Felicidade Gourmet: um texto para quem gosta de trocadilhos cinematográficos

Felicidade Gourmet: um texto para quem gosta de trocadilhos cinematográficos

Por Rodrigo Svezia

Nessa “Jornada nas estrelas” da busca do life style mais genuíno e personalizado possível, todos estão querendo viver “7 anos no Tibet”, mas esta “Todo Mundo em Pânico”.

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Em tempos de “CEO de multinacional larga tudo para criar rinocerontes albinos com família no Alasca” e palestras de como coisas banais como pagar uma conta de luz em uma lotérica pode ser uma experiência transcendental de autoconhecimento e felicidade plena serem coisas cada vez mais frequentes, vamos criando a obrigação, uma obrigação a mais pra chamar de nossa, velada muitas vezes, de tornar nossa rotina necessariamente um grande “As Viagens de Gulliver”.

Ter essa obsessão de tornar cada momento simples em uma cena de “Amelie Poulain” é um carpe diem muito mais para “Trainspotting” do que para “Sociedade dos Poetas Mortos”.

Nessa “jornada nas estrelas” da busca do life style mais genuíno e personalizado possível, todos estão querendo viver “7 anos no Tibet”, mas esta “Todo Mundo em Pânico”.

Um “Tira da Pesada” de fórmulas de auto realização qualquer, desses que são um mix de representante de marketing de pirâmide com Anthony Hopkins em “Amistad” e que adoram varrer nossas timelines, conversas de bar e almoços corporativos com os seus 10 passos para se trabalhar com o que ama, vai nos dizer que “Curtindo a Vida Adoidado” esta por exemplo o engenheiro que larga a carreira pra vender gravata borboleta recitando poemas no metro. Enquanto isso, o engenheiro que não largou tudo, mas que sofre como todos os desgastes que qualquer rotina proporciona, lê esses manuais de felicidade gourmet e pensa “Esqueceram de Mim”?

É como se fossemos todos atores, desconhecidos, em início de carreira, mas não aceitássemos nenhum papel que não fosse no mínimo o de protagonista de um filme de ação do Spielberg, onde nesse filme, até a pasta de dente daquela escovada com sono e com pressa de manhã, já atrasados pra trabalhar explode fazendo um cogumelo de fumaça de bomba atômica.

Atuamos para uma plateia que não existe e criticamos um filme que ainda não esta em cartaz.

Ninguém quer ser o Chris O’Donnel em Perfume de Mulher numa quinta-feira com chuva e muito trânsito e ver que num dia como esse, o discurso final que o Al Pacino faz no filme é a sua rotina que esta te dando, e que nesse roteiro em construção somos todos protagonistas e coadjuvantes, sem excessão, e que esta tudo bem assim.

Vencer o leão do dia a dia talvez seja uma batalha mais sangrenta que as de “Coração Valente” e “Platoon” juntas, mas podemos encará-las como se fossemos o “Patch Adams” ou deixar tudo mais complicado que o final de “Lost”.

Podemos renegar o medo que da ser adulto, aquele que o Tom Hanks já tinha mostrado pra gente em “Eu Quero Ser Grande”, mas ter uma formula pronta de felicidade, que seja de fora pra dentro em vez de dentro pra fora, pode ser mais “Xuxa Contra o Baixo Astral” do que “Na Natureza Selvagem”.

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização do autor.

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Na imagem, uma homenagem ao ator Leonard Nimoy, que deu vida ao personagem da franquia ‘Jornada nas Estrelas’ e que ficou famoso pelo bordão “vida longa e prospera”.

São Paulo, 06/02/2015

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Rodrigo Svezia

Publicitário e cinéfilo, observador de comportamento, acredita que os filmes da sessão da tarde dos anos 90 tem poder de cura.

email: [email protected]

O mundo assombrado pelos demônios

O mundo assombrado pelos demônios

Por Octavio Caruso

Com temor, assisto notícias sobre os “Gladiadores do Altar”, mais um fruto nefasto do fundamentalismo religioso, essa praga que assola o Brasil. Impossível não estabelecer comparações com o ótimo filme “A Onda” (Die Welle, de 2008). Enquanto aumenta a porcentagem de ateus nas nações mais evoluídas, por aqui o povo se agarra cada vez mais em muletas teológicas, como a bancada evangélica no Congresso. Até que ponto a religiosidade deve se intrometer na política? Em qual momento foi permitido que a fé, usualmente removedora de montanhas, iniciasse sua remoção de homens e ideias? Homens como o italiano Giordano Bruno, que foi retratado no cinema de maneira excepcional na obra dirigida por Giuliano Montaldo em 1973. Giordano foi um filósofo, além de astrônomo e matemático, do século dezesseis, expulso da Ordem dos Dominicanos por suas ideias e seus questionamentos acerca de um universo ilimitado, povoado por uma infinidade de estrelas e planetas com possibilidade de vida inteligente. Este precursor da ciência moderna foi processado pela inquisição e recusando qualquer retratação, foi condenado à morte na fogueira. Até mesmo em seus últimos momentos tentaram calá-lo, tendo sido morto com uma mordaça e pregos em sua língua, que simbolicamente o impediriam de propagar sua ideologia após sua morte. Notando o mundo atual e vendo a importância que ainda é dada aos preceitos do Vaticano, à opinião do Papa sobre qualquer tema, parece que seus antepassados conseguiram realizar o feito.

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Com uma atuação soberba de Gian Maria Volonté no papel principal e de Charlotte Rampling como Fosca, além de uma fotografia estupenda de Vittorio Storaro e uma linda trilha sonora do genial Ennio Morricone, o filme merece um reconhecimento maior, pois se torna a cada dia que passa mais atual e importante. O diretor não cria uma obra panfletária, ele disserta sobre o homem e suas ações, sabendo ver em cada personagem suas verdades e crenças. Não acusa, simplesmente mostra os fatos e deixa nas mãos do público o julgamento. Imenso foi o preço que Giordano pagou por questionar os dogmas religiosos, tendo como meta apenas a evolução do conhecimento humano. Conhecimento esse que, mesmo séculos depois, ainda se defronta com os mesmos dogmas, com a fogueira primitiva sendo substituída pelo poder de manipulação social. Manipulação de políticos, pois nenhum tem coragem de falar contra a igreja por medo de não se elegerem, assim como a imposição de seus conceitos sobre assuntos que nunca dominaram, como a ciência.

Ao assistirmos o filme, constatamos as razões que o tornam tão pouco conhecido e difundido, ele consegue fazer algo que as religiões nunca souberam: mostrar suas ideias eficientemente e sem necessidade de apelar para violência, ou imposição pelo medo, contra outras crenças ou contra aqueles que as questionam. Essa obra é uma poderosa arma que os religiosos querem manter bem distante de seus fiéis, pois o conhecimento, que tanto Giordano Bruno lutou para divulgar, foge completamente aos anseios dos líderes religiosos, ontem, hoje e sempre.

[quote_box_right]”Por muito tempo, acreditei que silenciar, no tocante a esse assunto, era uma forma de respeito, mas calar é o pior crime que pode ser cometido.” Octavio Caruso[/quote_box_right]

Por muito tempo, acreditei que silenciar, no tocante a esse assunto, era uma forma de respeito, mas calar é o pior crime que pode ser cometido. Descartes, Nietzsche, Onfray, Bakunin, Stephen Hawking, Carl Sagan, de quem roubei o título do texto, e praticamente todos os grandes pensadores que atravessaram a breve experiência da vida na Terra, já apontaram os malefícios que as crenças em lendas causam ao desenvolvimento intelectual do cidadão. Mitos e superstições escravizam os seres humanos, limitando-os intelectual e criativamente. Amedronte uma pessoa e você a terá na palma de sua mão, fazendo tudo o que você disser que irá ser para o seu bem, inclusive financeiramente, sendo capaz de vender os rins por um espaço garantido no céu. Liberte-a dos medos, que nenhuma força no mundo irá mantê-la sob seu jugo. A exploração do sobrenatural é fonte de renda de muitos, ainda mais nos locais onde o analfabetismo científico reina supremo. O brasileiro, povo extremamente carente em educação, saúde e segurança, acredita em tudo que é impossível, mas sempre duvida do óbvio. Viver em um mundo alternativo de ilusão, composto por truques, efeitos psicossomáticos e histeria coletiva, pode trazer paz temporária, mas não é a melhor solução.

