“O brasileiro não nasceu para ser inteligente”, assim começa essa crônica de Nelson Rodrigues

“O brasileiro não nasceu para ser inteligente”, assim começa essa crônica de Nelson Rodrigues

Sem medo do Conselheiro Acácio (Nelson Rodrigues)

O brasileiro não nasceu para ser inteligente. E direi mais: — nem pode ter um parente inteligente. Parece exagero ou piada. (Já expliquei que as verdades mais solenes podem assumir, por vezes, a forma de piada.) Nada mais trágico para uma família brasileira do que ter, em seu seio, um caso de inteligência. Eu citaria, para não ir mais longe, o exemplo de Rui Barbosa.

O maior dos brasileiros vivos. Lembro-me de sua agonia em Petrópolis. Rui estava morre, não morre, e já um vizinho nosso antecipava: — “O maior dos brasileiros mortos”. Eis o que eu queria dizer: — o grande baiano foi uma das mais negras tragédias familiares de que tenho notícia. (Não estou insinuando nenhum escândalo, desses que, em nosso tempo, merecem a manchete de O Dia e da Luta Democrática. Não, não. Por esse lado a família de Rui foi de uma correção imaculada. Faço a ressalva com a maior ênfase.)

A partir do momento em que, ainda menino, manifestou o seu gênio, a família perdeu a paz, o sossego, o diabo. Um vago primo, ou cunhada, ou tia, deixou de ter vida própria. Ninguém namorava, ninguém noivava, ninguém casava e nem enviuvava. O tempo era pouco para admirar o Gênio. E ficava toda a parentela de mãos postas, estupefata. Durante setenta anos, a família foi massacrada. Velórios, bodas, partos, nenhum acontecimento lúgubre ou festivo valia uma coriza daquele que era “o maior dos brasileiros vivos” e seria “o maior dos brasileiros mortos”.

contioutra.com - "O brasileiro não nasceu para ser inteligente", assim começa essa crônica de Nelson RodriguesPergunto se, durante os setenta anos intermináveis, algum primo, ou tia, ou filho, conheceu por um momento o tédio do mito. Setenta anos não são setenta dias. E pergunto se terá havido, na família de Rui, algum caso de admiração exausta. Não sei, ninguém sabe, nem Deus.

E o próprio Rui? Como se comportava ele diante de si mesmo? Como reagia diante da própria glória? Eis a verdade; — o gênio nunca foi um hábito para Rui. E aí está um traço forte do brasileiro e repito: — o brasileiro não sabe ser inteligente com naturalidade. Vejam o francês. Jean-Paul Sartre, por exemplo. É um homem que inspira, aqui, admirações abjetas. Dizem: — “A maior cabeça do mundo”. Pois Sartre é inteligente com relativo tédio. E, por vezes, tem o que eu chamaria “a nostalgia da burrice”. Nessas ocasiões, diz as bobagens mais hediondas.

Do mesmo modo, o inglês, que também é inteligente sem espanto, sem angústia, sem deslumbramento. E não há mistério. O inglês, ou francês, encontra a língua feita e repito: — um idioma que pensa por ele. Uma lavadeira parisiense é uma estilista, um cocheiro fala como um grã-fino de Racine. Ao passo que nós temos de recriar, dia após dia, a nossa língua e pensar em péssimo estilo.

Mas citei Rui e passo a um exemplo mais moderno: — o nosso Guimarães Rosa. “Ser Guimarães Rosa” não foi, jamais, um hábito para Guimarães Rosa. Era um permanente espanto, uma permanente surpresa, uma permanente festa. Dormia e acordava espantadíssimo de ser ele e não um imbecil qualquer. Conta-me Carlos Heitor Cony um episódio magistral. Vamos ao fato.

Os dois encontraram-se em Brasília. Conversa daqui, dali e, de repente, Guimarães Rosa faz pose. (Na vida real, Guimarães Rosa posava muito de Guimarães Rosa.) A seu lado Cony perfila-se como se fosse ouvir o Hino Nacional. Suspense. E, então, erguendo a fronte e olhando para o fundo da tarde, disse o grande ficcionista: — “A vida de Getúlio não fazia prever aquele fim”. Retira o olhar do vago horizonte e perscruta na cara de Cony o efeito provocado.

Como única testemunha auditiva e ocular da tirada, Cony não sabia o que dizer e o que pensar. Não há ninguém, vivo ou morto, que não faça suas concessões ao Conselheiro Acácio. Impossível nascer, envelhecer ou morrer sem ser acaciano muitas e muitas vezes. Mas um Sartre é acaciano com a maior e a mais insolente desfaçatez. Aqui no Brasil o gênio francês deu uma entrevista coletiva. Em dado momento, saiu-se com esta: — “O marxismo é inultrapassável”.

Mas Sartre falava assim porque nos supunha, a todos, cristalinos imbecis. Já o Guimarães Rosa acreditava na própria frase e insisto: — ele a trabalhara. Numa amarga perplexidade, Cony limitou-se a um pigarro: — “É mesmo, é mesmo”. E passaram a outro assunto. Mas ali estava o brasileiro. O brasileiro inteligente tem vergonha de dizer um modesto, um honrado “oba”. Sim, ele se considera degradado se largar um “bom-dia” sem lhe pingar gênio.

Depois da morte do autor do Grande sertão, o Cony fez uma devassa na obra rosiana para descobrir o que nela há de acaciano. Mas é um equívoco. Cony não quer aceitar que o gênio está muito mais próximo do Conselheiro Acácio do que o idiota ou o medíocre. Falei de Sartre e posso lembrar outro gênio, Bertrand Russell. Num dos seus manifestos pacifistas diz ele, por outras palavras, o seguinte: — “Vive-se no comunismo, no capitalismo, como se viveu no nazismo. Portanto, não vale a pena morrer por coisa alguma. Devemos viver, que é muito mais seguro”.

