Você conhece a origem da palavra “histeria”? E o filme “Histeria”?

Você conhece a origem da palavra “histeria”? E o filme “Histeria”?

O livro “A casa da mãe Joana“, de Reinaldo Pimenta, nos traz curiosidades nas origens das palavras, frases e marcas num tom crítico, irreverente e satírico. Foi publicado pela Editora Campus – Rio de Janeiro, em 2002.

Abaixo, transcrevo a definição da palavra histeria:

“HISTERIA

Só em meados do século XX é que o machismo começou a perder força e se mostrar ridículo, simplesmente porque homens e mulheres não se davam conta dele, tão estranhado na nossa cultura. Uma vez que as palavras não se dissociam da realidade  – muito pelo contrário – muitas delas refletem a pretensa superioridade do macho sobre a fêmea.  Galinha ou vaca para uma mulher é uma ofensa; galo ou touro para um homem é elogio (garanhão). Mas quando o homem se prostitui, pronto, é galinha.

Com a palavra histeria deu-se coisa parecida. Veio do greto hystéra, útero, porque os antigos achavam que a histeria era causada por um desarranjo do útero e, portanto, tratava-se de um padecimento exclusivo das mulheres.

Na verdade, credite o absurdo mais à ignorância que ao machismo. Os antigos tinham muitas noções falsas sobre o corpo humano: o coração como sede da inteligência, o fígado como pêndulo do humor ECT. O genial filósofo e matemático francês, René Descartes ( 1596 a  1650), em seu estudos anatômicos, garantiu que a glândula pineal, no cérebro, seria o lugar da mente que “impele os espíritos para os poros do cérebro, que, então, os descarregam para os nervos e músculos”.

Nessa compota de absurdos, achar que a histeria era filha do útero não espantava ninguém. Mais tarde, o médico francês Louis Landouzy (1845 a 1917) assim definiu a histeria: “É uma neurose do aparelho gerador da mulher, repetindo-se por acessos apiréticios (sem febre) e tendo como sinal uma penosa sensação de estrangulamento”.

Não, minha senhora, furor uterino é outra coisa.”

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Cena do filme Histeria (Hysteria), de 2012.

Ficou interessado no filme?

contioutra.com - Você conhece a origem da palavra "histeria"? E o filme "Histeria"?Histeria (Hysteria)

Ano: 2012

Diretor: Tanya Wexler.

Roteiro: Stephen Dyer.

Elenco Principal: Maggie Gyllenhaal, Hugh Dancy, Rupert Everett, Jonathan Pryce, Felicity Jones.

Gênero: Comédia.

Nacionalidade: Reino Unido/França/Alemanha/Luxemburgo.

No século XIX, muitas mulheres eram diagnosticadas com histeria. Segundo o Dr. Robert Dalrymple (Jonathan Pryce), famoso especialista em medicina da mulher, essa doença exclusivamente feminina “dominava” quase que população feminina de Londres. Por acreditar que a origem do problema encontrava-se no útero, ele tratava suas pacientes com longas massagens na vagina, provocando assim um outro efeito, mais conhecido como prazer sexual. Ao dar oportunidade para que o jovem Dr. Mortimer Granville (Hugh Dancy) começasse a dar consultas no seu consultório, o local passa a receber cada vez mais pacientes, provocando no rapaz um grave problema nas mãos. Disposto a combater a dor crônica que sentia, ela acaba descobrindo em um aparelho criado por seu amigo e inventor Edmund St John-Smythe (Rupert Everett) uma solução que iria atender a ele e também as mulheres: um massageador elétrico. Baseado em fatos reais sobre a criação do aparelho, também conhecido nos dias atuais como vibrador, consolo, entre outros nomes. (Adoro Cinema)

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Receita de Felicidade, Toquinho

Receita de Felicidade, Toquinho

Receita de Felicidade

Toquinho

Pegue uns pedacinhos de afeto e de ilusão;
Misture com um pouquinho de amizade;
Junte com carinho uma pontinha de paixão
E uma pitadinha de saudade.

Pegue o dom divino maternal de uma mulher
E um sorriso limpo de criança;
Junte a ingenuidade de um primeiro amor qualquer
Com o eterno brilho da esperança.

Peça emprestada a ternura de um casal
E a luz da estrada dos que amam pra valer;
Tenha sempre muito amor,
Que o amor nunca faz mal.
Pinte a vida com o arco-íris do prazer;
Sonhe, pois sonhar ainda é fundamental
E um sonho sempre pode acontecer.

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A criança em seu mundo, Mário Sergio Cortella

A criança em seu mundo, Mário Sergio Cortella

Nesse palestra da CPFL Cultura, Mário Sergio Cortella fala sobre a importância da imaginação infantil, um mundo onde muitas vezes, os adultos não conseguem entrar. Mas, segundo o educador, é preciso criar relações mais próximas com as crianças e saber quais são as suas necessidades e desejos para que possamos formar cidadãos conscientes e atuantes. No entanto, estamos sacando o futuro por antecipação, estamos gastando os meios que permitiriam a existência de próximas gerações. E ainda por cima anunciamos às crianças: モNão haverá futuro, não haverá meio ambiente, não haverá segurança, não haverá trabalho.

A criança em seu mundo | Mário Sergio Cortella from instituto cpfl | cultura on Vimeo.

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Palavras de avó: quando uma mulher estiver triste o melhor a fazer é trançar o seu cabelo

Palavras de avó: quando uma mulher estiver triste o melhor a fazer é trançar o seu cabelo

“A minha avó dizia-me que quando uma mulher se sentisse triste, o melhor que podia fazer era entrançar o seu cabelo; de modo que a dor ficasse presa no cabelo e não pudesse atingir o resto do corpo. Havia que ter cuidado para que a tristeza não entrasse nos olhos, porque iria fazer com que chorassem, também não era bom deixar entrar a tristeza nos nossos lábios porque iria forçá-los a dizer coisas que não eram verdadeiras, que também não se metesse nas mãos porque se pode deixar tostar demais o café ou queimar a massa. Porque a tristeza gosta do sabor amargo.

Quando te sintas triste menina- dizia a minha avó- entrança o cabelo, prende a dor na madeixa e deixa escapar o cabelo solto quando o vento do norte sopre com força. O nosso cabelo é uma rede capaz de apanhar tudo, é forte como as raízes do cipreste e suave como a espuma do atole.

