A arte do desapego

A arte do desapego

Por Nara Rúbia Ribeiro

Muitos vivenciam o amor como um rasgo a que a alma se submete intencionalmente para exigir que a mão do amado a costure. O problema é que a mão do outro nem sempre está disponível para esse trabalho: a alma sangra, dói, e os rasgos se expandem… A dor, quando bem resolvida, pode ser um prenúncio de beleza. Mas, para que o belo de fato advenha, é preciso viver a dor, senti-la, tocá-la, integrar-se a ela, e transmutá-la, sabedores de que o vivenciar a dor também é parte do exercício de amor.

Já tive muitos castelos desmoronados na poeira dos dias. Quem não os teve? E a dor, nesse caso, é inevitável. Em nossa alma aprendiz, amar é desejar estar ao lado do outro, dentro do outro. É querer ser o outro sem sair de si mesmo. É construir uma redoma de sonho e ali inserir o amado, sob a eterna e vigilante proteção dos nossos olhos. E queremos que o outro caiba exatamente no nosso sonho e viva o nosso projeto de existência. Que ele esteja no cenário que construímos e encene o papel que lhe escrevemos.

E, num repente, algum novo vento nos sopra e mostra que o outro não é exatamente o aquele a quem julgamos amar. Percebemos que ele tem segredos e mistérios maiores que pensávamos e ficamos perplexos ao perceber que ele tem caminhos traçados e que quer percorrê-los, muitas vezes, sem nós. Perdemos a voz ao saber que a alma do outro é hóspede e hospedeira de outras almas. E as nossas pernas tremem ao constatar que a redoma era ilusão. Que todo o castelo de amor era ilusório. E a dor chega e castiga e fustiga a alma com cem mil acusações.

O que nos sangra, num momento como esse, é a obrigação de desamar. Mas será que isso existe? Os poetas, há muito, já apregoaram que o amor é sempre “para sempre”. Questionaremos as verdades poéticas? Banalizaremos o amor? Faremos dele um bibelô barato e quebrável destinado a adornar, por breves dias, as estantes da nossa alma?

Ocorre que somos ainda aprendizes da arte do eterno. O amor não reside senão no desejo da plenitude do outro. Ele não se esmera a não ser no respeito ao outro. Ele não pulsa a não ser para o querer o bem e sonha que o outro, pássaro livre em perfeição de voo, possa vislumbrar, dos cumes de si mesmo, os mais belos sentimentos e paisagens da terra.

E assim, quando o outro não mais deseja estar ao nosso lado, isso nos fere e sangra, mas o que nos massacra não é o outro. É desejo egoístico de aprisionar um espírito que também, assim como nós, tem sede de infinitos.

Tenho comigo que o que mais dói é a obrigatoriedade que nos impomos, quando o castelo desmorona, de desamar o outro. E embora talvez não o tenhamos amado de fato, fizemos um esboço de amor e é desorientador apagá-lo. Desamar é doloroso demais, porque o desfazimento do amor é contrário à nossa natureza etérea, espiritual, eterna.

Devemos, sim, exercitar o desapego; não o desamor. Desejar a liberdade, a integralidade, a plenitude do outro. Compreender que o que dói não é o amor não correspondido, mas a quebra das correntes (talvez até de ouro) com que tentávamos prender alguém. Apenas quando soubermos apreciar com encantamento a liberdade, seja ela nossa ou de um ser amado, teremos conhecido a face invisível e invencível de um amor verdadeiro.

E a alma, outrora rasgada, fará das cicatrizes uma arte emoldurada e rebordada de vida, na certeza de que toda a dor, bem lá no fundo, labora a nosso favor.

Goiânia, 01 de fevereiro e 2015.

Olhar como da primeira vez

Olhar como da primeira vez

Os lugares que frequentamos e as pessoas que estão à nossa volta vão ficando invisíveis com o passar do tempo. Aos poucos, nossa atenção encontra novos alvos e a paisagem some, como somem os rostos e a realidade particular de cada um, até que não reste quase nada. E, no entanto, estão todos vivos a nosso lado, e o sol se põe de um modo que um dia nos pareceu tão bonito, e aquela mulher canta de um jeito que antes nos fascinava tanto. Esse mundo querido ficou invisível para nós porque nos acostumamos com ele – e acostumar-se quer dizer não mais notar, não ouvir e talvez amar um pouco menos. Mas toda a beleza perdida aparece outra vez quando abrimos os olhos e vemos tudo de novo – como da primeira vez.

(Luiz Carlos Lisboa, “O som do silêncio”, Editora Verus, página 79)

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A gratidão e as pequenas gentilezas

A gratidão e as pequenas gentilezas

Por Lourival Antonio Cristofoletti

Dói constatar que há muito pouco espaço para a gratidão manifesta, não importa sobre que tipo de justificativa: somos pródigos em arrumar desculpas, mesmo a respeito de pequenas omissões. Geralmente não nos detemos o suficiente para analisar a importância que tiveram e têm em nossas vidas os conselhos e as atitudes de pessoas que cruzaram o nosso caminho nas mais variadas circunstâncias (muitas vezes nem as conhecíamos, o que não as impediram de ter desempenhado um papel importantíssimo no rumo de nossas vidas).

Estão perdidas em algum canto obscuro da nossa memória aquelas pessoas que:

– despertaram em nós uma vocação, ou até mesmo nos ensinaram a arte de um hobby, de um esporte, de uma profissão: foram para nós, num determinado momento, um ícone, uma referência; lógico que depois, fizemos por merecer o que somos e construímos hoje, mas, seguramente, sem aquele “empurrão”, tudo teria sido muito mais difícil (ou, quem sabe, até impossível);

– num momento difícil de nossas vidas, em que o dinheiro era muito escasso, alimentaram nossos estômagos vazios, com lanches simples e maravilhosos, e/ou nos abrigaram por uns tempos, cedendo um espaço para ficarmos, tudo isso sem nada nos cobrar;

– nos disseram que haveria um concurso interessante, e, que muitas vezes, até nos emprestaram o dinheiro para a inscrição (através delas prestamos o concurso, fomos aprovados e estamos trabalhando lá até hoje);

– nos apresentaram ao mundo das artes e da cultura em geral, emprestando-nos discos e livros, nos permitindo o acesso à leitura de jornais, revistas (pode ser que nem nos emprestaram nada, mas, como vizinhos, nos brindaram com o som de cantores e músicas inesquecíveis), muitos deles determinantes nos rumos da nossa vida.

