouco mais de seis meses, vi sua carinha gorda e larga pela primeira vez na ultrasonografia e foi então que me dei conta de que havia de fato alguém ali.
Saí e comprei sua primeira roupinha.
Talvez o alienígena fosse eu, afinal de contas, só ouvia contos incríveis de outras mães a respeito da gravidez. Eu, entretanto, só pedia ao universo para que ela fosse uma pessoa com um grande coração, o resto veríamos depois.
Acho um tanto prepotente acharmos que conhecemos nossos filhos. Só conhecemos quem podemos sentir, coisa rara, e muitas vezes, não são nossos filhos.
O fato é que hoje, sou mais do que grata ao universo por ter me enviado uma pessoa que descubro incrível, sensível e que tem tanto pra me ensinar.
Filho não preenche a vida de ninguém, mas com certeza, ter uma pessoa apaixonante ao teu lado, torna o “viver” muito mais feliz.

www.adrianavitoria.com

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Os bastidores da Crônica, por Marta Medeiros

Os bastidores da Crônica, por Marta Medeiros

Por Martha Medeiros

Uma sociedade plural é muito melhor do que uma sociedade em que todos pensam igual. Sem divergências, nada evolui ― nem o pensamento, nem o país.

Quem escreve em jornal sente na pele essa dinâmica de opiniões conflitantes. São tantos os leitores, das mais variadas origens e crenças, que fica absolutamente impossível almejar uma unanimidade, só em santa ingenuidade. Você fala em sexo e desejo, o outro salta condenando o hedonismo. Você clama por charme na vida, o outro salta condenando que é elitismo. Quem tem razão? Cada um tem a sua, e que se atreva alguém a dizer quem está certo ou errado. Há tantas verdades quanto seres humanos na terra.

O Brasil, em especial, é dos países menos coesos. Deste tamanhão e com esta desigualdade social que tanto nos choca, é como se abrigasse vários planetas a conviverem no mesmo território. E obriga. E rimo: não sei como não sai mais briga.

Uns elogiam 2 Filhos de Francisco, outros apontam a rendição do cinema nacional, que não arrisca nada fora do padrão global. Uns elogiam os shows internacionais, outros questionam: por que não se dá mais espaço pro regional? Você fala de amor eterno, é piegas. Você fala em sedução e liberdade, é a filha preferida do demônio.

Alguns você comove, outros revolve o estômago. Se cita um caso que aconteceu com você, é porque está focada no próprio umbigo. Se cita um caso que aconteceu com alguém, não tem originalidade suficiente. Se inventa um caso que não aconteceu mas poderia, está fazendo ficção onde não devia.

Falou em Nova York, é metida. Falou em Ibiraquera, metida a made in Brasil. Colocou palavras em inglês no texto? Nenhum problema, pensam uns; paredón, pedem outros, que palavra em espanhol pode.

Falou bem do PT? Rendida, vendida, mal-intencionada. Falou mal do PT? Rendida, vendida, mal-intencionada. Não falou de política? Alienada.

Usa palavra antiga, entrega a idade. Usa uma palavra nova, está inventando moda. Que palavra está em voga?

Voga???

O mesmo texto tudo provoca: uns te amam, outros te toleram e alguns não perdem a chance de te esculachar. Como te leem os que te odeiam.

Você toca profundamente o coração de uma senhora e com o mesmo texto enoja um estudante. Uma professora te agradece a contribuição em sala de aula, outra proíbe que os alunos te convoquem. Você defende as minorias e alguns vibram com a referência, outros têm certeza que é deboche. E nem ouse citar Deus em suas crônicas, apenas em suas preces.

É uma aventura a cada linha, uma salada mista a cada ponto de vista. Franco-atiradores a serviço da reflexão, todos nós, os daí e os de cá, sabemos um pouco de tudo e muito do nada, e salve o bom humor diante desta anarquia, já que de algum jeito há que se ganhar a vida.

Parte integrante do livro Doidas e santas, de Martha Medeiros.