[quote_box_left]”Com ou sem religião, pessoas boas farão coisas boas e pessoas más farão coisas más. Porém para pessoas boas fazerem coisas más, é preciso religião”. Steven Weinberg[/quote_box_left]

E, complementando, uma ótima citação do físico Steven Weinberg: “Com ou sem religião, pessoas boas farão coisas boas e pessoas más farão coisas más. Porém para pessoas boas fazerem coisas más, é preciso religião”. O sofrimento é uma das coisas mais naturais na vida de todos nós. Aprender a lidar com ele é uma das coisas que nos diferencia dos animais irracionais. Ninguém é imune ao sofrimento.  As crenças concedem aos que sofrem uma paz temporária. E por esse respiro breve, puramente ilusório, gerações de mal-intencionados incitam pessoas bem-intencionadas a se mutilarem, atearem fogo em florestas, acidentalmente, devido ao uso de velas em despachos, despejarem cacos de vidro, garrafas quebradas em rituais, em locais que oferecem grave risco aos transeuntes, sacrificam animais indefesos e até bebês, entre outros absurdos. Caso testemunhe despachos com velas acesas em locais com risco de incêndio, não pense duas vezes, apague-as. Temos que honrar o “sapiens”, que sucede o “homo”. Não tenho religião alguma, sou um respeitoso questionador em eterna busca pelo aprimoramento. O Brasil necessita, mais do que nunca, de nossa lucidez.

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização do autor.

Octavio Caruso contioutra.com - O mundo assombrado pelos demônios

Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br”, além de uma coluna social no site da jornalista Anna Ramalho, do JB. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

Blog: Devo tudo ao cinema / Octavio Caruso no Facebook

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3 atitudes inconscientes que podem destruir a autoestima de seus filhos (esteja alerta)

3 atitudes inconscientes que podem destruir a autoestima de seus filhos (esteja alerta)

Por Damara Simmons

Do original: 3 maneiras que você inconscientemente destrói a autoestima de seus filhos

Fonte: contioutra.com - 3 atitudes inconscientes que podem destruir a autoestima de seus filhos (esteja alerta)

Eu entro e me sento no banco ao lado dele no piano. Quando ele começa novas músicas, ele gosta que eu esteja por perto.

Um sorriso brilhante ilumina seu rosto e ele começa a tocar. Depois de alguns erros seu sorriso desaparece e surge uma carranca. Eu sinto seu desânimo crescer.

Da minha perspectiva a música é bastante simples e fácil. Eu quase digo: “Ah, vamos lá, é fácil, você pode fazê-lo.” Em vez disso eu paro e penso: “O que eu digo vai fazer meu filho se sentir encorajado e ajudar a sua autoestima crescer ou causar desânimo e diminuí-la? A escolha é minha.”

Os pais querem que seus filhos cresçam autoconfiantes e capazes. Às vezes, mesmo sem perceber, suas ações podem estar fazendo exatamente o oposto e diminuindo a autoestima de seus filhos.

1. Dizer “É fácil”

Quando seus filhos estão se esforçando com uma tarefa, pode parecer fácil para você, no entanto, não é necessariamente fácil para eles. Quando você diz: “Isso é fácil, você pode fazê-lo.” Você está tentando motivar e incentivá-los, no entanto, faz com que os seus filhos pensem: “Algo deve estar errado comigo, porque não é fácil para mim, portanto, devo ser burro.” Isso faz diminuir sua autoestima e a se sentirem desencorajados, querendo desistir.

Em vez disso diga-lhes: “Isso pode ser difícil ou isso é difícil.” Então, se os seus filhos completarem a tarefa, eles dirão a si mesmos: “Eu fiz algo difícil.” Se eles não se sentirem assim, pelo menos saberão que foi difícil começar. Essa abordagem ajuda a incentivar as crianças e aumenta o seu sentimento de autoestima.

2. Fazer por eles

Seus filhos querem fazer suas tarefas por conta própria. Isso lhes dá uma grande sensação de realização e os ajuda a se sentirem bem consigo mesmos. Você pode sentir que é uma maneira de mostrar amor fazendo coisas para os seus filhos. Isso lhes rouba a oportunidade de aprender habilidades para a vida e a satisfação de se sentirem independentes. E envia aos seus filhos a mensagem oculta, “Você não é capaz.”

Em vez de fazer as coisas para os seus filhos, fracione a tarefa em tarefas menores mais apropriadas a eles. Isto lhes dá a oportunidade de sentir a satisfação pessoal de completá-la por conta própria. Sua autoestima vai subir.

3. Surtar quando cometem erros

Os erros são parte da vida – todos nós erramos. Você pode sentir que precisa salvar seus filhos de cometer erros ou ajudá-los a evitar cometê-los. Isso não irá ajudá-los – mas, prejudicá-los para a vida.

Seus filhos vão cometer erros e sua atitude quanto a isso ajudará seus filhos a aprenderem e crescerem com o erro ou ensinar-lhes que os erros são ruins. Os erros são dolorosos, mas podem trazer grande crescimento se manuseados de forma saudável. Não roube de seus filhos a oportunidade de crescer com as situações, admitir que estejam errados, corrigirem o problema, e se sentirem bem sobre si mesmos.

Em vez de surtar quando seus filhos cometem um erro, ensine-os buscar soluções e serem responsáveis por suas ações. Isso promove uma visão saudável dos erros e permite a seus filhos se sentirem bem sobre quem eles são.

Muitos pais não percebem que essas três ações diminuem a autoestima de seus filhos. Se algumas dessas ideias são novidades para você – tenha bom ânimo, porque ler e aprender mostram que você está interessado em melhorar como um pai ou mãe e fazendo o melhor que pode.

Síndrome de Burnout: um artigo que faz a diferença

Síndrome de Burnout: um artigo que faz a diferença

Por

Do original:  Síndrome de Burnout– contioutra.com - Síndrome de Burnout: um artigo que faz a diferença

Hoje quero abordar um assunto delicado, que – em maior ou menor medida – afeta ou vai afetar a todos nós, no ambiente de trabalho: o esgotamento profissional ou, como é conhecido tecnicamente, a Síndrome de Burnout.

Primeiro, vamos à definição clássica sobre o problema.

O que é a Síndrome de Burnout

“Burnout (esgotamento profissional) é definido como uma síndrome psicológica decorrente da tensão emocional crônica no trabalho. Trata-se de uma experiência subjetiva interna que gera sentimentos e atitudes negativas no relacionamento do indivíduo com o seu trabalho (insatisfação, desgaste, perda do comprometimento), minando o seu desempenho profissional e trazendo consequências indesejáveis para a organização (absenteísmo, abandono do emprego, baixa produtividade). O Burnout é caracterizado pelas dimensões: exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal.”  (Tamayo e Tróccoli, 2002)

Burnout geralmente ocorre em profissionais que lidam com pressão emocional constante em seu dia-a-dia, e mantém contato direto com pessoas em situações estressantes, por longo período de tempo. Por exemplo: profissionais de saúde, da educação, policiais, agentes penitenciários, entre outros.

