Mãe, um conto para quem não tem preguiça de pensar

Mãe, um conto para quem não tem preguiça de pensar

Por Lúcia Costa

Ainda na infância, aqueles amigos umbilicais descobriram-se apaixonados. Juraram-se, acreditaram-se, o relógio adiantou ponteiros, anelaram-se, casaram-se.

Os anos passaram apressados: o desejo queimou o primeiro; a sede bebeu o segundo; a fome comeu o terceiro. Quatro anos e as bocas frias ruminavam; os corpos gritavam em silêncio pelo pequeno corpo que não lhes chegava. À  parteira, menos um  luz para mostrar; ao padre, uma falta na pia batismal no domingo; ao Mundo, uma ideia negada; ao casal, uma chupeta e dois pesinhos para medir os limites da casa.

Não queriam adquirir choro que não lhe fosse proveniente dos próprios olhos. Acreditavam que, com isso, teriam de se acostumar à vereda que o pequeno desconhecido traria desenhada. Todos os planos davam para um filho; todos os meses davam para o fracasso.

Uma noite, enquanto viam TV na sala, escutaram um choro primário vindo do jardim. Sufocado entre flores e espinhos, formigas e grama úmida, chegou a casa aquele minúsculo ser de olhos ainda fechados.

E por ali descobriu para que servem os pés, subiu as escadas, dormiu sozinho, espremeu a primeira espinha, dormiu junto a uma estranha sorrateira, desceu para ser calouro, subiu com o diploma, beijou os pais, partiu para longe, encontrou o útero que lhe fermentou, libertou-o da prisão, ofereceu-lhe casa, chama-o carinhosamente de”mãe”.

Longe dali, um par de cabelos brancos, ainda de luto, lamenta o que poderia ter sido, e foi.

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Se Ariano Suassuna disse isso sobre o forró, o que ele diria sobre o funk?

Se Ariano Suassuna disse isso sobre o forró, o que ele diria sobre o funk?

O escritor Ariano Suassuna, em sua contumaz crítica à sociedade brasileira, fala-nos, decepcionado, daquilo em que se transformou o forró nacional.

Ele questiona o teor das letras e se mostra preocupado com a geração que, influenciada por tais pensamentos, terão poder sobre o Brasil em breve tempo.

Após ler a fantástica crônica de Ariano, a CONTI outra se pergunta, se Suassuna se mostrou assim desencantado com as letras do forró nacional, o que ele teria dito se fosse convidado a comentar o funk?

Abaixo, o texto de Ariano Suassuna escrito em 2010.

Tem rapariga aí?

Por Ariano Suassuna

“Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, e todas bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá:

Calcinha no chão (Caviar com Rapadura),
Zé Priquito (Duquinha),
Fiel à putaria (Felipão Forró Moral),
Chefe do puteiro (Aviões do forró),
Mulher roleira (Saia Rodada),
Mulher roleira a resposta (Forró Real),
Chico Rola (Bonde do Forró),
Banho de língua (Solteirões do Forró),
Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca),
Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta ‘desculhambação’ não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo est tico. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

Editorial CONTI outra

“O primeiro visitante da lua”, um conto popular da Guiné Bissau

“O primeiro visitante da lua”, um conto popular da Guiné Bissau

Entendemos como tradição oral o mecanismo por meio do qual a tradição de um povo é transmitida, de geração em geração, através de contos, provérbios, cânticos e lendas.

Nesse ínterim, as lendas visam, principalmente, trazer explicações para os questionamentos maiores da humanidade, como o início da vida, a morte, a criação do mundo, o surgimento do universo.

Aqui transcrevemos uma lenda contada, há muitas gerações, em Guiné Bissau que fala da música em sua origem etérea, lunar, levando-nos a meditar de quando e como surgiram os primeiros batuques na Terra.

Segue:

“Dizem na Guiné que a primeira viagem à Lua foi feita pelo Macaquinho de nariz branco. Segundo dizem, certo dia, os macaquinhos de nariz branco resolveram fazer uma viagem à Lua a fim de traze-la para a Terra.

Após tanto tentar subir, sem nenhum sucesso, um deles, dizem que o menor, teve a ideia de subirem uns por cima dos outros, até que um deles conseguiu chegar à Lua. Porém, a pilha de macacos desmoronou e todos caíram, menos o menor, que ficou pendurado na Lua.