Gatoterapia: a cura através dos gatos

Gatoterapia: a cura através dos gatos

Por Mariana Dorigatti

Esses fascinantes animais, já eram adorados como Deuses pelos antigos Egípcios, e atualmente o convívio entre homens e gatos se torna cada vez mais harmonioso quando há a reciprocidade, ou seja, um em benefício do outro. Esse é o objetivo da Gatoterapia, a incrível arte de se curar com a ajuda dos bichanos.

Introduzida no Brasil entre o final da década de 1940 e início da década de 1950 no tratamento de pacientes com esquizofrenia, a Zooterapia, ou terapia assistida por animais, teve como seu primeiro colaborador o gato, que é um animal que transmite tranqüilidade e equilíbrio no relacionamento com humanos.

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Esse tipo de terapia está sendo muito utilizada nos dias de hoje, pois vivemos em uma sociedade moderna em que a correria do dia-a-dia está formando cada vez mais cidadãos estressados e hiper-tensos. Pensando nisso, estudos realizados no campo da cardiologia mostram que as pessoas que interagem constantemente com animais tendem a apresentar menores níveis de estresse e pressão arterial, além de desenvolverem menos problemas cardíacos. No caso dos gatos, os benefícios ultrapassam a barreira física, pois a Gatoterapia é também uma ferramenta importantíssima na cura de problemas mentais e emocionais.

Com a companhia dos gatos, uma pessoa depressiva, por exemplo, se espelha no estilo de vida do animal para ajudar a si mesma, pois a independência e autocontrole instintivos dos felinos são reconhecidos por todos e pode ajudar muitos que sofrem de desequilíbrio emocional.

Algumas crenças antigas diziam que os gatos eram animais místicos, capazes de transmutar as energias negativas do ambiente enquanto dormiam, portanto se dormiam muito, havia muita energia ruim no ambiente, e se não conseguiam filtrar toda essa energia, o gato acabava acumulando isso em forma de gordura. Porém, isso tudo já foi constatado como mera fantasia, já que hoje em dia sabemos que é da natureza dos felinos dormir muitas horas por dia e ter certo acumulo de gordura.

Mas nem tudo é mentira, já que para alguns especialistas, o gato é por essência um ser que tem este “poder” de transmitir paz e relaxamento, retirando as energias negativas do ambiente e trazendo felicidade para o ser humano, como muitos dizem é uma “higiene mental”.

Portanto, além da companhia, os gatos agora têm um papel a mais que age em benefício do ser humano: o ensinamento para uma vida livre de interesses, com fidelidade, companheirismo e autocontrole, respeitando os limites do próximo, mas ao mesmo tempo impondo seus limites.

Fonte: http://jornalocal.com.br/site/mundo-animal/gatoterapia-a-cura-atraves-dos-gatos/

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Nem toda mãe é boa

Nem toda mãe é boa

Por Josie Conti

Cuidar de um outro ser humano exige um grau de desprendimento que nem todos são capazes de ter. Apesar do peso cultural e dos estereótipos historicamente transmitidos, nem toda mãe é boa, nem todo pai protege, nem todo amigo, marido ou esposa é fiel. As pessoas têm alterações de humor durante todo o dia, durante os meses, durante a vida. Ninguém é só bom ou só ruim. Sentimos ódio e desprezo, temos momentos de arrogância e insensatez. Somos vítima e algoz. Somos quem o momento permite.

Penso que esse é o ponto pois é sempre mais confortável “atirar a pedra” no outro, visualizar a fraqueza do outro.

E nós? Reconhecemos, por exemplo, que podemos não querer ter filhos? Reconhecemos que podemos não querer ser fiéis a um casamento onde o pacto é de respeito mútuo?

Existe uma hipocrisia social, uma mensagem de bondade, pureza e caridade que é apregoada aos quatro cantos do mundo. Porém, ser “bom” não deveria ser um conceito unilateral. É correto sermos bons com os outros enquanto nos tolhemos de nossos próprios sentimentos? Ou, ao contrário, sermos injustos com o outro para que nossa máscara não caia e não tenhamos que assumir que não somos exatamente o que a sociedade espera ou o que nós mesmos idealizamos?