Esses profissionais se deparam com eventos estressores no ambiente de trabalho, além do intenso e contínuo contato interpessoal. O trabalho dos profissionais de saúde baseia-se na articulação das dimensões: técnica, ética e política, bem como na compreensão e manejo em lidar com a vida e com a morte.

Como acontece

O fator estressor, seja qual for, físico ou psicológico, ativa o sistema neuroendócrino.

Inicialmente há o envolvimento do hipotálamo que estimula a liberação de hormônios pela hipófise, entre eles o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) que estimulam as glândulas supra-renais a produzirem e liberarem cortisol e adrenalina, chamados de hormônios do estresse.

contioutra.com - Síndrome de Burnout: um artigo que faz a diferença

A síndrome envolve três componentes, que podem aparecer associados, mas são independentes:

  • Exaustão emocional – falta de energia associada a sensação de esgotamento emocional. O profissional sente que não pode despender mais energia para desenvolver suas atividades.
  • Despersonalização – indiferença em relação às atividades cotidianas do trabalho, presença de atitudes negativas e comportamentos de cinismo e dissimulação afetiva, até o tratamento de pessoas do convívio como objetos.
  • Falta de envolvimento com o trabalho ou baixa realização profissional – sensação de incapacidade, baixa autoestima, desmotivação e infelicidade no trabalho, afetando até a habilidade e a destreza.

Os 12 estágios de burnout:

  1. Necessidade de se afirmar – provar ser capaz de tudo, sempre;
  1. Dedicação intensificada – com predominância da necessidade de se fazer tudo sozinho;
  1. Descaso com as necessidades pessoais – comer, dormir, sair com os amigos começam a perder o sentido;
  1. Recalque de conflitos – o portador percebe que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema. É quando ocorrem as manifestações físicas;
  1. Reinterpretação dos valores – isolamento, fuga dos conflitos. O que antes tinha valor sofre desvalorização: lazer, casa, amigos, e a única medida da auto-estima é o trabalho;
  1. Negação de problemas – nessa fase os outros são completamente desvalorizados e tidos como incapazes. Os contatos sociais são repelidos, cinismo e agressão são os sinais mais evidentes;
  1. Recolhimento – aversão a grupos, reuniões – comportamento anti-social.
  1. Mudanças evidentes de comportamento – perda do humor, não aceitação de comentários, que antes eram tidos como naturais.
  1. Despersonalização – ninguém parece ter valor, nem mesmo a pessoa afetada. A vida se restringe a atos mecânicos e distância do contato social – prefere e-mails e mensagens.
  1. Vazio interior – sensação de desgaste, tudo é difícil e complicado.
  1. Depressão – marcas de indiferença, desesperança, exaustão. A vida perde o sentido;
  1. E, finalmente, a síndrome do esgotamento profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental. Esse estágio é considerado de emergência, e a ajuda médica e psicológica são urgentes.

Manifestações e sintomas

O desenvolvimento dessa síndrome decorre de um processo gradual de desgaste emocional e desmotivação acompanhado de manifestações físicas e psíquicas.

Ela se manifesta por meio de quatro dimensões sintomatológicas: física, psíquica, comportamental e emocional.

Principais Sintomas: Exaustão emocional, despersonalização, reduzida realização profissional; fadiga; dores; imunodeficiência; disfunções sexuais, desconfiança, irritabilidade, perda da iniciativa, tendência ao isolamento.

Sinais de doença avançada: enxaquecas, insônia, gastrite e úlcera, diarréias, crises de asma, palpitações, hipertensão, dores musculares, alergias e infecções, depressão, aumento do consumo de café, álcool, barbitúricos e, cigarros.

Tratamento

Depois de constatado, o tratamento da síndrome de Burnout é realizado através do psicoterapeuta.

Em alguns casos, é necessária a utilização de medicamentos como os antidepressivos que atuam como moderadores de ansiedade e da tensão, sendo sempre prescritos com avaliação médica.

Se perceber alguns dos sintomas, não deixe que eles tomem conta da sua vida. Há casos em que essa síndrome resulta em depressões profundas e até ideias suicidas. Portanto, se identificar alguns dos sintomas, busque soluções o mais rápido possível, incluindo orientação especializada.

“NÃO É AUTISMO, É IPAD”

“NÃO É AUTISMO, É IPAD”

A fonoaudióloga Maria Lúcia Novaes Menezes está preocupada com um fenômeno que tem percebido nos últimos tempos: o aumento do número de crianças muito novas – de dois ou três anos – usando tablets.

Profissional com mais de 30 anos de experiência, a doutora tem atendido, em seu consultório no Rio de Janeiro, inúmeros casos em que os pais chegam a suspeitar que os filhos são autistas, sem perceber que o uso prolongado de tablets, joguinhos eletrônicos e celulares é que está dificultando o desenvolvimento da comunicação das crianças.

Fiz uma breve entrevista com a doutora Maria Lúcia Novaes Menezes. Aqui vai a conversa:

A senhora disse estar assustada com o número de pais que deixam filhos pequenos – crianças de dois ou três anos – usarem tablets. Isso tem aumentado nos últimos tempos?

A cada ano percebe-se que aumenta o número de crianças com menos de três anos de idade fazendo uso de tablets. Podemos observar, nos shoppings, bebês com tablets pendurados nos carrinhos. Isso tem prejudicado o desenvolvimento da linguagem e, principalmente, da socialização.

Quais as consequências que a senhora tem percebido nas crianças?

Se considerarmos que, nos primeiros três anos de vida da criança o desenvolvimento da cognição social se dá através do desenvolvimento da intersubjetividade, ou seja, que as diferentes fases da interação da criança com seus pais e cuidadores se dão através de compartilhar experiências e do olhar da criança para o outro, a utilização do tablet impede estas ações.

O tablet, utilizado por longo tempo, retira do contexto da criança esse contato fundamental para a socialização, causando um prejuízo no desenvolvimento das habilidades humanas que dependem da socialização, do envolvimento com o outro, prejudicando o desenvolvimento da socialização e do aprendizado que depende de experiências com o mundo à sua volta.

A senhora mencionou que alguns pais a procuram para tratar de supostos problemas de comunicação das crianças, sem perceber que o uso do tablet é uma das principais razões para isso.

O que tenho observado, principalmente no último ano de clínica, é que o uso do tablet e outros eletrônicos está cada vez mais tomando o lugar da interação entre as crianças e seus pais e o brincar no contexto familiar. Os pais passam muito tempo no trabalho, chegam em casa cansados e, quando os filhos querem assistir desenhos e joguinhos no tablet, eles liberam, em vez de tentar conversar ou brincar.

Como conseqüência, se a criança tem alguma dificuldade para adquirir a linguagem e a socialização, essa pouca comunicação com os pais poderá desencadear esse déficit. Talvez, em um contexto familiar onde fosse mais estimulado a se comunicar e brincar, essa dificuldade não aparecesse de forma tão acentuada. Essa hipótese surgiu da minha prática clínica, onde na entrevista com os pais eles relatam o uso de tablets, jogos no celular e DVD. Tem acontecido com freqüência que a observação dos pais da forma que interagimos e brincamos com a criança no set terapêutico e como, aos poucos, seu filho vai começando ou expandindo a sua comunicação e o interesse em brincar, eles mudam a dinâmica com seus filhos no contexto familiar, a comunicação verbal e social da criança começa a expandir, os pais ficam mais tranquilos e mais próximos dos filhos, e a criança, tendo a companhia do pai ou da mãe, passa a se interessar mais pelos brinquedos e em brincar e diminui o interesse pelo tablet, DVDs e joguinhos nos celular.

A senhora mencionou casos em que os pais suspeitavam ter um filho autista, mas o problema da criança se resumia a uso prolongado de novas tecnologias.