Merecem igualmente um espaço nobre na galeria da gratidão todas as pessoas que trabalharam para nós, ou nos prestaram serviços (em escolas, creches), cuidando de nossos filhos, principalmente quando eles eram mais indefesos: você pode até argumentar que sempre lhes pagou muito bem por esse serviço (o que não se discute), mas não se esqueça que, mesmo assim, seus filhos poderiam ter sido maltratados, agredidos, ter adquirido péssimos hábitos.

As pessoas, quando são atendidas em suas pequenas ou grandes solicitações, raramente se dignam a agradecer a gentileza a quem as valorizou e se mobilizou, sabe lá a que preço (em termos de dificuldade, de ordenação de agenda, disponibilidade de tempo), para atendê-las.

Agem como se fosse obrigação sua, como se fossem naturais os pedidos delas, como se fosse uma honra atendê-las, mesmo que você nunca as tenha visto ou ouvido falar delas antes. É bom se ressaltar que, quanto maior a amizade, maior a necessidade da valorização do gesto.

É restrito, também, o espaço das pequenas gentilezas, principalmente no trânsito. Quando você quer sair de uma vaga diagonal, e o trânsito está intenso, é normal você ter que esperar muito tempo: geralmente alguém só pára o carro e lhe dá passagem se ele estiver interessado em ocupar a sua vaga.

Se você quase sobe na calçada com o carro, ou espera pacientemente, para lhe dar passagem, o motorista passa por você na maior imponência e desprezo, sem olhar de lado e sem dar o menor aceno de reconhecimento pela gentileza com que foi distinguido, como se fosse um imenso prazer para você ter cedido espaço para tão importante personalidade.

Vestidas as carapuças, o mais importante de qualquer reflexão não é provocar lágrimas, arrependimentos, autocensuras: o que mais interessa é, com base no estímulo ao nosso campo de memória, o que podemos fazer de diferente agora, a partir do resgate da consciência de significativos momentos de nossa existência.

É possível reparar alguma coisa com aquelas pessoas que tanto representaram para nós? Se a resposta for negativa (“já morreram”, “não tenho a menor idéia como reencontrá-las”, etc.), cabe outra reflexão, como forma grata de “pagamento” pelo que, de maravilhoso, recebi um dia: “O que está ao meu alcance fazer, para participar da vida de outras pessoas, que, no momento presente, tal como eu, precisam de algum tipo de estímulo?”.

E por que tudo isso? E por que dar atenção a esses convites? Se não movido por impulsos afetivos, éticos e de reconhecimento, pelo menos em atenção a um princípio interessante na vida, que nos convida a continuamente renovarmos o ciclo “receber, agradecer, desfrutar, compartilhar, devolver”.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - A gratidão e as pequenas gentilezasPaulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

Que o mundo nunca se esqueça de Mandela, o pai da liberdade!

Que o mundo nunca se esqueça de Mandela, o pai da liberdade!

“Penso que a essência, a luz de um grande espírito se expande no tempo e nos inunda os espaços. Uma grande alma nunca finda.

Sempre digo que o que diferencia um ser iluminado dos demais humanos é basicamente isso: a grandeza, o sucesso de um indivíduo de alma opaca pode produzir em nós até alguma admiração, mas faz com que dimensionemos a nossa pequenez.

A alma iluminada, como a de Mandela, não. Mandela não nos faz lembrar do quão pequenos somos, ele nos faz enxergar o que seremos, ele amplia nosso horizonte interior de modo que passamos a acreditar em nós mesmos.” 

Nara Rúbia Ribeiro

Nota da CONTI outra: A homenagem que aparece no vídeo foi realizada pelo coro musical Soweto Gospel Choir, da África do Sul em  07 de dezembro de 2013, alguns dias após o seu falecimento. O tributo, realizado em forma de flasmob, trouxe os músicos vestidos como funcionários de um supermercado em Soweto. A canção “Asimbonanga” do músico sul-africano Johnny Claggna foi escrita na década de 70 quando Mandela ainda estava preso. A letra diz: “Não vimos ele/ Não vimos Mandela/ No lugar onde ele está/ No lugar onde ele é mantido”. (Fonte: Pragmatismo político)

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

A Casa de Pequenos Cubinhos, um curta sobre a solidão

A Casa de Pequenos Cubinhos, um curta sobre a solidão

A animação conta a história de um velhinho que vive solitário em uma cidade inundada. À medida que a água sobe, o senhor eleva sua casa com pequenos tijolos em forma de cubos para se manter fora do nível do lago sobre o qual vive. Então, um dia, seu cachimbo favorito cai e vai parar em um andar mais baixo de onde sua real moradia encontrava-se naquele momento. Muito apegado ao cachimbo, ele decide comprar uma roupa de mergulho e ir atrás dele. Ao mergulhar, passa a reviver toda a história dele, de sua família e, claro, a da casa, cujos vários andares (cerca de 10), agora estão todos submersos, exceto o último.

A CASA DE PEQUENOS CUBINHOS

Título original:Tsumiki no ie.
Direção: Kunio Katô.
País: Japão.
Ano: 2008.
Digital. 12 min.

Os dez mais extraordinários poemas de Manoel Bandeira

Os dez mais extraordinários poemas de Manoel Bandeira

Editorial CONTi outra

Manuel Bandeira nasceu em 1886 e figura entre os grandes nomes da poesia brasileira. Lecionou Literatura, foi crítico literário e crítico de arte. Inclinado à música e à arquitetura, foi na dor que se descobriu poeta, enquanto em tratamento de uma tuberculose.

Situado entre os modernistas, sua temática permeia sua paixão pela vida, seu grande erotismo, o amor, a morte e a solidão. Sua requintada ironia diante da dor e do medo são marcos seus. Não raro invoca, com sensibilidade e maestria, suas  memórias da infância.