Que não te apanhe desprevenida a melancolia minha neta, ainda que tenhas o coração despedaçado ou os ossos frios com alguma ausência. Não deixes que a tristeza entre em ti com o teu cabelo solto, porque ela irá fluir em cascata através dos canais que a lua traçou no teu corpo. Trança a tua tristeza, dizia. Trança sempre a tua tristeza.

E na manhã ao acordar com o canto do pássaro, ele encontrará a tristeza pálida e desvanecida entre o trançar dos teus cabelos…”

Registro da antropóloga Paola Klug

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Fotografia tirada na Nicarágua por Candelaria Rivera, do ensaio fotográfico: “Amor de Campo”

Tradução via Rui Sá

Nota: A Conti outra tem a autorização da autora para reprodução deste material.

Uma amizade sincera, um conto de Clarice Lispector

Uma amizade sincera, um conto de Clarice Lispector

Não é que fôssemos amigos de longa data. Conhecemo-nos apenas no último ano da escola. Desde esse momento estávamos juntos a qualquer hora. Há tanto tempo precisávamos de uma amigo que nada havia que não confiássemos um ao outro. Chegamos a um ponto de amizade que não podíamos mais guardar um pensamento: um telefonava logo ao outro, marcando encontro imediato. Depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. Só que o assunto havia de ser grave, pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada.

Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós. Às vezes um telefonava, encontrávamo-nos, e nada tínhamos a nos dizer. Éramos muito jovens e não sabíamos ficar calados. De início, quando começou a faltar assunto, tentamos comentar as pessoas. Mas bem sabíamos que já estávamos adulterando o núcleo da amizade. Tentar falar sobre nossas mútuas namoradas também estava fora de cogitação, pois um homem não falava de seu amores. Experimentávamos ficar calados – mas tornávamo-nos inquietos logo depois de nos separarmos.

Minha solidão, na volta de tais encontros, era grande e árida. Cheguei a ler livros apenas para poder falar deles. Mas uma amizade sincera queria a sinceridade mais pura. À procura desta, eu começava a me sentir vazio. Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes.

Minha sincera pobreza revelava-se aos poucos. Também ele, eu sabia, chegara ao impasse de si mesmo.

Foi quando, tendo minha família se mudado para São Paulo, e ele morando sozinho, pois sua família era do Piauí, foi quando o convidei a morar em nosso apartamento, que ficara sob a minha guarda. Que rebuliço de alma. Radiantes, arrumávamos nossos livros e discos, preparávamos um ambiente perfeito para a amizade. Depois de tudo pronto – eis-nos dentro de casa, de braços abanando, mudos, cheios apenas de amizade.

Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.

Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.

Mas como se nos revelava sintética a amizade. Como se quiséssemos espalhar em longo discurso um truísmo que uma palavra esgotaria. Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco. Tentamos organizar algumas farras no apartamento, mas não só os vizinhos reclamaram como não adiantou.

Se ao menos pudéssemos prestar favores um ao outro. Mas nem havia oportunidade, nem acreditávamos em provas de uma amizade que delas não precisava. O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos amigos. O que não bastava para encher os dias, sobretudo as longas férias.

Data dessas férias o começo da verdadeira aflição.

Ele, a quem eu nada podia dar senão minha sinceridade, ele passou a ser uma acusação de minha pobreza. Além do mais, a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos.

É verdade que houve uma pausa no curso das coisas, uma trégua que nos deu mais esperanças do que em realidade caberia. Foi quando meu amigo teve uma pequena questão com a Prefeitura. Não é que fosse grave, mas nós a tornamos para melhor usá-la. Porque então já tínhamos caído na facilidade de prestar favores. Andei entusiasmado pelos escritórios de conhecidos de minha família, arranjando pistolões para meu amigo. E quando começou a fase de selar papéis, corri por toda a cidade – posso dizer em consciência que não houve firma que se reconhecesse sem ser através de minha mão.

Nessa época encontrávamo-nos de noite em casa, exaustos e animados: contávamos as façanhas do dia, planejávamos os ataques seguintes. Não aprofundávamos muito o que estava sucedendo, bastava que tudo isso tivesse o cunho da amizade. Pensei compreender por que os noivos se presenteiam, por que o marido faz questão de dar conforto à esposa, e esta prepara-lhe afanada o alimento, por que a mãe exagera nos cuidados ao filho. Foi, aliás, nesse período que, com algum sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela que é hoje minha mulher. Só muito depois eu ia compreender que estar também é dar.

Encerrada a questão com a Prefeitura – seja dito de passagem, com vitória nossa – continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que cederia a alma. Cederia a alma? mas afinal de contas quem queria ceder a alma? Ora essa.

Afinal o que queríamos? Nada. Estávamos fatigados, desiludidos.

A pretexto de férias com minha família, separamo-nos. Aliás ele também ia ao Piauí. Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

Clarice Lispector in Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro, Rocco, 1998

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Sincronicidades e os pequenos milagres do dia a dia

Sincronicidades e os pequenos milagres do dia a dia

Meu filho é grande fã da cultura pop japonesa contemporânea, mangás e animês. Gêneros com os quais tenho quase nenhuma familiaridade.

De uns anos pra cá, meus interesses têm se voltado ao Oriente. Meditação, tao, autores como J. Krishnamurti e – especialmente – o inclassificável Osho (*).

Estive com meu filho em Sampa, a semana toda – o que acontece eventualmente, moramos em cidades diferentes. Num dos dias, vou à Livraria Cultura. Livrinho comprado, sigo na direção da saída. Súbito, paro e verifico as mensagens no celular; tinha um compromisso marcado, dali a instantes.

Quando ergo a cabeça, percebo que estou na seção de quadrinhos japoneses. Praticamente pula diante de mim um livro, título em letras garrafais: A história de Buda em mangá.

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“A história de Buda em mangá” apresenta-nos a vida do príncipe Sidarta Gautama, herdeiro do reino de Kapilavastu há 2600 anos e da sua incansável busca de respostas para o significado da vida, do cessar do sofrimento humano e de alcançar a suprema felicidades dos seres.

“Puxa, mas que coincidência, não?”, dirá alguém. Claro que não é só isso.

Para alguns, a “sincronicidade” – conceito desenvolvido por Jung, que também a chama de “coincidência significativa” – é uma bobagem. Se não podem explicar o evento por meio da relação causa-efeito, ele não tem valor, isso é “papo de esotérico”. No extremo oposto, há os que a consideram trivial, quase banal, tamanha é a frequência que ela ocorre em seu cotidiano.