Esta lhe deu a mão e o ajudou a subir. A Lua gostou tanto dele que lhe ofereceu, como regalo, um tamborinho. O macaquinho foi ficando por lá, até que começou a sentir saudades de casa e resolveu pedir à Lua que o deixasse voltar.

A lua o amarrou ao tamborinho para descê-lo pela corda, pedindo a ele que não tocasse antes de chegar à Terra e, assim que chegasse, tocasse bem forte para que ela cortasse o fio.

O Macaquinho foi descendo feliz da vida, mas na metade do caminho, não resistiu e tocou o tamborinho. Ao ouvir o som do tambor a Lua pensou que o Macaquinho houvesse chegado à Terra e cortou a corda.

O Macaquinho caiu e, antes de morrer, ainda pode dizer a uma moça que o encontrou, que aquilo que ele tinha era um tamborinho, que deveria ser entregue aos homens do seu país.

A moça foi logo contar a todos sobre o ocorrido. Vieram pessoas de todo o país e, naquela terra africana, ouviam-se os primeiros sons de tambor.”

Editorial CONTI outra

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 Nota:  A lenda transcrita no texto acima foi encontrada no site  Lendas africanas.

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O TEMPO E AS JABUTICABAS

O TEMPO E AS JABUTICABAS

Tempo que foge 

“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de ‘confrontação’, onde ‘tiramos fatos a limpo’.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena…e para mim basta o essencial.”

Ricardo Gondim

in Tempo que foge.

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Nota da Conti outra: existe uma falsa atribuição desse texto ao escritor Rubem Alves, mas a autoria legítima é de Ricardo Gondim como explica a matéria Tempo que foge.

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“ENTRE MUITOS”, um poema da escritora tida como “O Mozart” da poesia: Wisława SZYMBORSKA

“ENTRE MUITOS”, um poema da escritora tida como “O Mozart” da poesia: Wisława SZYMBORSKA

Sou quem sou.

Inconcebível acaso
como todos os acasos.

Fossem outros
os meus antepassados
e de outro ninho
eu voaria
ou de sob outro tronco
coberta de escamas eu rastejaria.

No guarda-roupa da natureza
há trajes de sobra.
O traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e é usado sem reclamar
até se gastar.

Eu também não tive escolha
mas não me queixo.
Poderia ter sido alguém
muito menos individual.
Alguém do formigueiro, do cardume, zunindo no enxame,
uma fatia de paisagem fustigada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
algo que nada debaixo da lente.

Uma árvore presa à terra
da qual se aproxima o fogo.

Uma palha esmagada
pela marcha de inconcebíveis eventos.

Um sujeito com uma negra sina
que para os outros se ilumina.

E se eu despertasse nas pessoas o medo,
ou só aversão,
ou só pena?

Se eu não tivesse nascido
na tribo adequada
e diante de mim se fechassem os caminhos?

A sorte até agora
me tem sido favorável.

Poderia não me ser dada
a lembrança dos bons momentos.

Poderia me ser tirada
a propensão para comparações.

Poderia ser eu mesma – mas sem o espanto,
e isso significaria
alguém totalmente diferente.

SZYMBORSKA,Wisława. Poemas. Trad. de Regina Prazybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p.p. 100,101,102.

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Wisława Szymborska Poetisa, crítica literária e tradutora polonesa. Viveu em Cracóvia, onde se formou em Filologia Polaca e Sociologia pela Universidade Jaguellonica. A sua extensa obra, traduzida em 36 línguas, foi caracterizada pela Academia de Estocolmo como «uma poesia que, com precisão irónica, permite que o contexto histórico e biológico se manifeste em fragmentos da realidade humana», tendo sido a poetisa definida, como «o Mozart da poesia». Prêmio Nobel de Literatura, 1996.

Nota da CONTI outra:  Essa linda indicação de poema foi feita por uma das minhas mais novas amigas do Facebook em sua linha do tempo:  Carmen Silvia Presotto

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A Tribo africana Dogon e sua “inexplicável” relação com as estrelas

A Tribo africana Dogon e sua “inexplicável” relação com as estrelas

Uma das fontes mais surpreendentes da evidência de nossos antepassados ​​vindos das estrelas é a história da tribo de Dogon, África.