Dirá alguém que não foi isso que ele quis dizer. Foi, sim. Está lá no hediondo manifesto, publicado em todos os idiomas. Ora, o que diz Bertrand Russell é de uma torpeza cristalina. Por outro lado, o que ele propõe não tem nada a ver com o ser humano. O mais degradado dos seres prefere morrer por três ou quatro valores de sua estima. Um gangster morre defendendo o seu estilo de vida.

Mas dizia eu que um simples caso de inteligência, numa família brasileira, pode destruí-la. Conheci uma menina que, por azar, era filha de um pai inteligente ou supostamente inteligente. Tias, cunhadas, vizinhos, cochichavam: — “É uma cabeça! Uma cabeça!”. O velho fazia uns sonetos parnasianos. Li um deles, que a filha me mostrou, tremendo de beleza. Guardei dos versos uma palavra que ainda me atropela: — arrebol. Pois a garota não casou nunca. Viveu para o pai. Morreu antes dele, tuberculosa. Pode-se dizer que foi assassinada por uma meia dúzia de sonetos jamais publicados.

Volto agora a Guimarães Rosa. Leio nos jornais que suas filhas estariam brigando. E com quem? Com a senhora que viveu trinta anos com o grande ficcionista. Escapa-me um comentário de vizinho: — “Trinta anos não são trinta dias”. Não se trata de uma rixa intranscendente. Não. Segundo sei, a coisa assume a forma judicial. Há advogados, de um lado e do outro, chicanando em torno de uma obra formidável. Para sair uma linha de Guimarães Rosa é uma batalha forense.

Estive, há tempos, com uma das filhas do escritor, Vilma. Foi uma conversa carinhosíssima. Mas Vilma negou, com a maior veemência, que existisse a briga. Absolutamente, e pelo contrário. Mas agora insistem os jornais: — a obra rosiana estaria praticamente interditada, enquanto não se decide a questão. E, então, eu pergunto se uma família brasileira pode devorar-se porque um dos seus membros é ou foi inteligente. Mas, como não tenho medo do Conselheiro Acácio, repito, para as filhas do grande autor, esta reflexão de vizinho: — “Trinta anos não são trinta dias”.

[17/2/1968]

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O carinho das mãos sulcadas do meu pai, por Nara Rúbia Ribeiro

O carinho das mãos sulcadas do meu pai, por Nara Rúbia Ribeiro
Imagem via: https://consuelocabreu.wordpress.com/page/2/

Por Nara Rúbia Ribeiro

Nos olhos da infância, a dimensão tanto da dor quanto  da alegria tem proporções gigantescas. O que nem desconfiamos é que esses gigantes ficarão tatuados em nossos olhos para sempre e muito dirão daquilo que, em essência, somos.

O meu pai, durante boa parte de sua vida, trabalhou com barro, formas e fornos, forjando tijolos para a construção de mundos alheios e provendo o pão de cada dia nosso. Morávamos no interior de Goiás. Ele acordava sempre às quatro da manhã e se dirigia ao trabalho, passando, antes, na casa de meus avós, onde a vó Bernardina já teria deixado prontos o seu café e, em regra, o seu bolo frio de polvilho, quentinho, feitos naquela hora.

Meu pai seguia ao trabalho e amassava o barro. Colocava esse barro em pequenas formas e em seguida o desenformava, colocando-o para secar. Sempre sob o sol escaldante. Sempre banhado de suor. Após seco, o barro formatado era empilhado em fornalhas imensas e recebia calores exaustivos do fogo, para que se consolidasse. Algumas vezes fui ao trabalho dele, quando menina. Era uma aventura… e eu achava o máximo quando ele me permitia virar algum tijolo, de sorte que ele pudesse tomar sol dos dois lados.

O que ele ganhava era pouco. Minha mãe fazia trabalhos de crochê para complementar a renda. Eram trabalhos tão bonitos e tão bem feitos, que me cortava o coração quando os vendia.

Não raro o meu pai saía do trabalho e chegava em casa sujo e cansado, tomava um rápido banho e brincava comigo e com o meu irmão. Brincadeiras de menino: finca, bola de gude. No final da noite, nos deitávamos para ouvir o rádio de pilha, momento em que brincávamos de acertar qual a próxima música da programação da emissora. Daí, muitas vezes, se dava a surpresa. Ele geralmente passava na rádio e deixava registrado músicas dedicadas à família toda. Ouvir o nosso nome na rádio recebendo música era a glória maior.

Era uma vida contrastada de dor e ternura, onde eu fingia não perceber o sacrifício do meu pai e a frustração silenciosa da minha mãe, por não poder nos ofertar o que gostaria.

Mas os pais são sempre desprovidos de bom senso e doam-nos mais do que pensam ter doado; ofertam-nos mais do que julgam ofertar.

Penso que o ofício do meu pai foi sempre o mais bonito de todos. Talvez até divino, posto que a própria divindade, conforme a crença judaico-cristã, teria formatado o homem do barro. Mas o que aprendi, observando o ofício do meu pai,  é que a vida também nos macera até o ponto de estarmos aptos à forma que a própria vida escolheu. E que, uma vez formatados, sempre haverá em nós alguma ranhura, algum desalinho, algum amassado que nos difere dos outros. Os tijolos nunca são exatamente iguais. Alguns tijolos se quebram e se, enquanto expostos ao sol, tomam chuva, derretem-se, desfazem-se e voltam à terra.

Aprendi que as dores são fornos cujo calor consolida a nossa disposição interior. Aqueles que se permitiram magoar pelos arranhões e os amassados poderão consolidar essa mágoa na dor da fornalha do tempo. Mas aquele que sabe que as intempéries da vida nos dão a oportunidade de sermos ímpares, que sabe mensurar a grandeza de ser único, a alegria de ainda mostrar-se inteiro, esse faz consolidar a gratidão por sua própria existência, ainda que esta seja por demais dolorida.

Importa é saber que, ao final, o que nos vale no mundo é fazer parte dele. Não importa se se é um barro mal macerado e pobre, um tijolo derretido na chuva, ou um outro seco, ou queimado, ou quebrado a servir de caco em algum canto de um terreno baldio. Importa que aqui estamos todos, reconstruindo-nos e recriando-nos a cada dia.

