Seja também um propagador de gentilezas, de amor, de carinho, de ajuda… faça de coração, sem esperar nada em troca. Porque um dia, sem que você espere, a vida se encarrega de te devolver todo bem que fizeste ao outro.
No youtube existe um canal chamado Minutos Psíquicos onde podemos encontrar diversos vídeos ilustrados de poucos minutos falando sobre temáticas da área da Psicologia.
Além de indicar o canal, selecionei para você um vídeo em especial que, em 5 minutos, faz a diferenciação entre pessoas de comportamento agressivo, passivo e assertivo.
Entenda a diferença e aproveite as sugestões para a melhora da comunicação.
As ilustrações são de Pedro Francisco, vídeo/edição de Pedro Costa e voz e texto de André Rabelo.
Leymah Gbowee, a ativista liberiana que ajudou a dar fim à Segunda Guerra Civil da Libéria, discute a percepção do “eu fiz sozinho”, que torna a contemporaneidade um período de individualismo ilusório. Para Gbowee, Prêmio Nobel da Paz, a ideia de ter alcançado algo sozinho representa uma falta de pensamento crítico sobre as situações e sobre todas as pessoas que ajudaram, mesmo que indiretamente, o indivíduo a conquistar suas metas. Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2013.
Milan Kundera é um escritor tcheco de 85 anos, naturalizado francês e que ficou conhecido mundialmente após a publicação do livro “A insustentável leveza do ser”.
Vladimir Kush é um artista russo que, através de suas imagens, retrata mitos, metáforas e poesias.
Da soma desses dois artistas surpreendentes, segue a homenagem abaixo.
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“Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Vladimir Kush
“Não estava certo de ter agido bem, mas estava certo de ter agido como queria.”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Vladimir Kush
“O homem não é mais do que a sua imagem. Os filósofos bem podem explicar-nos que a opinião do mundo pouco conta e que só importa aquilo que somos. Mas os filósofos não percebem nada. Enquanto vivermos entre os seres humanos, seremos aquilo que os seres humanos considerarem que somos. Passamos por velhacos ou manhosos quando não paramos de perguntar a nós próprios como nos vêem os outros, quando nos esforçamos por ser o mais simpáticos possível. Mas entre o meu eu e o do outro, existirá algum contacto directo, sem a mediação dos olhos? Será pensável o amor sem uma perseguição angustiada da nossa própria imagem no pensamento da pessoa amada? Quando deixamos de nos preocupar com a maneira como o outro nos vê, deixamos de o amar.”
Milan Kundera, in “A Imortalidade”
Vladimir Kush
“Caminho: faixa de terra sobre a qual se anda a pé. A estrada distingue-se do caminho não só por ser percorrida de automóvel, mas também por ser uma simples linha ligando um ponto a outro. A estrada não tem em si própria qualquer sentido; só têm sentido os dois pontos que ela liga. O caminho é uma homenagem ao espaço. Cada trecho do caminho é em si próprio dotado de um sentido e convida-nos a uma pausa. A estrada é uma desvalorização triunfal do espaço, que hoje não passa de um entrave aos movimentos do homem, de uma perda de tempo.
Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. E também a sua vida ele já não vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo de uma etapa à seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver reduziu-se a um simples obstáculo que é preciso ultrapassar a uma velocidade sempre crescente.”
Milan Kundera, in “A Imortalidade”
Daisy Games, Vladimir Kush
“As perguntas verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular – e apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Fauna in La Mancha
“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Metamorphosis
“Mas o amor nascente aguçou nela a percepção da beleza, e ela jamais esquecerá essa música. Toda vez que a ouvir, tudo o que acontecer em torno dela, nesse momento, ficará impregnado com seu brilho.”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Ocean Sprouts
“Primeiro título pensado para A Insustentável Leveza do Ser: «O Planeta da Inexperiência». A inexperiência como uma qualidade da condição humana. Nascemos uma vez por todas, nunca poderemos recomeçar uma outra vida com as experiências da vida anterior. Saímos da infância sem sabermos o que é a juventude, casamo-nos sem sabermos o que é ser casado, e mesmo quando entramos na velhice, não sabemos para onde vamos: os velhos são crianças inocentes da sua velhice. Neste sentido, a terra do homem é o planeta da inexperiência.”
Milan Kundera, in “A Arte do Romance”
Vladimir Kush
“Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento.”
Milan Kundera, in A Insustentável leveza do ser
Vladimir Kush
“No começo do Gênese está escrito que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais. É claro, o Gênese foi escrito por um homem, e não por um cavalo. Nada nos garante que Deus desejasse realmente que o homem reinasse sobre as outras criaturas. É mais provável que o homem tenha inventado Deus para santificar o poder que usurpou da vaca e do cavalo.”