Separamos aqui dez de seus mais extraordinários poemas, segundo a nossa leitura do autor. Esteja à vontade para fazer mais sugestões aqui mesmo, nos comentários.

1 – DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

2 – POEMETO IRÔNICO

O que tu chamas tua paixão,
É tão somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade…

Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.

Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.

Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios…

Tu te perguntas, curioso, quais
Serão seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento…

E acima disso, buscas saber
Os seus instintos, suas tendências…
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.

E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade…
O que tu chamas tua paixão
É tão-somente curiosidade.

3 – POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

4 – PORQUINHO-DA-ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

– O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

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Espaço Pasárgada, localizado em Recife

5 – VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica

Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

6 – TERESA

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

7 – MAÇÃ

Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário
És vermelha como o amor divino.

Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente

E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel.

8 – O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor_
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

9 – PNEUMOTORAX

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

10 – O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Vou-me embora pra Pasárgada, declamado por Antônio Abujamra

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Furto de flor, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade

Furto de flor, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade

Furto de flor

Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.

Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida

Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.

Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me.

– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!

Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Rio de Janeiro, José Olympio, 1985. p. 80.

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3 comportamentos dos pais que fazem com que seus filhos chorem secretamente

3 comportamentos dos pais que fazem com que seus filhos chorem secretamente

Por Gary and Joy Lundberg

Via contioutra.com - 3 comportamentos dos pais que fazem com que seus filhos chorem secretamente

Às vezes os pais não percebem o impacto de certos comportamentos sobre seus filhos. Pais amorosos não querem prejudicar seus filhos física ou psicologicamente, mas se você não tomar cuidado, pode acontecer. Essas ações podem fazer com que essas pequenas almas preciosas que você tanto ama chorem no meio da noite, sem o seu conhecimento.

Abaixo, selecionamentos 3 dos 4 tópicos da matéria original.

1. Permitir que seus filhos pequenos vejam notícias angustiantes

As crianças não têm a experiência necessária para processar tragédias relatadas. Tudo se torna muito real, como se tivesse acontecido na casa ao lado ou pudesse acontecer agora mesmo em sua própria casa. Mesmo se pudesse, as criancinhas não devem ser sobrecarregadas com as possibilidades disso. Elas podem ficar extremamente assustadas. Preste atenção no que seus filhos assistem na TV e no que você fala na presença deles.

Uma mulher compartilhou sua experiência de quando era criança. Ela tinha 5 anos quando o único filho de uma família proeminente foi sequestrado. Esse era o tópico de discussão todos os dias em todos os lugares. Porque a criança tinha sido sequestrada em sua própria cama durante a noite. Ela foi para a cama temendo que fosse a próxima, e por muitas noites ela chorou até dormir de medo. Seus pais não tinham ideia da profundidade da sua ansiedade.

Os pequenos muitas vezes não sabem como falar sobre isso. Incentive-os a contar se eles estiverem com medo. Os pais devem ser sensíveis a isso e protegê-los de ser muito expostos a notícias catastróficas.

Uma psicóloga convidada em um programa de entrevistas na TV contou como esta mesma coisa aconteceu com as crianças quando os terroristas atacaram o World Trade Center em 2001. Você deve se lembrar que foi mostrado várias e várias vezes, durante o dia todo por vários dias, até mesmo semanas. Ela explicou que uma criança vendo isso pensa que está acontecendo de novo e de novo, não que seja um relatório repetido daquele mesmo ataque. Elas podem ter medo muito além do que você pode imaginar. Ela advertiu os pais a proteger seus filhos contra esse tipo de notícia.

2. Brigar com seu cônjuge

Às vezes parece que os pais levam a sério o conselho irônico de Phyllis Diller: “Nunca vá para a cama bravo. Fique acordado e brigue.” O que faz você pensar que seus filhos não podem ouvi-lo através das finas paredes de sua casa? Eles podem, e odeiam. Se eles ouvem vocês brigando eles pensam que algo terrível vai acontecer com sua família. Não coloque esse peso sobre eles.

As crianças não conseguem identificar se um argumento barulhento é sério ou não. Tudo soa sério para eles. Acalme-se e converse calmamente e em voz baixa enquanto você discute os problemas com seu cônjuge. Ou, vá para uma caminhada ou passeio de carro onde não há chances das crianças ouvirem seu conflito. Isso não quer dizer que as crianças não devem ouvir seus pais tendo opiniões diferentes e conversando sobre isso. Isso pode ser realmente bom para uma criança. É a briga, os gritos, o falar alto que lhes machuca e faz com que elas enterrem suas cabeças em seus travesseiros e chorem, porque elas não costumam ver a resolução de conflitos.

3. Insultar seus filhos e às vezes até bater neles

Aquele velho ditado que diz “paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca vão me machucar”, não é verdade. Insultar seus filhos, chamando-os de preguiçosos, não bons o suficiente, vagabundos sem valor, pode cortar o coração. Examine-se e veja se você está usando nomes insultuosos quando você repreende seus filhos. Se assim for, pare com isso! Os nomes que os chama machucam muito mais do que você pode perceber. Não irá inspirá-los a serem melhores. Se acha que vai adiantar alguma coisa, vai ter o efeito oposto.

Se você está batendo nos seus filhos, você está lhes ensinando que bater é um comportamento aceitável. Não é, nem de você nem deles! Você pode ser firme em sua disciplina, sem ferir seus filhos. Estabeleça limites com seus filhos ao ser amável, gentil, respeitoso e firme. Os resultados serão muito mais positivos e eles não vão acabar chorando até dormir.

Dê aos seus filhos o amor que eles merecem. Diga-lhes que você os ama com palavras e comportamentos carinhosos. Eles vão lhe amar para sempre.

***

Traduzido e adaptado por Sarah Pierinado original 4 things parents do that cause their children to secretly cry in the night.

Nota da CONTI outra: Atentem-se que a matéria alerta para a sobrecarga de coisas com as quais as crianças ainda não estão totalmente prontas para lidar. O contrário, que seria poupá-las de tudo, pode ser tão prejudicial quanto o excesso.