Inspira-me saber que o meu pai, embora em contato direto com a aspereza da vida, detinha-se na sutileza de dedicar-nos seu tempo e, não raro, uma música. Alguma fortuna no mundo poderia legar-nos algo maior do que isso? Que a compreensão de que, mesmo no chão árido e grosseiro de uma existência sofrida ainda possa florir, nas frestas que entremeiam as dores, as mais surpreendentes delicadezas? Eu creio que não. Escolhi as mãos calejadas do meu pai para acariciar o meu mundo interior. Mãos sulcadas pela vida, cujas rachaduras guardam barro e dor, mas que também tangenciam e entregam-nos, na agrura dos dias, as mais belas melodias.

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Ninguém é adotado sem antes ter sido abandonado.

Refletindo sobre os aspectos de uma dor primária gerada pelo abandono, o dr. Marcelo Nazareth fala sobre os desafios intrínsecos ao processo de adoção de uma criança que já foi, mesmo que não intencionalmente, profundamente ferida por sua família original.

Aborda também a necessidade do pais adotivos que, mesmo repletos de amor e boas intenções, devem estar emocionalmente preparados para lidar com a confusão gerada entre o ideal de pais que fica confuso: uma vez que existem pais que abandonam e pais que amam.

Entrevista concedida para o Programa Acesso Especial, na rádio cultura FM de Amparo. Entrevistador Sérgio Nardini.

Aspectos Psicológicos da Adoção, com o Dr. Marcelo Nazareth

Nota da CONTi outra: o programa Acesso Especial é um parceiro CONTI outra e a publicação desse material foi autorizada pelo responsável.

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5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

Por Nando Pereira

Do original: 5 RAZÕES QUE NOS IMPEDEM DE DESCOBRIR VERDADEIRO SENTIDO NA VIDA, SEGUNDO SHELLEY PREVOST

“A mais profunda forma de desespero é escolher ser outro que não si mesmo.”
~ Soren Kierkegaard (1813-1855)

O significado de propósito e sentido de vida aqui está nos moldes dessa afirmação do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard mas também lembra, talvez ainda mais, a máxima do clássico indiano Bhagavad Gita (cap III, v.35), que diz que “Mais vale cumprir o próprio dharma, ainda que de forma imperfeita, do que cumprir de maneira perfeita o dever de outrem”. A psicóloga Shelley Prevost, terapeuta do Lamp Post Group, listou cinco razões pelas quais “nos perdemos” no caminho e entramos nessa crise de não enxergar mais sentido ou propósito, num post publicado na revista Inc intitulado “5 Razões Pelas Quais A Maioria das Pessoas Nunca Descobre Seu Propósito” (5 Reasons Why Most People Never Discover Their Purpose, 29/08/2013).

A maior parte do texto está traduzido abaixo, com observações, comentários e links a respeito de cada item. Não é intenção apresentar a lista da Shelley como “a” lista de razões para isto ou aquilo, mas é uma visão interessante que pode adicionar aos passos do nosso (verdadeiro) caminho. Segundo o sábio indiano Sri Ramana Maharshi, o que nos faz encontrarmos nosso próprio caminho e sentido é apenas uma coisa: investigarmos profunda e verdadeiramente quem somos.

Eis a lista.

1. Você vive de fora pra dentro e não de dentro pra fora.

Esse é o primeiro e o principal de todos eles. Os outros praticamente decorrem desse. Aqui está o conceito de Matrix, do filme de 1999. “Quem olha pra fora, sonha; quem olha pra dentro, acorda”, já disse Carl G. Jung.
Diz a Shelley Prevost no seu artigo:

“Desde a infância as pessoas são ensinadas a procurar outras pessoas para se guiarem. As normas sociais são uma parte importante da infância – você imagina como deve agir em relação aos outros — mas o problema começa quando você estende esse processo e inclui algo tão pessoal quanto o propósito da sua vida. Algumas pessoas tem nossa confiança e a capacidade de nos ajudar a encontrar nosso real propósito único. Se você é uma dessas pessoas que têm essas companhias, você tem sorte! Mas a maioria das pessoas, mesmo as bem intencionadas, escolhem nos colocar dentro de compartimentos que fazem mais sentido pra elas. Para ganhar a aprovação delas, você se dispõe a entrar dentro do compartimento. Para manter a aprovação delas, você aprende a negar seguidamente quem você é. Em situações demais você vive num roteiro de outra pessoa”. (Shelley Prevost)

2. Você procura uma carreira antes de ouvir seu chamado.

Esse na verdade é uma consequência do primeiro. No caso do propósito de vida, essa é a pior (consequência). Isso já foi muito bem tratado num vídeo do psiquiatra chileno Claudio Naranjo, onde ele diz que “É normal não encontrar sentido na vida quando se está muito condicionado pelo mundo” (22/09/2011). Já com 15, 16 ou 17 anos você já está sofrendo toda a pressão dos pais, amigos e da sociedade inteira por uma carreira definida e que, de preferência, dê um longo e financeiramente estável futuro.
Como diz o filósofo zen-budista Alan Watts (1915-1973) em um outro vídeo, “E se o dinheiro não fosse a finalidade?” (17/01/2013).

