Saiba porque a flor de lótus é um dos símbolos mais antigos e profundos do nosso planeta

Saiba porque a flor de lótus é um dos símbolos mais antigos e profundos do nosso planeta

A flor de Lótus é uma espécie de flor aquática, com muitos significados para os países do Oriente, especialmente o Japão, o Egito e a Índia. Ela é considerada sagrada e um dos símbolos mais antigos e mais profundos do nosso planeta. Nos ensinamentos do budismo e hinduísmo, a flor de lótus simboliza o nascimento divino, o crescimento espiritual e a pureza do coração e da mente.

O significado da flor de lótus começa em suas raízes – literalmente! A flor de lótus é um tipo de lírio d’água, cujas raízes estão fundamentadas em meio à lama e ao lodo de lagoas e lagos. O lótus vai subindo à superfície para florescer com notável beleza. O simbolismo está especialmente nesta capacidade de enfrentar a escuridão e florescer tão limpa, tão bonita e tão especial para tantas pessoas.

À noite as pétalas da flor se fecham e a flor mergulha debaixo d’água. Antes de amanhecer, ela levanta-se das profundezas novamente, até ressurgir novamente à superfície, onde abre suas pétalas novamente. Por causa desse ritualismo, os egípcios antigos associavam a flor de lótus com o deus do sol Ra, porque a flor se fecha durante a noite e se abre todas as manhãs com o ressurgimento do sol.

É também a única planta que regula o seu calor interno, mantendo-o por volta dos 35º, isto é, a mesma temperatura do corpo humano. Outra característica peculiar são suas sementes, que podem ficar mais de 5 mil anos sem água, somente esperando a condição ideal de umidade pra germinar.

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Lenda da flor de Lótus no budismo

Na lenda do Budismo relata-se que quando o Siddhartha, que mais tarde se tornaria Buda, deu os seus primeiros sete passos na terra, sete flores de lótus brotaram. Assim, cada passo dele representa um degrau no crescimento espiritual.
Os Budas em meditação são representados sentados sobre flores de lótus, e a expansão da visão espiritual na meditação (dhyana) está simbolizada pela abertura das pétalas das flores de lótus, que podem estar totalmente fechadas, semiabertas ou completamente abertas, dependendo do estágio da expansão espiritual.

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Lendas egípcias da flor de lótus

A flor de Lótus é uma planta sagrada no Egito Antigo, onde é retratada no interior das pirâmides e nos antigos palácios do Egito. Segundo uma lenda, a flor está relacionada à criação do mundo e o umbigo do Deus Vishnu, onde teria nascido uma brilhante flor de lótus e desta teria surgido outra divindade, o Brahma, o criador do cosmo e dos homens. Outra lenda egípcia diz que o deus do sol Horus, nasceu também de uma flor de Lótus.

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Lenda da flor de lótus no hinduísmo

Na Índia, uma pequena lenda conta a historia de sua criação: Um dia, reuniram-se para uma conversa, à beira de um lago tranquilo cercado por belas árvores e coloridas flores, quatro lendários irmãos. Eram eles o Fogo, a Terra, a Água e o Ar.
Como eram raras as oportunidades de estarem todos juntos, comentavam como haviam se tornado presos a seus ofícios, com pouco tempo livre para encontros familiares. Mas a Água lembrou aos irmãos que estavam cumprindo a lei divina, e este era um trabalho que deveria lhes trazer o maior dos prazeres.
Assim, aproveitaram o momento para confraternizar e contar, uns aos outros, o que haviam construído – e destruído – durante o tempo em que não se viam. Estavam todos muito contentes por servirem à criação e poderem dar sua contribuição à vida, trabalhando em belas e úteis formas.
Então se lembraram de como o homem estava sendo ingrato. Construído ele próprio pelo esforço destes irmãos, não dava o devido valor à vida. Os irmãos chegaram a pensar em castigar o homem severamente, deixando de ajudá-lo. Mas, por fim, preferiram pensar em coisas boas e alegres.
Antes de se despedir, decidiram deixar uma recordação ao planeta deste encontro. Queriam criar algo que trouxesse em sua essência a contribuição de cada um dos elementos, combinados com harmonia e beleza. Sentados à beira do lago, vendo suas próprias imagens refletidas, cada um deu sua sugestão e muitas ideias foram trocadas. Até que um deles sugeriu que usassem o próprio lago como origem.

Que tal um ser vivo que surgisse da água e se crescesse em direção ao céu? Uma vegetal, talvez? Decidiram-se, então, por uma planta que tivesse suas raízes rente à terra, crescesse pela água e chegasse à plenitude do ar. Ofereceram, cada um, o seu próprio dom. A Terra disse: “darei o melhor de mim para alimentar suas raízes”.
A Água foi a próxima: “Fornecerei a linfa que corre em meus seios, para trazer-lhe força para o crescimento de sua haste”. “E eu lhe cercarei com minhas melhores brisas, dando-lhe minha energia e atraindo sua flor”, disse o Ar. Então o Fogo, para finalizar o projeto, escolheu o que de melhor tinha a oferecer: “ofereço o meu calor, através do sol, trazendo-lhe a beleza das cores e o impulso do desabrochar”.
Juntos, puseram-se a trabalhar, detalhe a detalhe, na sua criação conjunta. Quando finalizaram sua obra, puderam se despedir em alegria, deixando sobre o lago a beleza da flor que se abria para o sol nascente. Assim, em vez de punir o ser humano, os quatro irmãos deixaram-lhe uma lembrança da pureza da criação e da perfeição que o homem pode um dia alcançar.

O texto acima foi elaborado a partir de excertos de matérias do site Japão em Foco

Um elogio aos idiotas

Um elogio aos idiotas

Por Carlos Cardoso Aveline

Na vida acelerada do mundo de hoje, todos desejam ser espertos, vivos e astuciosos.

Ninguém quer ficar para trás – quando você está indo, os outros já estão voltando. Ninguém mais diz frases com segundas intenções: dizem coisas com terceiras, quartas e quintas intenções. Frases que, com sorte, um leigo no assunto precisa de várias horas para decifrar e talvez dois ou três dias para imaginar uma resposta à altura.

Em compensação, alguém que diz diretamente aquilo que pensa acaba provocando escândalo e mal-estar. É imediatamente catalogado como perigoso e tratado como idiota. A sinceridade parece contrariar as normas da convivência e da boa educação modernas. Assim, as pessoas bem educadas são amáveis, mas nem sempre se deve acreditar no que dizem.

A idiotice é um tema vasto, com muitos aspectos diferentes, e está inscrita com destaque na cultura brasileira.  Um exemplo  disso são as tradicionais piadas de português.  Elas são uma projeção da brasilidade. No fundo, os portugueses idiotas das piadas somos nós. Os episódios que envolvem Manuel, Joaquim e Maria são todos parte da alma do nosso país –  tanto é assim que só são conhecidos no Brasil. Em Portugal, ao contrário, circulam piadas de brasileiros.

É certo que, quando examinamos a questão da inteligência e da idiotice, surgem algumas perguntas indiscretas. O que é inteligência? O que é burrice?  Quantos tipos há de idiotas?

contioutra.com - Um elogio aos idiotasPodemos dizer que inteligência é a capacidade de perceber o real.  Como há realidades muito diferentes no mundo, não existe um tipo único de inteligência. Cada situação da vida requer um tipo específico de percepção, e por isso as inteligências são múltiplas.   A idiotice e a burrice podem ser definidas como a incapacidade de perceber o real, e são tão variadas quanto as inteligências. Há, portanto, muitos tipos de idiotas. Alguns deles, inclusive, são espertalhões. Sim, há muitos idiotas que passam por inteligentes, e também grande número de  pessoas inteligentes que passam por idiotas.