“O melhor prêmio que tive como escritor foi-me dado por uma criança”: conheça essa história de Mia Couto

“O melhor prêmio que tive como escritor foi-me dado por uma criança”: conheça essa história de Mia Couto

Por Mia Couto

Do original:  Ensaio sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança: Engravidar o mundo de futuro

“O melhor prémio que tive enquanto escritor foi-me dado por uma criança”

Maputo, 10 de Dezembro de 2014 – O melhor prémio que tive enquanto escritor foi-me dado por uma criança. Por um menino que teria uns 9 anos de idade. O pai tinha-o levado a uma sessão de lançamento do meu livro “O gato e o escuro”.

A obra foi apresentada como sendo um “livro para crianças”, apesar da minha resistência em aceitar que alguém escreve “para” crianças. O facto é que o menino ali estava, à entrada do grande salão, com um exemplar debaixo do braço. O pai pediu-me que assinasse o livrinho antes da sessão de lançamento porque o menino, o Manuel, tinha que se deitar cedo. Ajoelhei-me junto ao Manuel e fiz umas tantas perguntas idiotas que os adultos normalmente fazem quando acreditam que estão a falar com crianças. O menino olhou-me desinteressado e quase desapontado: eu era igual a todos os outros, os que, vezes sem conta, já lhe haviam feito as mesmas perguntas. Coloquei-lhe então uma outra questão:

– Este livro é sobre o medo do escuro. Será que tu tens medo?

Pela primeira vez ele me olhou nos olhos. Demorou a reagir e respondeu com uma pergunta:

– E tu tens medo do escuro?

Disse-lhe que sim. Ele gostou da sinceridade, deu meia volta e quando já se afastava conduzido pela mão do pai, ele parou e disse-me à distância:

– Não tenhas medo. O escuro apenas é feito das coisas que nele colocamos.

Disse aquilo para me reconfortar. Mas ele apenas recitava uma frase que eu tinha escrito no livro. O facto de um menino ter citado uma frase minha como se fosse algo da sua autoria foi talvez o maior dos prémios literários que tive. Nunca mais esquecerei esse momento.

Falo deste episódio para chegar a um outro ponto de partida: quase todos nós deixamos de saber falar com as crianças. Primeiro, pela raridade do momento: as poucas vezes que a elas nos dirigimos é para lhes falarmos. Não é para falarmos com elas. Essa ausência de diálogo tem uma aparente justificativa: as crianças, pensamos nós, pouco sabem e o que sabem, sabem mal. Não são ainda pessoas. São um projecto de pessoa. Olhamos para baixo quando falamos com elas. Como se elas fossem incompletas e estivessem à espera de legitimação para serem tratadas como sujeitos. Até esse reconhecimento de idade elas não são senão objecto da nossa atenção, mesmo que essa atenção seja positiva.

Em segundo lugar, não falamos com elas, porque o conteúdo da nossa “conversa” com as crianças resume-se a três ou quatro perguntas sempre iguais:

– Como te chamas?

– Quem é o teu pai? Ou a tua mãe?

– Em que escola andas?

– O que queres ser quando fores grande?

Esgotadas estas perguntas, resta um vazio. A razão deste vácuo não está na criança. A falta de habilidade para o diálogo mora em nós, adultos: deixámos de saber lidar com a infância que sobrevive dentro de nós. Mais grave ainda: temos medo de revisitar essa criança que subsiste no nosso íntimo.

Quando construímos a categoria “criança” inspiramo-nos quase sempre num critério meramente etário. Fica demarcada uma fronteira intransponível: de um lado, “eles”, as crianças; do outro, nós, vivendo no território da maturidade, longe da infância.

Estamos marcados por preconceitos e ideias feitas que vão desde a tentativa de menorizar os outros até à percepção da criança como uma entidade pura, essencial e que, por isso, se encaixa bem numa gaveta existencial. A realidade é outra, bem diferente: as crianças surpreendem-nos e revelam-se pessoas inteiras, com capacidades ao mesmo tempo iguais e diferentes das nossas. Algumas dessas capacidades nós, que nos chamamos de adultos, já as perdemos.

Essa plasticidade de pensamento, essa capacidade de estarmos disponíveis e nos espantarmos, são características que muito nos ajudariam a sermos melhor, num mundo mais aberto à mudança.

Na verdade, não existe uma entidade denominada “criança” que possa ser separada de forma definitiva do resto da humanidade.

Essa entidade é sobretudo de carácter relacional. Ela nasce das interacções entre os diferentes grupos sociais, religiosos e culturais.

Não se é criança. Está-se criança. É evidente que a Convenção sobre os Direitos da Criança teve que operar nessa generalização simplificadora. E é justo que não se relativize aquilo que é central e essencial de modo a não cair na armadilha dos relativismos culturais que nos atirariam para muita palavra e pouca acção. Foi nessa dimensão universalista que se deram passos decisivos no mundo inteiro. Em Moçambique essas conquistas são visíveis e constituem um claro motivo de orgulho.

Contudo, existem alguns cuidados que nos devem guiar na avaliação do que foi feito e do que falta fazer. Essa avaliação é muitas vezes conduzida de forma apressada e para servir intenções políticas. E as conquistas tendem a ser apresentadas de forma quantitativa: o número de escolas, o número de vacinas, o número de crianças abrangidas por programas sociais. Falta examinar a qualidade. Falta avaliar a adequação da escola em função da dinâmica do tempo que vivemos.

As muitas escolas que foram edificadas são, na verdade, uma condição para que se observe um dos direitos fundamentais da criança. Mas elas preparam as novas gerações para um futuro que já se torna presente? Está a nossa sociedade estruturada para se confrontar com a dinâmica demográfica que se avizinha? Estamos acompanhando as exigências crescentes de uma sociedade maioritariamente composta por gente com menos de 15 anos?

Noutros termos: quanto estamos construindo no ventre do presente uma sociedade grávida de futuro? Esta é as perguntas mais sérias que podemos fazer quando o tempo presente se senta no lugar do réu.

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“A destrutividade é a consequência de uma vida não vivida”: considerações de Erich From

“A destrutividade é a consequência de uma vida não vivida”: considerações de Erich From

Por Nando Pereira

Do original: “A DESTRUTIVIDADE É A CONSEQUÊNCIA DE UMA VIDA NÃO VIVIDA”: ERICH FROMM EXPLICA A ENERGIA PELA VIDA E PELA DESTRUIÇÃO.