Ora, eu estava num ambiente com dezenas de milhares de livros ao redor. E meus olhos foram direcionados para este título em particular.

Pra mim, esta é a prova cabal da presença do sagrado nos pequenos detalhes. Da estreita interligação entre tudo e todos. Os pequenos milagres ocorrem quando se afina a sintonia com o universo; quando se está antenado aos sinais por ele enviados de modo discreto, sutil. De diversas formas: na letra da canção que toca no rádio, no artigo da revista que você folheia na sala de espera do consultório, na pessoa que aparece na sua vida de modo meteórico e some logo em seguida etc.

A beleza é que quanto mais prestamos atenção nestas sincronicidades, mais elas aparecem.

Estas cenas do dia a dia me deixam entusiasmado como criança diante da descoberta do novo. Aliás, “entusiasmado” não está na frase à toa: en + theos = na raiz etimológica da palavra, está Deus.

(*) Insight que só tive agora: geograficamente, estamos próximos, ele e eu. Japão, China, Índia.

LUIS GONZAGA FRAGOSO

Tradutor e Revisor

[email protected]

Nota da CONTI outra: A publicação do texto acima foi autorizada pelo autor.

“O brasileiro não nasceu para ser inteligente”, assim começa essa crônica de Nelson Rodrigues

“O brasileiro não nasceu para ser inteligente”, assim começa essa crônica de Nelson Rodrigues

Sem medo do Conselheiro Acácio (Nelson Rodrigues)

O brasileiro não nasceu para ser inteligente. E direi mais: — nem pode ter um parente inteligente. Parece exagero ou piada. (Já expliquei que as verdades mais solenes podem assumir, por vezes, a forma de piada.) Nada mais trágico para uma família brasileira do que ter, em seu seio, um caso de inteligência. Eu citaria, para não ir mais longe, o exemplo de Rui Barbosa.

O maior dos brasileiros vivos. Lembro-me de sua agonia em Petrópolis. Rui estava morre, não morre, e já um vizinho nosso antecipava: — “O maior dos brasileiros mortos”. Eis o que eu queria dizer: — o grande baiano foi uma das mais negras tragédias familiares de que tenho notícia. (Não estou insinuando nenhum escândalo, desses que, em nosso tempo, merecem a manchete de O Dia e da Luta Democrática. Não, não. Por esse lado a família de Rui foi de uma correção imaculada. Faço a ressalva com a maior ênfase.)

A partir do momento em que, ainda menino, manifestou o seu gênio, a família perdeu a paz, o sossego, o diabo. Um vago primo, ou cunhada, ou tia, deixou de ter vida própria. Ninguém namorava, ninguém noivava, ninguém casava e nem enviuvava. O tempo era pouco para admirar o Gênio. E ficava toda a parentela de mãos postas, estupefata. Durante setenta anos, a família foi massacrada. Velórios, bodas, partos, nenhum acontecimento lúgubre ou festivo valia uma coriza daquele que era “o maior dos brasileiros vivos” e seria “o maior dos brasileiros mortos”.

contioutra.com - "O brasileiro não nasceu para ser inteligente", assim começa essa crônica de Nelson RodriguesPergunto se, durante os setenta anos intermináveis, algum primo, ou tia, ou filho, conheceu por um momento o tédio do mito. Setenta anos não são setenta dias. E pergunto se terá havido, na família de Rui, algum caso de admiração exausta. Não sei, ninguém sabe, nem Deus.

E o próprio Rui? Como se comportava ele diante de si mesmo? Como reagia diante da própria glória? Eis a verdade; — o gênio nunca foi um hábito para Rui. E aí está um traço forte do brasileiro e repito: — o brasileiro não sabe ser inteligente com naturalidade. Vejam o francês. Jean-Paul Sartre, por exemplo. É um homem que inspira, aqui, admirações abjetas. Dizem: — “A maior cabeça do mundo”. Pois Sartre é inteligente com relativo tédio. E, por vezes, tem o que eu chamaria “a nostalgia da burrice”. Nessas ocasiões, diz as bobagens mais hediondas.

Do mesmo modo, o inglês, que também é inteligente sem espanto, sem angústia, sem deslumbramento. E não há mistério. O inglês, ou francês, encontra a língua feita e repito: — um idioma que pensa por ele. Uma lavadeira parisiense é uma estilista, um cocheiro fala como um grã-fino de Racine. Ao passo que nós temos de recriar, dia após dia, a nossa língua e pensar em péssimo estilo.

Mas citei Rui e passo a um exemplo mais moderno: — o nosso Guimarães Rosa. “Ser Guimarães Rosa” não foi, jamais, um hábito para Guimarães Rosa. Era um permanente espanto, uma permanente surpresa, uma permanente festa. Dormia e acordava espantadíssimo de ser ele e não um imbecil qualquer. Conta-me Carlos Heitor Cony um episódio magistral. Vamos ao fato.

Os dois encontraram-se em Brasília. Conversa daqui, dali e, de repente, Guimarães Rosa faz pose. (Na vida real, Guimarães Rosa posava muito de Guimarães Rosa.) A seu lado Cony perfila-se como se fosse ouvir o Hino Nacional. Suspense. E, então, erguendo a fronte e olhando para o fundo da tarde, disse o grande ficcionista: — “A vida de Getúlio não fazia prever aquele fim”. Retira o olhar do vago horizonte e perscruta na cara de Cony o efeito provocado.

Como única testemunha auditiva e ocular da tirada, Cony não sabia o que dizer e o que pensar. Não há ninguém, vivo ou morto, que não faça suas concessões ao Conselheiro Acácio. Impossível nascer, envelhecer ou morrer sem ser acaciano muitas e muitas vezes. Mas um Sartre é acaciano com a maior e a mais insolente desfaçatez. Aqui no Brasil o gênio francês deu uma entrevista coletiva. Em dado momento, saiu-se com esta: — “O marxismo é inultrapassável”.

Mas Sartre falava assim porque nos supunha, a todos, cristalinos imbecis. Já o Guimarães Rosa acreditava na própria frase e insisto: — ele a trabalhara. Numa amarga perplexidade, Cony limitou-se a um pigarro: — “É mesmo, é mesmo”. E passaram a outro assunto. Mas ali estava o brasileiro. O brasileiro inteligente tem vergonha de dizer um modesto, um honrado “oba”. Sim, ele se considera degradado se largar um “bom-dia” sem lhe pingar gênio.