Diz a Shelley no artigo dela:

“Nossa sociedade reduziu o sucesso a uma lista de itens a serem preenchidos: formar-se no colégio, conseguir um(a) companheiro(a), ter filhos, sossegar num caminho profissional bem definido e ficar ali até que os cheques da aposentadoria comecem a chegar. Esse caminho bem costurado coloca as pessoas na direção do conformismo, não do propósito. Estamos tão ocupados evitando medos auto-impostos de não sermos suficientemente (preencha aqui alguma qualidade) – espertos o suficiente, criativos o suficiente, bonitos o suficiente – que raramente paramos e nos perguntamos “Estou feliz e satisfeito? E se não, o que eu deveria mudar?”
Encontrar seu propósito tem a ver com ouvir essa vontade interior. No livro “Deixe Sua Vida Falar” (Let Your Life Speak), Parker Palmer diz que deveríamos deixar nossa vida falar a nós, e não dizer à vida o que vamos fazer com ela. Um chamado é apaixonado e compulsivo. Começa com uma curiosidade (“Eu gostaria de tentar isso”) e então se transforma num mandato que você simplesmente não pode mudar. Um chamado não é um caminho fácil, e é por isso que a maioria de nós nunca o conhece. Tememos o esforço, a idiotice, o risco e o desconhecido. Então escolhemos uma carreira porque preenche os itens que fomos convencidos a preencher.” (Shelley Prevost)

3. Você odeia o silêncio.

Bom, não conheço muitas pessoas que realmente odeiam o silêncio, mas conheço muitas que “não suportam”. A justificativa geralmente é que o silêncio ou é angustiante ou uma perda de tempo. Aqui não há muita discussão, pois apenas no silêncio de si mesmo é que se descobre a essência da vida, e por mais subjetivo e desconhecido que isso possa parecer para um novato no mundo do silêncio, se não houver isso, não há muito o que fazer a respeito do aprofundamento em si mesmo. Apesar de algumas pessoas parecerem irem bem em suas carreiras sem silêncio, se você prestar atenção vai perceber que muitas delas cultivam o silêncio e os longos momentos contemplativos pessoais com bastante frequência, à sua maneira. A experiência de estar sentindo seu próprio propósito é calmante e satisfatória, inclui e se deleita no silêncio, enquanto que a experiência (ainda que externamente bem sucedida) de estar fora do seu caminho traz angústia e inquietação, coisa que o silêncio acentua e que, por isso, é rejeitada.

No texto da Shilley:

“Vivemos numa sociedade que não valoriza o silêncio. Valoriza a ação.
Mas viver sem silêncio é perigoso. Sem ele, você acaba acreditando que seu ego – e tudo que ele quer – é seu propósito. Se você imaginar bem esse cenário, sabe que ele não termina bem. Viva uma vida onde o Ego está no comando e você se encontrará o esgotamento – e uma questão esgotante: “Eu tenho uma ótima vida. Porque não estou satisfeito?”. O silêncio abafa o barulho e cria um espaço para a autenticidade aparecer. Em silêncio, você pode se perguntar como sua vida ou seu trabalho realmente está indo e pausar para esperar a resposta. Em silêncio, você dá tempo para que as informações da sua vida convirjam em algumas lições. Geralmente, entretanto, antes que as lições tenham tempo para penetrar você já foi para a próxima distração.” (Shelley Prevost)

4. Você não gosta do lado sombrio de si mesmo.

A não ser que você tenha nascido iluminado, o que neste caso não estaria lendo esse blog (rs), as chances de você não gostar ou não ter gostado da sua sombra são de 100%. O trabalho de conhecer e aceitar e crescer com o próprio lado sombrio é geralmente uma consequência do trabalho esmerado e profundo sobre si mesmo, seja em terapia, em meditação, em outras práticas, ou tudo isso junto. Aqui, de novo, aparece nossa cultura que não vê nenhum valor em não rejeitar ou em aceitar algo “ruim”, “negativo”, traços de fraqueza ou maldade ou escuridão. É a sombra, como definiu Carl G Jung.

“A sombra é o lado da sua personalidade que você não quer que os outros vejam. Representa suas deficiências, suas falhas, suas motivações egoístas. A maioria de nós evita isso antes que qualquer um possa ver. Mas há uma coisa: a parte de você que é a mais escura tem a maior quantidade de coisas para lhe ensinar sobre seu propósito. Se descobrir seu propósito é realmente sobre auto-conhecimento, sua escuridão lhe mostra onde você mais precisa crescer. Mais importante ainda, mostra de quem você mais precisa aprender. É das pessoas que você menos gosta que você tem mais a aprender sobre si mesmo. Mas a maioria ignora o lado sombrio. Em vez disso, você busca relacionamentos confortáveis que reforcem as imagens gastas e obsoletas de si mesmo.” (Shelley Prevost)

5. Você ignora a mente inconsciente.

Diz a Shelley:

“No livro “The Social Animal”, David Brooks fala sobre o preconceito de nossa cultura que diz que “a mente consciente escreve a autobiografia da nossa espécie”. Assim como Brooks, acredito que nossa cultura tem um relativo desdém pela mente inconsciente e tudo que ela representa – emoções, intuição, impulsos e sensibilidades. Para descobrir nosso propósito, temos que estar confortáveis com nossa mente não-lógica. Você deve se acostumar em não ter as respostas. Você deve tolerar a ambiguidade e aceitar as lutas. Deve se permitir sentir – profundamente sentir. Planejar intelectualmente seu caminho em direção a uma vida com propósito não funcionará nunca. Mas isso é pedir demais para a maioria das pessoas. Elas vão negar, despistar, ridicularizar ou simplesmente ignorar. E essa é a razão pela qual a maioria de nós viverá sem saber qual o verdadeiro propósito.” (Shelley Prevost)

Parece lógico e sensato que deveríamos ter o controle de tudo (ou da maioria das coisas) e estarmos plenamente conscientes de todos os nossos passos e não sofrermos com fraquezas nem obstáculos. Mas a vida simplesmente não é assim. “Há muito mais coisa entre o céu e a Terra, Horácio, do que imagina vossa vã filosofia”, já dizia Shakespeare. E a mesma coisa vale nosso universo interior. O ser humano é uma manifestação da forças e energias múltiplas, dinâmicas e inteligentes, e reconhecer e viver isso é apenas um dos passos no caminho do auto-conhecimento e do próprio propósito. Não é a toa que várias técnicas terapêuticas levam em conta todo esse compêndio que a vida humana expressa, e é assim que entendem e curam e integram o ser em si mesmo.

Nota da Conti outra: a publicação do texto acima por esta página foi autorizada pelo autor.

