“Astúcia, inteligência, sabedoria” : uma crônica de Moacyr Scliar

“Astúcia, inteligência, sabedoria” : uma crônica de Moacyr Scliar

Por Moacyr Scliar

Quando se trata de salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia

No interessante Onde Encontrar a Sabedoria? (Ed. Ponto de Leitura), o respeitado crítico norte-americano Harold Bloom observa que, ao longo do tempo, as pessoas sempre recorreram aos livros e aos autores famosos com o objetivo de se tornarem mais sábias. Leitura, esse era o raciocínio, pode ser uma coisa difícil, mas o esforço valeria a pena se, como resultado, a pessoa se tornasse mais sábia. Cabe, contudo, a pergunta: será que este é um sonho comum à humanidade? Será que todos nós queremos a sabedoria? Será que no Brasil, em particular, é este um ideal?

Tenho minhas dúvidas. Sabedoria é uma condição que resulta de uma profunda compreensão do mundo e da condição humana. Nós não nascemos sábios, não nascemos com esta compreensão; temos de adquiri-la através da vida, e isso se faz mediante conhecimento (daí a necessidade da leitura) mas também graças ao “insight”, o “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates, mediante o qual aprendemos a não nos deixarmos iludir por nossa arrogância, a reconhecer nossas limitações e defeitos, a pensar e a agir de forma serena e desapaixonada. Agir, sim; sabedoria não é só pensar bem, não é só ter conhecimento e entender as coisas. Sabedoria é agir bem, resolvendo os problemas de forma eficaz, mas de forma ética, decente.

Um componente importante da sabedoria é a inteligência, a palavra que vem do latim e quer dizer entendimento. A pessoa inteligente entende, mediante o raciocínio e a experiência, as coisas, mesmo complexas. É uma habilidade que, diferente da sabedoria, pode ser avaliada, e até quantificada; daí os testes de inteligência, incluindo o famoso QI, quociente de inteligência, aliás objeto de controvérsia nos últimos anos.

Ser inteligente não é ser sábio: na sabedoria o furo está mais acima. A pessoa inteligente nem sempre age bem; a história da humanidade está cheia de vigaristas que aplicavam e aplicam golpes inteligentíssimos (os hackers, por exemplo). No fim essas pessoas se dão mal, exatamente porque lhes falta esse conhecimento maior que é a sabedoria.

Isso é ainda mais verdadeiro no caso da astúcia, que não é sabedoria nem inteligência. É uma coisa menos sofisticada, mais primitiva, daí porque, nas fábulas, é simbolizada por um animal, a raposa. A raposa não é sábia nem inteligente; a raposa é astuta. Astúcia é a habilidade de enganar; astúcia é manha, esperteza. Zélia Duncan diz isso na letra de uma música: Astúcia, astúcia/O que te faltou foi astúcia/Pra roubar meu coração faltou muito pouco/Era só ter procurado no outro bolso. Astucioso é o cara que procura no outro bolso; é o cara que sabe como roubar. Isso explica por que a astúcia é ainda tão valorizada no Brasil: porque representa uma maneira fácil de conquistar as coisas, de subir na vida. Se vocês perguntarem a alguém como se ganha eleições, se com sabedoria, com inteligência ou com astúcia, a pessoa certamente optará por esta última alternativa, atrás da qual estão séculos de safadeza e de corrupção. Mas é que as duras condições da vida em nosso país, a pobreza, a desigualdade, deixaram esta lição: para sobreviver é preciso ser astuto, esperto. É muito glamouroso ser inteligente, é digna de admiração a pessoa sábia; mas, quando se trata de salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia.

Compreensível. Mas não satisfatório. Nós só chegamos à verdadeira maturidade quando a astúcia reconhece a importância da inteligência e quando esta é um recurso para atingir a sabedoria. Um Brasil sábio deveria ser o nosso objetivo maior.

Moacyr Jaime Scliar foi um escritor brasileiro. Formado em medicina, trabalhou como médico especialista em saúde pública e professor universitário. Sua prolífica obra consiste de contos, romances, ensaios e literatura infanto-juvenil.

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Do homem no celular que não viu a baleia passar e o retrato de nossos tempos

Do homem no celular que não viu a baleia passar e o retrato de nossos tempos

Por Grace Bender

Há alguns dias li uma curiosa matéria publicada no site O Globo sob o título: “Homem não vê baleia que passou do seu lado porque estava enviando mensagens no celular” (leia aqui). De acordo com o texto, o rapaz em seu veleiro perdeu um verdadeiro espetáculo da natureza: uma enorme baleia jubarte passando a pouquíssimos metros da embarcação.