Além disso, quem é inteligente em uma área da vida pode ser burro em outras. Você é esperto em política e burro na hora de jogar futebol. Sua namorada pode ser menos intelectual que você, na hora de discutir filosofia, mas há aspectos da vida em que ela coloca você no chinelo. Há coisas que seus filhos  fazem bem melhor que você, como, talvez, compreender as sutilezas de um videogame ou computador. Felizmente, ter sabedoria não é saber tudo. Ter sabedoria é saber o mais importante – e administrar bem os seus talentos.

Dos inúmeros tipos de idiotas, um dos mais interessantes foi examinado por François Rabelais, o escritor francês do século 16. Ele abordou a imbecilidade doutoral específica dos “eruditos” que usam palavras complicadas para não dizer coisa alguma. Um deles – conta Rabelais –  fez certo dia uma longa pesquisa para saber “se uma entidade imaginária, zumbindo no vácuo, é capaz de devorar segundas intenções.”  Outro queria saber  “se uma idéia platônica, dirigindo-se para a direita sob o orifício do Caos, poderia afastar os átomos de Demócrito”. Um terceiro investigava “se a frigidez hibernal dos antípodas, passando numa linha ortogonal através da homogênea solidez do centro, podia, por uma delicada antiperístase, aquecer a convexidade dos nossos calcanhares”. Rabelais qualifica tais idiotas eruditos  como professores cegos de discípulos cegos, “que tateiam em um quarto escuro à procura de um gato preto que não está lá”.   Tais indivíduos eram precursores de Rolando Lero, o grande erudito que iluminou a televisão brasileira nos anos 1990.  Não é de todo impossível  encontrar esse tipo de pesquisador fazendo teses de pós-doutorado em certas universidades.

Conheço seres humanos que têm tanto medo de parecer burros que aplaudem  – ou pelo menos fingem que compreendem –  esse tipo de raciocínio longo, difícil, sem significado algum. Mas tal constrangimento é desnecessário: deixando de lado o medo de parecer idiotas, perderemos menos tempo fingindo e  seremos mais felizes.

O exemplo de Albert Einstein, um dos maiores gênios da ciência moderna, é ilustrativo. No início da vida, ele recusou-se a falar até os três anos de idade. Seus pais – pessoas sensatas – pensavam que fosse retardado mental. Mais tarde, quando Einstein ingressou na escola, ele foi novamente considerado imbecil. Seu biógrafo é obrigado a admitir:

“Para os colegas de classe, Albert era uma anomalia que não demonstrava interesse nenhum pelos esportes. Para os professores, era um idiota que não conseguia decorar nada e se comportava de modo estranho. Em vez de responder imediatamente a uma pergunta, como os outros alunos, sempre hesitava. E quando respondia, movia os lábios em silêncio, repetindo as palavras.”

Décadas mais tarde, Einstein deu o troco. Ele qualificou o nosso moderno sistema educacional como uma  estrutura que reprime a inteligência e busca fabricar idiotas obedientes:

“A humilhação e a opressão mental imposta por professores ignorantes e pretensiosos causam danos terríveis na mente jovem; danos que não podem ser reparados e que geralmente exercem influências maléficas na vida futura.”

E ainda:

“A maioria dos professores perde tempo fazendo perguntas para descobrir o que o aluno não sabe, quando a verdadeira arte consiste em descobrir o que o aluno sabe ou é capaz de saber.”

O sábio, o santo e o idiota têm muito em comum, não só entre si, mas também com as árvores e os animais. Todos eles vivem em um estado de comunhão com todas as coisas que é independente do pensamento lógico. Isso contraria a inteligência situada no hemisfério cerebral esquerdo, que rotula e classifica todas as coisas. Essa inteligência gosta de colocar-se como se tivesse o monopólio da consciência. Esse, aliás, é um dos grandes obstáculos para a prática da meditação: a mente pensante não aceita passar o poder à mente que contempla e que compreende a verdade sem necessidade de pensamentos.

A primeira frase dos famosos “Ioga Sutras de Patañjali”, o tratado milenar sobre Raja Ioga, afirma: “Ioga é a cessação das modificações da mente”.  Para alcançar a hiper-consciência, o estado mental do êxtase divino, é necessário paralisar momentaneamente a mente inferior. O sábio é um ser que renunciou à inteligência convencional e optou por uma percepção que a mente comum não consegue captar. Por isso, mesmo no século 21, se aquele que ingressa no caminho espiritual não tiver certos cuidados, pode ser considerado louco ou idiota pelos parentes e amigos. Mas, do ponto de vista do sábio, a situação se inverte e idiota é aquele que fica preso à lógica do mundo externo.

O ser humano geralmente vive imerso em ilusões que ele mesmo criou. Para obter a sabedoria, ele deve aprender algumas coisas e desaprender outras. Helena Blavatsky escreveu:

“A primeira condição necessária para obter autoconhecimento é tornar-se profundamente consciente da ignorância; sentir com cada fibra do coração que somos incessantemente iludidos. O segundo requisito é uma convicção ainda mais profunda de que tal conhecimento – um conhecimento intuitivo e seguro – pode ser obtido por esforço próprio. A terceira condição, a mais importante, é uma determinação indômita de obter e enfrentar aquele conhecimento.”

Quase todo o potencial da mente humana ainda está por ser desenvolvido.  A ciência reconhece que usamos uma parcela muito pequena do cérebro.  O problema não é, pois, que sejamos um tanto limitados mentalmente. O lamentável é que, sendo limitados, nos consideramos extremamente espertos. O filósofo Sócrates, escolhido como o homem mais  sábio da Grécia, explicou:

“Eu e os homens notáveis de Atenas nada sabemos, e a única diferença entre eu e eles é que eu, nada sabendo, sei que nada sei, enquanto que eles, nada sabendo, pensam que sabem muito”.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, o pensador espanhol Balthazar Gracián constatou:

“O maior tolo é aquele que acha que não é, e que só os outros são. Para ser sábio não basta  parecer sábio, nem, muito menos, parecer sábio a si próprio. (….) Embora o mundo esteja cheio de tolos, ninguém se julga um deles, nem receia ser um.”

Quando superamos a necessidade de parecer inteligentes e deixamos de lado o medo de parecer idiotas,contioutra.com - Um elogio aos idiotas libertamos nosso potencial criativo e a nossa capacidade de conhecer novos aspectos da consciência.  Quando temos coragem de colocar toda nossa mente em algo, parecemos tolos e distraídos do ponto de vista daqueles aspectos do mundo que optamos por ignorar completamente. Um exemplo claro disso é dado pela história do grande cientista que caminha absorto pela rua, perto da sua Universidade, quando encontra um colega e param para conversar um minuto.  Ao se despedirem,  o cientista  pergunta a seu colega:

“Diga-me, amigo, em que direção eu estava caminhando?”

“Você estava indo para lá”, aponta o outro.

“Ah, obrigado”, agradece o sábio distraído.  Isso significa que eu já almocei.”

A relativa idiotice dos sábios tem outro exemplo no caso do famoso escritor inglês G. K. Chesterton.  Ele morava em Londres quando ainda não havia telefones, e vivia em um mundo tão abstrato que, certa vez, ficou aguardando notícias de sua esposa em uma agência de correios após mandar o  seguinte telegrama para ela:

“Querida, estou  no mercado Harborough. Mas onde eu deveria estar, para fazer o quê?”