No ano de 2014 atendi crianças com idade em torno de dois anos, trazidas com queixa de comunicação social e desenvolvimento da fala, os pais suspeitando de autismo. Mas, ao mudar a dinâmica familiar, essas crianças apresentaram uma mudança muito grande na sua comunicação social e verbal.

O que os pais devem fazer para evitar problemas desse tipo, numa época em que os tablets estão em todos os lugares?

Sei que é difícil ir contra o sistema e penso que a criança deve ser cobrada pelos amiguinhos para ter e usar um tablet. O que talvez auxiliasse a romper com o hábito dos joguinhos eletrônicos e tablets seria restringir ao máximo possível o uso do tablet. Talvez a melhor forma de se conseguir é dando mais atenção ao filho através de conversas, do brincar, e utilizar mais jogos não eletrônicos e mais interativos.

Currículo de Maria Lúcia Novaes Menezes

Fonoaudióloga formada em 1984 pela Faculdades Integradas Estácio de Sá, mestre em Distúrbios da Comunicação, em 1993, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com cursos na New York University reconhecidos e creditados neste mestrado e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz (2003). Aposentada da FIOCRUZ em 2014, mas ainda permanecendo como orientadora do projeto de pesquisa do Ambulatório de Fonoaudiologia Especializado em Linguagem / AFEL. Atua como fonoaudióloga na clínica em avaliação e diagnóstico dos distúrbios da linguagem e orientação aos pais. Autora da escala de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem, idealizado, padronizado e validado no Brasil para avaliar o desenvolvimento da linguagem da criança brasileira.

Fonte indicada: André Barcinski

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“Maioridade penal aos seis. Afinal, nessa idade, eles já se vestem sozinhos.”

“Maioridade penal aos seis. Afinal, nessa idade, eles já se vestem sozinhos.”

Leonardo Sakamoto, em seu blog

Redução da maioridade penal? O Estado e a sociedade falham retumbantemente em garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente ou mesmo a Constituicão Federal sejam cumpridos

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Um dos maiores acertos de nosso sistema legal é que, pelo menos em teoria, protegemos os mais jovens – que ainda não completaram um ciclo de desenvolvimento mínimo, seja físico ou intelectual, a fim de poderem compreender as consequências de seus atos. Completar 18 anos não é uma coisa mágica, não significa que as pessoas já estão formadas e prontas para tudo ao apagarem as 18 velinhas. Mas é uma convenção baseada em alguns fundamentos biológicos e sociais. E, o importante, é que as pessoas se preparam para essa convenção e a sociedade se organiza para essa convenção.

Na prática, o Estado e a sociedade falham retumbantemente em garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente ou mesmo a Constituicão Federal sejam cumpridos. Entregamos muitos deles à sua própria sorte – sejam filhos de famílias pobres ou ricas. Porque encher o filho de brinquedos e fazer todas as suas vontades para compensar a ausência por conta de uma roda viva que vai nos tragando também é de uma infelicidade atroz. Por necessidade individual e incapacidade coletiva de garantir que essa preparação ocorra de forma protegida, muita gente acaba empurrada para abraçar responsabilidades e emularem uma maturidade que elas não têm. Enfim, se tornam adultos sem ter base para isso.

O que fazer com um jovem que ceifa a vida de outro, afinal? Conheço a dor de perder alguém querido de forma estúpida pelas mãos de outro. O espírito de vingança, travestido de uma roupa bonita chamada Justiça, que foi incutido em mim pela sociedade desde pequeno, diz que essa pessoa tem que pagar. Para que aprenda e não faça novamente? Não. Para que sirva de exemplo aos demais? Não. Para retirá-lo do convívio social? Não. Para tentar diminuir a minha dor através da dor dele e da sua família? Não. Não há provas de que nada disso funcione, mas ele tem que pagar. Por que sempre foi assim, porque caso contrário o que fazer?

A Fundação Casa, do jeito que ela está, não reintegra, apenas destrói. A prisão, então, nem se fala. Também não acho que reduzir a maioridade penal para 16 anos vá resolver algo. Ele só vai aprender mais cedo a se profissionalizar no crime. E se jovens de 14 começarem a roubar e matar, podemos mudar a lei no futuro também. E daí se ousarem começar antes ainda, 12. E por que não dez, se fazem parte de quadrilhas? Aos oito já sabem empunhar uma arma. E, com seis, já se vestem sozinhos.

A resposta para isso não é fácil. Mas dói chegar à conclusão de que, se um jovem aperta um gatilho, fomos nós que levamos a arma até ele e a carregamos. Então, qual o quinhão de responsabilidade dele? E qual o nosso?

O certo é que ele irá levar isso a vida inteira – o que não é pouco – e nunca mais será o mesmo, para bem ou para mal. A sociedade está preparada para lidar com ele e outros jovens que cometem crimes, por conta própria ou influência de adultos?

Ou melhor, a sociedade quer realmente lidar com eles ou prefere jogá-los para baixo do tapete, escondendo os erros que, ao longo do tempo, ela mesma cometeu?

Fonte mais do que indicada: Pragmatismo político

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Na última semana o Rio fez 450 anos e o que temos para comemorar?

Na última semana o Rio fez 450 anos e o que temos para comemorar?

Por Adriana Vitória

Com um sentimento antigo que mistura uma profunda sensação de impotência e ressentimento, é quase difícil pra mim admitir o quanto amo esta cidade, e por este mesmo motivo, é impossível não reconhecer que, este pedaço de terra naturalmente maravilhosa, esta afundando.

Nem vamos falar do estado, que se encontra quase em calamidade !
Nestes 450 anos nunca houve um planejamento urbanístico sequer, os poucos que ousaram, nunca foram respeitados, como todo o resto neste pais. A exuberante flora e a fauna da cidade que inspirou minha vida e meu trabalho como artista plástica, embora não pareça, esta desaparecendo a olhos nus. Construções históricas foram demolidas e suas matas vem sendo derrubadas.

A pobre baia de Guanabara recebeu em 1991, do banco inter americano e do governo japonês, 800 milhões de dólares para ser despoluída. O dinheiro sumiu e a poluição esta pior do que nunca. Apenas 20% do esgoto da cidade e tratado e os outros 80 deságuam direto na pobre senhora.
Os botos, que um dia foram símbolo da cidade hoje somam 40 indivíduos.
Em 4 séculos e meio, seja nos anúncios das agencias de turismo, seja nos postais ou em qualquer outra mídia, lá estão o Corcovado, o pão de açúcar e suas praias, mas quem foi que determinou que isto é o Rio ?

O estado tem cerca de 16 milhões e meio de habitantes sendo que 13 vivem na cidade de cerca de 1200km2. Destes 13 apenas cerca de dois milhões habita o pequeno feudo de 100km2, a zona sul das praias e da lagoa poluídas. Quatro séculos e meio de governos indiferentes não são, a meu ver, algo para se comemorar.
Boa parte desta pequena elite sequer conhece sua cidade, pois não se atreve a ultrapassar o túnel a não ser quando vai viajar.

Chega a ser chocante a insistência de uma minoria decadente mas ainda poderosa em ignorar a existência da ressentida zona menos privilegiada, e isto inclui os moradores das favelas que os cercam e sobrevivem servindo a esta pequena corte.

A grande parte dos 10 milhões que não estão no mapa estão na zona excluída e esquecida, a zona norte, que com exceção da Tijuca e Grajaú vivem em completo abandono com ruas esburacadas, sem policiamento adequado, sem saneamento, sem coleta de lixo, sem nada.

A classe media esta a beira do colapso, sufocada pelos valores surreais dos alugueis, escolas privadas, impostos abusivos e desprovida de seguranças e carros blindados, ainda tem que aguentar a crescente violência, mas ainda vale o sofrimento pra se estar numa das cidades mais queridas do planeta.