Confesso que quando passei o olhar ligeiramente sobre a chamada, pensei que devesse se tratar de apenas mais uma das diversas notícias duvidosas ou falaciosas que comumente circulam pelas redes sociais. Não era possível! Como um homem não poderia perceber uma visita nada discreta e tão rara?
Ao que tudo indica sim, é possível. A Aldeia Global de McLuhan parece realmente ter se esfacelada. Ou não: ao mesmo tempo em que parecemos estar todos mais próximos, seja por whatsapp, facebook, skype, sms, etc., paradoxalmente estamos nos afastando do momento presente e de tudo aquilo que acontece ao nosso redor. São os dois lados de uma mesma moeda, consequência da dinâmica de globalização tecnológica.
De fato, já podemos observar uma geração de jovens cada vez mais desinteressada e apática. Se por um lado testemunhamos uma era de co-presença virtual dos indivíduos, a era dos humanos ligados ao instante, por outro podemos observar o surgimento de um ser humano cada vez mais distante e indiferente, em outras palavras, insípido. Este novo ser está tão conectado (ao mundo online) que acaba por se desconectar de sua própria realidade concreta e palpável, acontecendo exatamente no seu entorno, a cada instante e minuto.
E o que pode acontecer em um minuto? Bem, em um minuto podem ser postadas 72 horas de vídeo no YouTube, enquanto 204 milhões de emails chegam aos seus destinatários e 350 GB de dados são recebidos pelos servidores do Facebook…ou pode passar uma baleia ao seu lado (se estiver em alto mar, é claro). De qualquer forma, estes foram os dados angariados pela Qmee, empresa de consultoria norte-americana, e diz respeito a uma parte do que acontece pela internet afora enquanto em um minuto um evento precioso pode passar despercebido.
E assim a vida transcorre de minuto a minuto. As informações coletadas nos revelam que estamos deixando a vida passar enquanto ficamos hipnotizados pelo visor e por uma exacerbada interação a distância. Não sei se foi exatamente esse o caso do rapaz que perdeu a chance extraordinária de experimentar a real sensação de estar lado a lado com um dos maiores animais do planeta.
Não há como tirar conclusões, muito menos julgar a atitude do homem no veleiro como certa ou errada. Mas faz pensar sobre as consequências da extrema conectividade que parece estar suplantando o interesse pelas coisas mais simples do mundo. E que mundo é esse que parece já não surtir tanta graciosidade sobre os nossos olhos, que buscamos tão fervorosamente escapar, distraindo-nos?
Reinventar a graça do mundo é reinventar o olhar, é abrir-se sensivelmente para a realidade que o cerca ao enxergá-la como se fosse pela primeira vez. Você poderá se surpreender!
Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.
contioutra.com - Do homem no celular que não viu a baleia passar e o retrato de nossos tempos

contioutra.com - Do homem no celular que não viu a baleia passar e o retrato de nossos temposGrace Bender

Escritora, mestre em comunicação, pesquisadora, artista, entusiasta espiritualista e terapeuta / professora de yoga. Nas horas vagas contenta-se em contemplar, compor músicas e investigar seu próprio universo interior.

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O Facebook e a troca de afetos

O Facebook e a troca de afetos

Por Luis Gonzaga Fragoso

Cerca de dois anos atrás, tomei uma decisão radical: encerrar minha conta no Facebook.

Tudo isso aqui é muito fútil. Ninguém lê nada com mais de cinco linhas. As relações humanas são superficiais. São centenas de egos girando em torno da própria órbita. Tais foram minhas justificativas “racionais”.

Ao clicar em “desativar a conta”, percebi que havia duas opções: suspender temporariamente ou em caráter definitivo. Semelhante à pergunta: “Desquite” ou “divórcio”? A intuição me assoprou: escolha o desquite. Obedeci.

Bendita decisão.

Recusar a participar das redes sociais é um tipo de renúncia. É como tornar-se abstêmio depois de anos convivendo com o álcool. Ou tornar-se veg(etari)ano após ter consumido arrobas de carne bovina. Ou optar pela abstinência sexual depois de anos de convívio com a luxúria.

Lugar-comum na psicologia, mas vá lá: seja qual for a sua renúncia, ela cobra seu preço, geralmente alto – se você reprime algo, isso vai para o inconsciente. Você poderá passar o resto da vida com a fachada de uma pessoa virtuosa, mas estará sentado sobre um vulcão – que, cedo ou tarde, entrará em erupção.

Precisei de brevíssimos instantes (sábia intuição, que ignora o tempo, e nos aconselha, como Chico Buarque na canção: “Aja duas vezes antes de pensar”) para perceber que não há a menor necessidade de ficar numa extremidade do pêndulo. Se eu estava viciado no Facebook – praticamente um “crack” virtual –, é porque, de algum modo, isto aqui me preenche. Se as relações humanas não me satisfazem, aqui, o problema é meu, não dos outros. O problema é a expectativa que eu projeto sobre os outros e o mundo.

Acabo de ler, no site Contioutra, um texto que me dá uma chave para entender o mecanismo das trocas afetivas no Facebook: “Frequência afetiva, qual é a sua?”, de Eduardo Benesi.

Constatações bacanas que emergem a partir desta leitura: diante das coisas que compartilho, cada um de meus amigos virtuais terá uma reação singular, única. Claro que poderei ser ignorado, mas, muitas vezes, ele reagirá com o silêncio. Embora elas possam afagar o ego, as “curtidas” talvez não signifiquem grande coisa – um aplauso burocrático no palco virtual. É possível que, ao ler o seu post ou assistir ao vídeo que você compartilhou, ele esteja vibrando na mesmíssima frequência que você. No entanto, por uma razão que não cabe discutir, ele não comenta, não “curte”, jamais ou raramente compartilha o seu post. O que não quer dizer, absolutamente, que não houve uma sutil aproximação entre vocês dois; que os laços afetivos não foram discretamente estreitados. Há muitos que preferem observar a cena, em silêncio, a partir de seu canto, lá na arquibancada (admiro estas pessoas: precisamos de mais pausas em meio aos sons e ruídos). Se esta cena provocou uma vibração interna em alguém, isso vale mais do que mil “curtidas” ou que um comentário pseudo-entusiasmado.

Sinto que me aproximo sutilmente de várias pessoas no momento em que identifico uma sintonia fina entre elas e mim, por meio das postagens virtuais – se temos ou não encontros olho-no-olho, isso são outros quinhentos (e um assunto que rende outro texto). Num mundo em que um sem-número de encontros presenciais se dá apenas entre corpos físicos, com as almas a anos-luz de distância, isso não é pouca coisa.

LUIS GONZAGA FRAGOSO

Tradutor e Revisor

[email protected]

Nota da CONTI outra: A publicação do texto acima foi autorizada pelo autor.