Depois da morte do autor do Grande sertão, o Cony fez uma devassa na obra rosiana para descobrir o que nela há de acaciano. Mas é um equívoco. Cony não quer aceitar que o gênio está muito mais próximo do Conselheiro Acácio do que o idiota ou o medíocre. Falei de Sartre e posso lembrar outro gênio, Bertrand Russell. Num dos seus manifestos pacifistas diz ele, por outras palavras, o seguinte: — “Vive-se no comunismo, no capitalismo, como se viveu no nazismo. Portanto, não vale a pena morrer por coisa alguma. Devemos viver, que é muito mais seguro”.

Dirá alguém que não foi isso que ele quis dizer. Foi, sim. Está lá no hediondo manifesto, publicado em todos os idiomas. Ora, o que diz Bertrand Russell é de uma torpeza cristalina. Por outro lado, o que ele propõe não tem nada a ver com o ser humano. O mais degradado dos seres prefere morrer por três ou quatro valores de sua estima. Um gangster morre defendendo o seu estilo de vida.

Mas dizia eu que um simples caso de inteligência, numa família brasileira, pode destruí-la. Conheci uma menina que, por azar, era filha de um pai inteligente ou supostamente inteligente. Tias, cunhadas, vizinhos, cochichavam: — “É uma cabeça! Uma cabeça!”. O velho fazia uns sonetos parnasianos. Li um deles, que a filha me mostrou, tremendo de beleza. Guardei dos versos uma palavra que ainda me atropela: — arrebol. Pois a garota não casou nunca. Viveu para o pai. Morreu antes dele, tuberculosa. Pode-se dizer que foi assassinada por uma meia dúzia de sonetos jamais publicados.

Volto agora a Guimarães Rosa. Leio nos jornais que suas filhas estariam brigando. E com quem? Com a senhora que viveu trinta anos com o grande ficcionista. Escapa-me um comentário de vizinho: — “Trinta anos não são trinta dias”. Não se trata de uma rixa intranscendente. Não. Segundo sei, a coisa assume a forma judicial. Há advogados, de um lado e do outro, chicanando em torno de uma obra formidável. Para sair uma linha de Guimarães Rosa é uma batalha forense.

Estive, há tempos, com uma das filhas do escritor, Vilma. Foi uma conversa carinhosíssima. Mas Vilma negou, com a maior veemência, que existisse a briga. Absolutamente, e pelo contrário. Mas agora insistem os jornais: — a obra rosiana estaria praticamente interditada, enquanto não se decide a questão. E, então, eu pergunto se uma família brasileira pode devorar-se porque um dos seus membros é ou foi inteligente. Mas, como não tenho medo do Conselheiro Acácio, repito, para as filhas do grande autor, esta reflexão de vizinho: — “Trinta anos não são trinta dias”.

[17/2/1968]

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O carinho das mãos sulcadas do meu pai, por Nara Rúbia Ribeiro

O carinho das mãos sulcadas do meu pai, por Nara Rúbia Ribeiro
Imagem via: https://consuelocabreu.wordpress.com/page/2/

Por Nara Rúbia Ribeiro

Nos olhos da infância, a dimensão tanto da dor quanto  da alegria tem proporções gigantescas. O que nem desconfiamos é que esses gigantes ficarão tatuados em nossos olhos para sempre e muito dirão daquilo que, em essência, somos.

O meu pai, durante boa parte de sua vida, trabalhou com barro, formas e fornos, forjando tijolos para a construção de mundos alheios e provendo o pão de cada dia nosso. Morávamos no interior de Goiás. Ele acordava sempre às quatro da manhã e se dirigia ao trabalho, passando, antes, na casa de meus avós, onde a vó Bernardina já teria deixado prontos o seu café e, em regra, o seu bolo frio de polvilho, quentinho, feitos naquela hora.

Meu pai seguia ao trabalho e amassava o barro. Colocava esse barro em pequenas formas e em seguida o desenformava, colocando-o para secar. Sempre sob o sol escaldante. Sempre banhado de suor. Após seco, o barro formatado era empilhado em fornalhas imensas e recebia calores exaustivos do fogo, para que se consolidasse. Algumas vezes fui ao trabalho dele, quando menina. Era uma aventura… e eu achava o máximo quando ele me permitia virar algum tijolo, de sorte que ele pudesse tomar sol dos dois lados.

O que ele ganhava era pouco. Minha mãe fazia trabalhos de crochê para complementar a renda. Eram trabalhos tão bonitos e tão bem feitos, que me cortava o coração quando os vendia.

Não raro o meu pai saía do trabalho e chegava em casa sujo e cansado, tomava um rápido banho e brincava comigo e com o meu irmão. Brincadeiras de menino: finca, bola de gude. No final da noite, nos deitávamos para ouvir o rádio de pilha, momento em que brincávamos de acertar qual a próxima música da programação da emissora. Daí, muitas vezes, se dava a surpresa. Ele geralmente passava na rádio e deixava registrado músicas dedicadas à família toda. Ouvir o nosso nome na rádio recebendo música era a glória maior.

Era uma vida contrastada de dor e ternura, onde eu fingia não perceber o sacrifício do meu pai e a frustração silenciosa da minha mãe, por não poder nos ofertar o que gostaria.

Mas os pais são sempre desprovidos de bom senso e doam-nos mais do que pensam ter doado; ofertam-nos mais do que julgam ofertar.

Penso que o ofício do meu pai foi sempre o mais bonito de todos. Talvez até divino, posto que a própria divindade, conforme a crença judaico-cristã, teria formatado o homem do barro. Mas o que aprendi, observando o ofício do meu pai,  é que a vida também nos macera até o ponto de estarmos aptos à forma que a própria vida escolheu. E que, uma vez formatados, sempre haverá em nós alguma ranhura, algum desalinho, algum amassado que nos difere dos outros. Os tijolos nunca são exatamente iguais. Alguns tijolos se quebram e se, enquanto expostos ao sol, tomam chuva, derretem-se, desfazem-se e voltam à terra.

Aprendi que as dores são fornos cujo calor consolida a nossa disposição interior. Aqueles que se permitiram magoar pelos arranhões e os amassados poderão consolidar essa mágoa na dor da fornalha do tempo. Mas aquele que sabe que as intempéries da vida nos dão a oportunidade de sermos ímpares, que sabe mensurar a grandeza de ser único, a alegria de ainda mostrar-se inteiro, esse faz consolidar a gratidão por sua própria existência, ainda que esta seja por demais dolorida.