Fonte mais do que indicada:

contioutra.com - 5 razões que nos impedem de descobrir verdadeiro sentido na vida (excelente)

11 verdades que o egoísmo esconde de você

11 verdades que o egoísmo esconde de você

1. Desejar o mal a outra pessoa, porque ela tem algo que nós não temos, não nos trará o bem que não temos, e sim o mal que não tínhamos. Responder com um mal (calúnia, difamação, hostilidade etc.) diante de um bem do outro (uma habilidade que não temos, o sucesso etc.) constitui um mal e se manifesta em outros males (ódio ao próximo, dano causado a ele, dano a si mesmo etc.).

2. Qualquer pessoa é mais valiosa que todas as coisas, possessões ou pertences.

3. É mais saudável ocupar-se dos outros que unicamente de si mesmo.

4. A pessoa vai se enriquecer na medida em que contribuir para o enriquecimento pessoal de parentes, amigos e colegas.

5. O melhor caminho para a autoafirmação é o serviço aos outros; o pior caminho é a magnificação da autovalorização.

6. Não podemos desejar ter o mesmo sucesso dos outros sem esforço nenhum, porque as conquistas pessoais precisam ser alcançadas mediante um saudável desejo de superação de si mesmo.

7. A prosperidade alcançada por outros não pode ser vista como algo que nos prejudica.

8. É muito difícil estabelecer vínculos afetivos e autênticos quando não se é solidário com as pessoas.

9. O egoísmo atrapalha a autoestima, pois cria dependência das gratificações afetivas de outras pessoas (elogios, agrados etc.) e faz que a pessoa condicione seu querer unicamente ao fato de que gostem dela.

10. O egoísmo leva a pessoa a confundir pontos de vista diferentes do dela com manifestações de rejeição.

11. A pessoa egoísta não consegue tolerar as frustrações que tanto a amizade quanto a convivência humana implicam.

O egoísmo afunda a pessoa em um abismo tão insondável e ruim, que reduz a liberdade, pois a torna insensível para agradecer pelos bens materiais e sobretudo espirituais.

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“Ó polémico, tira uma foto comigo!”, por José Eduardo Agualusa

“Ó polémico, tira uma foto comigo!”, por José Eduardo Agualusa

Por José Eduardo Agualusa

A disseminação dos telemóveis, quase todos equipados com máquina fotográfica, gerou um fenómeno singular de assédio de imagem, susceptível de atingir qualquer pessoa que, em razão do seu ofício, esteja sujeita a um mínimo de exposição mediática. Lembro-me, há alguns anos, de ter ido ao Aeroporto da Portela, em Lisboa, para me despedir de Maitê Proença. Tomávamos um café quando fomos interrompidos por três sujeitos de meia-idade. Um deles avançou, de telemóvel em riste:

“Somos angolanos”, disse, dirigindo-se à actriz: “em Angola todo o mundo te conhece, todo o mundo te ama.”

Maitê agradeceu, com o seu belo sorriso.

“Podemos fazer uma foto contigo?”

Maitê voltou a sorrir. Os três foram trocando de posições, fazendo-se fotografar ao lado dela, insistindo em como a conheciam e amavam e respeitavam.

Feitas as fotos, o que parecia ser o mais velho apontou o dedo para Maitê e perguntou:

“E o teu nome é?”

Maitê olhou-o, perplexa:

“Maitê?!”

“Maitê o quê?”

“Maitê Proença…”

“OK. Muito obrigado, Maitê Proença.”

Mais recentemente, mas de novo no Aeroporto da Portela, preparando-me para embarcar para Luanda, veio ter comigo um jovem cheio de suégue.

“Mano, posso tirar uma foto contigo?”

Concordei, convencido de que seria algum leitor mais apaixonado. Fizemos a foto. O rapaz estendeu-me a mão:

“Obrigado, ó polémico! Continua assim.”

Ainda o ouvi, animado, a gabar-se a um amigo: “Tirei uma selfie ali com o polémico. Como se chama o gajo?”

“Não sei”, confessou o outro. “Nem sequer sei o que ele faz.”

Intriga-me esta ânsia de alguém se fazer fotografar ao lado de uma pessoa, apenas porque tal pessoa apareceu duas ou três vezes numa televisão – mesmo não sabendo nada sobre ela. Há aqui, talvez, vestígios de um certo pensamento mágico. Eventualmente, o rapaz com suégue acredita que o reconhecimento público é contagioso. Ou, neste caso concreto, a minha suposta rebeldia. Fazendo-se fotografar comigo regressará a casa um pouco menos submisso, ou um pouco menos anónimo, ou ambas as coisas.

Antigamente havia os Museus de Cera. As pessoas visitavam o Madame Tussauds para posarem ao lado de Elvis Presley ou de Brad Pitt. Depois mostravam as fotografias à família e toda a gente se ria com a fraude ingénua. Agora saem pelas ruas à caça de “famosos”. Como não encontram o Elvis na rua (Elvis não é um bom exemplo, parece que volta e meia o encontram), contentam-se em fotografar o antigo concorrente do último “reallity show”, o cantor em declínio, até mesmo um qualquer escritor.

O dia-a-dia das pessoas está hoje tão dependente do universo virtual, das existências que vêem acontecer nos écrâns de televisão e dos computadores, que muitas delas não acreditam no próprio destino, não acreditam que respiram e estão vivas, enquanto não surgirem também, por um instante que seja, nesses mesmos écrans. Não podendo ser, resta a pose, o beicinho, junto a alguém que frequente tais écrans. Faz-se prova de vida, não através da vida, mas através da imitação da vida. Tristes tempos.

José Eduardo Agualusa Alves da Cunha é um escritor angolano.

Fonte: Rede Angola

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MEUS FILHOS CRESCERAM, E AGORA? por Fabrício Carpinejar

MEUS FILHOS CRESCERAM, E AGORA? por Fabrício Carpinejar

Por Fabrício Carpinejar

Jamais envelhecemos reparando em nossa idade.

O costume é nos perdoar, esticar as rugas com o riso, desprezar a falta de fôlego e os ossos estalando. Ainda guardamos dentro da gente a vitalidade do pensamento, mesmo que o corpo não acompanhe.