Tatua: um filho tatuado em memórias

Tatua: um filho tatuado em memórias

Clara Dawn , nome que vem conquistando espaço e respeito no cenário das letras brasileiras, é uma escritora goiana de perspicácia ímpar na construção de personagens e na descrição das sutilezas da alma.

É autora de sete livros, dentre eles, “Sofia Búlgara e Tabuleiro da Morte” e “Alétheia”, publicado em 2008 pela Editora Kelps.

Na crônica abaixo, podemos verificar, não só a maestria da escrita, mas a contundência de quem tem uma alma de sentir o mundo. Ao ver o próprio filho vitimado de um surto esquizofrênico, ela diz “Foge, Tatua, foge”, sem saber que o seu filho já estava “de malas” prontas para visitar as paragens eternas.

Publicaremos, semanalmente, uma crônica de Clara Dawn, minha conterrânea cuja escrita me encanta e orgulha e que por mim é lida com os olhos da alma, e com muita atenção.

Nara Rúbia Ribeiro

Título original: Foge, Tatua, foge!

Tudo certo para o desjejum. Um pouco mais tarde, às nove horas: leite achocolatado com um suculento sanduíche de atum. Tinha imaginado que, depois do café, poderia levá-lo para cortar os cabelos, fazer a barba e, quem sabe, lhe compraria um par de  tênis e uma bonita camisa com novos tons de xadrez. A que ele tem usado, feito de tecido tipo flanela, já está bastante surrada.

Mas ele não apareceu. Na caneca, sobre o leite, boiava uma nata escura e asquerosa; o cheiro, outrora salivante de atum defumado, agora putrefez o ar oprimido da casa – ambiente pequeno demais para guarnecer a espera – e olha insistentemente pela porta, como se esse gesto fosse capaz de fazê-lo surgir na esquina: andando um pouco encurvado por causa do peso da mochila que carrega nas costas desde sempre; o jeans encardido e justo demais nas panturrilhas, a velha camisa xadrez, os tênis cansados de carregar o mesmo corpo. O olhar cabisbaixo mirando as passadas das longas pernas – olha para a porta e se depara com a imagem de sua mãe, como se ela fosse parte da porta… A porta que nunca se fecha.

Não. Ele não está na esquina. Outra vez, não veio. Não adianta subjugar a porta. Ele não virá. Não virá mesmo que lhe compre as estrelas, mesmo que lhe cubra de mimos, mesmo que arranque a porta com os seus portais, mesmo que arranque os lábios para escancarar um riso afortunado… Mesmo assim, ele não virá. Porque na sua perspectiva de vida emboscou-se nas alegrias de um ‘não o sei o que’ maior do que todas as insígnias da educação maternal.

Emboscou-se. Sim, com a ciência de quem acredita saber exatamente o que faz da vida.  Com o conceito daqueles que se firmam na ideia de que possuem a capacidade de entrar e sair de qualquer tipo de situação – por mais viciosa que a situação seja. Armou para si uma rede, sabendo de antemão  que a rede que armava  é do tipo que possui nós indesatáveis.

Quando era criança, não tinha um nome – era Filho, o amado filho. Com o tempo chamava a si mesmo de Tatua, às vezes de Filho, às vezes não se chamava – era riso gargalhante como se dissesse “meu nome é felicidade”. Isso foi há muito tempo, enquanto ele ainda fugia de casa para “torar e aparar pipas”. Num tempo em que ele queria voar como se um pássaro fosse. Um pássaro cuja plumagem fora arqueada com varetinhas de piaçaba e cobertas com coloridos papéis de seda. Sua cauda enorme e esvoaçante rasgaria o céu e desenharia nas nuvens as letras do seu nome… Em sua imaginação seria perseguido por uma águia cruel e ele poderia ouvir os gritos alucinantes: “Fuja, Tatua, fuja…”.

Ele não fugiria, enfrentaria a águia e ela não seria forte o bastante para lhe impedir de alcançar o seu sonho. O sonho a que sua mente o capacitou – o sonho de voar alto – tão alto que nem mesmo uma águia seria capaz de alcançar, tão alto que faria voos rasantes nas planícies celestiais e nada, nem ninguém o demoveria de sua obstinação – a obstinação de escrever o seu nome nas alturas.

Mas o tempo levou o menino, levou a pipa, levou o riso debochado de criança feliz, levou o olhar chamuscado de brilho pelas grandezas das pequenas e rotineiras conquistas, levou o desiderato da boa convivência, cobriu as varetinhas de piaçaba com um tom cinza e sua enorme e esvoaçante cauda está repleta de nós. Emboscado, entorpecido… perdido, perdido.. Perdido: pássaro nobre voando com abutres e se alimentando de morte.

Não é mais um menino, não é mais um pássaro/pipa… é uma parede branca com as marcas encardidas no lugar que antes era de um quadro. Um quadro orquestrado de uma imagem sonora e vivaz. Um quadro repleto de informações inteligíveis, um quadro reflexivo – um quadro que sua mãe amava ver na parede… Mas a parede está vazia – e a única revelação que ela expressa é o pânico de alguém que descobriu que há águias que não se pode vencer sozinho. Assim, outra vez ouve os mesmos gritos: “Foge, Tatua, foge”.