A pressa cotidiana nos sufoca os sentidos. Já não vemos direito. A beleza do mundo nos passa sem que a percebamos, as cores já não fazem mais efeito, as delicadezas nos fogem por completo à observância. Mal sentimos o sabor das refeições. Comemos rapidamente, olhando a TV, chegando o celular, observando a contagem do tempo para voltar ao trabalho, já não há tempo para saborearmos a vida e ela segue, como se insípida. Nossos ouvidos andam destreinados a ouvir o que não é o necessário, o que não é o essencial. Se o seu filho te diz: “mãe, olha que lindo aquele azul em torno da nuvem!”, adivinha? Você nem o escuta. Afinal, nos ouvidos precisam estar livres para ouvir as coisas sérias do mundo. Os nossos dedos já não buscam a espessura do que tocam, a leveza do que afagam… Nosso olfato anda descordado para as essências mais sublimes. Então, exercitemos a calma… Serenemos o espírito e façamos o seguinte exercício.
Caminhe lentamente
Vale caminhar, ao menos uma vez por dia, sem a pressa do agora. Lentamente. Ver as frestas dos muros. Talvez exista vida nas frestas dos muros. Que insetos vivem ali? Como vivem. O que será que eles fazem enquanto você passa por eles, sem dar fé de suas existências, todos os dias? Os espaçamentos da calçada… A senhora que caminha devagar do outro lado da rua. A criança que chora e grita para que a sua babá a leve no colo: – Vai andando mesmo, já é mocinha! O branco encardido do meio-fio. Tudo isso integra a sua vida e você nem se apercebe disso.
Responda lentamente
Seguramente uma resposta imediata pode dar a você ares de quem detém as soluções do mundo em prontidão, no cérebro. Contudo, essa resposta não trará ao interlocutor a sensação que, certamente, você deseja causar. Quando você responde muito rapidamente, você supervalora a resposta em detrimento da pergunta. Se você para, medita, faz uma pausa antes de responder, você valoriza a conversa, dá ao outro a sensação de que o que perguntou é algo importante que merece ponderação. E isso fortalece os laços entre vocês. Mas, o mais importante, é que você poderá, mesmo, pensar melhor no que responder. Muitas respostas prontas transformam-se em pesadelos eternos… Responda lentamente pesando a intensidade e aferindo a dimensão de cada palavra.
Cultive o silêncio a dois
Quando você consegue estar ao lado de alguém em silêncio, mas percebe que o silêncio não é lacuna. Que o silêncio apenas adorna o momento, enfeita a circunstância, alicerça as palavras que ainda virão. Você percebe que o silêncio pode dizer muito. Pode ser elo. Pode ser o corolário de um sentimento que, de tão grande e intenso, não necessita, no momento, da concreção de qualquer palavra. Então você olha o silêncio com a calma de quem está de flerte com a vida, num namoro com o que ela tem de eterno e encantado. Você não tem pressa para dizer nada. Tudo está dito e é infinito.
Levantou os olhos como se alcançasse o céu. Sua felicidade atingia o mar, o movimento das ondas, o brilho do dia, a cor das plantas, toda uma beleza natural nela se fazia em metamorfose. Ia casar. Ia mudar de vida e ter a sua própria família. Ia ser outra neste espaço sem lugar.
Nas vésperas do seu casamento, Mbale não se bastando do presente e dos conselhos dados pela mãe pôs-se a fazer um pedido, queria um presente não surpresa como o que recebera, mas um proposto por ela. O que Mbale pediu foi de assustar mesmo muito singular, de arrepeiar as veias da mente.
Ela pediu uma cabra, sim… uma cabrita. Mas o que uma cabra podia mudar na sua vida? Que de diferente podia ter isso?
Para a mãe da Mbale isso era radicalmente diferente, era o mesmo que lhe pedir ouro em estado animal ou mágico se prefirirem. Esse pedido foi extremamente ousado para o entender dela.
–”O quê?! … Tu sabes que a Mamedjane é como se fosse minha filha. Não a quero perder principalmente agora que te vais embora.” –Disse a mãe da Mbale.
Mamedjane era a cabra. Ela é que fazia todos os trabalhos domésticos e era a melhor companheira da mãe da Mbale. Linda, de cores nunca antes vistas, uma verdadeira harmonia celestial. Para além da beleza extra gozava igualmente de uma outra; a intra essa que descrevia o Ser de Mamedjane por completo, conquistava o mundo dentro de um um outro mundo, qualquer um que se fizesse perto dela; arrancava-se a razão, muito apesar de que isso nunca se tenha vindo a suceder (estar perto dela).
–”Mamedjane não pode ser vista por ninguém…” –Comentou a mãe, por saber que Mamedjane era uma “cabrita mágica”, e seria um verdadeiro escândalo se a vissem.
Todos que visitavam a casa da Mbale nunca a viram. Mamedjane vivia no mato perto da casa. Na verdade, não vivia morava no mato. Mamedjane vivia mesmo era no seu interior, rodeiada da humana-animal que era. Mamedjane se parecia com ela mesma.
Chegou o dia do casamento, e Mbale suplicou, pediu de joelhos a Mamedjane.
–”Por favor dê–me a …sabe que não cozinho bem ainda, e lá no meu lar há muita coisa por fazer…muitos trabalhos domésticos… por favor não quero passar vergonha, não quero perder o lar…” – Disse Mbale disse lacrimejando.
–”Está bem…dar–te–ei…mas com uma condição: Mamedjane não ficará todo o dia com contigo, trabalhará até ao meio–dia, e não deixes que alguém a veja por nada, ouviste bem?… Prometa–me…prometa–me isso”. –Disse a mãe de Mbale.