Relevamos as pontadas, o cansaço e a vontade de sentar logo ao entrar em uma sala. Não achamos que é sério. Costumamos explicar que é apenas uma indisposição temporária ou uma noite mal dormida ou o excesso do calor.

Não chamamos nunca a velhice pelo nome, está cheia de sinônimos.

O único jeito de encarar o peso dos anos é pela idade dos filhos. Eles nos denunciam. Eles nos entregam. São delatores de nossa data de nascimento. Representam um cartório sempre aberto dentro de casa.

Não tem como pintar o cabelo, estender pano de prato com calendário antigo ou fingir que não é conosco.

Meus pais esqueceram que já estão com 76 anos. Nem as cartelas vazias do remédio no café da manhã são alarmes de suas fragilidades. Mas lembrarão imediatamente do longo percurso se avisá-los que o caçula Miguel tem quarenta anos e que todos os seus filhos passaram das quatro décadas.

Eu me vejo como um guri, capaz de empreender indiadas e emendar noites trabalhando. Por mim, não sofreria abalo psicológico, não experimentaria crise de lobo, raposa, cachorro, hiena. Não me percebia velho. Nenhuma festa acentuava a passagem do tempo.

Até o momento em que comemorei o aniversário de 21 anos de minha filha. Mariana completou a maioridade. Sou pai de uma mulher de 21 anos. Minha menina é uma mulher.

Assim como o Vicente, que parecia um eterno bebê, acaba de pisar na adolescência com os dois pés. Fez 13 anos na última sexta. Meu piá tem 13 anos. A voz é de um homem, fala grosso e chiado, bate a porta do quarto com força exigindo privacidade.

Eu considerava que ambos demorariam séculos imaginários para alcançar a fase adulta. Não estou preparado para ter filhos adultos e abandonar o termo “minhas crianças”. Como se despedir da infância pela segunda vez?

É o medo de perder a paternidade mais pura, a confiança cega e incondicional de seus pequenos, e também o medo de não estar mais aqui para ver a sequência da família.

Recordo que os 13 anos do Vicente estavam ligados à quitação do imóvel de São Leopoldo. Era um longo financiamento, projetado para longe, numa realidade remota e absurda. O ano de 2015 soava, no contrato de 2002, como um filme de ficção científica.

Nem sonhava que esta data fosse existir. Pagava religiosamente todo mês como se fosse um dízimo perpétuo.

A ampulheta virou e perdi a contagem. Distraído com o mar, não enumerei os grãos de areia debaixo dos pés.

Pois aconteceu. Chegou esse dia que me diz que estou envelhecendo, que o futuro já é passado, onde o agradecimento e o pedido de desculpa estão soberanamente misturados.

Publicado no jornal Zero Hora
Donna, p.28
Porto Alegre (RS), 22/02/2015 Edição N°18081

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A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempo

A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempo

Por Adriana Vitória

Os negros que fugiam da escravidão entre os séculos XVI e XIX formavam comunidades denominadas “Quilombos”, nelas podiam exercer livremente sua cultura e garantir a transmissão da mesma às próximas gerações.

O mais famoso deles foi o dos Palmares. Entretanto, apesar do enorme descaso dos governos a tudo que diz respeito a preservação da nossa história, ainda existem muitas comunidades quilombolas que resistem ao tempo.

Na região serrana de Petrópolis – RJ, a cerca de 14 km do centro de Itaipava, sobrevive um grupo de treze famílias de quilombolas na Tapera.

Tive a oportunidade de conhecer um desses descendentes de dezessete anos. Ele trabalha com manutenção de jardins depois que vai à escola. Como os ônibus municipais não chegam até lá, todos que pertencem a comunidade contam com uma pequena van cedida pela prefeitura que os leva e trás para área urbana. Como nem sempre seus horários coincidem, meu conhecido costuma caminhar, feliz, cerca de cinco quilometros até a chácara no Vale da Boa Esperança e, com sorte, às vezes tem carona de volta.

Um dia eu e minha família resolvemos visitá-lo.

Para chegar lá, passamos por uma estrada de asfalto por dentro de um condomínio de casas de veraneio, onde alguns deste quilombolas trabalham. Depois ainda fizemos mais três quilometros em estrada de terra para finalmente chegarmos.

contioutra.com - A vida pode ser bela: sobre as comunidades quilombolas que ainda resistem ao tempoNa tragédia recente das enchentes nesta região, a Tapera original foi levada pelas chuvas e todas as famílias, depois de perderem tudo, tiveram que ser  realocadas temporariamente em outro local até que, finalmente há um ano, puderam voltar a seu antigo lar com suas casas reconstruídas, em acabamento de PVC, pela prefeitura.

Quando chegamos, mal pude crer nos meus olhos. O lugar parecia saído de um livro. Shangrilá ! Todos vieram ver quem eram os estranhos, uma vez que não costumam receber visitantes.

Tudo tão limpo, organizado, lindas hortas e pessoas sorridentes.

Meu conhecido mal acreditava que estávamos ali e parecia tão espantado quanto nós.

Andamos um pouco enquanto ele nos contava algumas histórias do lugar.

Lá todos falam muito pouco e baixo. Quem fala alto por ali é a natureza exuberante e todos são bons ouvintes. São sobretudo observadores, com exceção da sua irmã que ficou muito curiosa ao ver o celular da minha filha, o que o deixou visivelmente incomodado, até ele pedir para que ela devolvesse dizendo: Para com isso ! É só um celular ! Nunca viu ? Devolva !

Tiramos fotos e, ingenuamente, perguntei a ele se gostaria de sair dali um dia, afinal de contas, ele passa as tardes convivendo com realidades opostas a sua, mas, ao invés de me responder, me questionou por que ele sairia, me dizendo que era muito feliz ali.

E me perguntei depois “Por que” ?

Alimentamos a crença de que necessitamos de tanto. Passamos a vida desperdiçando e esbanjando tempo, alimentos, coisas e a própria vida em busca de objetos e bens de consumo que nos preencham o vazio e nos tirem do nosso próprio abandono.