Há entre 400.000 e 800.000 Dogon em uma civilização remota na região do planalto central do Mali. A cultura Dogon é conhecida por uma arte significativa e detalhada dos seus costumes tribais, por sua cosmologia precisa e, sobretudo, por suas  lendas que os ligam aos “antepassados ​​de Sirius!

A Importância do Dogon chegou ao mundo ocidental em 1930, quando antropólogos franceses ouviram as lendas dos sacerdotes Dogon. Sçao histórias que foram passadas ​​oralmente, de geração em geração, e documentadas através de obras de arte.

O povo Dogon fala de uma raça extraterrestre do Sistema de Sirius Star, referida como o Nommos, que os visitou na terra. Os Nommos eram uma raça de criaturas humanóides aquáticos, semelhante ao sereias. Interessante é que a deusa Isis, da Babilônia, era descrita como uma sereia e associada com Sirius.

A cultura Dogon diz que os Nommos desceram à terra vindos dos céus, em um grande barco, trazidos por grandes e ruidosos ventos. Os Dogons explicaram que o sistema Sirius tem uma estrela companheira, mas não pode ser vista da Terra devido ao brilho de Sirius. Os pesquisadores descobriram artefatos de Dogon, datados de mais de 400 anos, que descrevem órbitas destas estrelas.

Anos mais tarde, em 1970, os astrônomos finalmente tiveram telescópios bons o suficiente para aumentar o zoom em Sirius e fotografaram Sirius B. O povo Dogon estava certo! Sirius de fato tem sua companheira.

Eles também identificaram as luas de Júpiter e os anéis de Saturno sem o uso de um telescópio. E fica a pergunta: como eles poderiam saber isso?

Abaixo, um exemplo de lenda Dogon falando da criação e do surgimento das estrelas.

A criação da terra

No princípio, o Deus único criou o Sol e a Lua, que tinha a forma de cântaros, a sua primeira invenção. O Sol é branco e quente, rodeado por oito anéis de cobre vermelho, e a Lua, de forma idêntica tem anéis de cobre branco. As estrelas nasceram de pedras que Deus atirou para o espaço. Para criar a Terra, Deus espremeu um pedaço de barro e, tal como fizera com as estrelas, arremessou-o para o espaço, onde ele se achatou, com o Norte no topo e o restante espalhado em diferentes regiões, à semelhança do corpo humano quando está deitado de cara para cima.

(Mito africano de origem Dogon reveladas por um velho cego, Ogotemmêli, escolhido pela tribo para contar aos seus amigos europeus os segredos da mitologia dos Dogons, relatado por Parrinder em África)

O texto acima foi traduzido e adaptado do original Catalyzing Change pela equipe CONTI outra

A lenda “A Criação da Terra” foi encontrada em Lendas Africanas

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Sabedoria indígena: o que os povos da Amazônia sabem, e nós não sabemos

Sabedoria indígena: o que os povos da Amazônia sabem, e nós não sabemos

“Você não frequentou a faculdade de medicina, não é?”

O xamã disse: “Não, não frequentei.”

Ele disse: “E o que você sabe sobre curar doenças”?

O xamã olhou para ele e disse: “Sabe, se você tem uma infecção, vai ao médico. Mas muitas aflições humanas são doenças do coração, da mente e do espírito. A medicina ocidental não chega à elas, eu as curo.”

(Aplausos)

Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading

 

A patologização do comportamento humano

A patologização do comportamento humano

Por Gustl Rosenkraz

A menopausa, por exemplo, é uma fase normal na vida de qualquer mulher desde que a humanidade existe. Em meados do século passado, a medicina começou a enquadrar os sintomas típicos desta interrupção fisiológica dos ciclos menstruais como transtornos de saúde, classificando o climatério como doença e tratando-o com hormônios, mesmo que essa terapia tenha feito mais mal que bem, aumentando e não reduzindo a incidência de câncer na mama, como é suposto pelos defensores dessa terapia. Ora, mas para que tratar algo que faz parte da vida humana, que é algo que foi estipulado assim pela natureza e que, com certeza, tem seu sentido? Em minha opinião, isso se deve principalmente a uma mentalidade de querer domar a natureza em todos os sentidos, à arrogância de médicos que acreditam saber mais que a criação, à devoção de pacientes que ainda acreditam cegamente em uma medicina que está mais preocupada com sua vaidade e com o lucro do que com seu bem-estar e à ganância da indústria farmacêutica, que faz questão de patologizar o ser humano para vender mais medicamentos.