O psicólogo, filósofo humanista e sociólogo alemão Erich Fromm (1900-1980), conhecido popularmente por seu livro “A Arte de Amar” (1956), não é obviamente a única referência a definir as origens da destrutividade e agressão humanas, mas é uma das fontes mais interessantes sobre o assunto, e o que impressiona é essa relação direta que traça entre a destrutividade e o viver sem vida, sem expressão, sem espontaneidade – um realidade contemporânea apesar de nossa aparente liberdade. Uma das partes do seu trabalho foi estudar o caráter humano e os dois trechos abaixo buscam decifrar essa característica da destrutividade, que, segundo ele, seria uma transformação da energia da vida gerada a partir dos cerceamentos da expressividade espontânea do viver.  O primeiro trecho é do livro “Em Nome da Vida: Um Retrato Através do Diálogo”, publicado 6 anos após sua morte mas que contém a transcrição de palestras que Fromm realizou em 1970 para uma rádio alemã. O segundo é do seu primeiro livro, “O Medo à Liberdade” (Escape From Freedom), de 1941, da época em que Fromm viveu nos Estados Unidos, retirado da Europa depois da tomada do poder na Alemanha pelo partido nazista.

Fromm geralmente usa o termo destrutividade, talvez porque se refira a comportamentos consolidados nas pessoas, mas acredito que seja possível incluir o conceito de agressão nas duas descrições abaixo. Não a agressão no sentido “saudável”, digamos assim, como Fritz Perls definiria, mas a “agressão anti-social”, contra os outros ou contra si mesmo. Uma interpretação particular dessa agressividade, e que pode servir de convite à mais reflexões nossas aqui, incluiria a agressividade mais comum, como a postura repetidamente crítica como traço de caráter ou a “contrariedade” como maneira de relacionamento com o mundo.

Uma ressalva importante é que essa destrutividade precisa ser compreendida no contexto mais amplo do trabalho inteiro de Fromm, onde ele apresenta a importância das assimilações sociais e o conceito da “liberdade de” (diferente da “liberdade para”), que indica claramente a influência de um ambiente cerceador.

Seguem os dois trechos:

“Em última análise, pode-se dizer que uma pessoa que não encontra alegria na vida tentará vingar-se e preferirá destruir a vida a sentir que não consegue encontrar qualquer sentido em sua vida. Pode estar ainda viva fisiologicamente mas psicologicamente está morta. É isso que dá origem ao desejo ativo de destruir e à necessidade apaixonada de destruir tudo, incluindo a própria pessoa, em vez de confessar que nasceu mas não logrou se tornar um ser humano vivo. Isso é um sentimento amargo para quem o experimenta e não nos entregamos a mera especulação se admitirmos que o desejo de destruir decorre desse sentimento como uma reação quase inevitável.”
~ Erich Fromm, em “Em Nome da Vida: um Retrato Através do Diálogo” (For The Love of Life, 1986)

“Parece que a quantidade de destrutividade encontrada nos indivíduos é proporcional à quantidade em que a expansividade da vida é cerceada. Não estou me referindo às frustrações individuais deste ou daquele desejo instintivo, mas à frustração do todo da vida, ao bloqueio da espontaneidade do crescimento e da expressões das capacidades sensíveis, emocionais e intelectuais do homem. A vida tem um dinamismo interno por si mesma; a vida tende a crescer, a ser expressada, a ser vivida. Parece que se essa tendência é cortada, a energia dirigida à vida passa por um processo de decomposição e muda em energias dirigidas à destruição. Em outras palavras, a vontade de viver e a vontade por destruir não são fatores mutuamente independentes, mas estão em uma interdependência revertida. Quanto mais a vontade em direção à vida é cerceada, mais forte é a energia pela destruição; quanto mais a vida é realizada, menor a força da destruição. A destruição é a consequência de uma vida não vivida. As condições individuais e sociais que geram a supressão da vida produzem a paixão pela destruição que cria, por assim dizer, o reservatório da qual as tendências hostis particulares – seja contra os outros ou contra si mesmo – são nutridas”.
~ Erich Fromm, em “O Medo à Liberdade” (Escape From Freedom, 1941)

Nota da Conti outra: a publicação do texto acima por esta página foi autorizada pelo autor.

Fonte mais do que indicada:

contioutra.com - "A destrutividade é a consequência de uma vida não vivida": considerações de Erich From

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As principais dúvidas dos pais que realmente se preocupam com seus filhos

As principais dúvidas dos pais que realmente se preocupam com seus filhos

Por MARCOS MEIER

Do original: Dicas para pais

Como fazer com que as crianças gostem de ir para escola? Como diminuir a resistência?

Os pais podem ajudar seus filhos a gostar da escola participando da vida escolar. Buscar os filhos na escola e ficar mais um pouquinho lá; pedir para o filho mostrar cada detalhe da escola, conversar sobre professores e colegas de turma, conhecer o nome dos melhores amigos da sala e convidá-los a brincar juntos num sábado, enfim, participar com alegria. Isso cria um clima favorável para aceitar a escola como algo bom, gostoso.

A própria escola deve ajudar criando apresentações, mostras, feiras de ciências, etc…  os pais vão à escola e valorizam a participação do filho, criando nele um sentimento bom em relação a tudo que se referir à escola.

O que fazer quando se sabe que a criança está fazendo manha?

Manhas, birras, “shows”, choradeiras, etc são mecanismos que as crianças utilizam para tentar conseguir o que querem. Se os pais, não suportando mais as manhas, cederem uma vez, os filhos aprendem que dá certo, que birra funciona. Portanto, para mudar esse comportamento da criança, ela precisa perceber que a manha não funciona. Para isso, não se deve gritar com os filhos, ameaçar, punir, etc… isso só envia a mensagem para a criança que ela está conseguindo alterar os pais e , portanto, ela pode continuar a fazer as birras. A melhor forma de lidar com isso é afastar-se da criança deixando-a sozinha. A perda da atenção mostra à criança de que birra traz perdas, traz o oposto do que ela queria, o que faz mudar o comportamento.

Como demonstrar segurança?