E Mbale prometeu cumprir com a promessa.
Assim já tinha quem lhe ajudasse nas tarefas domésticas do lar.
“Ghu…ghu…ghu”, chegava a cabra na casa da família Mhuhere.
–”Hiiiii… é uma cabra, olha a cabra com a lenha na cabeça” –Dizia uma criança chamando as outras. Enquanto isso Mamedjane descarregava a lenha atrás da casa.
Todas as crianças aproximaram–se ao redor de Mamedjane, obeservando–a admirando a situação.
Todos os dias Mbale acordava para ir à machamba e quando voltasse não mais se preocupava com nenhum trabalho caseiro. Pois Mamedjane já os tinha feito todos. Mamedjane cartava água, arrumava a casa, recolhia lenha, e pilava.
Mbale encontrava tudo feito. Todos os dias Mamedjane descarregava lenha atrás da casa. E sempre que fizesse isso era vista pelas crianças da família Mhuhere.
Passado algum tempo ela já era conhecida por todas crianças. A alegria e simpatia de Mamedjane eram radiantes, enfeitiçava qualquer um.
Mamedjane conversava muito, cantava, ria, contava estórias, enfim… era uma óptima amiga. As crianças gostavam tanto da sua canção que nalgumas vezes davam–lhe comida para que Mamedjane cantasse para elas.
–”Mamedjane, canta para nós! Leva esta manga e este pedaço de xima” –Pedia uma criança.
Mamedjane cantava e dançava mas não parava de fazer os seus trabalhos. Enquanto cantava, as crianças aplaudiam radiantes de alegria…
Dias alegres passavam Mamedjane e as crianças naquela casa. De nenhuma maneira o marido de Mbale deveria descobrir, senão se separava dela.
Dias passaram…passaram dias… e organizou–se uma festa na casa da família Mhuhere. E como era normal e habitual as mulheres da família tinham que trabalhar triplicamente nos dias de festa. E Mbale quis poupar esforços, usando a Mamedjane para trabalhar nos preparativos da festa (como sempre faziam os trabalhos quando todos estivessem na machamba).
Já se tinha feito todas as compras: bebidas, comidas, roupas… pois era uma festa de convívio. Havia muito milho por pilar… . Enquanto Mbale ia à machamba, Mamedjane fazia parte dela nos preparativos da festa. Mbale foi ao mato onde vivia Mamedjane avisar para que Mamedjane não fosse trabalhar no dia da festa.
–”Como já sabes, amanhã teremos festa, trouxe comida e bebida já que não deves vir porque ninguém te pode ver. Fiz a questão de seleccionar as melhores partes das comidas e bebidas para ti”. –Explicou Mbale.
Feito isto, Mamedjane deciciu fazer a festa na sua “casa”, começou então a comer e beber. Bebeu…bebeu…bebeu… embriagou tudo que podia. Mamedjane não resistiu a bebida que se encontrava nos potes, aliás a bebida é que não a resistiu e, a bebeu primeiro, num acto assim: metido na vontade quase confundido com tudo que é inabalável, humano e mundano e insano.
Uma das crianças da família Mhuhere, deixou escapar contando ao pai tudo que acontecia quando ele se encontrava ausente.
–”Pai quando não estás cá em casa vem uma cabra descarregar lenha atrás da casa, e ainda por cima ela faz todos trabalhos domésticos”. –Contou uma das crianças, de forma ingénua.
–”O quê?…Que estória é essa? Deves estar a delirar” –Respondeu o pai.
–”Ė verdade pai… ” Insistiu a criança e o pai continuava a não acreditar, pensado que aquilo era apenas uma imaginação infantil.
No dia seguinte, o Sol acordou mais belo que nunca antes tinha se visto. A anunciar a grande e esperada festa na família Mhuhere. Galinhas, vacas, bebidas…e muito mais eram transportados de um lado para o outro.
A correria era intensa, e até se podia ver poeira em todo o quintal. O barulho era mais do que sons gritantes. Muita dança e cantoria faziam–se sentir, a casa estava completamente em orgia.
No meio daqueles tumultos apareceu Mamedjane com lenha nas costas como era habitual, descarregou atrás da casa, só que desta vez todo o mundo estava a ver.
Mamedjane não perdeu tempo, foi levar o pilão e começou a pilar, a cantar … e a rir.
As crianças que lá estavam começaram a saltar de alegria ao ver a sua querida amiga. Puseram–se então a cantar a famosa canção de Mamedjane:
Oooh…Gumba nhfuuu… Vha ca Mhuhere gumba nhfuuu… Va hê mhacinwine gumba nhfuuu…
Tradução:
Oooh… (som do pilar)
A família Mhuhere… (som do pilar)
Foi à machamba… (som do pilar)
Aquilo foi um autêntico escândalo. Ver uma cabra a pilar e cantar! E ainda por cima embriagada… Não é normal. E é quase inacreditável.
–” Olhem…olhem…é uma ca…cab…cabra… a pilar…”
–”Que tipo de feitiçaria é essa?” Gritavam e comentavam apavoradas as pessoas.