No romance “O Príncipe Idiota”, o escritor Fiódor Dostoievsky descreve um Cristo moderno que aparece na Rússia com 26 anos de idade – e se comporta como um idiota desde todos os pontos de vista práticos. Ele não tem a couraça de auto-defesa que caracteriza o tipo moderno de  cidadão “esperto”.  Por isso as pessoas riem da cara dele e ele acha graça junto com os que o desprezam. Chamam-no de burro – e ele concorda, amavelmente, porque só sabe falar a verdade –  e percebe que, realmente,  não tem a astúcia dos seus perseguidores.

Leon Muishkin, o Cristo-príncipe de Dostoievsky, é epiléptico.  O escritor descreve os seus ataques como momentos de iluminação mística: “Não podia duvidar nem admitir sequer a possibilidade de dúvida: naqueles momentos havia, com efeito, beleza e oração, e aqueles instantes eram a maior síntese da vida (…). [E ele] via claramente que a conseqüência evidente desses minutos indescritíveis era a imbecilidade, o obscurecimento das suas faculdades, o idiotismo.”

Dostoievsky está certo em mais de um sentido. Epilepsia à parte, há um fato que poucos estudiosos do caminho do autoconhecimento confessam abertamente: quando se desperta a inteligência espiritual, perde-se, irremediavelmente, a inteligência astuciosa que permite coisas como mentir com habilidade, usar a lisonja na medida certa e falar a verdade só quando ela traz vantagens.

Desse despertar vem a sensação de nada saber diante do mundo. A expansão mística da consciência traz consigo uma inocência idiota em relação à realidade externa. É por isso que os sábios renunciam à agitação e a todas as formas de esperteza associadas com ela, e preferem optar por uma vida retirada. Quem deseja alcançar a consciência celestial deve abandonar a inteligência egoísta e assumir, em certos assuntos, a aparência de um abobado.

“A razão expulsou Deus com chicotadas para o meio dos loucos”, escreveu Louis Pauwels.  E o escritor sufi Idries Shah – grande pensador do islamismo místico–  escreveu um livro intitulado “A Sabedoria dos Idiotas”. Na abertura da obra, Idries Shah explicou:

“Aquilo que os homens de pensamento estreito imaginam que seja sabedoria é freqüentemente considerado loucura pelos sábios sufis. Assim os sufis, por sua vez, chamam a si mesmos de ‘idiotas’. Por uma feliz coincidência, a palavra árabe que significa ‘santo’ (wali) tem a mesma equivalência numérica que a palavra que significa ‘idiota’ (balid). Assim, temos dois motivos para ver os grandes sufis como os nossos Idiotas.”

A astúcia impede o autoconhecimento.   A milenar tradição chinesa conta que certa vez Confúcio procurou Lao-tzu – fundador da filosofia taoísta – e fez a ele uma complexa consulta sobre uma questão ritualística que considerava de grande  importância.  Desprezando a pergunta sofisticada, o mestre disse a Confúcio:

“Você precisa abandonar a sua esperteza e deixar de lado a espada da sua ambição. Os grandes sábios freqüentemente parecem tolos e estúpidos. Aqueles que obtiveram o verdadeiro aprendizado não insistem em ostentar o seu conhecimento.”

Um dos maiores místicos cristãos de todos os tempos, São João da Cruz, estudou filosofia clássica grega na juventude. O modo como ele descreve poeticamente o paradoxo do “nada saber para perceber tudo”  coincide com a tradição socrática, mas também pode ser visto como uma ioga:

“Para chegares a saborear tudo,
Não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
Não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
Não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a  saber tudo,
Não queiras saber coisa alguma.”

E João da Cruz descreveu o seu êxtase místico nesses versos:

“Entrei onde não sabia,
e fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

Eu não sabia onde entrava,
porém, quando lá me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi.
Não direi o que senti
pois fiquei sem saber,
toda a ciência transcendendo.

De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda solidão,
diretamente entendida;
era coisa tão secreta,
que fiquei balbuciando,
toda a ciência transcendendo.

Estava tão enlevado,
tão absorto e desatento,
que meu sentido ficou
de todo sentir privado;
e o espírito dotado
de um entendimento sem entender
toda ciência transcendendo.”

Embora seja verdade que nem todo idiota alcança a iluminação, é certo que todo iluminado tem algo de idiota e parecerá um tolo desde mais de um ponto de vista.

O aprendiz da arte de viver deve romper os limites das chantagens do que é “politicamente correto” e deixar de lado os mecanismos da ignorância coletiva que buscam impor falsos consensos em função dos interesses desse ou daquele esquema de poder.

Mas, para fugir da idiotice coletiva organizada –  com sua psicologia de rebanho que proíbe o indivíduo de pensar por si mesmo –   é indispensável vencer o medo de que nos seja colocado o rótulo de ovelha negra, ou de idiota.  Só assim poderemos viver com responsabilidade própria e independência pessoal. Há uma história de Ramakrishna, o sábio indiano do século 19, que ilustra bem esse ponto:

“Era uma noite completamente escura, séculos atrás. De repente, um sujeito acende uma tocha para iluminar seu caminho e vai até a casa do vizinho. Ele quer pedir fogo, porque a noite está demasiado escura. Depois de muito gritar e bater na porta, o vizinho finalmente abre a porta, ouve seu pedido e responde: ‘Ah, ah, você é muito imbecil! Raciocine! Você já tem uma tocha acesa na sua mão!’ “

Todos nós corremos o risco de fazer como o pobre coitado que bateu na porta do vizinho. A verdade eterna e a fonte da felicidade estão em nossas próprias mãos. Só dependem de nós. Mas insistimos em procurá-las nas coisas externas e pedi-las de outras pessoas, renunciando à autonomia da nossa caminhada.

Os sábios, como os idiotas, são íntegros.  Eles não fingem que são inteligentes e não têm medo de errar. Tentam, erram e conhecem o sabor da derrota.  Mas, quando acertam, são geniais. O idiota de hoje pode ser o sábio de amanhã, graças à experiência adquirida. Em compensação, aquele que não possui ânimo para tentar não tem chance alguma de aprender.

Por isso devemos criar uma cultura em que é permitido a cada um cair e levantar livremente. Porque somos todos apenas aprendizes. Erramos e aprendemos o tempo todo, e devemos estimular em cada ser humano a coragem de buscar – mesmo tropeçando – os seus sonhos mais elevados. Banindo da nossa cultura o medo ao ridículo, cada um se permitirá um pouco mais de deselegância e autenticidade em sua maneira de viver.

Notas do texto: NOTAS

Nota da Conti outra: A indicação deste texto foi uma gentileza ByNina

Permita-se redescobrir a magia do bambolê!

Permita-se redescobrir a magia do bambolê!

No antigo Egito as crianças brincavam com aros em volta dos seus corpos.

Na Grécia antiga um arco similar era usado como forma de exercício.

Povos tribais da América do Norte utilizavam o arco esférico em rituais de cura, e o mesmo era considerado um objeto sagrado por ser um símbolo do infinito ciclo da vida, pois sua forma não tem começo nem fim.

Foi nessa cultura que as danças com bambolê tiveram seu início como atividades físicas, lúdicas e culturais.

Nos anos 50 os bambolês se tornaram febre entre as crianças, e nos anos 60 os bambolês já faziam parte de inúmeros atos circenses ao redor do mundo.

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Na década de 90, os irmãos Cohen levaram uma história ficcional da invenção do bambolê às telas do cinema com o filme “A Roda da Fortuna”. E ao final desta década o uso do bambolê entre adultos e grupo de amigos tornou-se popular.