Bom, o exemplo acima refere-se em primeira linha à saúde física (mesmo que interferências hormonais também tenham seus efeitos psíquicos), mas não é muito diferente com nossos comportamentos, que também são questionados, fazendo com que coisas que até pouco tempo atrás valiam como normais sejam hoje classificadas como distúrbios. Ou você ainda não notou que palavras como bipolaridade, hiperatividade e depressão andam em moda? Não acha estranho que o mundo inteiro esteja ficando “louco”, que todo mundo parece sofrer de algum mal comportamental? O que antigamente era inerente ao comportamento humano e à personalidade de cada um é hoje transformado em distúrbio psicológico. Temperamento é classificado como agressividade, letargia como depressão, inquietude como hiperatividade, insegurança e dúvida como bipolaridade, sem falar do número crescente de crianças que andam por aí recebendo o diagnóstico definitivo de síndrome de Asperger ou coisa parecida.

É fato que o mundo moderno tem nos sobrecarregado bastante. O fluxo de informações é enorme, as relações têm se tornado mais escassas e superficiais, a velocidade com a qual o mundo muda deixa-nos tontos, as incertezas aumentaram… É compreensível que muitas pessoas tenham dificuldades de se orientar e se sentir bem em um mundo assim e, sem dúvida, um ou outro pode mesmo necessitar de auxílio profissional para se recompor e ter mais clareza, mas ainda assim: isso não é motivo para transformar comportamento humano normal em doença.

Parece-me que há um desejo forte de padronização do comportamento humano. Uma criança que entra na escola e não se comporta da forma esperada pelas pessoas à sua volta é rapidamente taxada de “criança problemática”, sem que se busque a fundo pela causa. Os pais, que querem o melhor para seus filhos, acreditam, buscam ajuda profissional, se veem confrontados com algum diagnóstico “moderno”, remédios são receitados e a criança termina patologizada devido a algo que possivelmente faz simplesmente parte de algo individual, que todos nós temos, e que foge de qualquer forma de padronização: sua personalidade.

O consumo de antidepressivos no mundo anda tão alto que cientistas descobriram que camarões estão se “suicidando” por causa da concentração das substâncias ativas desses medicamentos nos mares (vide: Science – ORF – em alemão). Ou seja: muita gente anda consumindo antidepressivos, que são então eliminados com a urina, que por sua vez vai parar na canalização. Como os sistemas de tratamento de esgotos não filtram tais substâncias completamente, elas vão para o mar, sendo então ingeridas pelos camarões. Sob efeito desses remédios, os camarões, que normalmente vivem a certa profundidade, onde a escuridão os protege contra predadores, perdem esse medo natural, nadam para a superfície, sendo então devorados por peixes e pássaros. Parece piada, mas não é. E isso que parece engraçado mostra um fato triste e preocupante: o mundo anda tomando muitos medicamentos antidepressivos. Acredito que sem motivo, pois não dá para crer que tanta gente esteja realmente sofrendo de depressão. Sou mais de acreditar que tudo isso se deve a uma falsa crença em “pílulas milagrosas”, que servem como mecanismo de fuga para pessoas que não querem enfrentar as dificuldades do dia-a-dia e para encher os bolsos de médicos e da indústria. Eu mesmo passei por uma situação interessante, que mostra bem como se lida com psicofármacos hoje em dia: fui mordido por um carrapato e infetado com borrélias, que atacaram meus músculos, causando dores horríveis. Como os médicos não descobriam o motivo, fiquei muito tempo sem saber o que se passava comigo, algo na verdade resultado de pura negligência e arrogância médica, já que eu mesmo havia questionado várias vezes se meus problemas não teriam ligação com a mordida do carrapato, mas os médicos negavam, ignorando as evidências. Pois bem, depois de sofrer muito e andar de consultório para consultório, fui hospitalizado para um exame mais profundo. Antes mesmo de qualquer exame ser feito, o médico me passou um antidepressivo, supondo que me ajudaria contra minhas dores. Não entendi a lógica e recusei esse tratamento. Mais tarde, um dia antes de ter alta, fiquei sabendo que TODOS os demais pacientes da enfermaria (cada um com problemas diferentes!!!) estavam tomando essa medicação. Para mim ficou claro que a intenção do médico não foi a de combater minhas dores coisa nenhuma. Desconfio que o hospital estava fazendo algum estudo ou simplesmente sendo bem remunerado pelo fabricante do remédio.