Por muito menos Luis XVI perdeu a cabeça na revolução que transformou o mundo, criando uma radical mudança social democrática com princípios iluministas de cidadania e direitos inalienáveis.

Como é que os “cariocas” podem continuar comemorando pra mim só pode ser um surto de esquizofrenia.

Ainda espero ver um Rio de liberdade, igualdade e fraternidade. Enquanto isso, exerço minha cidadania da forma que posso, e me dou o saudável direito de me refugiar na serra para ter um mínimo de qualidade de vida e paz pra criar minha filha.

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Logotipo dos 450 anos do Rio de Janeiro

Quando eu morrer, quero virar árvore!

Quando eu morrer, quero virar árvore!

A Awebic publicou uma matéria sobre um projeto italiano inovador chamado The Capsula Mundi.

A ideia do “ciclo da vida” agrada muitas pessoas independentemente da fé. Em poucas palavras, é vida se transformando em vida — a morte fica em segundo plano. Pensando nisso, os  designers Anna Citelli e Raoul Bretzel desenvolveram o projeto que consiste em uma cápsula orgânica e biodegradável que é capaz de transformar um corpo em decomposição em nutrientes para uma árvore.

Primeiro, o corpo do falecido é colocado dentro da cápsula e então enterrado. Depois é plantado uma árvore ou uma semente por cima para aproveitar a matéria orgânica.

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É a transformação do cemitério…

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… em uma floresta de memórias!

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E você, gostou?

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Vida a dois. A relação entre trabalho e amor num poema de Adélia Prado.

Vida a dois. A relação entre trabalho e amor num poema de Adélia Prado.

Por Alan Lima

Boas relações são construídas em momentos de lazer. A diversão romântica é elemento das histórias de conquista. Quantos filmes chamam de encontro apenas os jantares a luz de velas, o trocar beijos e mãos no escurinho do cinema?

Nada disso é ruim, claro, quisera nós desfrutarmos de incontáveis noites regadas a entretenimento e carinho. E dizem, aqueles com a experiência de casamentos e namoros duradouros, que eventos assim são inversamente proporcionais ao tempo de convivência. Com o tempo, a rotina tudo esmaga.

Adélia Prado traz um outro panorama no poema Casamento, a relação entre o amor do casal e o trabalho. Inverta as posições. Seja ora a mulher, ora o homem. Coloque-se no lugar de cada um dos personagens e questione.

Como a forma de lidar com os deveres do cotidiano faz “Coisas prateadas espocarem”?

 

“Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.”

Poema Casamento, Adélia Prado.

O envelhecimento dos pais: Quem cuida de quem?

O envelhecimento dos pais: Quem cuida de quem?

Por Viviane Lajter Segal

Nascimento, crescimento e envelhecimento fazem parte do processo natural de qualquer família. A cada ciclo da vida, os componentes se modificam para conviverem melhor entre si. Na velhice não é diferente! É uma fase que proporciona novas emoções e desafios para o indivíduo e seus familiares.

Envelhecer é um processo contínuo e constante em nossas vidas e ocorre desde que nascemos. Com a maior expectativa de vida da população a convivência entre gerações tem
ocorrido por mais tempo, o que promove mudanças nas relações.

Dúvidas, inseguranças e medos podem surgir entre os familiares, principalmente nos filhos. Como lidar com algumas características tão peculiares dos pais idosos?

O envelhecimento de uma pessoa perpassa por diversas transformações físicas e psíquicas. O idoso costuma apresentar uma menor velocidade no processamento das informações, assim como a memória começa a falhar. As características da personalidade tendem a ser exacerbadas.

Os filhos podem se sentir confusos com esse processo. Aquele pai, antes visto como herói, forte, que sempre cuidou da família, começa a se fragilizar. Precisa ser cuidado e, geralmente, torna-se mais carente de afeto e atenção. Como lidar com isso?

Tornar-se pai do seu pai

Nesse dilema, alguns filhos tendem a inverter os papéis com seus pais. “Tornam-se pais dos seus pais”. Mas, será que essa atitude, por mais que saibamos ser uma forma de cuidado, é saudável e a melhor para os mais velhos? Qual será o impacto psicológico disso para eles?

Os idosos são pessoas que, apesar de estarem passando por transformações, têm mais anos de experiência na vida adulta que seus filhos. Eles desejam ou precisam ser cuidados, apoiados, mas não infantilizados ou colocados em um papel de menor valia dentro da dinâmica familiar e social.

Ocorre, um empobrecimento relacional comum nessa fase da vida decorrente da diminuição do contato social. Isso pode culminar em um isolamento excessivo gerando diversas questões emocionais, como desamparo, insegurança, solidão, aumento da ansiedade e até depressão. Alguns fatores como a aposentadoria e a perda do companheiro tendem a intensificar tais comportamentos. Nesse contexto, a inversão de papéis entre pais e filhos pode agravar a situação. Quando isso ocorre, os idosos sentem-se dependentes e desvalorizados gerando uma baixa na autoestima e na autoimagem. A autonomia sobre suas próprias vidas torna-se restrita e a busca pela realização de conquistas pessoais é diminuída.

A importância dos filhos

Uma idade mais avançada não pode ser sinônimo de incapacidade, mas sim de possibilidades! Essa fase se configura em uma etapa de desenvolvimento, elaboração e realização de projetos pessoais. Há uma sabedoria e experiência adquiridas ao longo da vida que podem ser convertidas em aprendizado e transformações.

A família como um todo, principalmente os filhos, tem um papel fundamental nesse processo.  É importante que o idoso sinta-se pertencente e participante desse grupo e não isolado.

Apoiar, acompanhar, dar atenção, suporte e carinho são formas de demostrar afeto mais
eficazes.  Respeitar suas vontades e necessidades enquanto pessoas. Deixá-los realizar suas atividades e viver suas vidas como desejam são aspectos fundamentais para o melhor relacionamento entre pais e filhos na terceira idade!

TENTAÇÃO, por Clarice Lispector

TENTAÇÃO, por Clarice Lispector

Por Clarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor – a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.

A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.

No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos – lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú.

Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás

Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

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A boçalidade do mal, uma crítica de Eliane Brum que não deve ser ignorada

A boçalidade do mal, uma crítica de Eliane Brum que não deve ser ignorada

Por Eliane Brum

Guido Mantega e a autorização para deletar a diferença

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Em 19 de fevereiro, Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda dos governos de Lula e de Dilma Rousseff, estava na lanchonete do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, quando foi hostilizado por uma mulher, com o apoio de outras pessoas ao redor. Os gritos: “Vá pro SUS!”. Entre eles, “safado” e “fdp”. Mantega era acompanhado por sua esposa, Eliane Berger, psicanalista. Ela faz um longo tratamento contra o câncer no hospital, mas o casal estava ali para visitar um amigo. O episódio se tornou público na semana passada, quando um vídeo mostrando a cena foi divulgado no YouTube.

Entre as várias questões importantes sobre o momento atual do Brasil – mas não só do Brasil – que o episódio suscita, esta me parece particularmente interessante:

“Que passo é esse que se dá entre a discordância com relação à política econômica e a impossibilidade de sustentar o lugar do outro no espaço público?”.

A pergunta consta de uma carta escrita pelo Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP), que encontrou na cena vivida por Guido e Eliane ecos do período que antecedeu a Segunda Guerra, na Alemanha nazista, quando se iniciou a construção de um clima de intolerância contra judeus, assim como contra ciganos, homossexuais e pessoas com deficiências mentais e/ou físicas. O desfecho todos conhecem. Em apoio a Guido e Eliane, mas também pela valorização do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende milhões de brasileiros, o MPASP lançou a hashtag #VamosTodosProSUS.