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A Roda da Fortuna, filme dos irmãos Cohen

Nos Estados Unidos, no começo dos anos 2000, praticantes de bambolê (chamados “hoopers”) já se encontravam em praias, parques, raves, praças e festivais para compartilhar técnicas e truques. O Festival Burning Man se torna o ponto de encontro anual de “hoopers” de todas as partes do mundo, promovendo esta prática muito além do exercício e entretenimento: Hoop Dance é arte e expressão.

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Festival Burning Man

Em meados de 2009 é lançado o livro “Hooping, a revolutionary fitness program”. A partir daí, o bambolê invade academias e estúdios dos Estados Unidos também como uma maneira divertida de se exercitar. Hoop Dance é uma dança única, fluida, livre, de belos movimentos e curiosos truques que chamam a atenção de quem assiste e participa. Além da sua beleza, e dos benefícios físicos e artísticos, esta técnica facilita a experiência da meditação em movimento.

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Deby Dai praticando Hoop Dance

A concentração da mente em cada movimento, alinhamento corporal, som e respiração, criam, independente da idade de quem pratica os movimentos, uma unidade entre corpo, mente, emoção e momento presente.

Há também as qualidades da forma do movimento espiral circular contínuo ao redor do corpo, o qual propicia a geração de um vórtice energético, pois cientificamente sabe-se que toda a criação da natureza é manifestada através de um movimento geométrico de energia em forma de espiral.

No Hoop Dance, que é a prática do bambolê hoje possível e difundida para os adultos, existe uma fusão do tradicional bambolê com dança, truques e improvisação. 

Próprios para adultos, os aros são produzido à mão, grandes, com peso adequado e costumizados com fitas decorativas e aderentes ao corpo.

Isso faz com que aquele movimento que parecia impossível utilizando um bambolezinho infantil, funcione para todo tipo de corpo e todas as idades.

Saiba mais:  Deby day  

Um cão, apenas – por Cecília Meireles

Um cão, apenas – por Cecília Meireles

Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim — plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito —, eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. E um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas. Com um grande esforço, acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem…

Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves: acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir. Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento… Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica.

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Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens.

Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.

Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era o seu.

Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.

Cecília Meireles

Os meus sonhos são mais belos que a conversa alheia, Fernando Pessoa

Os meus sonhos são mais belos que a conversa alheia, Fernando Pessoa

Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma – nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projetos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.

Devo-me a humanidade futura. Quanto me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim-próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.

Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.

Fernando Pessoa, ‘Inéditos’

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Andrew Ferez

Morre Eduardo Galeano: eterniza-se o direito ao delírio

Morre Eduardo Galeano: eterniza-se o direito ao delírio

Por Nara Rúbia Ribeiro

Conforme noticiado por jornais uruguaios, faleceu hoje o escritor e jornalista Eduardo Galeano, aos 74 anos de idade, em Montevidéu.  Na sexta-feira passada o escritor fora internado em hospital daquela Capital,  em virtude de um câncer no pulmão.

Galeano bem conhecia a vida sofrida de seu povo. Foi operário de fábrica, desenhista, pintor, datilógrafo e também trabalhou como caixa em comércios. Após exercitar todas essas visões de mundo sob a ótica dos menos favorecidos, tornou-se, como jornalista e escritor, um grande líder da esquerda latino-americana. Em 1971,  publica o livro “As Veias Abertas da América Latina“, havido como  um clássico da literatura política da  americana e escrito quando o Galeano contava apenas com 31 anos de idade.

Internacionalmente conhecido, suas obras foram traduzidas para dezenas de idiomas.

Em 2009, durante a Quinta Cúpula das Américas, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, deu a Barack Obama uma cópia desta obra de Galeano que fora proibida e censurada pelas ditaduras do Uruguai, Argentina e Chile. Na ocasião, o livro passou a figurar entre os títulos mais vendidos em todo o mundo.

Em 2012, Galeano é grandemente aclamado nas redes sociais em virtude de uma entrevista na qual ele lê um de seus textos: O Direito ao Delírio e é com este texto que despedimo-nos do escritor.

Que as nossas almas sigam irmanadas na utopia de um mundo cuja maior loucura seja a dignidade de todos os homens. Cuja alegria de uns não esteja alicerçada na desgraça de inúmeros outros. Cuja esperança sobreviva ao caos. Onde o pão nosso de cada dia esteja à mesa recheado de sonho e poesia.

Veja também:  Além do convencional: textos de Eduardo Galeano e obras de Marc Chagall

 

Recado de Daniel Goleman aos líderes: deem atenção à inteligência emocional

Recado de Daniel Goleman aos líderes: deem atenção à inteligência emocional

Resenha do mais recente livro de Daniel Goleman:

“LIDERANÇA: a inteligência emocional na formação do líder de sucesso” da Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2015.

Elaboração: Lourival Antonio Cristofoletti

01. CONSIDERAÇÕES

No segmento da Tecnologia da Informação (T. I.) uma publicação editada há alguns anos corre o risco de estar ultrapassada, servindo mais de referência histórica nas situações em que se quer apresentar a cronologia de um estudo, um serviço, um produto.

Já no campo das relações humanas a passagem do tempo impacta menos: a obra “Comportamento Administrativo”, do economista e psicólogo Herbert Simon, de 1947, ainda tem relevância quando se fala de Comportamento na Tomada de Decisão.

contioutra.com - Recado de Daniel Goleman aos líderes: deem atenção à inteligência emocionalEmbora o presente livro, de Daniel Goleman, Liderança e Inteligência Emocional, tenha sido lançado no Brasil em 2015, traz artigos do final da Década de 1990 e início deste Século, acompanhados de complementos publicados no final de 2013 e início de 2014.

Goleman pode levar o leitor a descobertas sobre si e seu modo de agir e faz uma série de alertas que levam a refletir sobre a importância de se conhecer bem, da humanização e da valorização dos relacionamentos no processo de liderança nas corporações.

A sua proposta justifica-se em função do impacto que as posturas podem ter na motivação dos empregados, na saúde psicológica (menos passíveis a somatizações) e no progresso do desempenho face à melhor qualidade de humor e do ambiente de trabalho.

02. A FORMAÇÃO DE UM LÍDER

Crendo que tudo começa no indivíduo (o líder buscando conhecer-se bem, gerenciando com alegria a sua vida interior e desfrutando das boas consequências dessa postura), Goleman desmembra os componentes da IE em quatro Habilidades:

– de Autoconsciência: capacidade de interpretar as próprias emoções e perceber como afeta o outro;
– de Autogestão: capacidade de controlar as emoções agindo com Ética;
– de Relacionamento: Consciência Social, mostrando como se importa com os outros, aí incluída a Empatia (levar em conta os sentimentos da equipe na tomada de decisão);
– Social: Gestão de Relacionamentos (cordialidade com o propósito de orientar as pessoas na direção que deseja, desenvolvendo afinidades, com uma comunicação clara, desarmando conflitos e desenvolvendo laços pessoais fortes).

Sem Inteligência Emocional não há líder, mesmo que ele tenha a melhor formação do mundo e uma mente incisiva e analítica (esses atributos são vistos como “capacidades de limiar”, ou seja, mais apropriadas para o início de carreira), pois carece desenvolver a capacidade de trabalhar com o outro e a eficácia ao liderar as mudanças.

As capacidades pessoais que promovem o desempenho excepcional da liderança em grandes organizações são agrupadas em três categorias:

– habilidades puramente técnicas (planejamento de negócios, contabilidade);
– habilidades cognitivas (raciocínio analítico);
– competências que demonstram inteligência emocional (capacidade de trabalhar com o outro e eficácia ao liderar mudanças).