Pais seguros não gritam, não xingam, não perdem o controle, e não precisam provar seu amor a toda hora com brinquedinhos, com atitudes de desistência perante regras e limites. “Tá bom filhinho, mas só dessa vez” é um dos maiores problemas na educação das crianças. Pais seguros, firmes, que sabem dizer “não” quando precisa, criam filhos tranquilos que conhecem seus limites e que não precisam testar os pais para saber se eles realmente os amam. Vale lembrar que, de vez em quando, podemos sim aceitar exceções, podemos quebrar algumas regras, não precisamos ser sempre tão rígidos. No entanto, é a sistematização que traz resultados.

Como despertar o desejo das crianças fazerem as lições de casa?

Lição de casa é fundamental para a aprendizagem. Durante a aula a criança aprende e o cérebro registra tudo na memória de curto prazo. Em casa, durante a lição de casa, durante a leitura, ou na hora que a criança explica aos pais o que aprendeu na sala, o cérebro envia o que está na memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Se não faz lição, é mais fácil esquecer tudo o que se aprende. Depois, à noite, durante o sono profundo (daí a importância de dormir bem) o cérebro fixa o que estiver na memória de longo prazo. É aí que termina a aprendizagem. Crianças que não fazem lição de casa (ou que as mães fazem por elas) não aprendem adequadamente e depois afirmam que na avaliação “deu um branco”. O mesmo acontece com crianças que não dormem mais de 8 horas por noite.

Assim, para criar o desejo, é necessário criar hábito. Todos os dias um horário para fazer lição ou para ler ou para estudar. Hoje não tem lição? Não faz mal, vamos ler.

As crianças precisam mesmo de uma rotina diária?

Precisam. A rotina traz segurança, tranquilidade. O cérebro aprende que há uma familiaridade no dia-a-dia e não gasta energia tendo que inventar ou descobrir o que vem depois. Dentro da rotina, a criança tem espaço para criar, inventar e fazer novas descobertas mais significativas.

Os filhos podem/devem receber prêmios por bom comportamento e bom desempenho escolar?

Não. Premiar por estudar ou por ir bem numa prova ensina ao filho que estudar não é tão bom assim e que tirar boas notas é raro, por isso deve ser premiado. Pais que prometem prêmios no final do ano por aprovação ou por notas boas criam mais uma pressão (desnecessária) na hora de uma avaliação. A criança fica com medo de errar,  pois pode perder o prêmio. O adequado é acompanhar todos os dias, ver se fez lição, conversar sobre a leitura etc.. isso faz com que a criança não deixe para estudar só no dia da prova. Acompanhar todos os dias vai resultar em aprovação, notas boas, sucesso.

Elogios, beijos e abraços mostram ao filho que os pais têm orgulho do seu comportamento. Logo ele vai sentir prazer em estudar. A motivação será intrínseca.

Qual o segredo para não errar pelo excesso de zelo e nem pela falta de atenção às crianças?

Dar autonomia passo a passo, dia a dia. Autonomia se desenvolve dando responsabilidade e liberdade nas decisões que o filho deve (e pode) tomar. Só liberdade cria filhos irresponsáveis, egoístas e voltados ao prazer a qualquer custo. Só responsabilidade cria filhos escravos, sem personalidade, sem vontade própria. O equilibro desenvolve autonomia.

As férias proporcionam oportunidades de manter relacionamentos familiares agradáveis e descontraídos. Como manter este clima mesmo com a volta às aulas?

Separando momentos de interação. Uma dica prática é fazer pelo menos uma das refeições juntos, mas com uma regra bem clara: proibido falar coisas ruins, assistir TV, dar broncas, pegar no pé, etc… hora da refeição é hora da alegria. Hora de compartilhar coisas que aprendeu, que viveu, sentiu, etc… ou seja, hora de repartir a vida.

Outra dica é: evite dizer não, mas quando disser, faça valer. Passar o dia mandando, dando brincas, brigando com os filhos, não resolve, não cria um clima de participação.

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E você, precisa de ajuda com os seus filhos?

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O mundo é poser

O mundo é poser

Por Marcela Picanço

Todo mundo quer ser alguém. Talvez não alguém em carne e osso, mas alguém que seja um personagem nosso, como se fosse uma imagem de pessoa ideal. A partir daí, fazemos tudo em busca dessa “pessoa”. Talvez a felicidade que tanto esperamos seja o encontro entre alguém que você quer ser com alguém que você realmente é. E eu não acho que tenha problema nenhum nisso, se não o prejudicar e não reprimir suas verdadeiras vontades.

O problema é que, hoje em dia, parece que a maioria das pessoas se padronizaram. Agora, a pessoa ideal é praticamente a mesma para todo mundo. Não existem mais vários grupos diferentes, mas poucos, onde as pessoas gostam de ser rotuladas, apesar de falarem constantemente: “eu não gosto de rótulos”. Todas as pessoas se vestem igual, escutam as mesmas músicas ‘cools’ e tiram as mesmas fotos. Todo mundo quer que a vida seja igual a uma foto espontânea com efeito vintage. Tudo que é antigo é muito cult. E a questão é que todo mundo sabe que ninguém é assim naturalmente. Essas fotos antigas dos nossos avós, que são super legais, só são super legais porque eles não estavam pensando no status que aquela foto ia trazer. Eles só tiravam e ficavam felizes por aquele momento ter sido registrado. Hoje, tudo é muito forçado, tudo significa passar uma imagem do que se é. O que você é todo mundo está vendo. Não enganamos ninguém, só nós mesmos.

A maioria das coisas que existem no mundo são uma cópia de outra coisa. Todas as ideias têm uma base, por mais originais que sejam. E isso não é uma crítica, é apenas um fato. As grandes inovações também surgiram de algo, por exemplo, da natureza. E, se formos entrar no assunto “e a natureza, de onde veio?”, eu vou responder que simplesmente não sei. Ninguém sabe a origem de tudo. Talvez o Big Bang também seja uma cópia de um universo que era meio sem graça. Vai saber…

Não tem como ser cem por cento original, mas isso não significa que precisamos ficar presos na mesmice. As pessoas começaram a ter noção de que ser diferente é legal, pois o diferente se destaca. O problema é que se esqueceram de nos contar que, quando todos querem ser diferentes, todos ficam iguais. E o pior é que os pensamentos ficam todos no mesmo nível. Ninguém se permite pensar e dar uma ideia diferente do diferente padronizado. E o mundo começa a gerar as mesmas coisas de sempre, transformando-se em um lugar monótono.