Pode-se aqui fazer a ressalva de que a discordância vai muito além da política econômica e que o ex-ministro petista encarnaria na lanchonete de um dos hospitais privados mais caros do país algo bem mais complexo. Mas a pergunta olha para um ponto preciso do cotidiano atual do Brasil: em que momento a opinião ou a ação ou as escolhas do outro, da qual divergimos, se transforma numa impossibilidade de suportar que o outro exista? E, assim, é preciso eliminá-lo, seja expulsando-o do lugar, como no caso de Guido e Eliane, seja eliminando sua própria existência – simbólica, como em alguns projetos de lei que tramitam no Congresso, visando suprimir direitos fundamentais dos povos indígenas ou de outras minorias; física, como nos crimes de assassinato por homofobia ou preconceito racial.

O que significa, afinal, esse passo a mais, o limite ultrapassado, que tem sido chamado de “espiral de ódio” ou “espiral de intolerância”, num país supostamente dividido (e o supostamente aqui não é um penduricalho)? De que matéria é feita essa fronteira rompida?

[pull_quote_left]A descoberta de que aquele vizinho simpático com quem trocávamos amenidades no elevador defende o linchamento de homossexuais tem um impacto profundo[/pull_quote_left]

A resposta admite muitos ângulos. Na minha hipótese, entre tantas possíveis, peço uma espécie de licença poética à filósofa Hannah Arendt, para brincar com o conceito complexo que ela tão brilhantemente criou e chamar esse passo a mais de “a boçalidade do mal”. Não banalidade, mas boçalidade mesmo. Arendt, para quem não lembra, alcançou “a banalidade do mal” ao testemunhar o julgamento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém, e perceber que ele não era um monstro com um cérebro deformado, nem demonstrava um ódio pessoal e profundo pelos judeus, nem tampouco se dilacerava em questões de bem e de mal. Eichmann era um homem decepcionantemente comezinho que acreditava apenas ter seguido as regras do Estado e obedecido à lei vigente ao desempenhar seu papel no assassinato de milhões de seres humanos. Eichmann seria só mais um burocrata cumprindo ordens que não lhe ocorreu questionar. A banalidade do mal se instala na ausência do pensamento.

A boçalidade do mal, uma das explicações possíveis para o atual momento, é um fenômeno gerado pela experiência da internet. Ou pelo menos ligado a ela. Desde que as redes sociais abriram a possibilidade de que cada um expressasse livremente, digamos, o seu “eu mais profundo”, a sua “verdade mais intrínseca”, descobrimos a extensão da cloaca humana. Quebrou-se ali um pilar fundamental da convivência, um que Nelson Rodrigues alertava em uma de suas frases mais agudas: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”. O que se passou foi que descobrimos não apenas o que cada um faz entre quatro paredes, mas também o que acontece entre as duas orelhas de cada um. Descobrimos o que cada um de fato pensa sem nenhuma mediação ou freio. E descobrimos que a barbárie íntima e cotidiana sempre esteve lá, aqui, para além do que poderíamos supor, em dimensões da realidade que só a ficção tinha dado conta até então.

Descobrimos, por exemplo, que aquele vizinho simpático com quem trocávamos amenidades bem educadas no elevador defende o linchamento de homossexuais. E que mesmo os mais comedidos são capazes de exercer sua crueldade e travesti-la de liberdade de expressão. Nas postagens e comentários das redes sociais, seus autores deixam claro o orgulho do seu ódio e muitas vezes também da sua ignorância. Com frequência reivindicam uma condição de “cidadãos de bem” como justificativa para cometer todo o tipo de maldade, assim como para exercer com desenvoltura seu racismo, sua coleção de preconceitos e sua abissal intolerância com qualquer diferença.

Foi como um encanto às avessas – ou um desencanto. A imagem devolvida por esse espelho é obscena para além da imaginação. Ao libertar o indivíduo de suas amarras sociais, o que apareceu era muito pior do que a mais pessimista investigação da alma humana. Como qualquer um que acompanha comentários em sites e postagens nas redes sociais sabe bem, é aterrador o que as pessoas são capazes de dizer para um outro, e, ao fazê-lo, é ainda mais aterrador o que dizem de si. Como o Eichmann de Hannah Arendt, nenhum desses tantos é um tipo de monstro, o que facilitaria tudo, mas apenas ordinariamente humano.

[quote_box_left]Ao permitir que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras, a internet arrancou da humanidade a ilusão sobre si mesma[/quote_box_left]

Ainda temos muito a investigar sobre como a internet, uma das poucas coisas que de fato merecem ser chamadas de revolucionárias, transformaram a nossa vida e o nosso modo de pensar e a forma como nos enxergamos. Mas acho que é subestimado o efeito daquilo que a internet arrancou da humanidade ao permitir que cada indivíduo se mostrasse sem máscaras: a ilusão sobre si mesma. Essa ilusão era cara, e cumpria uma função – ou muitas – tanto na expressão individual quanto na coletiva. Acho que aí se escavou um buraco bem fundo, ainda por ser melhor desvendado.

Como aprendi na experiência de escrever na internet que não custa repetir o óbvio, de forma nenhuma estou dizendo que a internet, um sonho tão estupendo que jamais fomos capazes de sonhá-lo, é algo nocivo em si. A mesma possibilidade de se mostrar, que nos revelou o ódio, gerou também experiências maravilhosas, inclusive de negação do ódio. Assim como permitiu que pessoas pudessem descobrir na rede que suas fantasias sexuais não eram perversas nem condenadas ao exílio, mas passíveis de serem compartilhadas com outros adultos que também as têm. Do mesmo modo, a internet ampliou a denúncia de atrocidades e a transformação de realidades injustas, tanto quanto tornou o embate no campo da política muito mais democrático.

Meu objetivo aqui é chamar a atenção para um aspecto que me parece muito profundo e definidor de nossas relações atuais. A sociedade brasileira, assim como outras, mas da sua forma particular, sempre foi atravessada pela violência. Fundada na eliminação do outro, primeiro dos povos indígenas, depois dos negros escravizados, sua base foi o esvaziamento do diferente como pessoa, e seus ecos continuam fortes. A internet trouxe um novo elemento a esse contexto. Quero entender como indivíduos se apropriaram de suas possibilidades para exercer seu ódio – e como essa experiência alterou nosso cotidiano para muito além da rede.

[quote_box_right]Finalmente era possível “dizer tudo”, e isso passou a ser confundido com autenticidade e liberdade[/quote_box_right]

É difícil saber qual foi a primeira baixa. Mas talvez tenha sido a do pudor. Primeiro, porque cada um que passou a expressar em público ideias que até então eram confinadas dentro de casa ou mesmo dentro de si, descobriu, para seu júbilo, que havia vários outros que pensavam do mesmo jeito. Mesmo que esse pensamento fosse incitação ao crime, discriminação racial, homofobia, defesa do linchamento. Que chamar uma mulher de “vagabunda” ou um negro de “macaco”, defender o “assassinato em massa de gays”, “exterminar esse bando de índios que só atrapalham” ou “acabar com a raça desses nordestinos safados” não só era possível, como rendia público e aplausos. Pensamentos que antes rastejavam pelas sombras passaram a ganhar o palco e a amealhar seguidores. E aqueles que antes não ousavam proclamar seu ódio cara a cara, sentiram-se fortalecidos ao descobrirem-se legião. Finalmente era possível “dizer tudo”. E dizer tudo passou a ser confundido com autenticidade e com liberdade.