Importa é saber que, ao final, o que nos vale no mundo é fazer parte dele. Não importa se se é um barro mal macerado e pobre, um tijolo derretido na chuva, ou um outro seco, ou queimado, ou quebrado a servir de caco em algum canto de um terreno baldio. Importa que aqui estamos todos, reconstruindo-nos e recriando-nos a cada dia.

Inspira-me saber que o meu pai, embora em contato direto com a aspereza da vida, detinha-se na sutileza de dedicar-nos seu tempo e, não raro, uma música. Alguma fortuna no mundo poderia legar-nos algo maior do que isso? Que a compreensão de que, mesmo no chão árido e grosseiro de uma existência sofrida ainda possa florir, nas frestas que entremeiam as dores, as mais surpreendentes delicadezas? Eu creio que não. Escolhi as mãos calejadas do meu pai para acariciar o meu mundo interior. Mãos sulcadas pela vida, cujas rachaduras guardam barro e dor, mas que também tangenciam e entregam-nos, na agrura dos dias, as mais belas melodias.

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Ninguém é adotado sem antes ter sido abandonado.

Refletindo sobre os aspectos de uma dor primária gerada pelo abandono, o dr. Marcelo Nazareth fala sobre os desafios intrínsecos ao processo de adoção de uma criança que já foi, mesmo que não intencionalmente, profundamente ferida por sua família original.

Aborda também a necessidade do pais adotivos que, mesmo repletos de amor e boas intenções, devem estar emocionalmente preparados para lidar com a confusão gerada entre o ideal de pais que fica confuso: uma vez que existem pais que abandonam e pais que amam.

Entrevista concedida para o Programa Acesso Especial, na rádio cultura FM de Amparo. Entrevistador Sérgio Nardini.

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Nota da CONTi outra: o programa Acesso Especial é um parceiro CONTI outra e a publicação desse material foi autorizada pelo responsável.

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5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

Por Nando Pereira

Do original: 5 RAZÕES QUE NOS IMPEDEM DE DESCOBRIR VERDADEIRO SENTIDO NA VIDA, SEGUNDO SHELLEY PREVOST

“A mais profunda forma de desespero é escolher ser outro que não si mesmo.”
~ Soren Kierkegaard (1813-1855)

O significado de propósito e sentido de vida aqui está nos moldes dessa afirmação do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard mas também lembra, talvez ainda mais, a máxima do clássico indiano Bhagavad Gita (cap III, v.35), que diz que “Mais vale cumprir o próprio dharma, ainda que de forma imperfeita, do que cumprir de maneira perfeita o dever de outrem”. A psicóloga Shelley Prevost, terapeuta do Lamp Post Group, listou cinco razões pelas quais “nos perdemos” no caminho e entramos nessa crise de não enxergar mais sentido ou propósito, num post publicado na revista Inc intitulado “5 Razões Pelas Quais A Maioria das Pessoas Nunca Descobre Seu Propósito” (5 Reasons Why Most People Never Discover Their Purpose, 29/08/2013).

A maior parte do texto está traduzido abaixo, com observações, comentários e links a respeito de cada item. Não é intenção apresentar a lista da Shelley como “a” lista de razões para isto ou aquilo, mas é uma visão interessante que pode adicionar aos passos do nosso (verdadeiro) caminho. Segundo o sábio indiano Sri Ramana Maharshi, o que nos faz encontrarmos nosso próprio caminho e sentido é apenas uma coisa: investigarmos profunda e verdadeiramente quem somos.

Eis a lista.

1. Você vive de fora pra dentro e não de dentro pra fora.

Esse é o primeiro e o principal de todos eles. Os outros praticamente decorrem desse. Aqui está o conceito de Matrix, do filme de 1999. “Quem olha pra fora, sonha; quem olha pra dentro, acorda”, já disse Carl G. Jung.
Diz a Shelley Prevost no seu artigo:

“Desde a infância as pessoas são ensinadas a procurar outras pessoas para se guiarem. As normas sociais são uma parte importante da infância – você imagina como deve agir em relação aos outros — mas o problema começa quando você estende esse processo e inclui algo tão pessoal quanto o propósito da sua vida. Algumas pessoas tem nossa confiança e a capacidade de nos ajudar a encontrar nosso real propósito único. Se você é uma dessas pessoas que têm essas companhias, você tem sorte! Mas a maioria das pessoas, mesmo as bem intencionadas, escolhem nos colocar dentro de compartimentos que fazem mais sentido pra elas. Para ganhar a aprovação delas, você se dispõe a entrar dentro do compartimento. Para manter a aprovação delas, você aprende a negar seguidamente quem você é. Em situações demais você vive num roteiro de outra pessoa”. (Shelley Prevost)

2. Você procura uma carreira antes de ouvir seu chamado.

Esse na verdade é uma consequência do primeiro. No caso do propósito de vida, essa é a pior (consequência). Isso já foi muito bem tratado num vídeo do psiquiatra chileno Claudio Naranjo, onde ele diz que “É normal não encontrar sentido na vida quando se está muito condicionado pelo mundo” (22/09/2011). Já com 15, 16 ou 17 anos você já está sofrendo toda a pressão dos pais, amigos e da sociedade inteira por uma carreira definida e que, de preferência, dê um longo e financeiramente estável futuro.
Como diz o filósofo zen-budista Alan Watts (1915-1973) em um outro vídeo, “E se o dinheiro não fosse a finalidade?” (17/01/2013).

Diz a Shelley no artigo dela:

“Nossa sociedade reduziu o sucesso a uma lista de itens a serem preenchidos: formar-se no colégio, conseguir um(a) companheiro(a), ter filhos, sossegar num caminho profissional bem definido e ficar ali até que os cheques da aposentadoria comecem a chegar. Esse caminho bem costurado coloca as pessoas na direção do conformismo, não do propósito. Estamos tão ocupados evitando medos auto-impostos de não sermos suficientemente (preencha aqui alguma qualidade) – espertos o suficiente, criativos o suficiente, bonitos o suficiente – que raramente paramos e nos perguntamos “Estou feliz e satisfeito? E se não, o que eu deveria mudar?”
Encontrar seu propósito tem a ver com ouvir essa vontade interior. No livro “Deixe Sua Vida Falar” (Let Your Life Speak), Parker Palmer diz que deveríamos deixar nossa vida falar a nós, e não dizer à vida o que vamos fazer com ela. Um chamado é apaixonado e compulsivo. Começa com uma curiosidade (“Eu gostaria de tentar isso”) e então se transforma num mandato que você simplesmente não pode mudar. Um chamado não é um caminho fácil, e é por isso que a maioria de nós nunca o conhece. Tememos o esforço, a idiotice, o risco e o desconhecido. Então escolhemos uma carreira porque preenche os itens que fomos convencidos a preencher.” (Shelley Prevost)