Clara Dawn

www.claradawn.com

Nota da autora:
(Quando enviei essa crônica para o jornal, no dia 14 de agosto, eu não poderia imaginar que o o meu filho (o Tatua) estava com a sua mala pronta. E no dia 17 de agosto, depois de passar 45 dias em Franco Surto Psicótico ele se matou. Por coincidência ou não, Arthur nasceu no dia 26 de junho – Dia Internacional de Combate ao Uso de Drogas. Foi instituído pela ONU em 1987, seis anos depois o meu Arthur nasceu. Tinha a vida normal de jovem de classe média com todas as oportunidades de ser bem sucedido e seria, caso não fosse sua paixão por Cannabis Sativa (a maconha). Usou-a durante cinco anos e por ser pré-disposto geneticamente a esquizofrenia, surtou por duas vezes em seis meses. Do primeiro surto ficou livre com trinta dias e ficou “limpo” por cinco meses e 27 dias. Mas no dia do seu aniversário quis desafiar a doença e recaiu. Bastou apenas um cigarro de maconha para que ele entrasse em surto outra vez e deste surto não se livrou nem mesmo com o mais forte dos antipsicóticos e por fim, não suportando as terríveis vozes que o atormentavam dia e noite, instigando-o ao suicídio, assim o fez. Ele deixou o rascunho de um livro onde narra toda a sua experiencia com as drogas e o transtorno mental e uma bandeira: MACONHA FAZ MAL SIM.  Ele jamais sentiu vergonha em dizer que era um adicto com transtorno mental. Frequentava os Narcóticos Anônimos e se orgulhava publicamente em sua página no Facebook em viver limpo, SÓ POR HOJE.  – Publicado no jornal Diário da Manhã – DMRevista – Goiânia – Goiás, em 26 de novembro de 2012 – Republicado em 19 de agosto de 2013 – LEIA TAMBÉM: SÓ POR HOJE – texto elucidativo sobre esses acontecimentos).

Nota da CONTI outra: O texto acima foi reproduzido com a autorização da autora.

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Conheça Jeff Wrench, o artista que recria com perfeição os sentimentos e expressões humanas

Conheça Jeff Wrench, o artista que recria com perfeição os sentimentos e expressões humanas

Se para nós muitas vezes é difícil decifrar expressões humanas, imagine a  genialidade e a sensibilidade de um artista que consegue recriá-las com perfeição.

Esse é Jeff Wrench, artista, músico experimental e certamente um leitor de almas.

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Jeff Wrench
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Conheça o site oficial do artista Noisician.com

 

A Rosa Caramela, um conto de Mia Couto

A Rosa Caramela, um conto de Mia Couto

Acendemos paixões no rastilho do próprio coração. O que amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem e a prisão do charco. Afinal, somos caçadores que a si mesmo se azagaiam. No arremesso certeiro vai sempre um pouco de quem dispara.

Dela se sabia quase pouco. Se conhecia assim, corcunda-marreca, desde menina. Lhe chamávamos Rosa Caramela. Era dessas que se põe outro nome. Aquele que tinha, de seu natural, não servia. Rebaptizada, parecia mais a jeito de ser do mundo. Dela nem queríamos aceitar parecenças. Era a Rosa. Subtítulo: a Caramela. E ríamos.

A corcunda era a mistura das raças todas, seu corpo cruzava os muitos continentes. A família se retirara, mal que lhe entregara na vida. Desde então, o recanto dela não tinha onde ser visto. Era um casebre feito de pedra espontânea, sem cálculo nem aprumo. Nele a madeira não ascendera a tábua: restava tronco, pura matéria. Sem cama nem mesa, a marreca a si não se atendia. Comia? Ninguém nunca lhe viu um sustento. Mesmo os olhos lhe eram escassos, dessa magreza de quererem, um dia, ser olhados, com esse redondo cansaço de terem sonhado.

A cara dela era linda, apesar. Excluída do corpo, era até de acender desejos. Mas se às arrecuas, lhe espreitassem inteira, logo se anulava tal lindeza. Nós lhe víamos vagueando nos passeios, com seus passinhos curtos, quase juntos. Nos jardins, ela se entretinha: falava com as estátuas. Das doenças que sofria essa era a pior. Tudo o resto que ela fazia eram coisas de silêncio escondido, ninguém via nem ouvia. Mas palavrear com estátuas, isso não, ninguém podia aceitar. Porque a alma que ela punha nessas conversas chegava mesmo de assustar. Ela queria curar a cicatriz das pedras? Com maternal inclinação, consolava cada estátua:

– Deixa, eu te limpo. Vou tirar esse sujo, é sujo deles.

E passava uma toalha, imundíssima, pelos corpos petrimóveis. Depois, retomava os atalhos, iluminando-se de enquantos, no círculo de cada poste.

De dia lhe esquecíamos a existência. Mas às noites, o luar nos confirmava seu desenho torto. A lua parecia pegar-se à marreca, como moeda em encosto avaro. E ela, frente aos estatuados, cantava de rouca e inumana voz: pedia-lhes que saíssem da pedra. Sobressonhava.

Nos domingos ela se recolhia, ninguém. A velha desaparecia, ciumosa dos que enchiam os jardins, manchando os sossegos do território dela.

De Rosa Caramela, afinal, não se procurava explicação. Só um motivo se contava: certa vez, Rosa ficara de flores na mão, suspensa à entrada da igreja. O noivo, esse que havia, demorou de vir. Demorou tanto que nunca veio. Ele lhe recomendara: não quero cerimónias. Vou eu e tu, só nós ambos. Testemunhas? Só Deus, se estiver vago. E Rosa suplicava:

– Mas, o meu sonho?

Toda a vida ela sonhara a festa. Sonho de brilhos, cortejo e convidados. Só aquele momento era seu, ela rainha, linda de espalhar invejas. Com o longo vestido branco, o véu corrigindo as costas. Lá fora, as mil buzinas. E agora, o noivo lhe negava a fantasia. Se desfez das lágrimas, para que outra coisa serve o verso das mãos? Aceitou. Que fosse como ele queria.

Chegou a hora, passou a hora. Ele nem veio nem chegou. Os curiosos se foram, levando os risos, as zombarias. Ela esperou, esperou. Nunca ninguém esperou tanto um tempo assim. Só ela, Rosa Caramela. Ficou-se no consolo do degrau, a pedra sustentanto o seu universal desencanto.