O mais engraçado de tudo isto foi toda a gente ver que Mamedjane era conhecida por todas as crianças da família.
O marido da Mbale não levou tempo com a sua arma de caça Bhum…bhum…bhum…atirou no animal matando–o.
Isso era a última coisa que não devia ter acontecido à Mamedjane.
Mbale desesperou–se, pois, já tinha perdido a Mamedjane e não tinha conseguido cumprir com a promessa da sua mãe. Do lado de fora podia-se ouvir alto:
–”Leva o teu animal e SAIA JÁÁA daqui…SUA PREGUIÇOSA…afinal casei–me com quem, contigo ou com a tua cabra?”
Enquanto isso um outro lado se abria dentro dela para que se ouvissem outras vozes: a da dor gritada pelo olhar; e da lágrima num silêncio…
Quadro do pintor Norberto Geraldes
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Hirondina Joshua
Nasceu em Maputo, Moçambique, a 31 de Maio de 1987. Está integrada em várias antologias, revistas, jornais, sites, blogues nacionais e internacionais. Teve Menção Extraordinária no Premio Mundiale di Poesia Nósside 2014.
O filme O Xadrez das Cores, de Marco Schiavon, foi lançado em 2004 e traz uma história tensa, que se desenvolve como um jogo de xadrez. A temática, séria e profunda, fala prioritariamente de descriminação racial.
Entretanto, a história ultrapassa a questão racional e aborda questões como a pobreza, a solidão, a velhice, a perda, e, o que considero mais importante, a superação.
O elenco apresenta Anselmo Vasconcellos, Mirian Pyres, Zezeh Barbosa.
NOTA da CONTI outra: como todo texto de opinião amplamente compartilhado na internet, os posicionamentos de Ruth Manus não agradam a todos. Entretanto, trazem em si a reflexão de uma jovem que, a partir sua própria realidade, empresta a voz para toda uma geração de homens e mulheres que buscam seu lugar social em um mundo em constante transformação.
Às vezes me flagro imaginando um homem hipotético que descreva assim a mulher dos seus sonhos:
“Ela tem que trabalhar e estudar muito, ter uma caixa de e-mails sempre lotada. Os pés devem ter calos e bolhas porque ela anda muito com sapatos de salto, pra lá e pra cá.
Ela deve ser independente e fazer o que ela bem entende com o próprio salário: comprar uma bolsa cara, doar para um projeto social, fazer uma viagem sozinha pelo leste europeu. Precisa dirigir bem e entender de imposto de renda.
Cozinhar? Não precisa! Tem um certo charme em errar até no arroz. Não precisa ser sarada, porque não dá tempo de fazer tudo o que ela faz e malhar.
Mas acima de tudo: ela tem que ser segura de si e não querer depender de mim, nem de ninguém.”
Pois é. Ainda não ouvi esse discurso de nenhum homem. Nem mesmo parte dele. Vai ver que é por isso que estou solteira aqui, na luta.
O fato é que eu venho pensando nisso. Na incrível dissonância entre a criação que nós, meninas e jovens mulheres, recebemos e a expectativa da maioria dos meninos, jovens homens, homens e velhos homens.
O que nossos pais esperam de nós? O que nós esperamos de nós? E o que eles esperam de nós?
Somos a geração que foi criada para ganhar o mundo. Incentivadas a estudar, trabalhar, viajar e, acima de tudo, construir a nossa independência. Os poucos bolos que fiz na vida nunca fizeram os olhos da minha mãe brilhar como as provas com notas 10. Os dias em que me arrumei de forma impecável para sair nunca estamparam no rosto do meu pai um sorriso orgulhoso como o que ele deu quando entrei no mestrado. Quando resolvi fazer um breve curso de noções de gastronomia meus pais acharam bacana. Mas quando resolvi fazer um breve curso de língua e civilização francesa na Sorbonne eles inflaram o peito como pombos.
Não tivemos aula de corte e costura. Não aprendemos a rechear um lagarto. Não nos chamaram pra trocar fralda de um priminho. Não nos explicaram a diferença entre alvejante e água sanitária. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração.
Mas nos ensinaram esportes. Nos fizeram aprender inglês. Aprender a dirigir. Aprender a construir um bom currículo. A trabalhar sem medo e a investir nosso dinheiro. Exatamente como aconteceu com os meninos da nossa geração.
Mas, escuta, alguém lembrou de avisar os tais meninos que nós seríamos assim? Que nós disputaríamos as vagas de emprego com eles? Que nós iríamos querer jantar fora, ao invés de preparar o jantar? Que nós iríamos gostar de cerveja, whisky, futebol e UFC? Que a gente não ia ter saco pra ficar dando muita satisfação? Que nós seríamos criadas para encontrar a felicidade na liberdade e o pavor na submissão?
Aí, a gente, com nossa camisa social que amassou no fim do dia, nossa bolsa pesada, celular apitando os 26 novos e-mails, amigas nos esperando para jantar, carro sem lavar, 4 reuniões marcadas para amanhã, se pergunta “que raio de cara vai me querer?”.