Quanto mais alto o cargo de um profissional excelente, mais as capacidades da inteligência emocional aparecem como a razão de sua eficácia.

03. LIDERANÇA QUE TRAZ RESULTADOS

Para testar a esfera de influência imediata de cada líder em relação ao Clima Organizacional a Consultoria Hay/McBer fez uma pesquisa com executivos e, correlacionando esses dois temas, chegou a duas importantes conclusões:

– há seis fatores que influenciam o ambiente de trabalho da organização: flexibilidade (quão livres os funcionários se sentem para inovar); sensação de responsabilidade com a organização; o nível dos padrões que as pessoas adotam; a sensação de precisão sobre o feedback de desempenho e adequação de recompensas; a clareza das pessoas sobre missão e valores; o nível de compromisso com um propósito comum;
– seis Estilos de Liderança: Autoritários(mobilizam pessoas rumo a uma visão); Afiliativos (criam vínculos emocionais e harmonia); Democráticos (obtêm consenso pela participação); Marcadores de ritmo(esperança excelência e autodireção); Coach (desenvolvem pessoas para o futuro); e Coercivos (exigem o cumprimento imediato).

O autor faz interessante paralelo ao pedir que o líder seja visto como um jogador profissional de golfe, portando um conjunto de tacos na bolsa: no decorrer da partida, de maneira instintiva, escolhe e usa o taco adequado para cada situação.

04. LIDERANÇA PRIMORDIAL: O PROPULSOR OCULTO DO ÓTIMO DESEMPENHOcontioutra.com - Recado de Daniel Goleman aos líderes: deem atenção à inteligência emocional

O humor e o comportamento do líder afetam as pessoas à volta e transmitem-se rapidamente pela empresa. Muitos não sabe se tem ressonância na empresa, ignorando como seu humor e ações aparecem para a empresa e que repercussão causam. Quando trata de avaliação convida o líder a dividir o assunto em cinco interessantes etapas:

– imaginar seu eu ideal a partir de seus valores (“Quem eu desejo ser?”);
– reconciliar-se com o eu real, a partir de como é precebido (“Quem eu sou agora?”);
– criar um plano tático para reduzir a distância entre o eu real e o ideal (“Como faço para ir daqui – onde estou – até lá, que é o desenvolvimento que eu espero alcançar?”);
– como praticar essas novidades e incorporá-las ao meu cotidiano (“O que faço para que a mudança perdure?”), elaborando um Plano de Ação;
– criar uma comunidade de apoiadores (“fiscais de mudança”) entre pessoas próximas afetivamente (“Quem pode me ajudar?”).

O distúrbio do Déficit de Empatia acomete os líderes em nível mais alto no Organograma: à medida que sobem na hierarquia, cada vez menos pessoas são francas com eles, estando menos dispostas a dar-lhes um feedback honesto.

05. REDESPERTANDO SUA PAIXÃO PELO TRABALHO

Goleman oferece estratégias para a renovação, a partir de ferramentas de reflexão:

– “Dê um tempo”: um exame de consciência ou pausa na vida corporativa, para descobrir o que deseja e se reconectar com o sonhos;
-“Ache um evento”: fazer um curso de desenvolvimento pessoal, orientando-o enquanto explora seus sonhos e procura abrir suas portas;
– “Reflita sobre o passado”: Teste de Realidade, fazendo a “Linha da vida” (pontos altos e baixos). Ênfase às realizações e contraponto das situações de tristeza, destacando as transições ou épocas de mudanças;
– “Defina seus princípios para a vida”: convida a definir aspectos importantes – família, relacionamentos, trabalho, espiritualidade;
– “Abra o horizonte”: duas páginas sobre o que gostaria de fazer com a vida. Podem aparecer padrões que o ajudem a começar a cristalizar os sonhos e aspirações;
– “Imagine o futuro”: onde estará daqui a 15 anos, vivendo que tipo de vida, perto de quais pessoas e em que ambiente;
– “Crie estruturas reflexivas”: incorporar à vida um tempo e espaço para o autoexame, com breve afastamento temporário das exigências de trabalho a cada ano;
– ‘Procure um Coach”: para enxergar com mais clareza suas Forças e descobrir novas possibilidades de usá-las, bem como o que quer fazer com os Pontos a Desenvolver;
– “Encontre um sentido novo em território familiar”: estar aberto aos questionamentos que tentem manter viva sua própria paixão e o apoie através do mesmo processo.

06. INTELIGÊNCIA SOCIAL E A BIOLOGIA DA LIDERANÇA

Deve estimular o humor positivo em cada empregado. Procurar interpretar as normas sociais dos seguidores e reconhecer as deixas emocionais deles quando se sentem atingidos por ele (frustrações deles pela violação das saus normas sociais).

Existe um Instrumento de Avaliação 360 Graus (Inventário de Competência Emocional e Social), com perguntas sobre 7 qualidades: empatia, sintonia, percepção organizacional, influência, desenvolvimento dos outros, inspiração e trabalho de equipe.

Fazer uso das Empatias Cognitiva (capacidade de entender como a pessoa experimenta o mundo) e Emocional (sentir em si a emoção da outra pessoa), tendo a Preocupação Empática (cuidado com o bem-estar das pessoas à volta), a sensibilidade às necessidades das outras pessoas e a disposição em ajudá-las se preciso.

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Daniel Goleman

07. O FOCO TRIPLO DO LÍDER

Cabe ao líder gerir sua atenção e conduzir a atenção dos liderados ( a mente controla a emoção), dizendo onde concentrar as energias (Yoda: “Teu foco é tua realidade.”).

Esforço Cognitivo é o trabalho mental exigido para a carga diária de informações do líder: para resistir bem, deve focar no que é importante dentre as irrelevâncias. Já o Controle Cognitivo é o alerta para se prestar atenção onde quer e, depois, mantê-la ali, resistindo às tentações de divagar (capacidade mental essencial da autoconsciência).

Entender o conceito de “Trabalho bom”, que combina seus valores, aquilo em que se destaca e o que adora fazer: (ética, excelência e prazer). O uso de um Método Sistêmico (“Levar o sistema para dentro da sala”): reunir as partes do problema (pessoas ou entidades), que têm controle sobre sistemas que interagem, (os stakeholders), para se construir a solução.

O”Líder com foco externo”, com curiosidade abrangente, examina a variedade de informações diárias, checando não apenas os sites-padrão de notícias ligados ao negócio. Quem medita concentra-se mais no que fazem (a meditação fortalece os circuitos do córtex pré-frontal que controlam a atenção, observando sua própria experiência. Medidas que ajudam o líder a permanecer concentrado por mais tempo:

– administre as tentações digitais (há aplicativos que as bloqueiam);
– para controlar as divagações, monitore sua mente e reflita (ative circuitos do cérebro que o fazem voltar ao trabalho);
– pratique uma sessão diária de atenção plena (note quando sua mente divagou, abandone o pensamento divagante, trazendo-a de volta à respiração).

08. INTELIGÊNCIA ALIADA À SABEDORIA

Quando se fala de Competências da Inteligência Emocional pretende-se dar atenção aos Focos:

– Interno: atento à Autoconsciência, fazendo bom uso de suas forças e das limitações;
– Autogestão: evidenciando o autocontrole emocional, a adaptabilidade e a capacidade de se manter concentrado;
– Externo: inclui forças sociais, culturais e ambientais em ação e no Outro (Empatia Perspicaz, sentindo como o outro pensa o mundo e ressoando o sentimento dele).