Para muitos, havia e há a expectativa de que o conhecimento transmitido pela oralidade, caso de vários povos tradicionais e de várias camadas da população brasileira com riquíssima produção oral, tenha o mesmo reconhecimento na construção da memória que os documentos escritos. Na experiência da internet, aconteceu um fenômeno inverso: a escrita, que até então era uma expressão na qual se pesava mais cada palavra, por acreditar-se mais permanente, ganhou uma ligeireza que historicamente esteve ligada à palavra falada nas camadas letradas da população. As implicações são muitas, algumas bem interessantes, como a apropriação da escrita por segmentos que antes não se sentiam à vontade com ela. Outras mostram as distorções apontadas aqui, assim como a inconsciência de que cada um está construindo a sua memória: na internet, a possibilidade de apagar os posts é uma ilusão, já que quase sempre eles já foram copiados e replicados por outros, levando à impossibilidade do esquecimento.

O fenômeno ajuda a explicar, entre tantos episódios, a resposta de Washington Quaquá, prefeito de Maricá e presidente do PT fluminense, uma figura com responsabilidade pública, além de pessoal, às agressões contra Guido Mantega. Em seu perfil no Facebook, ele sentiu-se livre para expressar sua indignação contra o que aconteceu na lanchonete do Einstein nos seguintes termos: “Contra o fascismo a porrada. Não podemos engolir esses fascistas burguesinhos de merda! (…) Vamos pagar com a mesma moeda: agrediu, devolvemos dando porrada!”.

[quote_box_left]O outro, se não for um clone, só existe como inimigo[/quote_box_left]

O ódio, e também a ignorância, ao serem compartilhados no espaço público das redes, deixaram de ser algo a ser reprimido e trabalhado, no primeiro caso, e ocultado e superado, no segundo, para ser ostentado. E quando me refiro à ignorância, me refiro também a declarações de não saber e de não querer saber e de achar que não precisa saber. Me arrisco a dizer que havia mais chances quando as pessoas tinham pudor, em vez de orgulho, de declarar que acham museus uma chatice ou que não leram o texto que acabaram de desancar, porque pelo menos poderia haver uma possibilidade de se arriscar a uma obra de arte que as tocasse ou a descobrir num texto algo que provocasse nelas um pensamento novo.

Sempre se culpa o anonimato permitido pela rede pelas brutalidades ali cometidas. É verdade que o anonimato é uma realidade, que há os “fakes” (perfis falsos) e há toda uma manipulação para falsificar reações negativas a determinados textos e opiniões, seja por grupos organizados, seja como tarefa de equipes de gerenciamento de crise de clientes públicos e privados. Tanto quanto há campanhas de desqualificação fabricadas como “espontâneas”, nas quais mentiras ou boatos são disseminados como verdades comprovadas, causando enormes estragos em vidas e causas.

Mas suspeito que, no que se refere ao indivíduo, a notícia – boa ou má – é que o anonimato foi em grande medida um primeiro estágio superado. Uma espécie de ensaio para ver o que acontece, antes de se arriscar com o próprio RG. Não tenho pesquisa, só observação cotidiana. Testemunho dia a dia o quanto gente com nome e sobrenome reais é capaz de difundir ódio, ofensas, boatos, preconceitos, discriminação e incitação ao crime sem nenhum pudor ou cuidado com o efeito de suas palavras na destruição da reputação e da vida de pessoas também reais. A preocupação de magoar ou entristecer alguém, então, essa nem é levada em conta. Ao contrário, o cuidado que aparece é o de garantir que a pessoa atacada leia o que se escreveu sobre ela, o cuidado que se toma é o da certeza de ferir o outro. O outro, se não for um clone, só existe como inimigo.

[quote_box_right]Na eleição de 2014, descobriu-se que os bárbaros eram até ontem os aliados na empreitada da civilização[/quote_box_right]

O problema, quando se aponta os “bárbaros”, e aqui me incluo, é justamente que os bárbaros são sempre os outros. Neste sentido, a eleição de 2014, da qual derivou a tese, para mim bastante questionável, do “Brasil partido”, bagunçou um bocado essa crença. Não foi à toa que amizades antigas se desfizeram, parentes brigaram e até amores foram abalados, que até hoje há gente que se gostava que não voltou a se falar. As redes sociais, a internet, viraram um campo de guerra, num nível maior do que em qualquer outra eleição ou momento histórico. Só que, desta vez, os bárbaros eram até ontem os aliados na empreitada da civilização.

Descobriu-se então que pessoas com quem se compartilhou sonhos ou pessoas que se considerava éticas – pessoas do “lado certo” – eram capazes de lançar argumentos desonestos – e que sabiam ser desonestos – e até mentiras descaradas, assim como de torturar números e manipular conceitos. Eram capazes de fazer tudo o que sempre condenaram, em nome do objetivo supostamente maior de ganhar a eleição. Os bárbaros não eram mais os outros, os de longe. Desta vez, eram os de perto, bem de perto, que queriam não apenas vencer, mas destruir o diferente ou o divergente, eu ou você. O bárbaro era um igual, o que torna tudo mais complicado.

Não se sai imune desse confronto com a realidade do outro, a parte mais fácil. Não se sai impune desse confronto com a realidade de si, este um enfrentamento só levado adiante pelos que têm coragem. Como sabemos, enquanto for possível e talvez mesmo quando não seja mais, cada um fará de tudo para não se enxergar como bárbaro, mesmo que para isso precise mentir para si mesmo. É duro reconhecer os próprios crimes, assim como as traições, mesmo as bem pequenas, e as vilanias. Mas, no fundo, cada um sabe o que fez e os limites que ultrapassou. O que aconteceu na eleição de 2014 é que os bons e os limpinhos descobriram algumas nuances a mais de sua condição humana, e descobriram o pior: também eles (nós?) não são capazes de respeitar a opinião e a escolha diferente da sua. Também eles (nós?) não quiseram debater, mas destruir. De repente, só havia “haters” (odiadores). De novo: desse confronto não se sai impune. A boçalidade do mal ganhou dimensões imprevistas.

[quote_box_right]A experiência poderosa de se mostrar sem recalques transcendeu e influenciou a vida para além das redes[/quote_box_right]

Seria improvável que a experiência vivida na internet, na qual o que aconteceu nas eleições foi apenas o momento de maior desvendamento, não mudasse o comportamento quando se está cara a cara com o outro, quando se está em carne e osso e ódio diante do outro, nos espaços concretos do cotidiano. Seria no mínimo estranho que a experiência poderosa de se manifestar sem freios, de se mostrar “por inteiro”, de eliminar qualquer recalque individual ou trava social e de “dizer tudo” – e assim ser “autêntico”, “livre” e “verdadeiro” – não influenciasse a vida para além da rede. Seria impossível que, sob determinadas condições e circunstâncias, os comportamentos não se misturassem. Seria inevitável que essa “autorização” para “dizer tudo” não alterasse os que dela se apropriaram e se expandisse para outras realidades da vida. E a legitimidade ganhada lá não se transferisse para outros campos. Seria pouco lógico acreditar que a facilidade do “deletar” e do “bloquear” da internet, um dedo leve e só aparentemente indolor sobre uma tecla, não transcendesse de alguma forma. Não se trata, afinal, de dois mundos, mas do mesmo mundo – e do mesmo indivíduo.

A mulher que se sentiu “no direito” de xingar Guido Mantega e por extensão Eliane Berger, e tornar sua presença na lanchonete do hospital insuportável, assim como as pessoas que se sentiram “no direito” de aumentar o coro de xingamentos, possivelmente acreditem que estavam apenas exercendo a liberdade de expressão como “cidadãos de bem indignados com o PT”, uma frase corriqueira nos dias de hoje, quase uma bandeira. Ao mandar Guido e Eliane para outro lugar – e não para qualquer lugar, mas “pro SUS” – devem acreditar que o Sistema Único de Saúde é a versão contemporânea do inferno, para a qual só devem ir os proscritos do mundo. Possivelmente acreditem também que o espaço do Hospital Israelita Albert Einstein deve continuar reservado para uma gente “diferenciada”. Em nenhum momento parecem ter enxergado Guido e Eliane como pessoas, nem se lembrado de que quem está num hospital, seja por si mesmo, seja por alguém que ama, está numa situação de fragilidade semelhante a deles. O direito ao ódio e à eliminação do outro mostrou-se soberano: aquele que é diferente de mim, eu mato. Ou deleto. Simbolicamente, no geral; fisicamente, com frequência assustadora.