“Talvez se eu fosse mais delicada… Não falasse palavrão. Não tivesse subordinados. Não dirigisse sozinha à noite sem medo. Talvez se eu aparentasse fragilidade. Talvez se dissesse que não me importo em lavar cuecas. Talvez…”
Mas não. Essas não somos nós. Nós queremos um companheiro, lado a lado, de igual pra igual. Muitas de nós sonham com filhos. Mas não só com eles. Nós queremos fazer um risoto. Mas vamos querer morrer se ganharmos um liquidificador de aniversário. Nós queremos contar como foi nosso dia. Mas não vamos admitir que alguém questione nossa rotina.
O fato é: quem foi educado para nos querer? Quem é seguro o bastante para amar uma mulher que voa? Quem está disposto a nos fazer querer pousar ao seu lado no fim do dia? Quem entende que deitar no seu peito é nossa forma de pedir colo? E que às vezes nós vamos precisar do seu colo e às vezes só vamos querer companhia pra um vinho? Que somos a geração da parceria e não da dependência?
E não estou aqui, num discurso inflamado, culpando os homens. Não. A culpa não é exatamente deles. É da sociedade como um todo. Da criação equivocada. Da imagem que ainda é vendida da mulher. Dos pais que criam filhas para o mundo, mas querem noras que vivam em função da família.
No fim das contas a gente não é nada do que o inconsciente coletivo espera de uma mulher. E o melhor: nem queremos ser. Que fique claro, nós não vamos andar para trás. Então vai ser essa mentalidade que vai ter que andar para frente. Nós já nos abrimos pra ganhar o mundo. Agora é o mundo tem que se virar pra ganhar a gente de volta.
Na imagem, Amelie Poulain, pensonagem emblemática por sua busca de um lugar no mundo e de sua própria função social no filme O fabuloso destino de Amelie Poulain
“É no cinema e na literatura que nos enternecemos e derrubamos nossas lágrimas ao testemunhar as sutilezas que esquecemos de enxergar ou não somos capazes de enxergar nos nossos dias de autômatos. Os personagens da ficção têm mais carne que nós, precisamos deles para nos lembrar de quem somos. Os robôs já estão aí, temos agora de reinventar os humanos.” Eliane Brum em A delicadeza dos dias
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NOTA da CONTI outra: É com a frase acima que a jornalista e escritora Eliane Brum define no artigo A delicadeza dos dias a fuga que, muitos de nós, ainda encontramos no mundo das artes. Busca-se algo com o quem se identificar, onde aliviar o mal estar constante que, dia a dia, mina o encanto pela vida e pela existência.
É assustador que, ao contrário de inspirar, a arte tenha se tornado rota de fuga existencial. No texto que transcrevo abaixo, a autora segue na construção do raciocínio sobre o mal estar geral da humanidade com outra crítica relevante, a necessidade da antiautoajuda e do enfrentamento do mal estar no sentido de impacto com a realidade.
As ilustrações que selecionamos para acompanhar o texto são de John Holcroft e falam por si.
Em defesa do mal-estar para nos salvar de uma vida morta e de um planeta hostil. Chega de viver no modo avião
Não tenho certeza se esse ano vai acabar. Tenho uma convicção crescente de que os anos não acabam mais. Não há mais aquela zona de transição e a troca de calendário, assim como de agendas, é só mais uma convenção que, se é que um dia teve sentido, reencena-se agora apenas como gesto esvaziado. Menos a celebração de uma vida que se repactua, individual e coletivamente, mais como farsa. E talvez, pelo menos no Brasil, poderíamos já afirmar que 2013 começou em junho e não em janeiro, junto com as manifestações, e continua até hoje. Mas esse é um tema para outra coluna, ainda por ser escrita. O que me interessa aqui é que nossos rituais de fim e começo giram cada vez mais em falso, e não apenas porque há muito foram apropriados pelo mercado. Há algo maior, menos fácil de perceber, mas nem por isso menos dolorosamente presente. Algo que pressentimos, mas temos dificuldade de nomear. Algo que nos assusta, ou pelo menos assusta a muitos. E, por nos assustar, em vez de nos despertar, anestesia. Talvez para uma época de anos que, de tão acelerados, não terminam mais, o mais indicado seja não resoluções de ano-novo nem manuais sobre ser feliz ou bem sucedido, mas antiautoajuda.
Quando as pessoas dizem que se sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo, sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”. É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse mundo que ajudamos a criar e que nos violenta. Não acho que os felizes e saltitantes sejam mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.
John Holcroft’s work
Olho ao redor e não todos, mas quase, usam algum tipo de medicamento psíquico. Para dormir, para acordar, para ficar menos ansioso, para chorar menos, para conseguir trabalhar, para ser “produtivo”. “Para dar conta” é uma expressão usual. Mas será que temos de dar conta do que não é possível dar conta? Será que somos obrigados a nos submeter a uma vida que vaza e a uma lógica que nos coisifica porque nos deixamos coisificar? Será que não dar conta é justamente o que precisa ser escutado, é nossa porção ainda viva gritando que algo está muito errado no nosso cotidiano de zumbi? E que é preciso romper e não se adequar a um tempo cada vez mais acelerado e a uma vida não humana, pela qual nos arrastamos com nossos olhos mortos, consumindo pílulas de regulação do humor e engolindo diagnósticos de patologias cada vez mais mirabolantes? E consumindo e engolindo produtos e imagens, produtos e imagens, produtos e imagens?