Distanciados da nossa origem, não chegamos a compreender o que para eles sempre foi óbvio. Nos tornamos insensíveis a tudo o que é natural, aos animais, as plantas, a vida e a morte. Ali, nada disso causa estranheza.

Criamos as chamadas “cidades” frias, cinzas, sem alma, fedidas e barulhentas que nos ferem, maltratam e até matam diariamente e aceitamos “isto” como natural.

Sapos, gambás e grilos, raros de se encontrar nesses “paraísos” de concreto, são vistos com horror, como se fossem alienígenas. Muitos de nós, nunca comemos almeirão, acelga ou taioba, mas passam a vida produzindo lixo e se envenenando com toneladas de comida industrializada dos supermercados.

A comida deles vem direto da terra e as plantas são, na maioria das vezes, seus remédios. Não se interessam em consumir bens, parecem preenchidos. Entendem que são parceiros da natureza e que estão aqui de passagem.

Não são ignorantes nem alienados. São sábios. Possuem algo que já perdemos, o contato com a divino, com a vida.

A luz só chegou há três anos, trazendo muito mais conforto ao dia a dia deles, mas ninguém lamenta a falta dela no passado.

A comunidade é organizada e tem um líder que esta sempre em busca de melhorias. Estão construindo um pequeno centro para a produção de artesanato, festas culturais, além da disponibilização de computadores a comunidade para acesso a internet.

Foi um dia maravilhoso que nos lembrou que a vida que conhecemos é pura ilusão.

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Imagem da plantação da comunidade Quilombola da serra do Rio de Janeiro. Foto Miranda Ryan
Nota da Contioutra: A imagem de capa da matéria foi usada apenas para ilustrar o tema, não representando a comunidade da Serra do Rio de Janeiro: Fonte.

A morte explicada por uma criança com câncer terminal

A morte explicada por uma criança com câncer terminal
© Amigos Irak / YouTube

Como médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional, posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além.

Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional… Comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria.

Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças.

Até o dia em que um anjo passou por mim! Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas químicos e radioterapias. Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém, isso é humano!

Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.

— Tio, disse-me ela — às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores… Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!

Indaguei: — E o que morte representa para você, minha querida?

– Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é? (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu procedia exatamente assim.) É isso mesmo.

– Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!

Fiquei “entupigaitado”, não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela criança.

– E minha mãe vai ficar com saudades – emendou ela.

Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:

– E o que saudade significa para você, minha querida?

– Saudade é o amor que fica!

Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que fica!

Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores. Quando a noite chega, se o céu está limpo e vejo uma estrela, chamo pelo “meu anjo”, que brilha e resplandece no céu.

Imagino ser ela uma fulgurante estrela em sua nova e eterna casa.

Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade! Oamor que ficou é eterno.

(Dr. Rogério Brandão, oncologista)

Fonte: Aleteia

A culpa, por Ana Paula Tavares

A culpa, por Ana Paula Tavares

Por Ana Paula Tavares

Na minha aldeia, a culpa era casada e tinha filhos. Todos com cara de culpa. A carga devia ser enorme porque caminhava carregada sob o peso de imaginários dedos estendidos na sua direcção e como mãe e culpada encontrava na comida uma forma de sobreviver atrás das panelas a cozinhar sentimentos para os filhos e os outros comerem. Um misto de culpa e ressentimento desenhava na sua cara mapas antigos de difícil leitura, sobrecarregados com os sinais do pecado em amarelo e ocre por entre as rugas.

A felicidade e alegria com que todos nós, os outros, teimávamos em incendiar as ruas da aldeia estavam arredias da casa da culpa, dos filhos da culpa e dos animais do quintal, sempre mais magros e ferozes do que os nossos. Nós éramos donos de um manual de avaliação que nos era fornecido em casa e a partir dele partíamos para a conquista do mundo usando os filhos da culpa como nossos serviçais, ou escravos, melhor dizendo. Se queriam brincar tinham que cumprir as regras que eram básicas mas importantes na distribuição das tarefas pesadas de bestas de carga à debulha do milho. Sujeitos e agentes das boas intenções, aplicávamos sem remédio as receitas da casa: os culpados tinham que expiar e arcar com todas as dificuldades. Nossa liberdade era assim interminável, eles, os nossos avessos estavam sempre presentes para nos fazer atravessar o conflito num mundo a várias dimensões onde tudo – actos, delações, desejos podiam ser sempre iluminados pela culpa dos outros.

A nossa conduta, como a dos nossos pais, era sempre a ideal, se comparada com a vida da culpa, seus filhos, seus animais e sua sagrada submissão aos princípios de subir o mundo sob o juízo dos outros. Os princípios que regiam as nossas casas ficavam lá dentro, rigorosa e severamente ordenados pela mãe, pelas avós presentes e nos casos mais graves pelo pai, que de vez em quando aparecia. As nossas mães faziam um rol das culpas e quando o pai chegava éramos chamados um a um para cumprir um castigo. Vivíamos num mundo a duas morais: a de dentro (guardada a sete chaves pela família) e a de fora, onde só se via a culpa, sua casa, seus filhos e animais. Também ela não parecia incomodar-se, tão ocupada andava a fazer comida para os seus filhos e animais, a cuidar da casa para a proteger da chuva, das pragas, dos animais e dos filhos. Não tinha tempo para pensar no mal de viver e assumia bem (em nosso entender) os dedos estendidos do resto da aldeia, bem como o lugar no fundo da igreja que lhe estava reservado. Nunca nos ocorreu perguntar de onde ela vinha, que parentes do lado esquerdo da vida lhe tinham determinado o percurso. Também se alguém tentava, os olhos da avó ficavam compridos como se houvesse um pacto alargado pela culpa que a todos servia.

Para lá da luz crua do silêncio circulava uma história da morte de homem e marido com uma faca e de uma confissão (“sete vidas ele tivesse”) que implicaram degredo e uma vida nova enquanto culpa e transmissora desse sentimento à casa, seus filhos e seus animais.