Há casos onde realmente há um distúrbio que precisa ser tratado, mas esses casos também já existiam antigamente. O que não dá para aceitar é um aumento assustador de patologias “inventadas” e exageradas, a medicação de psicofármacos como se fossem bombons e a transformação de qualquer nuança de individualidade em patologia. Seres humanos são seres singulares, cada um é diferente, cada um tem desejos e necessidades próprias, sua personalidade e sua forma de lidar com a vida e com o mundo, e isso é algo muito precioso. Jamais deveríamos abrir mão de nossa individualidade e muito menos permitir que sejamos transformados em “anormais” em nome de uma “normalidade” criada, que rejeita o que é diferente e tenta padronizar nosso comportamento. O mundo sem as “loucuras” individuais de cada um de nós nada mais seria que um lugar sem nenhuma graça, ou estou errado?

Meu adorável galanteador, por Elika Takimoto

Meu adorável galanteador, por Elika Takimoto

Por Elika Takimoto

Há algum tempo ando com problema de postura, sentindo umas dores na coluna e evitando o salto alto. Para mim, que tenho metro e meio de altura isso corresponde a dizer adeus à elegância, ao charme, ao frescor da manhã que só um calcanhar bem levantado faz a gente sentir em pleno final de tarde… A auto-estima fica do meu tamanho quando calço uma rasteirinha. Bah! Ainda que não possa reclamar do amor que recebo do meu marido, o que joga mesmo uma mulher pra cima é um assobio dado com vontade de um homem desconhecido. Se forem vários, tanto melhor. E eu nunca mais ouvi nem um sibilinho sequer depois que aposentei os saltinhos…

Mas hoje, vejam vocês, fui abastecer o carro e me deu vontade de comprar bananada na lojinha do posto. Eu e minha sandália, ambas mega sem-graça, fomos até ali enquanto o carro recebia os cuidados do frentista.

Quando estava me aproximando da lojinha, ouvi fiu fiiiuuuuu! Ãhn? Jura? Mas não foi um fiu fiu sem graça não, meu povo. Foi aquele com vontade, sabe?, esses que dão pras mulatas boazudas!

Caraca! Será?!? Fiquei ali. Estática. Paradona de tanta esperança. Daí, respirei fundo e dei um outro passo. E fiu fiiiuuuuu de novo!!! Ah que legal… E de rasteirinha, hein?!? Tô podendo…Meu coração saltitava. Queria olhar. Pouco me importava se o meu admirador era bonito ou feio. Tô nem aí. Mas queria olhar e dar um sorrisinho tipo de gostosa-meiga-pura agradecendo, sabe? Parei de novo. Inspirei o ar. Mexi no cabelo… Virei graciosamente e lentamente para curtir o momento. Olhei em volta.

Nada.

O frentista lá longe lavando o vidro da frente do takimóvel. E na lojinha, o caixa mascando chiclete com fones no ouvido vendo televisão. Onde está o meu adorável galanteador? Mais um passo e fiu fiiiuuuuu de novo. Fui andando devagar meio feliz meio curiosa. Rindo dele estar se escondendo…deve ser um pedreiro consertando o telhado. Fiu fiiiuuuuu!!! Que delícia…

Foi quando percebi que eu estava era me aproximando de um macaco de brinquedo de 20 centímetros que ficava pendurado na entrada da lojinha… Fala sério! Pode isso, Arnaldo????

Quase enfiei a bananada no buraco da boca daquele primata sem coração.

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“American Girl in Italy”, by Ruth Orkinfoto

Retratos da devastação causada pelo Alzheimer

Retratos da devastação causada pelo Alzheimer

A devastação mental que a doença de Alzheimer pode causar está representada na matéria abaixo através de 5 anos de autorretratos do artista inglês William Utermohlen.

Em 1995, aos 61 anos, ele foi diagnosticado com a doença de Alzheimer. Incentivado por sua enfermeira que amava o seu trabalho, Utermohlen nunca abandonou sua paixão pela pintura e, ao longo do tempo, continuou com suas pinturas até o momento em que sua memória  falhou completamente.