3. Você odeia o silêncio.

Bom, não conheço muitas pessoas que realmente odeiam o silêncio, mas conheço muitas que “não suportam”. A justificativa geralmente é que o silêncio ou é angustiante ou uma perda de tempo. Aqui não há muita discussão, pois apenas no silêncio de si mesmo é que se descobre a essência da vida, e por mais subjetivo e desconhecido que isso possa parecer para um novato no mundo do silêncio, se não houver isso, não há muito o que fazer a respeito do aprofundamento em si mesmo. Apesar de algumas pessoas parecerem irem bem em suas carreiras sem silêncio, se você prestar atenção vai perceber que muitas delas cultivam o silêncio e os longos momentos contemplativos pessoais com bastante frequência, à sua maneira. A experiência de estar sentindo seu próprio propósito é calmante e satisfatória, inclui e se deleita no silêncio, enquanto que a experiência (ainda que externamente bem sucedida) de estar fora do seu caminho traz angústia e inquietação, coisa que o silêncio acentua e que, por isso, é rejeitada.

No texto da Shilley:

“Vivemos numa sociedade que não valoriza o silêncio. Valoriza a ação.
Mas viver sem silêncio é perigoso. Sem ele, você acaba acreditando que seu ego – e tudo que ele quer – é seu propósito. Se você imaginar bem esse cenário, sabe que ele não termina bem. Viva uma vida onde o Ego está no comando e você se encontrará o esgotamento – e uma questão esgotante: “Eu tenho uma ótima vida. Porque não estou satisfeito?”. O silêncio abafa o barulho e cria um espaço para a autenticidade aparecer. Em silêncio, você pode se perguntar como sua vida ou seu trabalho realmente está indo e pausar para esperar a resposta. Em silêncio, você dá tempo para que as informações da sua vida convirjam em algumas lições. Geralmente, entretanto, antes que as lições tenham tempo para penetrar você já foi para a próxima distração.” (Shelley Prevost)

4. Você não gosta do lado sombrio de si mesmo.

A não ser que você tenha nascido iluminado, o que neste caso não estaria lendo esse blog (rs), as chances de você não gostar ou não ter gostado da sua sombra são de 100%. O trabalho de conhecer e aceitar e crescer com o próprio lado sombrio é geralmente uma consequência do trabalho esmerado e profundo sobre si mesmo, seja em terapia, em meditação, em outras práticas, ou tudo isso junto. Aqui, de novo, aparece nossa cultura que não vê nenhum valor em não rejeitar ou em aceitar algo “ruim”, “negativo”, traços de fraqueza ou maldade ou escuridão. É a sombra, como definiu Carl G Jung.

“A sombra é o lado da sua personalidade que você não quer que os outros vejam. Representa suas deficiências, suas falhas, suas motivações egoístas. A maioria de nós evita isso antes que qualquer um possa ver. Mas há uma coisa: a parte de você que é a mais escura tem a maior quantidade de coisas para lhe ensinar sobre seu propósito. Se descobrir seu propósito é realmente sobre auto-conhecimento, sua escuridão lhe mostra onde você mais precisa crescer. Mais importante ainda, mostra de quem você mais precisa aprender. É das pessoas que você menos gosta que você tem mais a aprender sobre si mesmo. Mas a maioria ignora o lado sombrio. Em vez disso, você busca relacionamentos confortáveis que reforcem as imagens gastas e obsoletas de si mesmo.” (Shelley Prevost)

5. Você ignora a mente inconsciente.

Diz a Shelley:

“No livro “The Social Animal”, David Brooks fala sobre o preconceito de nossa cultura que diz que “a mente consciente escreve a autobiografia da nossa espécie”. Assim como Brooks, acredito que nossa cultura tem um relativo desdém pela mente inconsciente e tudo que ela representa – emoções, intuição, impulsos e sensibilidades. Para descobrir nosso propósito, temos que estar confortáveis com nossa mente não-lógica. Você deve se acostumar em não ter as respostas. Você deve tolerar a ambiguidade e aceitar as lutas. Deve se permitir sentir – profundamente sentir. Planejar intelectualmente seu caminho em direção a uma vida com propósito não funcionará nunca. Mas isso é pedir demais para a maioria das pessoas. Elas vão negar, despistar, ridicularizar ou simplesmente ignorar. E essa é a razão pela qual a maioria de nós viverá sem saber qual o verdadeiro propósito.” (Shelley Prevost)

Parece lógico e sensato que deveríamos ter o controle de tudo (ou da maioria das coisas) e estarmos plenamente conscientes de todos os nossos passos e não sofrermos com fraquezas nem obstáculos. Mas a vida simplesmente não é assim. “Há muito mais coisa entre o céu e a Terra, Horácio, do que imagina vossa vã filosofia”, já dizia Shakespeare. E a mesma coisa vale nosso universo interior. O ser humano é uma manifestação da forças e energias múltiplas, dinâmicas e inteligentes, e reconhecer e viver isso é apenas um dos passos no caminho do auto-conhecimento e do próprio propósito. Não é a toa que várias técnicas terapêuticas levam em conta todo esse compêndio que a vida humana expressa, e é assim que entendem e curam e integram o ser em si mesmo.

Nota da Conti outra: a publicação do texto acima por esta página foi autorizada pelo autor.

Fonte mais do que indicada:

contioutra.com - 5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

11 verdades que o egoísmo esconde de você

11 verdades que o egoísmo esconde de você

1. Desejar o mal a outra pessoa, porque ela tem algo que nós não temos, não nos trará o bem que não temos, e sim o mal que não tínhamos. Responder com um mal (calúnia, difamação, hostilidade etc.) diante de um bem do outro (uma habilidade que não temos, o sucesso etc.) constitui um mal e se manifesta em outros males (ódio ao próximo, dano causado a ele, dano a si mesmo etc.).

2. Qualquer pessoa é mais valiosa que todas as coisas, possessões ou pertences.

3. É mais saudável ocupar-se dos outros que unicamente de si mesmo.