A gente deveria usar esse nosso lado “wanna be” como influência e não como lema de vida. É possível virar o que queremos ser, desde que ainda seja você. Muitas pessoas estão sem coragem de assumir uma ideia, pois vai fugir aos padrões, se for uma ideia idiota. Uma vez me falaram que uma ideia boba era igual a um aluno bagunceiro em sala de aula. Se você der a dose certa de estímulo para ele, ele vira um gênio. E estão faltando mais corajosos, que exponham suas ideias idiotas para o mundo, para que elas virem geniais. Uma ideia só é idiota quando é vista por um idiota.

A nossa personalidade vai se moldando com aquilo que achamos que é certo e legal, mas não para que alguém diga que é legal. Nós sabemos o que nos faz bem. Deve dar muito trabalho ser uma farsa o tempo todo. Em algum deslize, alguém nos descobre. Ninguém é tão incrível como mostra ser. Todos têm suas fraquezas. Não precisa sair mostrando quais são, mas também não precisa fingir que elas não existem, porque ninguém é super-herói. Acho que ser um ser humano ainda deveria ser normal.

***

Nota da CONTI outra: Poser é uma gíria da língua inglesa cujo significado – principalmente no contexto musical – se refere a uma pessoa com personalidade influenciável, sem atitude e que se deixa impressionar pelo artista, banda ou estilo musical que está fazendo sucesso no momento. O poser finge ser um fã apenas para estar na moda, para se juntar a um grupo e seguir as mesmas tendências.

Conselhos de um velho apaixonado: uma crônica de Carlos Drummond de Andrade

Conselhos de um velho apaixonado: uma crônica de Carlos Drummond de Andrade

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o 1º e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou um presente divino : O AMOR.

Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado…

Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados…

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite…

Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado… Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela…

Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua ida.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente. É o livre-arbítrio.

Por isso, preste atenção nos sinais.

Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o AMOR !!!

Ame muito…..muitíssimo…

Texto atribuído à Carlos Drummond de Andrade

Nota da Conti outra: após questionamento dos leitores identificamos uma análise em que o texto supracitado consta classificado como sem referencial bibliográfico que comprove a sua origem embora o mesmo não esteja classificado na listagem de atribuições falsas destinadas ao autor.

contioutra.com - Conselhos de um velho apaixonado: uma crônica de Carlos Drummond de Andrade
O poeta Carlos Drummond de Andrade em 29/09/1972
Fernando Bueno/AE, Fonte Acervo Estadão

NORMOSE, a patologia silenciosa: a história de como o psicólogo Pierre Weil se curou dela, por ele mesmo

NORMOSE, a patologia silenciosa: a história de como o psicólogo Pierre Weil se curou dela, por ele mesmo

Alguns já estão familiarizados com o conceito de “normose” e também com o trabalho do educador e psicólogo francês Pierre Weil (1924-2008), Doutor em Psicologia pela Universidade de Paris e autor de “A Neurose do Paraíso Perdido”, “Antologia do Êxtase” e “As Fronteiras da Evolução e da Morte”, mas talvez alguns ainda não estejam com a história pessoal que levou Pierre a se perceber um normótico em si mesmo e, a partir daí, a tomar um rumo diferente e a trabalhar profissionalmente, como psicólogo e palestrante, esse novo conceito. No texto abaixo, Pierre conta parte dessa história, fala de como saiu de uma infelicidade pessoal, de uma separação e de um câncer para o Tibete, para o ioga e para a fundação da UNIPAZ, a conhecida universidade da Paz fundada em Brasília em 1987.

Um dos problemas das correntes da normose é que elas são inconscientes e silenciosas. Mas, como Pierre afirma no texto abaixo, de sutis e fracas elas não tem nada: a normose é “um processo psicossociológico que ameaça a humanidade e as outras espécies vivas no planeta Terra, uma verdadeira fonte de sofrimentos e de tragédias, das mais diversas proporções”.

Para conhecer mais de Pierre Weil, visite o site oficial em pierreweil.pro.br e veja também o post “As grandes perguntas da existência e os processos de descoberta, pelo psicólogo Pierre Weil [4 VÍDEOS]“, publicado pelo Dharmalog em 2012.

“A normose pode ser considerada como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela maioria de pessoas de uma determinada sociedade, que levam a sofrimentos, doenças e mortes. Em outras palavras: que são patogênicas ou letais, executadas sem que os seus autores e atores tenham consciência da natureza patológica.”
~ Pierre Weil

NORMOSE” [TRECHOS]

Por Pierre Weil

“(…) A maneira mais simples de fazê-los entender do que se trata será contando um pouco do que se passou comigo há algumas décadas. Isso nos levará, ao mesmo tempo, aos aspectos pessoais e sociais que levaram à criação do conceito de normose. Lembro-me da crise existencial pela qual passei aos trinta e três anos de idade. Com o conhecimento que tenho hoje, identifico-a como consequência de uma normose. Foi, tipicamente, a crise de um normótico que ainda não sabia nada a respeito da normose. Fazia prosa sem o saber, como diz um jargão popular.

Por que afirmo que eu era normótico? Minha crise ocorreu por eu ter procurado ser normal, de ter realizado o que uma sociedade recomendava e recomenda até hoje sobre o que é ser um homem bem-sucedido. A sociedade, por meio dos meus pais, moldara um ser humano bem-sucedido aos trinta e três anos. Um homem de sucesso porque eu tinha tudo: tinha a minha residência, tinha a minha casa de campo, tinha a minha piscina, tinha meu cargo na universidade, tinha o meu cargo junto ao presidente do maior banco da América Latina, tinha o meu consultório, tinha o meu livro best-seller, tinha entrevista na televisão, tinha, tinha, tinha, tinha… E minha normose era, justamente, ter. Havia introjetado toda uma civilização do ter. Eu tinha, tinha tudo e estava muito infeliz, não era um homem realizado. Conformado a este contexto, eu acabei tornando-me normótico.