Cabe ao líder exibir aguçada consciência sistêmica diante do Dilema do Antropoceno (a degradação paulatina e crescente da natureza, levada a termo pela espécie humana, principalmente ataravés da poluição). Deve formular estratégias inteligentes e auto-sustentáveis. Cultivar o ideal de pessoas para que, trabalhando em equipe, estejam em sintonia, observando as seguintes normas para preservar a harmonia entre eles:

– estarem conscientes das forças e fraquezas mútuas;
– dar mobilidade de entrada e saída de pessoas de um papel;
– atuar nas crises antes que explodam;
– celebrar vitóras e se divertir juntos.

Para superar o TDAO – Transtorno de Déficit de Atenção Organizacional o líder pode recorrer aos seguintes recursos:

– participar de evento de de conscientização durante um dia inteiro, fora da empresa;
– monitorar o foco coletivo;
– definir metas claras para os projetos, dizendo o que espera e a importância de cada um;
– resistir à mentalidade de “Nós” contra “Eles”, eliminando os filtros antagônicos;
– fornecer tempo suficiente para a realização dos trabalhos;
– fazer exercícios de desconexão (exercer controle sobre as distrações tecnológicas).

09. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode constatar, há em “Liderança: a inteligência emocional na formação do líder de sucesso”, de Daniel Goleman, um diversificado e amplo leque de possibilidades, artifícios e recursos acessíveis ao lider com inteligência emocional desenvolvida – ou que esteja interessado em transitar por esse humanizado e necessário novo patamar.

A proposta da Liderança com Inteligência Emocional é ambiciosa, desafiadora e necessária, embutindo em seu bojo o prazer que proporcionará ao Líder engajado que, além de ser bem-sucedido na gestão ou cogestão de sua empresa, contribuirá decisivamente para tornar o mundo um pouco melhor para si, para os seus contemporâneos e, quem sabe, para as gerações que o sucederão.

LOURIVAL  ANTONIO CRISTOFOLETTI

contioutra.com - Recado de Daniel Goleman aos líderes: deem atenção à inteligência emocionalEscritor, paulista de Rio Claro e residente em Vitória/ES. É mestre em Administração pela UnB – Universidade de Brasília, Analista Organizacional e Consultor em Recursos Humanos. Atualmente atua como professor na Graduação e MBA na FAESA – Faculdades Integradas Espírito-Santenses; Instrutor na UFES – Universidade Federal do ES e na ESESP– Escola de Governo do ES.

Livro publicado: COMPORTAMENTO: INQUIETAÇÕES & PONDERAÇÕES
Livraria Logos (vendas pelo site)

E-mail de contato: : [email protected]
No Facebook: Lourival Antonio Cristofoletti No Instagram: lourivalcristofoletti

Encontre o livro de Daniel Goleman aqui

Consulta ao Analista

Consulta ao Analista

Por Elika Takimoto

Já fui neta e namorada. Hoje às vezes sou sobrinha e tia, quando posso. Filha sou todo dia, mãe até quando estou dormindo e esposa desde que me casei. Cunhada, raramente e prima, só quando viajo. Irmã eu gostaria de ser por mais tempo e nora por bem menos. Madrinha sou de dois e afilhada, de ninguém. Sogra vai ser um problema e não quero ser viúva. Pensando bem, não quero ser sogra também.

Temente à Deus fui somente na infância, ao Diabo, nunca. Professora sou somente pelas manhãs e a tarde sinto falta. Escritora serei um dia, doutora daqui a quatro anos e flamengo até morrer. Até parece. Dançarina nunca quis ser e caixa de supermercado só quando era criança. Boa aluna quando era bem menor e rebelde fui sem causa. Médica não serei nunca e gorda quando perder o controle. Míope eu sou desde os doze e mocinha também. Por fora, um pouco japonesa; por dentro, completamente negra. Sou cega de vez em quando e quando velha serei surda. Sou esperta. Mentira. Ingênua. Em tempo algum. Mentira. Não sei.

Confundo-me com o que falam a meu respeito.

Todos os cômodos da minha casa tem relógios, inclusive nos banheiros. Ser eu mesma tem me consumido muito tempo. Sempre quis fumar, beber eu não consigo, mas às vezes me inebrio. Não consigo dormir, comer e nem ir ao centro da cidade sem companhia. Minha força não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência.Quando durmo sonho muito. Acordada, muito mais. A dor do parto não me incomodou e queria senti-la novamente. Tenho muitas dores de cabeça e essas sim me importunam. Quero chorar vendo uma ópera, mas enquanto não consigo assisti-la, rio de toda aquela presepada. Quando tomo banho me distraio com o vapor que ofusca o teto e se estou limpa, leio. Nunca vi A Escolha de Sofia e não vejo televisão. Escrevo sempre com a mesma lapiseira, mas mudo sempre de caligrafia. Não sei usar vírgulas e muito menos pincel. Sou incapaz de guardar nomes de diretores de cinema e de emprestar meus livros. Não entendo as diversidades do homossexualismo.

Não sou como me veem e muito menos o que digo.Capta essa outra coisa que não falo porque eu a tenho ignorado. Eu não me entendo e preciso agir como se me entendesse. Fingir. Do mesmo modo que muitos fazem.

Sou, agora, aquilo que eu escrevo.

O valor da vida. Uma entrevista rara de Freud.

O valor da vida. Uma entrevista rara de Freud.

Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.

Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.

Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.

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S. Freud: Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção.

Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.

Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.

– Por quê – disse calmamente – deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com sua agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?

George Sylvester Viereck: O senhor teve a fama, disse que Sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, por causa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo – com exceção da sua própria Universidade.

S. Freud: Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais.

A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não e virtude.

George Sylvester Viereck: Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?

S. Freud: Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não e certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.

Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa. Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.

S. Freud: Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.

George Sylvester Viereck: Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?

S. Freud: Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.

George Sylvester Viereck: O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?

S. Freud: Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção?

George Sylvester Viereck: Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?

S. Freud: Sinceramente não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar a vida, movendo-se num círculo, seria ainda a mesma.

Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro.

Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromissos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.

George Sylvester Viereck: Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando sua vontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.

– É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer.

Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo, assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição.

Do mesmo modo com um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós.

A Morte é a companheira do Amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro: Além do Princípio do Prazer.

No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a Morte é igualmente importante.

Biologicamente, todo ser vivo, não importa quão intensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da “febre chamada viver”, anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.

Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartamann.

S.Freud: A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte.

Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós.

Neste sentido acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado.

Estava ficando frio no jardim.

Prosseguimos a conversa no gabinete.

Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.

George Sylvester Viereck: Em que o senhor está trabalhando?

S. Freud: Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopoliza-la.

George Sylvester Viereck: O senhor teve muito apoio dos leigos?

S. Freud: Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.

George Sylvester Viereck: O senhor está praticando muito psicanálise?

S. Freud: Certamente. Neste momento estou trabalhando num caso muito difícil, tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente.

Minha filha também é psicanalista, como você vê…

Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxonicas.

George Sylvester Viereck: O senhor já analisou a si mesmo?

S. Freud: Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo. Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.

O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.

George Sylvester Viereck: Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristão. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. “Tout comprec’est tout pardonner”.

Pelo contrário! – bravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não e de maneira alguma um corolário do conhecimento.

Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, por que ele não perdoa a sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.

Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, mina realização é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.

Fiquei algo desapontado com esta observação.

Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente a sua indignação, a sua honesta ira, tornava o mais atraente como ser humano.

Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar!,

Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!

Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com frequência são também a fonte de nossa força.