Gente vazia me cansa, futilidade me dá nojo, burrice me dá preguiça. E daí? Sou menos competente ou humana no que faço por ter esses sentimentos?

Precisamos ser mais sinceros, o que não quer dizer grosseiros, mas sinceros com o que queremos e sentimos.

A cordialidade é necessária sim. A politicagem, em algumas situações também, mas passar a maior parte de nossa vida vestindo uma máscara é a maior receita para a depressão, para a ansiedade e todos os outros sintomas correlatos que estão tão “na moda” na sociedade atual.

Sobre a esperança…

Sobre a esperança…

Sempre acreditei que a esperança combina com o pôr-do-sol…o término de um dia é o prenúncio do repouso e de um novo amanhã. Josie Conti

Creio que essa imagem traduz esse pensamento e convida para uma reflexão…

contioutra.com - Sobre a esperança...

Lorenzo, o encantador de cavalos

Lorenzo, o encantador de cavalos

Acredito que os cavalos estão entre os animais mais majestosos e belos do mundo. São fortes, imponentes e possuem uma elegância natural.
Também são grandes amigos e parceiros de trabalho o que, muitas vezes, fez com que o homem abusasse de sua capacidade física de forma desrespeitosa e cruel.
Porém, nesse filme, o que vi foi uma interação mágica entre domador e cavalos. Como todos os outros homens que possuem tamanha sintonia com um animal, muitas vezes, tanto Lorenzo quanto os cavalos parecem ser um só ser.
As cenas realizadas no mar são de uma beleza incomparável!
Espero que aproveitem!
Josie Conti

Pessoas interessantes, por Josie Conti

Pessoas interessantes, por Josie Conti

Por Josie Conti

É incrível perceber o quanto as pessoas interessantes são parecidas com estradas. Elas sentem uma comichão no peito que as faz seguir e continuar, passo a passo, rumo ao desapego e ao novo. Nem sempre são estáveis, porém, são profundamente interessantes, pois, não temem experimentar na pele, novas possibilidades. Cada situação de busca e possível encontro é alimento para alma e para o conhecimento. O olhar fica a frente, a sensibilidade ao lado. O familiar é fonte de respeito e conhecimento. Talvez exista uma ruga a mais em alguns momentos perante a indecisão, porém, o brilho nos olhos é mais radiante.

O homem é um ser desejante, desde o nascimento é vorazmente carente de estímulos, novas sensações e conhecimentos. Penso que quando a pessoa canaliza essa energia de busca para algo saudável, ela é alguém com objetivos prioritariamente construtivos. Ela pode ser “faminta” por conhecimento, por aventuras, viagens, por amores. Porém, quando essa mesma energia é canalizada na busca de sensações de prazer, mas que não acrescentam um conteúdo simbólico como, por exemplo, o consumismo exagerado, que é uma marca tão forte de nossa geração, percebemos a criação de um novo perfil de dependentes que, embora não sejam usuários diretos de uma substância química, não sobrevivem sem seus prazeres efêmeros. Logo, se não consomem, imediatamente sentem-se vazios e entristecidos.contioutra.com - Pessoas interessantes, por Josie Conti

A energia do homem precisa ser canalizada para algo que lhe forneça uma identidade, um papel social. A pessoa precisa ter uma ocupação em que se sinta produtiva, mesmo que não seja remunerada integralmente. Precisa de reconhecimento de seu local no mundo e também precisa transmitir características que são só suas, o que caracteriza a herança cultural de um povo.

Porém, se o meio em que vive dita como, quando e com quem devo fazer algo, toda a espontaneidade acaba. Transformamo-nos em máquinas responsivas, não pensantes, ansiosas e muito angustiadas, pois, apesar dos bens alcançados, não existe realização pessoal real.

Acredito que precisamos sim nos enquadrar socialmente, porém, sem perder o olhar a frente e nem nossa criticidade. É necessário que saibamos o real motivo de nossas escolhas para que não retroalimentemos ciclos e mais ciclos de autossabotagem emocional.