História que contam. Tem sumo de verdade? O que parece é que nenhum noivo não havia. Ela tirara tudo aquilo de sua ilusão. Inventara-se noiva, Rosita-namorada, Rosa-matrimoniada. Mas se nada não aconteceu, muito foi que lhe doeu o desfecho. Ela se aleijou na razão. Para sarar as ideias, lhe internaram. Levaram-lhe no hospital, nem mais quiseram saber. Rosa não tinha visitas, nunca recebeu remédio de alguma companhia. Ela se condizia sozinha, despovoada. Fez-se irmã das pedras, de tanto nelas se encostar. Paredes, chão, tecto: só a pedra lhe dava tamanho. Rosa se pousava, com a leveza dos apaixonados, sobre os frios soalhos. A pedra, sua gémea.

Quando teve alta, a corcunda saiu à procura de sua alma minéria. Foi então que se enamorou das estátuas, solitárias e compenetradas. Vestia-lhes com ternura e respeito. Dava-lhes de beber, acudia-lhes nos dias de chuva, nos tempos de frio. A estátua dela, a preferida, era a do pequeno jardim, frente à nossa casa. Era monumento de um colonial, nem o nome restava legível. Rosa desperdiçava as horas na contemplação do busto. Amor sem correspondência: o estatuado permanecia sempre distante, sem dignar atenção à corcovada.

Da nossa varanda lhe víamos, nós, sob o zinco, em nossa casa de madeira. Meu pai, sobretudo, lhe via. Calava-se em si, todo. Era a loucura da corcunda que fazia voar nossos juízos? O meu tio brincava, para salvar o nosso estado:

– Ela é como o escorpião, leva o veneno nas costas.

Dividíamos os risos. Todos, excepto meu pai. Sobejava intacto, grave.

– Ninguém vê o cansaço dela, vocês. Sempre a carregar as costas nas costas.

Meu pai se afligia muito dos cansaços alheios. Ele, em si, não se dava a fatigar. Sentava-se. Servia-se dos muitos sossegos da vida. Meu tio, homem de expedientes, lhe avisava:

– Mano Juca, desarasca lá uma maneira de viver.

Meu pai nem respondia. Parecia mesmo que ele mais se tornava encostadiço, cúmplice da velha cadeira. Nosso tio tinha razão: ele carecia de ocupação salariável. O único despacho de seu fazer era alugar os próprios sapatos. Domingo, chegavam os do clube dele, paravam a caminho do futebol.

– Juca, vimos por causa os sapatos.

Ele acenava, lentíssimo.

– Já sabem o contrato: levam e, depois, quando regressarem, contam como foi o jogo.

E inclinava-se para tirar os sapatos debaixo da cadeira. Baixava-se com tanto esforço que parecia estar a apanhar o próprio chão. Subia o par de sapatos e olhava-lhes em fingida despedida:

– Custa-me.

Só por causa do médico é que ele ficava. Proibiram-lhe os excessos do coração, pressas no sangue. – Porcaria de coração.

Batia no peito para castigar o órgão. E voltava à conversa com o calçado:

– Vejam lá, vocês, sapatinhos: hora certa, regressam de volta.

E recebia, adiantado, os dinheiros. Ficava por muito gesto a contar as notas. Era como se lesse um gordo livro, desses que gostam mais dos dedos que dos olhos.

Minha mãe: era ela que metia os pés na vida. Muito cedo saía, rumo dela. Chegava ao bazar, a manhã ainda era pequena. O mundo transparecia, em estreia solar. A mãe arrumava a banca antes das outras vendedeiras. Entre couves empilhadas, se via a cara dela, gorda de tristes silêncios. Ali se sentava, ela e o corpo dela. Na luta pela vida, a mamã nos fugia. Chegava e partia no escuro. À noite, lhe escutávamos, ralhando com a preguiça do pai.

– Juca, você pensa a vida? – Penso, até muito. – Sentado?

Meu pai se poupava nas respostas. Ela, só ela, lastimava:

– Eu, sozinha, no serviço dentro e fora.

Aos poucos, as vozes se apagavam no corredor. De minha mãe ainda sobravam suspiros, desmaios da sua esperança. Mas nós não dávamos cuba a meu pai, Ele era um homem bom. Tão bom que nunca tinha razão.

E assim, em nosso pequeno bairro, a vida se resumia. Até que, um dia, nos chegou a notícia: a Rosa Caramela tinha sido presa. Seu único delito: venerar um colonialista. O chefe das milícias atribuiu a sentença: saudosismo do passado. A loucura da corcunda escondia outras, políticas razões. Assim falou o comandante.
Não fora isso, que outro motivo teria ela para se opor, com violência e corpo, ao derrube da estátua? Sim, porque o monumento era um pé do passado rasteirando o presente. Urgia a circuncisão da estátua para respeito da nação.

Do modo que levaram a velha Rosa, para cura de alegadas mentalidades. Só então, na ausência dela, vimos o quanto ela compunha a nossa paisagem.

Ficamos tempos sem escutar suas notícias. Até que, certa tarde, nosso tio rasgou os silêncios. Ele vinha do cemitério, chegado do enterro de Jawane, o enfermeiro. Subiu as pequenas escadas da varanda e interrompeu o descanso de meu pai. Coçando as pernas, o meu velhote piscou os olhos, calculando a luz:

– Então, trouxeste os sapatos?

O tio não respondeu logo. Estava ocupado a servir-se da sombra, curando-se da transpiração. Soprou nos próprios lábios, cansado. No seu rosto eu vi aquele alívio de quem regressa de um enterro.

– Estão aqui, novinhos. Eh pá, Juca, me fizeram jeito esses sapatos pretos!