[quote_box_left]O direito ao ódio e à eliminação do outro mostrou-se soberano: aquele que é diferente de mim, eu mato. Ou deleto. Simbolicamente, no geral; fisicamente, com frequência assustadora.[/quote_box_left]

Mas, claro, nada disso é importante. Nem é importante a greve dos caminhoneiros ou a falta de água na casa dos mais pobres. Tampouco a destruição de estátuas milenares pelo Estado Islâmico. Essencial mesmo é o grande debate da semana que passou: descobrir se o vestido era branco e dourado – ou preto e azul. Até mesmo sobre tal irrelevância, a selvageria do bate-boca nas redes mostrou que não é possível ter opinião diferente.

Já demos um passo além da banalidade. Nosso tempo é o da boçalidade.

Fonte indicada: El Pais

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: [email protected] Twitter:@brumelianebrum.

“É mais fácil fazer da tolice um regalo, do que da sensatez”, por Clara Dawn

“É mais fácil fazer da tolice um regalo, do que da sensatez”, por Clara Dawn

Por Clara Dawn

A incompletude, escreveu Manoel de Barros, é a maior riqueza do homem. Sendo assim, eu sou a pessoa mais rica que conheço. Concebo-me incompleta como ninguém.

Ah, incompletude! A essência humana, no afã dessas linhas ambíguas, fazendo-me tecer veios na instabilidade semântica de Manoel de Barros, para escrever uma crônica, cujas visões oníricas revelam a realidade de viver: crescer dói.

Eu queria cinco chances. Para viver cinco vidas, ter cinco profissões distintas, morar em cinco países diferentes… Eu queria ser um palhaço, queria ser astronauta e também professora. Queria ser antropóloga e conhecer a cultura de todos os povos, e com eles e por eles, desbravar o mundo à procura de algo que faça com que a vida tenha um sentido real na Terra.

Mas o que eu queria mesmo era Ser Benevolente e viver aonde o vento descansa as pestanas e se veste de coisa alguma depois de banhar em águas plácidas… E descobrir se é verdade que “a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso.” Penso que para isso, Manoel,  eu precisaria mesmo de cinco chances. Ser Benevolente? Impossível, sou abastada em imperfeição…

Não dá para ser apenas um, quero ser muitas. Não vejo sentido em ser apenas vital. Nascer, reproduzir e morrer… Deve existir algo além. Algo que transcende as picuinhas passionais. Quero pagar pra ver. Não quero ser apenas aquela que acorda às cinco da manhã, que almoça ao meio-dia e se deita às vinte e uma horas depois de assistir ao jornal.

Dê-me uma receita, uma universal panacéia. Um substrato ético que cura a incompletude do ser. Algo que Nicolas Flamel não descobriu em sua pedra filosofal. Um elixir da longa vida que não está na alquimia, nem nas medicinas, tradicional ou contemporânea, tampouco, na indelével busca pela felicidade.

Dê-me, oh céus! O elixir da completude, e eu enfim morrerei para tantos. Mas, sobretudo morrerei para dentro. Porque metade de mim busca-me e a outra metade despede-se de mim. Porque parte do que sou é para ser feliz e outra parte, parte… Parte incompleta e é sempre incompleta que retorna…

Porque eu quero ser tantos e nunca ser esse eu que se adapta a tudo e a todos. Esse eu inautêntico e camaleão. Porque eu quero mais que efêmeras alegrias na realização das tarefas cotidianas, mais que pequenos brindes por cumprir deveres…

Ah, Manoel de Barros… estou rindo chorando… Você aí, fazendo versos, com Mario Quintana e Arthur Miranda. E eu aqui com esse fado de não entender quase tudo sobre o nada… Pois o meu mundo sem vocês  é  tão  profundo de vazios e eu moro em meus próprios abismos e ando em promiscuidade com os meus fantasmas incompletos. Porque fui marcado à exposição de minhas fraquezas, ao desalento, ao amor, à poesia.  Porque eu, assim como vocês, dou sentido à vida, com coisas sem sentido algum…

(Homenagem aos meus poetas brasileiros preferidos: Arthur Miranda, Mario Quintana e Manoel de Barros)

Nota da CONTI outra: O texto acima foi reproduzido com a autorização da autora.

contioutra.com - "É mais fácil fazer da tolice um regalo, do que da sensatez", por Clara Dawn

 

contioutra.com - "É mais fácil fazer da tolice um regalo, do que da sensatez", por Clara DawnCLARA DAWN

Nome que vem conquistando espaço e respeito no cenário das letras brasileiras, é uma escritora goiana de perspicácia ímpar na construção de personagens e na descrição das sutilezas da alma.

É autora de sete livros, dentre eles, “Sofia Búlgara e Tabuleiro da Morte” e “Alétheia”, publicado em 2008 pela Editora Kelps.

http://www.claradawn.com/

Quase, por Joana Nascimento

Quase, por Joana Nascimento

Por Joana Nascimento

Se me perguntassem o que seria um dos grandes malefícios do mundo, eu responderia que é a falácia do ‘quase’.

Em junho passado, tivemos no país uma quase revolução. As pessoas foram às ruas e bradaram ou, em outros casos, curtiram como se aquilo fosse mudar os rumos do Brasil, quando, na verdade, quase nada na prática aconteceu.

Milhares de almas sensíveis choram diariamente com os quase romances que viveram, pensando serem eternos, mas que no fim, eram apenas quase um relacionamento.

Outros se sentem decepcionados com os quase amigos que tiveram. Aqueles que estavam de prontidão para as euforias da vida, mas que quase se escondem quando outras necessidades aparecem.

Ou como quando você quase ganha milhões na mega sena, mas, de fato, gastou foi alguns reais em vão.

Os quase honestos, por exemplo, podem passar dessa condição para totalmente corruptos quase na velocidade da luz.

Torcedores lamentam os times quase campeões…

O quase é uma tentativa que não deu certo. É o fiasco. O fracasso.

Como aquele longa metragem de ação que é quase um filme, mas que na verdade não passa de um aglomerado de efeitos especiais com truques de montagem e edição.

Ou como aquela banda, quase sucesso nacional, mas que só é escutada pelos parentes dos integrantes.

Ou aquele ônibus que você pega todas as manhãs que é quase um transporte público, mas no fim é mais quase um traslado de animais.

Ou como a Pepsi que é quase uma Coca.

Ou, ainda, como a felicidade de muitos estampada no Facebook, que é quase uma vida real, mas que na verdade é só uma máscara virtual.

E isso aqui foi quase um bom texto, de uma quase jornalista, quase roteirista de cinema e quase produtora e crítica cultural, que, no fim das contas, é quase nada. Mas eu chego lá. Ou quase lá.

Nota da Conti outra: o texto acima foi publicado com a autorização da autora.

contioutra.com - Quase, por Joana NascimentoJoana Nascimento

Sou jornalista e aspirante a produtora e crítica cultural, e, bem incipiente, roteirista de cinema.
Acredito piamente no conhecimento do maior número de textos teóricos, narrativos e imagens como forma de evolução mental e espiritual.
Embora tenha vontade, sei que uma pessoa não muda o mundo, mas creio que cada cabeça individual é um universo diferente, e este, nós podemos melhorar sempre. O impacto positivo no todo externo será sempre progressivo e crescente.
Gosto de escrever sobre existencialismo e condutas de vida, sempre fazendo analogias com filmes, livros, música e teatro.

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