Precisamos sentir mais, mesmo que o sentimento seja ruim. Precisamos questionar mais, mesmo que o rosto do colega não seja o mais satisfeito. Porém, mais do que tudo isso, precisamos viver mais e melhor. Enquanto estamos vivos, podemos aprender e mudar.

Trabalhador descartável? Por Josie Conti

Trabalhador descartável? Por Josie Conti

Por Josie Conti

O trabalho tem papel central na vida das pessoas. Ter ou não um trabalho ou um emprego afeta a pessoa em sua perspectiva de vida, de sustento próprio e da família, na sua autoestima e nas relações sociais: ser trabalhador é uma questão de identidade.

Por outro lado, observa-se que as condições, os processos e a organização do trabalho têm afetado negativamente a saúde das pessoas, ocasionando acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Alguns dados:
• Hoje temos cerca de 30% de transtornos mentais menores e 5 a 10% graves entre os trabalhadores no mundo, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde.
• Os transtornos mentais constituem a terceira causa de concessão de benefícios previdenciários por incapacidade temporária para o trabalho, superada apenas pelos acidentes e doenças osteomusculares. Porém, ainda segundo a Organização Mundial da Saúde, ainda nessa década, eles serão a primeira ou segunda causa de afastamento do trabalho.

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Algumas características que devem ser observadas na pessoa que está adoecendo e que estão prioritariamente relacionadas à “organização do trabalho”:

• Excesso de atividades, pressão de tempo e trabalho repetitivo;
• Conflito de papéis entre subordinados e superiores;
• Falta de apoio social, por parte da chefia, colegas e família;
• Tecnologia de produção em série e processos de trabalho extremamente automatizados;
• Trabalhos em turnos;
• Ameaça de desemprego;
• Competição;
• Jornadas prolongadas de trabalho;
• Responsabilidades excessivas e sobrecarga de trabalho;
• Diferenças em valores pessoais da pessoa e o que lhe é cobrado em seu trabalho.

Embora, num primeiro momento, os itens descritos acima não aparentem ser tão diferentes do dia-a-dia da maioria das pessoas, é notório o fato que o número de pessoas que chegam até mesmo ao suicídio em função do trabalho cresceu, e isso inclui o Brasil.

Uma característica comum em trabalhadores que não podem expressar seus sentimentos, é a “supervalorização de doenças físicas”, pois estas são mais visíveis e comprováveis e assim, uma forma concreta de mostrar à sociedade que existe um sofrimento real. O entorpecimento dos sentimentos através do álcool e outras drogas assim como de medicações “lícitas” também é comum.

O trabalho é saudável quando permite que a pessoa exerça de alguma forma sua criatividade, construa algo e, em troca, obtenha reconhecimento social e financeiro. Mesmo o estresse é considerado positivo se for exercido dentro dos limites de tolerância do trabalhador, lembrando que esses limites são individuais e váriáveis temporalmente.

Em recente passagem pelo Brasil, o prof. Yves Clot, conceituado psicólogo do trabalho e pesquisador do Conservatoire National des Arts et Métiers de Paris, participou I Simpósio Internacional Saúde Mental e Trabalho, junho- 2012. Em sua fala ficou clara a disparidade entre as intenções reais do trabalhador e o trabalho que o mesmo deve executar, quando ele descreveu uma pesquisa realizada nos correios de Paris diretamente com os funcionários que tinham a incumbência de, além de realizar os serviços tradicionais de postagem, realizar vendas conjugadas. Segundo o professor, é sabido que os correios, não têm mais condições de sustentar-se apenas com os serviços tradicionais após a internet, sendo assim, os seus funcionários são treinados para vender produtos como caixas para sedex, por exemplo. O que foi estudado foi o efeito psicológico dos funcionários ao lidarem com uma população exigente e que não tinha uma boa adaptação à mudança. O sofrimento também era causado, pois eram clientes usuais, que, muitas vezes levavam suas caixas prontas e preparadas com esmero. O funcionário, então, tinha que dizer a esse cliente que sua caixa não era “apropriada” para o envio e tinha que vender um novo produto.