Procurou nos bolsos mas o dinheiro, que sempre tem modos rápidos ao entrar, demorou a sair. Meu pai lhe emendou o gesto:

– A você não aluguei. Somos da família, calçamos juntos.

O tio se sentou. Puxou da garrafa de cerveja e encheu um copo grande. Depois, com ciência, pegou numa colher de pau e retirou a espuma para outro copo. Meu pai serviu-se desse copo, só com espuma. Proibido nos líquidos, o velho se dedicava só nos espumantes.

– É leve, a espuminha. O coração nem nota a passagem dela.

Se consolava, olhos em riste como se alongasse o pensamento. Não passava de fingimento aquele afundar-se em si.

– Estava cheio o enterro?

Enquanto desamarrava os sapatos, meu tio explicou a enchente, multidões pisando os canteiros, todos a despedirem do enfermeiro, coitado, também ele se morreu.

– Mas matou-se mesmo?

– Sim, o gajo se pendurou. Encontraram-lhe já estava duro, parecia gomadinho na corda.

– Mas matou-se por qual razão?

– Não sei lá. Dizem foi por motivo de mulheres. Calaram-se os dois, sorvendo os copos. O que mais lhes doía não era o facto mas o motivo.

– Morrer assim? Mais vale falecer.

Meu velho recebeu os sapatos e inspeccionou-lhes com desconfiança:

– Esta terra vem de lá?

– É onde, esse lá?

– Pergunto se vem do cemitério. – Talvez vem.

– Então vai lá limpar, não quero poeira dos mortos aqui.

Meu tio desceu as escadas e sentou-se no último degrau, escovando as solas. No enquanto, foi contando. A cerimónia decorria-se, o padre executava as rezas, abastecendo as almas. De repente, o que sucede? Aparece a Rosa Caramela, vestida de máximo luto.

– A Rosa já saiu da prisão? – perguntou, atónito, o meu pai.

Sim, saíra. Numa inspecção à cadeia, lhe deram amnistia. Ela era louca, não tinha crime mais grave. Meu pai insistia, admirado:

– Mas ela, no cemitério?

O tio prosseguiu o relato. A Rosa, por baixo das costas, toda de negro. Nem um corvo, Juca. Foi entrando, com modos de coveira, espreitando as sepulturas. Parecia escolher o buraco dela. No cemitério, você sabe, Juca, lá ninguém demora a visitar as covas. Passamos depressa. Só essa corcunda, a gaja…

– Conta o resto – cortou o meu pai.

Seguiu-se a narração: a Rosa, ali, no meio de todos, começou a cantar. Com educado espanto, os presentes a fixavam. O padre mantinha a oração mas ninguém já lhe ouvia. Foi então que a marreca começou a despir.

– Mentira, mano.

Fé de Cristo, Juca, me desçam duas mil facas. Despiu. Foi tirando os panos, com mais vagar que esse calor de hoje. Ninguém ria, ninguém tossia, ninguém nada. Já nua, esroupada, ela se chegou junto à campa do Jawane. Encimou os braços, lançou as roupas dela na cova. A multidão receou a visão, recuou uns passos. A Rosa, então, rezou:

– Leva essas roupas, Jawane, te vão fazer falta. Porque tu vais ser pedra, como os outros.
Olhando os presentes, ela ergueu a voz, parecia maior que uma criatura:

– E agora: posso gostar?

Os presentes recuaram, só se escutava a voz da poeira.

– Hein? Deste morto posso gostar! Já não é dos tempos. Ou deste também sou proibida?

O meu pai deixou a cadeira, parecia quase ofendido.

– Falou assim, a Rosa?

– Autêntico.

E o tio, já predispronto, imitava a corcunda, seu corpo vesgo: e este, posso-lhe amar? Mas o meu velhote se escapou a ouvir.

– Cala-te, não quero ouvir mais.

Brusco, ele largou o copo pelos ares. Queria despejar a espuma mas, de injusto lapso, saiu-lhe o copo todo da mão. Como se pedisse desculpa, meu tio foi apanhando os vidrinhos, tombados de costas pelo quintal.
Nessa noite, eu desconsegui de dormir. Saí, sentei a insónia no jardim da frente. Olhei a estátua, estava fora do pedestal. O colono tinha as barbas pelo chão, parecia que era ele mesmo quem tinha descido, por soma de grandes cansaços. Tinham arrancado o monumento mas esqueceram de o retirar, a obra requeria acabamentos. Senti quase pena do barbudo, sujo das pombas, encharcado de poeira. Me acendi, vindo ao juízo: estou como a Rosa, pondo sentimento nos pedregulhos? Foi então que vi a própria, a Caramela, parecia chamada pelos meus conjuros. Fiquei quase gelado, imovente. Queria fugir, minhas pernas se negavam. Estremeci: eu me convertia em estátua, virando assunto das paixões da marreca? Horror, me fugisse a boca para sempre. Mas, não. A Rosa não parou no jardim. Atravessou a estrada e chegou-se às escadinhas de nossa casa. Baixou-se nos degraus, limpou deles o luar. Suas coisas se pousaram num suspiro. Depois, ela se entartarugou, aprontando-se, quem sabe, ao sono. Ou fosse de sua intenção apenas a tristeza.Porque lhe escutei chorar, num murmúrio de águas escuras. A corcunda se derramava, parecia era vez dela se estatuar. Me infindei, nessa visagem.

Foi, então. Meu pai, em apuros de silêncio, abriu a porta da varanda. Lento, se aproximou da corcunda. Por instantes, ficou debruçado sobre a mulher. Depois, movendo a mão como se fosse um gesto só sonhado, lhe tocou os cabelos. Rosa nem se esboçava, a princípio. Mas, depois, foi saindo de si, rosto na metade da luz. Olharam-se os dois, ganhando beleza. Ele, então, sussurrou:

– Não chora, Rosa.