4. A pessoa vai se enriquecer na medida em que contribuir para o enriquecimento pessoal de parentes, amigos e colegas.

5. O melhor caminho para a autoafirmação é o serviço aos outros; o pior caminho é a magnificação da autovalorização.

6. Não podemos desejar ter o mesmo sucesso dos outros sem esforço nenhum, porque as conquistas pessoais precisam ser alcançadas mediante um saudável desejo de superação de si mesmo.

7. A prosperidade alcançada por outros não pode ser vista como algo que nos prejudica.

8. É muito difícil estabelecer vínculos afetivos e autênticos quando não se é solidário com as pessoas.

9. O egoísmo atrapalha a autoestima, pois cria dependência das gratificações afetivas de outras pessoas (elogios, agrados etc.) e faz que a pessoa condicione seu querer unicamente ao fato de que gostem dela.

10. O egoísmo leva a pessoa a confundir pontos de vista diferentes do dela com manifestações de rejeição.

11. A pessoa egoísta não consegue tolerar as frustrações que tanto a amizade quanto a convivência humana implicam.

O egoísmo afunda a pessoa em um abismo tão insondável e ruim, que reduz a liberdade, pois a torna insensível para agradecer pelos bens materiais e sobretudo espirituais.

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“Ó polémico, tira uma foto comigo!”, por José Eduardo Agualusa

“Ó polémico, tira uma foto comigo!”, por José Eduardo Agualusa

Por José Eduardo Agualusa

A disseminação dos telemóveis, quase todos equipados com máquina fotográfica, gerou um fenómeno singular de assédio de imagem, susceptível de atingir qualquer pessoa que, em razão do seu ofício, esteja sujeita a um mínimo de exposição mediática. Lembro-me, há alguns anos, de ter ido ao Aeroporto da Portela, em Lisboa, para me despedir de Maitê Proença. Tomávamos um café quando fomos interrompidos por três sujeitos de meia-idade. Um deles avançou, de telemóvel em riste:

“Somos angolanos”, disse, dirigindo-se à actriz: “em Angola todo o mundo te conhece, todo o mundo te ama.”

Maitê agradeceu, com o seu belo sorriso.

“Podemos fazer uma foto contigo?”

Maitê voltou a sorrir. Os três foram trocando de posições, fazendo-se fotografar ao lado dela, insistindo em como a conheciam e amavam e respeitavam.

Feitas as fotos, o que parecia ser o mais velho apontou o dedo para Maitê e perguntou:

“E o teu nome é?”

Maitê olhou-o, perplexa:

“Maitê?!”

“Maitê o quê?”

“Maitê Proença…”

“OK. Muito obrigado, Maitê Proença.”

Mais recentemente, mas de novo no Aeroporto da Portela, preparando-me para embarcar para Luanda, veio ter comigo um jovem cheio de suégue.

“Mano, posso tirar uma foto contigo?”

Concordei, convencido de que seria algum leitor mais apaixonado. Fizemos a foto. O rapaz estendeu-me a mão:

“Obrigado, ó polémico! Continua assim.”

Ainda o ouvi, animado, a gabar-se a um amigo: “Tirei uma selfie ali com o polémico. Como se chama o gajo?”

“Não sei”, confessou o outro. “Nem sequer sei o que ele faz.”

Intriga-me esta ânsia de alguém se fazer fotografar ao lado de uma pessoa, apenas porque tal pessoa apareceu duas ou três vezes numa televisão – mesmo não sabendo nada sobre ela. Há aqui, talvez, vestígios de um certo pensamento mágico. Eventualmente, o rapaz com suégue acredita que o reconhecimento público é contagioso. Ou, neste caso concreto, a minha suposta rebeldia. Fazendo-se fotografar comigo regressará a casa um pouco menos submisso, ou um pouco menos anónimo, ou ambas as coisas.

Antigamente havia os Museus de Cera. As pessoas visitavam o Madame Tussauds para posarem ao lado de Elvis Presley ou de Brad Pitt. Depois mostravam as fotografias à família e toda a gente se ria com a fraude ingénua. Agora saem pelas ruas à caça de “famosos”. Como não encontram o Elvis na rua (Elvis não é um bom exemplo, parece que volta e meia o encontram), contentam-se em fotografar o antigo concorrente do último “reallity show”, o cantor em declínio, até mesmo um qualquer escritor.

O dia-a-dia das pessoas está hoje tão dependente do universo virtual, das existências que vêem acontecer nos écrâns de televisão e dos computadores, que muitas delas não acreditam no próprio destino, não acreditam que respiram e estão vivas, enquanto não surgirem também, por um instante que seja, nesses mesmos écrans. Não podendo ser, resta a pose, o beicinho, junto a alguém que frequente tais écrans. Faz-se prova de vida, não através da vida, mas através da imitação da vida. Tristes tempos.

José Eduardo Agualusa Alves da Cunha é um escritor angolano.

Fonte: Rede Angola

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MEUS FILHOS CRESCERAM, E AGORA? por Fabrício Carpinejar

MEUS FILHOS CRESCERAM, E AGORA? por Fabrício Carpinejar

Por Fabrício Carpinejar

Jamais envelhecemos reparando em nossa idade.

O costume é nos perdoar, esticar as rugas com o riso, desprezar a falta de fôlego e os ossos estalando. Ainda guardamos dentro da gente a vitalidade do pensamento, mesmo que o corpo não acompanhe.

Relevamos as pontadas, o cansaço e a vontade de sentar logo ao entrar em uma sala. Não achamos que é sério. Costumamos explicar que é apenas uma indisposição temporária ou uma noite mal dormida ou o excesso do calor.

Não chamamos nunca a velhice pelo nome, está cheia de sinônimos.

O único jeito de encarar o peso dos anos é pela idade dos filhos. Eles nos denunciam. Eles nos entregam. São delatores de nossa data de nascimento. Representam um cartório sempre aberto dentro de casa.

Não tem como pintar o cabelo, estender pano de prato com calendário antigo ou fingir que não é conosco.

Meus pais esqueceram que já estão com 76 anos. Nem as cartelas vazias do remédio no café da manhã são alarmes de suas fragilidades. Mas lembrarão imediatamente do longo percurso se avisá-los que o caçula Miguel tem quarenta anos e que todos os seus filhos passaram das quatro décadas.

Eu me vejo como um guri, capaz de empreender indiadas e emendar noites trabalhando. Por mim, não sofreria abalo psicológico, não experimentaria crise de lobo, raposa, cachorro, hiena. Não me percebia velho. Nenhuma festa acentuava a passagem do tempo.