A resposta não está dada. Se estivesse, não seria uma resposta, mas um dogma. Mas, se a resposta é uma construção de cada um, talvez nesse momento seja também uma construção coletiva, na medida em que parece ser um fenômeno de massa. Ou, para os que medem tudo pela inscrição na saúde, uma das marcas da nossa época, estaríamos diante de uma pandemia de mal-estar. Quero aqui defender o mal-estar. Não como se ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deveria estar ali, e portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo. Defendo o mal-estar – o seu, o meu, o nosso – como aquilo que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que destrutiva e, nos últimos séculos, também autodestrutiva. É o mal-estar que nos diz que algo está errado e é preciso se mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda, mas como uma troca de posição, o que custa, demora e exige os nossos melhores esforços. Exige que, pela manhã, a gente não apenas acorde, mas desperte.
John Holcroft’s work
Anos atrás eu escreveria, como escrevi algumas vezes, que o mal-estar desta época, que me parece diferente do mal-estar de outras épocas históricas, se dá por várias razões relacionadas à modernidade e a suas criações concretas e simbólicas. Se dá inclusive por suas ilusões de potência e fantasias de superação de limites. Mas em especial pela nossa redução de pessoas a consumidores, pela subjugação de nossos corpos – e almas – ao mercado e pela danação de viver num tempo acelerado.
Sobre essa particularidade, a psicanalista Maria Rita Kehl escreveu um livro muito interessante, chamado O Tempo e o Cão (Boitempo), em que reflete de forma original sobre o que as depressões expressam sobre o nosso mundo também como sintoma social. Logo no início, ela conta a experiência pessoal de atropelar um cachorro na estrada – e a experiência aqui não é uma escolha aleatória de palavra. Kehl viu o cachorro, mas a velocidade em que estava a impedia de parar ou desviar completamente dele. Conseguiu apenas não matá-lo. Logo, o animal, cambaleando rumo ao acostamento, ficou para trás no espelho retrovisor. É isso o que acontece com as nossas experiências na velocidade ditada por essa época em que o tempo foi rebaixado a dinheiro – uma brutalidade que permitimos, reproduzimos e com a qual compactuamos sem perceber o quanto de morte há nessa conversão.
John Holcroft’s work
Sobre a aceleração, diz a psicanalista: “Mal nos damos conta dela, a banal velocidade da vida, até que algum mau encontro venha revelar a sua face mortífera. Mortífera não apenas contra a vida do corpo, em casos extremos, mas também contra a delicadeza inegociável da vida psíquica. (…) Seu esquecimento (do cão) se somaria ao apagamento de milhares de outras percepções instantâneas às quais nos limitamos a reagir rapidamente para em seguida, com igual rapidez, esquecê-las. (…) Do mau encontro, que poderia ter acabado com a vida daquele cão, resultou uma ligeira mancha escura no meu para-choque. (…) O acidente da estrada me fez refletir a respeito da relação entre as depressões e a experiência do tempo, que na contemporaneidade praticamente se resume à experiência da velocidade”. O que acontece com as manchas escuras, com o sangue deixado para trás, dentro e fora de nós? Não são elas que nos assombram nas noites em que ofegamos antes de engolir um comprimido? Como viver humanamente num tempo não humano? E como aceitamos ser submetidos à bestialidade de uma vida não viva?
Hoje me parece que algo novo se impõe, intimamente relacionado a tudo isso, mas que empresta uma concretude esmagadora e um sentido de urgência exponencial a todas as questões da existência. E, apenas nesse sentido, algo fascinante. A mudança climática, um fato ainda muito mais explícito na mente de cientistas e ambientalistas do que da sociedade em geral é esse algo. A evidência de que aquele que possivelmente seja o maior desafio de toda a história humana ainda não tenha se tornado a preocupação maior do que se chama de “cidadão comum” é não uma mostra de sua insignificância na vida cotidiana, mas uma prova de sua enormidade na vida cotidiana. É tão grande que nos tornamos cegos e surdos.
John Holcroft’s work
Em uma entrevista recente, aqui publicada como “Diálogos sobre o fim do mundo”, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro evoca o pensador alemão Günther Anders (1902-1992) para explicar essa alienação. Anders afirmava que a arma nuclear era uma prova de que algo tinha acontecido com a humanidade no momento em que se mostrou incapaz de imaginar os efeitos daquilo que se tornou capaz de fazer. Reproduzo aqui esse trecho da entrevista: “É uma situação antiutópica. O que é um utopista? Um utopista é uma pessoa que consegue imaginar um mundo melhor, mas não consegue fazer, não conhece os meios nem sabe como. E nós estamos virando o contrário. Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas que não somos nem capazes de imaginar. A gente sabe fazer a bomba atômica, mas não sabe pensar a bomba atômica. O Günther Anders usa uma imagem interessante, a de que existe essa ideia em biologia da percepção de fenômenos subliminares, abaixo da linha de percepção. Tem aquela coisa que é tão baixinha, que você ouve mas não sabe que ouviu; você vê, mas não sabe que viu; como pequenas distinções de cores. São fenômenos literalmente subliminares, abaixo do limite da sua percepção. Nós, segundo ele, estamos criando uma outra coisa agora que não existia, o supraliminar. Ou seja, é tão grande, que você não consegue ver nem imaginar. A crise climática é uma dessas coisas. Como é que você vai imaginar um troço que depende de milhares de parâmetros, que é um transatlântico que está andando e tem uma massa inercial gigantesca? As pessoas ficam paralisadas, dá uma espécie de paralisia cognitiva”.