Podemos fazer um paralelo entre o trabalho exercido, no Brasil, dos funcionários que vendem “garantia estendida” de produtos sem que isso seja o desejo do comprador.

Nesse mesmo seminário, foi dado o exemplo de uma funcionária de uma grande loja de departamento brasileira que, após seguir as instruções da gerência, vendeu um produto com garantia estendida à uma senhora analfabeta tendo, inclusive, que carimbar sua digital. Após esse evento que foi ética e emocionalmente contra os valores da trabalhadora, a mesma adoeceu. Outros exemplos são, por exemplo, os de trabalhadores de serviços de telemarketing que vendem produtos que as pessoas não têm interesses, caixas de bancos que tem metas de “colocar contas em débito automático e fazer vendas” ao mesmo tempo que fazem todos os seus outros serviços, etc.

Vemos, então, e aí retornamos ao entendimento do professor Yves Clot, que as pessoas têm que optar por reações pelas quais elas não gostariam se fossem “livres” para decidir. Aquelas reações que não venceram e que foram, mais ou menos reprimidas, formariam, segundo Clot, “resíduos incontrolados cuja força é apenas suficiente para exercer uma influência na atividade do sujeito, mas contra a qual ele pode ficar sem defesa”. Em suma, o “real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não sem pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos –, aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou que se sonha poder fazer alhures” ou, o que é para ele um paradoxo frequente, “aquilo que se faz para não fazer aquilo que se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer fazer”. E tudo isso sem contar com o que é preciso ser refeito. Essa noção representa, a meu ver, uma contribuição importante para o enriquecimento da análise ergonômica, mas, acima de tudo, deve ser percebida como um recurso inestimável para a apreensão da dimensão subjetiva da atividade, sem a qual uma verdadeira Psicologia do Trabalho jamais poderia se efetivar.

A partir desses argumentos temos que retomar o papel insubstituível do trabalho no desenvolvimento pessoal, na construção da identidade, do próprio valor e na contribuição de cada um para a formação do patrimônio histórico-cultural humano.

Todo profissional que acompanha trabalhadores afastados pelos mais diversos motivos é capaz de identificar o seu declínio social, na autoestima e, em consequência, do humor em geral. Isso quando o sofrimento emocional ainda não é agravado por uma dor crônica ou outro tipo de limitação física permanente.

Então fica a questão: “Nós, como sociedade, permaneceremos coniventes com mecanismos perversos de produção enquanto o nosso próprio capital humano adoece em números assustadores ou chegou a hora de permitir que as pessoas falem o que pensam e sentem sem que sejam punidas pelo sistema?”

Infelizmente, o que tenho visto é uma sociedade de bens de consumo descartáveis também tratando seus próprios produtores de capital como seres absolutamente dispensáveis e facilmente substituíveis.

Você não concorda?

Então reflita se nunca ouviu frases como essas:
“Ninguém é insubstituível.”
“Você não quer, tem quem queira.”
“Se você acha que o seu salário está baixo, eu te demito e contrato outro por 30% menos.”
“A porta é serventia da casa.”

Pense nisso.

Josie Conti- Psicóloga

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Clot, Yves. A função psicológica do trabalho. Editora Vozes, Brasil, 2006.
Clot, Yves. 1º Simpósio Internacional de Saúde Mental e Trabalho no ABC. São Bernardo do Campo. 22 de junho de 2012.
Camargo, D.A; Caetano, D; Guimarães, L.A.M. Psiquiatria Ocupacional: aspectos conceituais, diagnósticos e periciais dos transtornos mentais e do comportamento relacionado ao trabalho. São Paulo. Editora Atheneu, 2010.
Ministério da Saúde. Doenças Relacionadas ao Trabalho- Manual de Procedimentos para o Serviço de Saúde, org. Dias E.c, Brasília: MS, 2001.
Boff BM, Leite DF, Azambuja MIR. Morbidade subjacente à concessão de benefício por incapacidade temporária para o trabalho-Revista Saúde Pública v. 36 no. 3, São Paulo jun. 2002.
Heloani, JR. Sociedade Doente. Revista Proteção v 244. São Paulo, abril 2012.

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