Tradução de Paulo Cesar Souza – 20 de abril de 2010

Via Freudiana 

Os 150 anos de Alice no País das Maravilhas

Os 150 anos de Alice no País das Maravilhas

Por Julia Teitelroit Martins
Em Carta Fundamental
Publicado na edição 66, de março de 2015

Em julho de 2015, Alice no País das Maravilhas completa 150 anos de publicação. Professor de matemática, gago e tímido, o autor Lewis Carroll deixou uma obra de difícil definição, que conquistou um lugar privilegiado no imaginário de várias gerações, com a fantasia e o nonsense como suas principais marcas. Alice, em particular, apesar de um século e meio de idade, continua uma menina. É um símbolo importante de nossos tempos, objeto de inúmeros estudos, adaptações literárias e, mais recentemente, versões para o cinema.

Pseudônimo do reverendo Charles Lutwidge Dodgson, Lewis Carroll nasceu em 1832. Por quase meio século, trabalhou e residiu em Christ Church, uma das faculdades da universidade inglesa de Oxford, e por muitos anos foi professor de Matemática. No entanto, não fazia muito sucesso entre os alunos (suas aulas eram consideradas maçantes) e não deixou nenhuma contribuição significativa para a área da matemática. Por toda a obra de Carroll, porém, percebe-se o seu lado lógico, tanto no enorme interesse cultivado pelos jogos, enigmas e paradoxos, como no prazer com que desmonta raciocínios e linguagens estabelecidas.

Carroll tinha talento para contar histórias, mas, introvertido, sentia-se mais à vontade com as crianças. Declarou, certa vez, numa fórmula bem carrolliana: “Gosto de crianças, exceto meninos”. Escreveu Alice durante uma viagem de barco pelo Tâmisa, entre Oxford e a aldeia de Godstow, em 1862. Faziam parte da comitiva o reverendo Robinson Duckworth e as três filhas do seu amigo (e diretor da faculdade Christ Church) Harry Liddell: Edith (8 anos), Alice (10 anos) e Lorina (13 anos). Para entreter as meninas durante a viagem, Carroll inventou um mundo de fantasia cheio de personagens excepcionais e nomeou sua protagonista de Alice. A menina Alice teria gostado tanto da história que pediu a Carroll que a colocasse no papel e, assim, surgiu o manuscrito de As Aventuras Subterrâneas de Alice (Alice’s Adventures Under Ground).

O manuscrito de Alice chegou às mãos do autor escocês George MacDonald, pioneiro na literatura de fantasia e ídolo de Carroll, que o leu para seus próprios filhos. Todos, sem exceção, vibraram com a história. Estimulado, Caroll revisou o manuscrito, incluindo a cena do Chapeleiro Louco e o personagem do Gato de Cheshire. Apresentou-o em seguida para publicação com um tamanho duas vezes maior que o originalmente enviado a Alice Liddell. Assim, em 1865, foi lançado Alice no País das Maravilhas.

Em 1871, Carroll publicou a continuação das histórias de Alice em Através do Espelho e o Que Alice Encontrou Por Lá. Além dos livros mais conhecidos, escreveu também poemas, contos e o extenso romance em duas partes Sílvia e Bruno (1889-1893), misturando real e fantasia.

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Alice no País das Maravilhas não é propriamente um conto de fadas, os quais têm origem na tradição oral e, geralmente, carregam um conteúdo moral. Tampouco é uma obra surrealista, pois o absurdo lida com valores humanos. O livro de Carroll se situa no campo da lógica. Mas o problema lógico do raciocínio em Carroll muitas vezes se subordina ao problema semântico. Carroll questionava poeticamente, por meio do nonsense, os jogos de palavra e sentido, assim como os paradoxos.

Então, vamos às aventuras – “porque explicações sempre levam um tempo medonho”. No início do livro, a menina Alice está sentada numa ribanceira, ao lado de sua irmã mais velha, a qual lê um livro para adultos. Alice, inclusive, pensa: “E de que serve um livro sem figuras nem diálogos?” Nesse momento, ela vê passar um Coelho Branco de colete e relógio de bolso, que olha as horas e exclama: “Por minhas orelhas e meus bigodes, como está ficando tarde!” Curiosa, mas não espantada, Alice segue o Coelho Branco e cai pelo buraco de sua toca. A partir daí, embarcamos junto com ela num mundo subterrâneo de fantasia – o País das Maravilhas (Wonderland, no original em inglês). No entanto, essa não é uma história qualquer. No mundo de Alice, “quase nada é realmente impossível”.

Para entrar no País das Maravilhas, Alice precisa mudar de tamanho. O problema do tamanho é uma constante em Alice: ela cresce e diminui diversas vezes ao longo do livro, seja porque tomou de uma garrafinha, comeu um pedaço de bolo ou de cogumelo. E parece nunca ter o tamanho apropriado: quando precisa passar pela porta está grande demais, quando necessita alcançar a chave em cima da mesa, está muito pequena. No meio da história, Alice tem acesso ao cogumelo da Lagarta, que de um lado faz crescer e do outro, diminuir. E, assim, passa a controlar seu tamanho como lhe convém.

Ao mesmo tempo, são justamente as mudanças de tamanho que permitem os encontros da protagonista com tantos seres que, de outra forma, não estariam ao seu alcance. A conversa com uma Lagarta, por exemplo, só é possível porque Alice estava, então, com o tamanho do inseto fumador de narguilé, que lhe pergunta sorumbaticamente:

“Quem é você?”

“Eu… eu… nem eu mesma sei, senhora, nesse momento… eu… enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então.”

(Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, 1980, pág. 69)

Esta é outra questão que se repete ao longo do livro: a identidade de Alice. Tantas coisas estranhas acontecem a sua volta que a menina passa a duvidar de si mesma e se pergunta: será que o mundo mudou, ou fui eu? E, para ter certeza de que continua a mesma, Alice tenta se lembrar do que costumava saber: a tabuada, as capitais… mas não acerta em nada. Ao recitar um poema conhecido de cor, para seu espanto, as palavras saídas de sua boca recitam outra poesia. Em outro momento, a Pomba confunde uma Alice muito comprida com uma serpente, porque, além disso, Alice gosta de comer ovos, e todas as serpentes comem ovos. Segundo Gilles Deleuze, filósofo francês, a perda do nome próprio é a aventura que se repete em todas as aventuras de Alice. A incerteza sobre si mesmo está ligada aos acontecimentos exteriores e o que se passa.

Sucedem-se os personagens, um mais surpreendente do que o outro: o Coelho Branco sempre apressado, a Lagarta que fuma narguilé, o Gato cujo sorriso paira sozinho no espaço, o Chapeleiro e a Lebre de Março, ambos loucos assumidos, uma corte de cartas de baralho cuja Rainha encolerizada manda cortar as cabeças ao menor deslize, a Duquesa que adora achar moral em tudo e constrói frases complicadíssimas…

A história segue repleta de desentendimentos e mal-entendidos entre Alice e os outros personagens. Aliás, Alice acredita que eles se ofendem facilmente, apesar de também se sentir insultada em algumas ocasiões. Ela é repreendida diversas vezes: não devia se sentar sem ser convidada, devia cortar o cabelo, devia ter vergonha de fazer uma pergunta tão boba… Os personagens parecem não se preocupar muito com os sentimentos uns dos outros: as relações entre eles são sempre contraditórias e se estabelecem pela dialética.