Os autorretratos do artista ilustram a infeliz e  inexorável  progressão da doença, que esteve presente nos últimos cinco anos de sua vida artística ativa.

“Mesmo nos momentos em que começou a ficar doente, ele estava sempre desenhando, a cada minuto do dia.” recorda a esposa do artista, Patricia Utermohlen. “Eu digo que ele morreu em 2000, porque ele morreu quando ele não podia pintar qualquer outra coisa. Entretanto sua morte física realmente aconteceu em 2007.”

Do original, Cultura Inquieta.

Traduzido e adaptado por Josie Conti

1967

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1996

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1996

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1997

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1998

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1999

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2000

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Fonte indicada!

contioutra.com - Retratos da devastação causada pelo Alzheimer

O Canto do Uirapuru, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

O Canto do Uirapuru, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

Por Nara Rúbia Ribeiro

O amor, quando decide nascer, escolhe o solo que bem quiser. Foi assim que um jovem guerreiro se apaixonou pela esposa do grande cacique. E por mais que lutasse internamente contra o sentimento, ele floria e já em breve, temia o guerreiro, o amor se faria a todos notar.

O guerreiro decidiu pedir a Tupã uma dádiva. Ele desejou ser transformado em um pássaro.

Tupã, compreendo a alma apaixonada do jovem, fez o que lhe fora pedido. O guerreiro, assim, num repente, ganhou penas, bico, asas: vermelho, todo vermelho-telha (o Uirapuru)!

E o pássaro dedicou-se, todas as noites, a cantar para a sua amada. Mas mesmo quando entregamos o nosso melhor afeto, mesmo enfeitado de pássaro, mesmo enleado nas mais belas melodias, muitas vezes o outro coração é só despreparo.

O canto do guerreiro-pássaro não foi percebido pelos ouvidos da amada. E, por uma ironia maior, quem enamorou-se do seu canto foi o cacique, que decidiu aprisionar a ave para que cantasse só para si.

Ameaçado, o guerreiro-pássaro voa para lugares longínquos da floresta e, perseguido pelo cacique, faz com que este se perca e nunca mais volte à tribo.

E é assim que o Uirapuru, todas as noites, retorna à tribo e canta as mais belas melodias para alegrar a alma solitária da mulher que lhe é a mais cara. E, ao fim de cada noite, retorna, solitário e vencido, para o seio das matas, pois os ouvidos da amada continuam despreparados para o seu canto de amor.

contioutra.com - O Canto do Uirapuru, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

Leia outras lendas em:  Recontando as Lendas Brasileiras

Abaixo,  o “Canto do Uirapuru”

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

contioutra.com - O Canto do Uirapuru, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
Mia Couto oficial

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A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”

A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”

“Sabendo-se onde mora o perigo e onde fica, o mundo se torna mais possível e tranquilo. O pior medo é despertado quando não conhecemos o contorno do que nos apavora, por isso, o terror habita na escuridão (Corso & Corso, 2006).

Com toques de suspense e terror, o curta-metragem “Alma” de Rodrigo Blaas (2009) é no mínimo instigante! Alma, a pequena personagem, trilha sua saga através de uma busca incessante pelo contato com uma boneca idêntica a ela e que ao final, acaba roubando a de si mesma.

A história desperta inúmeras reações em quem assiste: curiosidade, ansiedade, medo, espanto, aflição. Parece que sentimos em nossa própria pele o aprisionamento da personagem. Sua respiração ofegante de dentro da boneca nos aflige. Assim, nos identificamos com ela de maneira bastante instintiva e inconsciente. “Alma” nos impacta de modo profundo e assustador!

A história desperta inúmeras reações em quem assiste: curiosidade, ansiedade, medo, espanto, aflição. Parece que sentimos em nossa própria pele o aprisionamento da personagem. Sua respiração ofegante de dentro da boneca nos aflige. Assim, nos identificamos com ela de maneira bastante instintiva e inconsciente. “Alma” nos impacta de modo profundo e assustador!

O drama começa com “Alma” passeando distraída pelas ruas desertas e geladas até se deparar com uma parede repleta de assinaturas de outras pessoas e crianças. Nosso nome e nossa assinatura são símbolos da nossa identidade. Isso faz com que ela também sinta vontade de deixar sua marca naquele lugar. Neste momento, do outro lado da calçada surge na vitrine de uma loja, uma boneca idêntica a ela, que a seduz de modo surpreendente.