Eu quase não ouvia, o coração me chegava aos ouvidos. Me aproximei, sempre por trás do escuro. Meu pai lhe falava ainda, aquela sua voz nem eu lhe havia nunca ouvido.

– Sou eu, Rosa. Não lembra?

Eu estava no meio das buganvílias, seus picos me rasgavam. Nem sentia. O assombro me espetava mais que os ramos. As mãos de meu pai se afundavam no cabelo da corcunda, pareciam gente, aquelas mãos, pareciam gente se afogando.

– Sou eu, Juca. O seu noivo, não lembra?

Aos poucos, Rosa Caramela se irrealizou. Ela nunca tanto existira, nenhuma estátua lhe merecera tantos olhos. Meigando ainda mais a voz, meu pai lhe chamou:

– Vamos, Rosa.

Sem querer eu já saíra das buganvílias. Eles me podiam ver, nem me fazia nenhum estorvo. Parecia a Lua até atiçou seu brilho quando a corcunda se ergueu.

– Vamos, Rosa. Pega suas coisas, vamos embora. E foram-se os dois, noite adentro.

Mia Couto in “Cada homem é uma raça

contioutra.com - A Rosa Caramela, um conto de Mia Couto
“A mulher corcunda (também conhecido como Hunchback II)”
Alexej Georgewitsch Von Jawlensky – óleo sobre painel – 54 x 49 cm – 1911 – (Private collection)

contioutra.com - A Rosa Caramela, um conto de Mia Couto

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EU MAIOR – entrevista com Rubem Alves

EU MAIOR – entrevista com Rubem Alves

Para a produção do documentário EU MAIOR foram entrevistados trinta personalidades, incluindo líderes espirituais, intelectuais, artistas e esportistas.
Com perfis bem distintos, os entrevistados têm em comum a disposição de compartilhar perguntas, respostas, e experiências de vida que ampliaram suas percepções
de si e do mundo.

Abaixo, o fragmento que traz a fala de Rubem Alves. Ele conta um pouco de sua formação, sobre a felicidade, sobre as ostras e pérolas de nossa vida…

Como tudo que diz respeito a Rubem Alves: vale a pena ver e rever.

Indicação do vídeo Beatriz Arte Confeitaria.

Dica da Conti outra: Conheça o Instituto Rubem Alves e acompanhe seus projetos.

Dica de livro: Sete Vezes Rubem (Fruto do trabalho de uma década, esta obra reúne sete livros de Rubem Alves publicados pela Papirus entre 1996 e 2005.)

O medo é um gigante menino

O medo é um gigante menino

Por Nara Rúbia Ribeiro

Todo mundo tem medo. O que poucos sabem é que o medo é um gigante menino. Tem tamanho, tem porte, mas ele sempre aceita convites para brincar. Se você o convida e o coloca em seu time, ele joga muito bem.

Há quem tenha medo de correr e se cansar muito. Medo de ficar parado e deixar as oportunidades fugirem entre os ponteiros do tempo. Medo de chorar e parecer fraco. De rir muito e a alegria ser pouca, ou já estar com prazo de validade vencido. Tem medo de ficar sozinho. Medo de multidão. Medo de dizer demais, de dizer de menos, de dizer o que não deveria dizer ou dizer de modo indevido o que deveria ser dito.

E há quem tenha medo de perder. Há quem tenha pavor de vencer, porque o sucesso pode ter lados sombrios que a alma desconhece e não quer conhecer. Há quem tenha medo do sol, da chuva, do marasmo, do maremoto.

E há os que possuem o medo, e aqueles que são possuídos por ele.

Os que o possuem o convidam para brincar. Fazem com que ele jogue a seu favor. Some pontos: instigue, alerte, faça com que o treino e o cuidado sejam dosados na medida necessária da ousadia requerida em cada novo desafio. Nada como ter esse gigante em seu time e fazer a vida acontecer assim: com medo mesmo!
Eu tenho medo do ameno, da esperança à meia asa. Tenho medo do que não se doa, daquele que não voa e até vê, mas pouco demais se enxerga.

Tenho medo que o mundo pereça à margem do paraíso por só querer saber de certezas. Mas por mais que eu tema, eu chamo o medo para brincar. Ele joga em meu time e quem escala os jogadores sou eu. Vez em quando ele entra em campo, ora fica no banco, ora nem escalado é e assiste  o jogo da arquibancada.

Pois estagnar-se no temor da vida é um desviver. Amornar a existência por acovardar-se da fervura da dor, da ânsia da incerteza, do frio da indiferença; acovardar-se da glória ou da derrota, é o mesmo que dizer: “viver é muito perigoso, melhor suicidar-me”.

Aqueles que são dominados pelo medo são incapazes de entrar em campo e, na linguagem futebolística, “dar o melhor de si”. E a vida perdoa e muitas vezes até coroa quem luta e perde, mas ela não pode insistir naquele que desistir.

Goiânia, 15 de janeiro de 2015

contioutra.com - O medo é um gigante menino
Cena do filme “Caça Fantasmas”

Meu filho, você não merece nada

Meu filho, você não merece nada

Por ELIANE BRUM

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.

Esse texto foi previamente publicado em Revista Época,  Clínica Alamedas, Geledes

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Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas.

Intersecção

Intersecção

Por Lourival Antonio Cristofoletti

O bom texto não pede para somente ser lido: ele quer ser vivenciado, até que o leitor se impregne de sua mensagem e se transporte para aquele mundo.

Ao se sentir tocado pela ajuda que chega, tem humildade para vestir as carapuças que cada situação oferece, certo de que o escrito foi feito de encomenda para ele – e como chegou em boa hora!

Nem sempre adianta a intenção de quem escrevinha, pois esta se dilui no mundo da subjetividade: o que vale mais é o sentido que aquele que lê consegue dar ao escrito, tocado que foi, de forma especial, ao vivenciar intensamente esse encontro com a mensagem.