O fato de se alienar – ou, como fazem alguns, chamar aqueles que apontam para o óbvio de “ecochatos”, a piada ruim e agora também velha – nem impede a corrosão acelerada do planeta nem a corrosão acelerada da vida cotidiana e interna de cada um. O que quero dizer é que, como todos os nossos gritos existenciais, o fato de negá-los não impede que façam estragos dentro de nós. Acredito que o mal-estar atual – talvez um novo mal-estar da civilização – é hoje visceralmente ligado ao que acontece com o planeta. E que nenhuma investigação da alma humana desse momento histórico, em qualquer campo do conhecimento, possa prescindir de analisar o impacto da mudança climática em curso.
John Holcroft’s work
De certo modo, na acepção popular do termo “clima”, referindo-se ao estado de espírito de um grupo ou pessoa, há também uma “mudança climática”. Mesmo que a maioria não consiga nomear o mal-estar, desconfio que a fera sem nome abra seus olhos dentro de nós nas noites escuras, como o restante dos pesadelos que só temos quando acordados. Há esse bicho que ainda nos habita que pressente, mesmo que tenha medo de sentir no nível mais consciente e siga empurrando o que o apavora para dentro, num esforço quase comovente por ignorância e anestesia. E a maior prova, de novo, é a enormidade da negação, inclusive pelo doping por drogas compradas em farmácias e “autorizadas” pelo médico, a grande autoridade desse curioso momento em que o que é doença está invertido.
São Paulo é, no Brasil, a vitrine mais impressionante dessa monumental alienação. A maior cidade do país vem se tornando há anos, décadas, um cenário de distopia em que as pessoas evoluem lentamente entre carros e poluição, encurraladas e cada vez mais violentas nos mínimos atos do dia a dia. No último ano, a seca e a crise da água acentuaram e aceleraram a corrosão da vida, mas nem por isso a mudança climática e todas as questões socioambientais relacionadas a ela tiveram qualquer impacto ou a mínima relevância na eleição estadual e principalmente na eleição presidencial. Nada. A maioria, incluindo os governantes, sequer parece perceber que a catástrofe paulista, que atinge a capital e várias cidades do interior, é ligada também à devastação da Amazônia. O tal “mundo como o conhecemos” ruindo e os zumbis evolucionando por ruas incompatíveis com a vida sem qualquer espanto. Nem por isso, ouso acreditar, deixam sequer por um momento de ser roídos por dentro pela exterioridade de sua condição. A vida ainda resiste dentro de nós, mesmo na Zumbilândia. E é o mal-estar que acusa o que resta de humano em nossos corpos.
É de um cientista, Antonio Nobre, um texto fundamental. Ler “O futuro climático da Amazônia” não é uma opção. Faça um favor a si mesmo e reserve uma hora ou duas do seu dia, o tempo de um filme, entre na internet e leia as 40 páginas escritas numa linguagem acessível, que faz pontes com vários campos do conhecimento. Há trechos de grande beleza sobre a maior floresta tropical do planeta, território concreto e simbólico sobre o qual o senso comum, no Brasil alimentado pela propaganda da ditadura civil-militar, construiu uma ideia de exploração e de nacionalismos que só vigora até hoje por total desconhecimento. É também por ignorância nossa que o atual governo, reeleito para mais um mandato, comanda na Amazônia seu projeto megalômano de grandes hidrelétricas com escassa resistência. E causa, agora, neste momento, um desastre ambiental de proporções não mensuradas em vários rios amazônicos e o etnocídio dos povos indígenas da bacia do Xingu.
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Antonio Nobre mostra como uma floresta com um papel – insubstituível – na regulação do clima do Brasil e do planeta teve, nos últimos 40 anos, 762.979 quilômetros quadrados desmatados: o equivalente a três estados de São Paulo ou duas Alemanhas. Ou o equivalente a mais de 12 mil campos de futebol desmatados por dia, mais de 500 por hora, quase nove por minuto. Somando-se a área de desmatamento corte raso com a área degradada, alcançamos a estimativa aterradora de que, até 2013, 47% da floresta amazônica pode ter sido impactada diretamente por atividade humana desestabilizadora do clima. “A floresta sobreviveu por mais de 50 milhões de anos a vulcanismos, glaciações, meteoros, deriva do continente”, escreve Nobre. “Mas em menos de 50 anos está ameaçada pela ação de humanos.” A Amazônia dá forma ao momento da História em que a humanidade deixa de temer a catástrofe para se tornar a catástrofe.