Lembramos aqui da personagem de contos de fadas Chapeuzinho Vermelho. A menina que deveria seguir o caminho orientado pela mãe até a casa da avó se distraí pelo caminho e por não ter consciência dos perigos, se envolve com o lobo, seu possível devorador. Assim, semelhante a esta personagem, a ingenuidade e a impulsividade também são marcas características de “Alma”.

Quantas vezes, mesmo já adultos, somos intensamente atraídos para situações perigosas que não conseguimos evitar ou nos desvencilhar. Seguimos nossos mais profundos impulsos e beiramos à inconsequência. Inicialmente, assim como foi para “Alma”, o cenário pode parecer somente instigante, curioso e não ameaçador. Mas, à medida em que a história evolui nos vemos numa verdadeira enrascada. Pode ser uma compra, uma aventura amorosa ou financeira, enfim, qualquer coisa que desejamos fortemente.

As doenças já foram comparadas ao roubo da alma, e portanto, o curta-metragem nos fala metaforicamente de uma enfermidade, associada ao desejo e a imagem.

No caso de “Alma”, quando a garota se depara com uma boneca idêntica a ela numa vitrine, sente uma curiosidade inicial. Passa a querer “possuir” o objeto a qualquer custo. Mesmo percebendo que a boneca mudava de lugar durante a sua procura, ela ainda insistia em ao menos ter o prazer de tocá-la.

Será que ao vermos uma “boneca idêntica a nós”, ficamos com a sensação de que aquele objeto desfruta de sentimentos parecidos com os nossos? De que, finalmente encontramos alguém ou alguma coisa com quem podemos nos identificar?

Neste caso, não há como não associar a personagem ao mito de Narciso. Em sua história, o belo jovem apaixona-se por sua própria imagem e ao tentar beijá-la cai na água e se afoga. Quando o personagem mitológico encontra sua imagem refletida na água se vê revelado por meio do seu reflexo. Porém, por não conseguir diferenciar e compreender o que vê, confunde sua imagem projetada fora de si como um OUTRO que deseja possuir e seu encantamento faz com que isso lhe custe sua própria vida.

O mesmo ocorre com Alma, que encantada com a boneca idêntica a ela não resiste a querer possuí-la. Ao tocá-la, a personagem é transportada para dentro do objeto e quando percebe o ocorrido, de dentro da sua nova casa, entende que outras almas também foram roubadas. Uma nova boneca é elevada na vitrine, à espera da próxima vítima.

Como ficamos quando atingimos algo que queremos tanto? O que acontece naquele momento do encontro entre o desejo e o alvo desejado. O que no curta-metragem é explicitado quando a mão da “Alma” toca a boneca idêntica a ela?

O toque físico, o encontro entre a matéria e a alma, faz com que a personagem seja tragada para um corpo sem vida. Será que não é isto que acontece, no momento que nossas almas tocam algo material que queremos muito, sem ao menos pensar o porquê queremos?

Hoje em dia, com a facilidade de acesso a tudo, acabamos nos confundindo entre o queremos e o que realmente necessitamos para a nossa sobrevivência. Aquele carro de luxo, a casa dos sonhos, os brinquedos mais variados e tecnológicos que nossos filhos tanto querem ou uma sensação de euforia e de adrenalina extremas que podem ser buscadas no consumo de substâncias psicoativas ou aventuras radicais. Objetos e situações em que depositarmos toda nossa felicidade. Quanto mais desejamos algo de fora de nós, menos estamos conectados com nossa essência.

Para C. J. Jung, “quem olha para fora sonha, quem olha para dentro, desperta.”

No curta, a garota olha para fora, a procura da boneca em quem ela depositou toda sua esperança, ao invés de sentir e procurar o que dentro dela poderia satisfazê-la. Ela poderia somente apreciar o fato de que existia uma boneca igual a ela. Mas, isto não era suficiente. Ela queria tomar posse daquele material parecido com ela. E ao possuir é possuída, perde o controle e a sua liberdade.

Na psicologia Junguiana, a palavra alma é compreendida como a totalidade humana, fonte de todo e qualquer princípio de vida e ação (Chevalier). A personagem perde sua capacidade de ação ao ser levada para dentro da boneca.