Nunca lhe percebemos vergonha, mas sim a ideia de cumprir um serviço público – o de ser a eterna culpa dos outros, casada e com filhos.

Ana Paula Tavares

Poetisa e historiadora nascida em Lubango, na província de Huila, em 1952. Obteve o grau de Mestre em Literaturas Africanas pela Universidade de Lisboa.

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Fonte: Rede Angola

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Crônica do Amor, por Martha Medeiros

Crônica do Amor, por Martha Medeiros

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.”

Martha Medeiros é jornalista e escritora brasileira

A história de quando a noite reinava na Terra, por Mia Couto

A história de quando a noite reinava na Terra, por Mia Couto

“Antigamente, não havia senão noite e Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento!

Até que, no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar.

Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do Universo. Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus.

O que sucedeu, na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.”

MIA COUTO, no livro  “A confissão da leoa”

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contioutra.com - A história de quando a noite reinava na Terra, por Mia Couto

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Parar de contar histórias antes de dormir pode estragar seus filhos (um alerta)

Parar de contar histórias antes de dormir pode estragar seus filhos (um alerta)

Era uma vez…

Essa é talvez uma das frases mais marcantes na infância de crianças. Pelo menos para aquelas em que os pais se dão ao trabalho e prezam pelo momento precioso da leitura. O negócio é que muita gente achava que isso era só um carinho a mais – quando, na verdade, este é um hábito fundamental no processo de alfabetização dos pequenos, de acordo com uma nova pesquisa.

A importância de contar histórias durante a infância

Cerca de dois terços das crianças de seis anos desfrutam de histórias antes de dormir ou de outra leitura recreativa com o acompanhamento de um adulto. Mas isso cai para 44% entre as crianças que são apenas um ano mais velhas. E quando as crianças vão para 8 e 9 anos de idade, metade já lê raramente (ou nunca) em casa. Isso porque mães e pais entendem que a sua ajuda já não é mais necessária.

No entanto, especialistas disseram que continuar essa leitura acompanhada por prazer durante a escola primária é “vital” para o desenvolvimento das crianças. Tanto por motivos de alfabetização quanto pelo desenvolvimento do gosto pela leitura, já que quase metade dos jovens leitores que se dizem “relutantes” a leitura também afirmaram que iriam gostar de ler mais se seus pais se sentassem e dividissem esse momento com eles. #FicaDica

Os pais estão estressados DEMAIS para lerem para seus filhos

De acordo com uma pesquisa divulgada recentemente pela loja virtual de livros infantis Littlewoods.com, mais de nove em cada dez pais disseram que liam muitas histórias acompanhados de seus respectivos pais. Isso é quase 100% dos pesquisados.

Mas, em contrapartida, muitos desses pais também admitiram que muitas vezes estão ocupados ou estressados demais para fazer o mesmo para os seus filhos, ou (por algum motivo) entendem que as crianças preferem assistir televisão ou jogar jogos de computador ao invés de se deliciarem com uma boa história.

A pesquisa adicional feita pelo The National Literacy Trust, uma entidade sem fins lucrativos do Reino Unido que tem a proposta de “transformar vidas por meio de histórias”, descobriu que alunos são 13 vezes mais propensos a ler acima do nível esperado para a sua idade, se eles simplesmente verem os livros como uma forma de lazer.

Os pais são modelos de leitura realmente importantes, e o que essa pesquisa mostra é justamente que as atitudes das crianças quanto à leitura melhoram conforme elas veem seus pais lendo. Por isso, essa ONG incentiva que todos os pais encontrem tempo para desfrutar de um bom livro.

Outros resultados, apresentados por uma pesquisa realizada pela Universidade Oxford Press, seguem a mesma linha e afirma que as crianças que leem por prazer são mais propensas a se saírem bem na escola e prosperar no local de trabalho anos depois.

E é por isso que…

Os pais precisam entender o enorme impacto que a leitura com os filhos pode ter e como é vital que a leitura por prazer não fique entre os muros da escola, mas também continue em casa.

Quanto tempo de leitura com os filhos é recomendado?

Os pesquisadores dizem que apenas DEZ MINUTOS de leitura com seu filho todos os dias é uma das melhores maneiras de apoiar a sua educação. Parece um esforço mínimo, não?

Eles também afirmam que ter um momento de leitura junto com os filhos por seis dias por semana, o que daria em um investimento de 1 hora por semana mais ou menos, é definitivamente mais barato do que uma hora com um tutor – seja ele o cara mais competente do mundo. [dailymailhypescience]

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Cena do filme “Um Sonho Possível” (The Blind Side), protagonizado por Sandra Bullock . O filme conta a verdadeira história do jogador de futebol americano Michael Oher (Quinton Aaron).

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Lições da maturidade, por JOSÉ MICARD TEIXEIRA

Lições da maturidade, por JOSÉ MICARD TEIXEIRA

Já não tenho paciência para algumas coisas, não porque me tenha tornado arrogante, mas simplesmente porque cheguei a um ponto da minha vida em que não me apetece perder mais tempo com aquilo que me desagrada ou fere.

Já não tenho pachorra para cinismo, críticas em excesso e exigências de qualquer natureza.

Perdi a vontade de agradar a quem não agrado, de amar quem não me ama, de sorrir para quem …quer retirar-me o sorriso.

Já não dedico um minuto que seja a quem me mente ou quer manipular. Decidi não conviver mais com pretensiosismo, hipocrisia, desonestidade e elogios baratos. Já não consigo tolerar eruditismo selectivo e altivez académica.

Não compactuo mais com bairrismo ou coscuvilhice. Não suporto conflitos e comparações. Acredito num mundo de opostos e por isso evito pessoas de carácter rígido e inflexível. Na Amizade desagrada-me a falta de lealdade e a traição.

Não lido nada bem com quem não sabe elogiar ou incentivar.

Os exageros aborrecem-me e tenho dificuldade em aceitar quem não gosta de animais.

E acima de tudo já não tenho paciência nenhuma para quem não merece a minha paciência.

JOSÉ MICARD TEIXEIRA

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“Sunrise” by Csaba Markus

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