Como é possível que isso aconteça bem aqui, agora, e tão poucos se importem? Se não despertarmos do nosso torpor assustado, nossos filhos e netos poderão viver e morrer não com a Amazônia transformada em savana, mas sim em deserto, com gigantesco impacto sobre o clima do planeta e a vida de todas as espécies. Para se ter uma ideia da magnitude do que estamos fazendo, por ação ou por omissão, por alienação, anestesia ou automatismo, alguns dados. Uma árvore grande transpira mais de mil litros de água por dia. A cada 24 horas a floresta amazônica lança na atmosfera, pela transpiração, 20 bilhões de toneladas de água – ou 20 trilhões de litros de água. Para se ter uma ideia comparativa, o rio Amazonas lança menos que isso – cerca de 17 bilhões de toneladas de água por dia– no oceano Atlântico. Não é preciso ser um cientista para imaginar o que acontecerá com o planeta sem a floresta.
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Nobre defende que já não basta zerar o desmatamento. Alcançamos um nível de destruição em que é preciso regenerar a Amazônia. A floresta não é o “pulmão do mundo”, ela é muito mais do que isso: é o seu coração. Não como uma frase ultrapassada e clichê, mas como um fato científico. É o mundo e não só o Brasil que precisa se engajar nessa luta: o cientista defende que, se não quisermos alcançar o ponto de não retorno, deveríamos empreender – já, agora – um esforço de guerra: começando por uma guerra contra a ignorância. Fazer uma campanha tão forte e eficaz como aquela contra o tabaco. Isso, claro, se quisermos continuar a viver.
Nessa época de tanta conexão, em que a maioria passa quase todo o tempo de vigília conectado na internet, há essa desconexão mortífera com a realidade do planeta – e de si. Como cidadão, a maioria no máximo recicla o seu lixo, achando que está fazendo um enorme esforço, mas não se informa nem participa dos debates e das decisões sobre as questões do clima, da Amazônia e do meio ambiente. Neste e em vários sentidos, é como existir no “modo avião” do celular. Um estar pela metade, o suficiente apenas para cumprir o mínimo e não se desligar por completo. Um contato sem contato, um toque que não toca nem se deixa tocar. Um viver sem vida.
É preciso sentir o mal-estar. Sentir mesmo – e não silenciá-lo das mais variadas maneiras, inclusive com medicação. Ou, como diz a pensadora americana Donna Haraway: “É preciso viver com terror e alegria”.
Só o mal-estar pode nos salvar.
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Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas.
“O oposto de depressão não é felicidade, e sim vitalidade, e ela parecia fugir de mim naquele momento.”
Em uma palestra tão eloquente quanto devastadora, o escritor Andrew Solomon nos leva aos cantos mais escuros de sua mente, nos anos em que lutou contra a depressão. Isso o levou a uma reveladora jornada pelo mundo, entrevistando pessoas com depressão, descobrindo, para sua surpresa, que quanto mais ele falava, mais as pessoas queriam contar suas histórias. (Filmado no TEDxMet.)
Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: Era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola estiver aberta, vão embora para nunca mais voltar.
Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades…
Suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.
Certa vez, voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão.
“- Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco de encanto que eu vi, como presente para você…”.
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como fogo, penacho dourado na cabeça.
“… Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga.
Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.”
E de novo começavam as estórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso voltava sempre.
Mas chegava sempre uma hora de tristeza.
“- Tenho que ir”, ele dizia.
“- Por favor não vá, fico tão triste, terei saudades e vou chorar….”.
“- Eu também terei saudades”, dizia o pássaro. “– Eu também vou chorar.Mas eu vou lhe contar um segredo: As plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudades. Eu deixarei de ser um pássaro encantado e você deixará de me amar.
Assim ele partiu. A menina sozinha chorava de tristeza à noite, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa destas noites que ela teve uma ideia malvada.
“- Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. Nunca mais terei saudades, e ficarei feliz”.
Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera.
Finalmente ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para contar.
Cansado da viagem, adormeceu.
Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Foi acordar de madrugada, com um gemido triste do pássaro.
“- Ah! Menina… Que é que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias…”.
Sem a saudade, o amor irá embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas isto não aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando diferente. Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram- se num cinzento triste. E veio o silêncio; deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não mais aguentou.
Abriu a porta da gaiola.
“- Pode ir, pássaro, volte quando quiser…”.
“- Obrigado, menina. É, eu tenho que partir. É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente. Sempre que você ficar com saudades, eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudades, você ficará mais bonita. E você se enfeitará para me esperar…”
E partiu. Voou que voou para lugares distantes. A menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade crescia.
“- Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo…”.
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos; e penteava seus cabelos, colocava flores nos vasos…
“- Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o pássaro.
Porque em algum lugar ele deveria estar voando. De algum lugar ele haveria de voltar.
AH! Mundo maravilhoso que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento.
– Quem sabe ele voltará amanhã….
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
Você já pensou com carinho sobre qual é o sentido da vida? E se uma criança lhe fizesse essa pergunta?
Durante uma palestra no Wilbur Theatre, de Boston, o astrofísico Neil deGrasse Tyson* foi interrompido por Jack, de 6 anos, que lhe perguntou qual era o sentido da vida.
Vejam como ele se saiu com a resposta e entenda as palmas da platéia.