Por quê? Porque eu segui a norma que me levou à patologia: a patologia moral – era profundamente infeliz; a patologia social – me divorciei porque, quando se está infeliz, culpam-se os outros; e uma patologia orgânica – a separação me levou a fazer um câncer. Então, já temos o conceito da normose: é o conjunto de hábitos considerados normais e que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade e à doença. Embora resumida, é a definição que eu tenho seguido até hoje, muito útil e clara. Para sair da normose, deitei no divã do psicanalista e resolvi aprender e praticar ioga. Foi numa sessão de ioga que descobri a relatividade do conceito de normalidade. Vou contar a história, pois é muito ilustrativa. Todas as quartas-feiras à noite nosso grupo se reunia e o professor nos fazia relaxar, com música, e meditar. Depois, cada um relatava a sua experiência. Um dizia: eu vi um ser.

Outro: eu vi cores. Outro ainda dizia: eu vi formas. Um mais: eu tive uma inspiração maravilhosa. E, quando chegou minha vez, eu disse: gente! Eu estou tapado. Eu não estou vendo nada! Isso transcorreu durante um ano. Foi aí que comecei a observar a relatividade do conceito de normalidade: nesse grupo, todo mundo tinha visões e eu não. Então, o grupo era normal e eu era anormal. Lá fora, nos dois milhões de habitantes de Belo Horizonte, quase ninguém tinha visões. Então, eu era normal e o grupo era anormal. Foi quando comecei a cogitar sobre a relatividade do conceito de normalidade.

A fantasia da separatividade

O estudo da ioga me levou ao hinduísmo, ao budismo e ao conceito de maia. Constatei que essa nossa maneira de ver as coisas é uma fantasia. Mais tarde, eu a denominei de fantasia da separatividade.

Quando criamos a Universidade Holística, ao fazer o estudo da gênese da destruição da vida no planeta, descobrimos que sua raiz está em que consideramos a ilusão como normal. É um conceito provido de consenso social, que pode levar ao suicídio da humanidade. A isso se acrescentou, então, a noção de consenso: uma crença partilhada por uma maioria.

Os estudos de ioga me levaram a fazer um retiro com lamas tibetanos.

Fui para esse retiro especialmente para entender por que os tibetanos insistiam Maia: termo sânscrito, que significa ilusão, em seu sentido mais geral. tanto no caráter do sonho em nossa vida cotidiana. Ou seja, a semelhança entre o estado de consciência de vigília e o onírico. E lá eu aprendi, por mim mesmo, por meio do sonho lúcido, que a nossa vida cotidiana é como se fosse um sonho. Não tem muita diferença não. E todos acreditam nesse sonho. Voltamos à noção de normose e de consenso.

Um dia, em 1986, ao sair do retiro tibetano, Jean-Yves Leloup me convidou para um simpósio sobre a normalidade, no Centro Internacional de Saint-Baume. O local era um tipo de universidade holística, com um ambiente como o da Unipaz, que ele dirigia, no sul da França. Lá se encontrava e podia ser visitada a gruta onde Maria Madalena se refugiou depois da passagem de Jesus. E lá, a seu pedido, proferi uma palestra sobre as anomalias da normalidade.

Então, surgiu a ideia de que a normalidade podia ser patológica e patogênica. Todo o seminário versou sobre a definição do que é normal, tarefa nada fácil. O que é normal, afinal? De qualquer forma, a criação do conceito de normose nos força a buscar definir o que não o é.

Um conceito que me trabalhou

Fiz uma experiência em que procurei colecionar todas as atribuições que se costuma fazer às pessoas julgadas anormais. Por exemplo: você é um idiota; você é um irresponsável; você é maligno, etc. Fiz uma coleção de umas trinta ou quarenta epítetos. Em seguida, traduzi-os ao seu contrário, pensando que, talvez dessa forma, poderia definir o que é normal. Para surpresa minha, saiu uma lista do que é um santo. Por esse procedimento empírico, um ser normal seria um santo. Será? Deixo a ideia para reflexão.

Depois disso, o conceito de normose ficou me trabalhando porque um conceito novo nos trabalha. De vez em quando, eu o usava nas palestras. Notei que, a cada vez que pronunciava a palavra normose, as pessoas riam muito. Percebi, então, que a reflexão estava mexendo com alguma coisa fundamental. Inquietava as pessoas. Pouco a pouco me dei conta, entretanto, que esse é um conceito fundamental em psicologia, em sociologia, em antropologia, em educação e nas demais disciplinas e áreas de atuação humana. Mais ainda: evidencia um processo psicossociológico que ameaça a humanidade e as outras espécies vivas no planeta Terra. Uma verdadeira fonte de sofrimentos e de tragédias, das mais diversas proporções. Foi quando realizei uma primeira classificação das normoses. E continuo descobrindo outras em minhas reflexões cotidianas.

(…)

A característica comum a todas as formas de normoses é seu caráter automático e inconsciente. Podemos falar, no caso, do espírito de rebanho. A maior parte dos seres humanos, talvez por preguiça e comodidade, segue o exemplo da maioria. Pertencer à minoria é tornar-se vulnerável, expor-se à crítica. Por comodismo, as pessoas seguem ou repetem o que dizem os jornais; já que está impresso, deve estar certo! Quantas pessoas aderem a uma ideologia, religião ou partido político só porque está na moda ou para ser bem vistas pelos demais?

Uma maneira disfarçada de manipular as opiniões e mudar os sistemas de valores é anunciar que são adotados pela maioria da população. Nesse sentido, toda normose é uma forma de alienação. Facilita a instalação de regimes totalitários ou sistemas de dominação.

(…)

A tomada de consciência da normose e de suas causas constitui a verdadeira terapia para a crise contemporânea.”

Nota da Conti outra: a publicação do texto acima por esta página foi autorizada pelo autor.

Fonte indicada:

contioutra.com - NORMOSE, a patologia silenciosa: a história de como o psicólogo Pierre Weil se curou dela, por ele mesmo

 

 

 

Quer saber mais sobre o tema? Abaixo, veja a live da psicóloga e escritora Josie Conti que comenta a Normose.

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