Fica nele a doce sensação que aquele era o momento certo para ler o recado que fala tão alto ao seu coração, como se tivesse sido cúmplice na sua elaboração e apenas tivesse se esquecido de verbalizá-lo.

A oscilação é contínua: um resgate de coisas marcantes – e que poderia ter tido um desenrolar diferente se houvesse tanta clareza de propósitos no passado – e um programa de voo temperado, de forma que as turbulências futuras sejam mais bem satisfatoriamente administradas, face o discernimento que, com tanta clareza, se instala ora em seu ser.

E o que é lido como quem recorre a preces, desencadeia viagens pelo mundo das relações, certo de que esse movimento pendular tempera os sentimentos e oferece bálsamos para quem busca mais oferendas e encantamento em tudo vê, toca e sente.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - IntersecçãoPaulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

Meu pai mente

Meu pai mente

“Ser pai ou mãe exige de nós não só o maior como o nosso melhor esforço. No vídeo abaixo, temos registrado a história de um pai que, em prol do futuro da filha, dá sempre o melhor de si.

Tudo começa quando, ao sair da escola, a filha entrega ao pai uma carta. Nela, diz que o pai é amoroso, carinhoso, a leva para tomar sorvete, sempre brinca com ela. Em um ponto, porém, há uma pausa e ela diz que sabe que o pai mente.

Que sabe que o pai finge que não está cansado, que o dinheiro do sorvete é contado, que o pai está desempregado e faz serviços braçais.

Só então o pai percebe que ela sempre soube de tudo o que se passava, e que ambos fingiam para preservar a alegria um do outro.

Animação bem humorada mostra o que aconteceria se nossos pensamentos fossem visíveis

Animação bem humorada mostra o que aconteceria se nossos pensamentos fossem visíveis

O homem é, a um só tempo, razão e instinto. O equilíbrio entre eles é que dirá da nossa capacidade de administrar os nossos relacionamentos.

O outro não precisa sempre ver, ouvir ou saber daquilo a que nossos instintos ou pensamentos não refletidos nos dizem.

Afinal, a sinceridade em excesso, nesse caso, não levará o outro a conhecer-nos em nossa integralidade, mas a tão somente ver um fragmento nosso que, raramente, dará norte ao nosso comportamento.

“Ophelia: Love & Privacy é uma animação de by Bin-Han

Ophelia: Love & Privacy_Settings from Cartoon Brew on Vimeo.

Como as crianças encaram a deficiência

Como as crianças encaram a deficiência

Uma coisa é certa: o a maldade e o preconceito estão nos olhos de quem vê.

No vídeo produzido pela ONG francesa Noémi Association, você vai se espantar e se encantar como as crianças enxergam a deficiência física.

Na experiência, país e filhos são convidados a ver um vídeo com pessoas a fazer caretas. A tarefa é imitar todas as caretas que são feitas na tela. No final, aparece uma garota com necessidades especiais e a reação é surpreendente.


Fonte: Vídeos do dia

“Amor Pleno”, um filme para ver de coração bem aberto

“Amor Pleno”, um filme para ver de coração bem aberto

Por Patrícia Sebastiany Pinheiro

Há alguns meses, uma amiga querida me procurou e sugeriu que eu assistisse ao filme “Amor Pleno”, alegando que poderia servir de grande inspiração para os meus textos. “Assista com o coração bem aberto”, disse ela. Logo deduzi que se trataria de um filme diferente.

Eu não estava enganada. O filme não conta com uma sequência linear de fatos e diálogos organizados, como estamos acostumados a ver as histórias sendo contadas; ele é quase um poema. As falas, apesar de raras, são carregadas de significado e passíveis de diversas interpretações, e os gestos, por vezes repetitivos e entediantes como a vida, transbordam verdade.

Uma cena, especificamente, me tocou e permaneceu por dias na minha mente: Marina (Olga Kurylenko) jogava-se, de costas, nos braços de seu companheiro, interpretado por Ben Affleck. Observava-se, quando ela abria bem os braços e se deixava cair, a adrenalina e o medo em seu rosto, em seus olhos que se fechavam como quem espera, num misto de temor e êxtase, o que está por vir, seguidos do riso largo que enfeitava seu semblante agora tranquilo quando, em meio ao nada, braços firmes a seguravam com força.

Não pude deixar de perceber que, em uma simples brincadeira, enxerga-se tanto do que é o amor: a insana coragem de abrirmos mão de algumas defesas e seguranças e, ainda que saibamos o quão cruel é a dor da queda, nos jogarmos – no escuro e de braços bem abertos – em direção ao chão, simplesmente por acreditarmos que o outro estará lá para nos segurar; por carregarmos a fé daqueles que sabem-se amados, que sabem que não há mal no mundo capaz de atingi-los enquanto houver as mãos firmes e amortecedoras esperando do outro lado.

Nosso equilíbrio e força para nos mantermos em pé vêm – e devem vir – das nossas próprias pernas, as únicas que, ainda que fraquejantes, jamais nos trairão. Mas, por vezes, é necessário que nos joguemos.

Nos jogamos, quando, na doença, permitimos que alguém cuide das nossas necessidades essenciais. Nos jogamos ao dividir nossas dores com alguém. Nos jogamos ao permitir que outras vidas segurem as nossas e as embalem no colo.

Quando nossos corpos estiverem cansados demais para caminhar, que ainda existam outros que, capazes ou não de nos carregar, nos confortem e renovem apenas ao proporcionar a serenidade do confiar; a paz que é poder andar ao lado de alguém de olhos fechados, sem medo de cair.

contioutra.com - "Amor Pleno", um filme para ver de coração bem aberto

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