Nossa alma fica aprisionada quando ficamos enredados em gaiolas invisíveis de insegurança, medo e falta de amor próprio e projetamos fora de nós a solução para nossos conflitos e necessidades de amor e pertencimento.

Bibliografia:

BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1986, V. 2.

CHEVALIER, J. GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos – Mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

Corso, D. L. & Corso, M. Fadas no divã: Psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.

JUNG, C. G. Obras Completas. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, [1971], 2011

TASHEN. Livro dos símbolos: Reflexões sobre Imagens Arquetípicas. Tashen, 2012.

Autoras:

contioutra.com - A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338

 

contioutra.com - A alma roubada: Reflexões sobre o curta-metragem de animação “Alma”Marina Pilar Reichenberger – Psicóloga e Psicoterapeuta graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Aconselhamento em Saúde Mental com especialidade em Terapia Expressiva pela Lesley University nos EUA. CRP: 06/ 119769

Não podemos ter a certeza de nada

Não podemos ter a certeza de nada

Somos todos iguais na fragilidade com que percebemos que temos um corpo e ilusões. As ambições que demorámos anos a acreditar que alcançávamos, a pouco e pouco, a pouco e pouco, não são nada quando vistas de uma perspectiva apenas ligeiramente diferente. Daqui, de onde estou, tudo me parece muito diferente da maneira como esse tudo é visto daí, de onde estás. Depois, há os olhos que estão ainda mais longe dos teus e dos meus. Para esses olhos, esse tudo é nada. Ou esse tudo é ainda mais tudo. Ou esse tudo é mil coisas vezes mil coisas que nos são impossíveis de compreender, apreender, porque só temos uma única vida.

— Porquê, pai?

— Não sei. Mas creio que é assim. Só temos uma única vida. E foi-nos dado um corpo sem respostas. E, para nos defendermos dessa indefinição, transformámos as certezas que construímos na nossa própria biologia. Fomos e somos capazes de acreditar que a nossa existência dependia delas e que não seríamos capazes de continuar sem elas. Aquilo em que queremos acreditar corre no nosso sangue, é o nosso sangue. Mas, em consciência absoluta, não podemos ter a certeza de nada. Nem de nada de nada, nem de nada de nada de nada. Assim, repetido até nos sentirmos ridículos. E sentimo-nos ridículos muitas vezes e, em cada uma delas, a única razão desse ridículo é não conseguirmos expulsar da nossa biologia, do nosso sangue, dos nossos órgãos, essas certezas injustificadas, ou justificadas por palavras sempre incompletas. Mas é bom que seja assim. Porque podemos continuar e, enquanto continuamos, continuamos. Estamos vivos. Ou acreditamos que estamos vivos, o que é, talvez, a mesma coisa.

— Porquê, pai?

— Porque o amor, filho.

José Luís Peixoto, escritor português,  in ‘Abraço’

http://www.joseluispeixoto.net/. Texto via: Citador

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A lenda da Vitória-Régia, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

A lenda da Vitória-Régia, da Série: Recontando as Lendas Brasileiras

Recontando as Lendas Brasileiras

Por Nara Rúbia Ribeiro

Narra a lenda que uma virgem índia, apaixonada e não correspondida, olhou as estrelas mergulhadas no céu e desejou, em seu íntimo, também ser estrela. Não sabendo outro modo de ver realizado o seu desejo, ao observar o céu refletido nas água do rio, nelas decidiu mergulhar até avistar as fronteiras do infinito.

E avistou. Iaci, a lua, tudo presenciara em silêncio, e não quis interferir. Mas, de súbito, apiedou-se da jovem que findara por conhecer o amor, e que nunca fora amada. Também mulher, a lua sentiu as dores da índia e julgou por bem imortaliza-la, não na terra, não nos céus, mas sobre o leito das águas.

Assim surgiu a estrela dos rios, cujas folhas espalmadas refletem as luzes dos céus e cujas pétalas exalam o perfume dos amores mais impossíveis e das dores imponderáveis. Sua beleza estelar reflete a alma de toda a mulher que se afoga nas águas do seu próprio ser e cuja força é capaz de fazer florir, nessas mesma águas, uma Vitória que seja Régia.

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Leia outras lendas em:  Recontando as Lendas Brasileiras

Nara Rúbia Ribeiro: colunista CONTI outra

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Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
No Facebook: Escritos de Nara Rúbia Ribeiro
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