Até o momento em que comemorei o aniversário de 21 anos de minha filha. Mariana completou a maioridade. Sou pai de uma mulher de 21 anos. Minha menina é uma mulher.

Assim como o Vicente, que parecia um eterno bebê, acaba de pisar na adolescência com os dois pés. Fez 13 anos na última sexta. Meu piá tem 13 anos. A voz é de um homem, fala grosso e chiado, bate a porta do quarto com força exigindo privacidade.

Eu considerava que ambos demorariam séculos imaginários para alcançar a fase adulta. Não estou preparado para ter filhos adultos e abandonar o termo “minhas crianças”. Como se despedir da infância pela segunda vez?

É o medo de perder a paternidade mais pura, a confiança cega e incondicional de seus pequenos, e também o medo de não estar mais aqui para ver a sequência da família.

Recordo que os 13 anos do Vicente estavam ligados à quitação do imóvel de São Leopoldo. Era um longo financiamento, projetado para longe, numa realidade remota e absurda. O ano de 2015 soava, no contrato de 2002, como um filme de ficção científica.

Nem sonhava que esta data fosse existir. Pagava religiosamente todo mês como se fosse um dízimo perpétuo.

A ampulheta virou e perdi a contagem. Distraído com o mar, não enumerei os grãos de areia debaixo dos pés.

Pois aconteceu. Chegou esse dia que me diz que estou envelhecendo, que o futuro já é passado, onde o agradecimento e o pedido de desculpa estão soberanamente misturados.

Publicado no jornal Zero Hora
Donna, p.28
Porto Alegre (RS), 22/02/2015 Edição N°18081

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A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempo

A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempo

Por Adriana Vitória

Os negros que fugiam da escravidão entre os séculos XVI e XIX formavam comunidades denominadas “Quilombos”, nelas podiam exercer livremente sua cultura e garantir a transmissão da mesma às próximas gerações.

O mais famoso deles foi o dos Palmares. Entretanto, apesar do enorme descaso dos governos a tudo que diz respeito a preservação da nossa história, ainda existem muitas comunidades quilombolas que resistem ao tempo.

Na região serrana de Petrópolis – RJ, a cerca de 14 km do centro de Itaipava, sobrevive um grupo de treze famílias de quilombolas na Tapera.

Tive a oportunidade de conhecer um desses descendentes de dezessete anos. Ele trabalha com manutenção de jardins depois que vai à escola. Como os ônibus municipais não chegam até lá, todos que pertencem a comunidade contam com uma pequena van cedida pela prefeitura que os leva e trás para área urbana. Como nem sempre seus horários coincidem, meu conhecido costuma caminhar, feliz, cerca de cinco quilometros até a chácara no Vale da Boa Esperança e, com sorte, às vezes tem carona de volta.

Um dia eu e minha família resolvemos visitá-lo.

Para chegar lá, passamos por uma estrada de asfalto por dentro de um condomínio de casas de veraneio, onde alguns deste quilombolas trabalham. Depois ainda fizemos mais três quilometros em estrada de terra para finalmente chegarmos.

contioutra.com - A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempoNa tragédia recente das enchentes nesta região, a Tapera original foi levada pelas chuvas e todas as famílias, depois de perderem tudo, tiveram que ser  realocadas temporariamente em outro local até que, finalmente há um ano, puderam voltar a seu antigo lar com suas casas reconstruídas, em acabamento de PVC, pela prefeitura.

Quando chegamos, mal pude crer nos meus olhos. O lugar parecia saído de um livro. Shangrilá ! Todos vieram ver quem eram os estranhos, uma vez que não costumam receber visitantes.

Tudo tão limpo, organizado, lindas hortas e pessoas sorridentes.

Meu conhecido mal acreditava que estávamos ali e parecia tão espantado quanto nós.

Andamos um pouco enquanto ele nos contava algumas histórias do lugar.

Lá todos falam muito pouco e baixo. Quem fala alto por ali é a natureza exuberante e todos são bons ouvintes. São sobretudo observadores, com exceção da sua irmã que ficou muito curiosa ao ver o celular da minha filha, o que o deixou visivelmente incomodado, até ele pedir para que ela devolvesse dizendo: Para com isso ! É só um celular ! Nunca viu ? Devolva !

Tiramos fotos e, ingenuamente, perguntei a ele se gostaria de sair dali um dia, afinal de contas, ele passa as tardes convivendo com realidades opostas a sua, mas, ao invés de me responder, me questionou por que ele sairia, me dizendo que era muito feliz ali.

E me perguntei depois “Por que” ?

Alimentamos a crença de que necessitamos de tanto. Passamos a vida desperdiçando e esbanjando tempo, alimentos, coisas e a própria vida em busca de objetos e bens de consumo que nos preencham o vazio e nos tirem do nosso próprio abandono.

Distanciados da nossa origem, não chegamos a compreender o que para eles sempre foi óbvio. Nos tornamos insensíveis a tudo o que é natural, aos animais, as plantas, a vida e a morte. Ali, nada disso causa estranheza.

Criamos as chamadas “cidades” frias, cinzas, sem alma, fedidas e barulhentas que nos ferem, maltratam e até matam diariamente e aceitamos “isto” como natural.

Sapos, gambás e grilos, raros de se encontrar nesses “paraísos” de concreto, são vistos com horror, como se fossem alienígenas. Muitos de nós, nunca comemos almeirão, acelga ou taioba, mas passam a vida produzindo lixo e se envenenando com toneladas de comida industrializada dos supermercados.

A comida deles vem direto da terra e as plantas são, na maioria das vezes, seus remédios. Não se interessam em consumir bens, parecem preenchidos. Entendem que são parceiros da natureza e que estão aqui de passagem.

Não são ignorantes nem alienados. São sábios. Possuem algo que já perdemos, o contato com a divino, com a vida.

A luz só chegou há três anos, trazendo muito mais conforto ao dia a dia deles, mas ninguém lamenta a falta dela no passado.

A comunidade é organizada e tem um líder que esta sempre em busca de melhorias. Estão construindo um pequeno centro para a produção de artesanato, festas culturais, além da disponibilização de computadores a comunidade para acesso a internet.

Foi um dia maravilhoso que nos lembrou que a vida que conhecemos é pura ilusão.

contioutra.com - A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempo
Imagem da plantação da comunidade Quilombola da serra do Rio de Janeiro. Foto Miranda Ryan
Nota da Contioutra: A imagem de capa da matéria foi usada apenas para ilustrar o tema, não representando a comunidade da Serra do Rio de Janeiro: Fonte.

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