Numa cena emblemática, o Chapeleiro, a Lebre de Março e o Caxinguelê tomam chá amontoados no canto de uma mesa bastante espaçosa, com várias cadeiras vazias, mas juram que não há lugar para mais ninguém. Alice senta-se à mesa assim mesmo, e eles acham por bem serem mal-educados com ela também. É que Alice não está respeitando a lógica que vigora ali – pois não deixa de haver uma lógica por detrás até da maluquice. O Chapeleiro teve uma briga com o tempo e o seu relógio parou às 6 da tarde, hora do chá. E como não deixa nunca de ser seis da tarde, a toda hora é sempre hora do chá, e eles estão fadados a rodar em volta da mesa, em eterno recomeço, até conseguirem consertar o relógio. A discussão entre Alice e o Chapeleiro sobre o tempo é muito instigante para se tratar em sala de aula. Aqui segue um trecho:

“Atrevo-me a dizer que você nunca chegou a falar com o Tempo!”, disse o Chapeleiro. “Por exemplo, suponha que fossem nove horas da manhã, hora de estudar as lições; bastaria um cochicho com o Tempo, e o relógio giraria num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!”

“Seria formidável, sem dúvida”, disse Alice, pensativa. “Mas nesse caso eu não estaria com fome, não é?”

“Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro; “mas você poderia mantê-lo em uma e meia até quando quisesse.”
(Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, 2013, pág. 57)

O Gato de Cheshire afirma que todos ali são loucos, inclusive Alice. O que significa ser louco? Somos todos loucos? Só no País das Maravilhas, ou no nosso mundo também? O Grifo diz a Alice, com todas as letras, que tudo ali não passa de fantasia, inclusive os sentimentos, como a tristeza que abate a Falsa Tartaruga.

Mais adiante na história, Alice é chamada a prestar depoimento diante da corte, no julgamento do roubo das tortas. Diante de tantas arbitrariedades e desmandos do Rei e da Rainha, porém, já não pode conter sua indignação e tudo se encaminha para o limite. Ao mesmo tempo, durante o julgamento, Alice aumenta de tamanho até o ponto em que o baralho de cartas adquire sua proporção normal e a menina consegue se distanciar de tudo aquilo, vendo ali apenas um baralho de cartas. Nesse momento, acorda novamente no campo, ao lado da irmã, e lhe conta todas as aventuras que sonhou. Em seguida volta para casa, pois é hora do chá. Enquanto isso, a irmã permanece na ribanceira, fecha os olhos e sonha com o sonho de Alice. Quando o vento sopra, ela pode ouvir o Coelho Branco correr apressado, ouve o tilintar das xícaras de chá do Chapeleiro no tinido dos sinos dos carneiros pastando, os gritos estridentes da Rainha na voz do pastor e os soluços da Falsa Tartaruga no mugir do gado. Esses e tantos outros sons e ruídos do sonho estavam presentes nos confusos rumores do campo.

Julia Teitelroit Martins é doutoranda em Literatura e Cultura pela PUC-Rio, Mestre em Letras (PUC-Rio) e Cineasta

contioutra.com - Os 150 anos de Alice no País das Maravilhas

Saiba Mais

A obra de Lewis Carroll foi objeto de inúmeras releituras e adaptações. É importante escolher uma que seja compatível com a faixa etária dos alunos.

Livros

Alice – Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho, de Lewis Carroll. Edição comentada e ilustrada: Martin Gardner; ilustrações originais: John Tenniel; tradução: Maria Luiza X. de A. Borges, Zahar, 2013.

Alice – Aventuras de Alice no país das maravilhas & Através do espelho, de Lewis Carroll. Edição integral ilustrada, de Nicolau Sevcenko; ilustrações: Luiz Zerbini. Cosac Naify, 2009.

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Edição integral de Sebastião Uchoa Leite, Summus, 1980.

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Edição adaptada de Ana Maria Machado, Ática, 1997.

The Magic of Lewis Carroll, de John Fisher,1973.

The Field of Nonsense, de Elizabeth Swell, 1952.

Filmes

As versões do livro para filme tem, no geral, o enredo bastante reduzido, ou combinam episódios dos dois livros de Alice.

Alice no país das maravilhas, Estúdios Disney, 1951.

Alice no páis das maravilhas, Estúdios Disney, Tim Burton, 2010.

Neco z Alenky, por Jan Svankmajer, da Tchecoslováquia, 1988.

O SONHO DOS RATOS, por Rubem Alves

O SONHO DOS RATOS, por Rubem Alves

Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade…Bem pertinho é modo de dizer.

Na verdade, o queijo estava imensamente longe porque entre ele e os ratos estava um gato… O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho…Os ratos odiavam o gato.

Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro…

Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. “Quando se estabelecer a ditadura dos ratos”, diziam os camundongos, “então todos serão felizes”…

– O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.

– Socializaremos o queijo, dizia outro.

Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.

Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem: crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: “o queijo, já!”…

Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.

O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.

Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.

Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram.

Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre si.

Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:

“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.

Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando. Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.

O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato o olhar malvado, os dentes à mostra.

Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.

“Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência!”

Rubem Alves – escrito em dezembro de 2004

Dica da Conti outra: Conheça o Instituto Rubem Alves e acompanhe seus projetos.

Um vazio preenchido de amor

Um vazio preenchido de amor

Por Marcela Alice Bianco

Muitos são os sofrimentos que passamos durante a vida. Muitos são os obstáculos que temos que enfrentar em nossa jornada. E a perda de um ente querido está entre as maiores dores que vivemos e com a qual todos nós iremos nos deparar um dia.

Ao mesmo tempo que é a morte é a única certeza que temos nessa vida, passamos a maior parte do tempo nos enganando de que sempre teremos toda vida pela frente. Alguns de nós realmente consegue seguir o caminho proposto de realização. Ouvi recentemente de uma pessoa idosa: – Se eu me for amanhã irei tranquila, pois tudo que eu queria fazer eu fiz!”. Acho que essa é uma serenidade e plenitude que poucos de nós conseguimos alcançar.

Isso faz pensar que, seja para nossa própria morte ou seja em relação a morte de uma pessoa querida, o que mais nos faz sofrer é “o não vivido”. Todos aqueles momentos que poderíamos ter compartilhado, mas não serão mais possíveis, as palavras não ditas, os afetos não trocados, e todas as memórias que não poderão mais ser construídas.

Por isso que as perdas repentinas, seja por acidentes, doenças de rápida evolução, ataques fulminantes, violência ou suicídio são tão difíceis de suportar. De repente, às vezes em segundos, todas as possibilidades futuras se esvaem como grãos de areia entre os dedos.

Para os que ficam, resta um vazio, um sentimento dilacerante e com a qual é preciso aprender a conviver a cada dia. Uma dor que nunca finda, mas ameniza e se transforma. Pelo nosso próprio instinto de sobrevivência ela passa a ser tolerável porque precisamos continuar vivendo.

Como diz sabiamente Colin M. Parkes, “o luto é o preço que pagamos por amar.”

Um preço alto, mas que vale a pena. Porque, se para não sofrer com a dor da perda é preciso não construir laços de afeto, esse sim seria um valor muito mais alto a se arcar. É preferível ter vivido momentos de amor e afeto dos quais podemos lembrar e aos quais podemos nos agarrar em momentos de saudade, do que não ter vivido o amor, do que não ter amado.

Para finalizar, deixo um pensamento de Rubem Alves:

“Cada momento de alegria, cada instante efêmero de beleza, cada minuto de amor, são razões suficientes para uma vida inteira. A beleza de um único momento eterno vale a pena todos os sofrimentos.”

Que possamos desfrutar desses momentos de beleza com nossos afetos e que isso tudo faça a vida valer a pena!

Nota da Página: A reprodução do texto acima foi autorizada pela autora.

Psique em Equilírio é uma parceria Conti outra.

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Arte http://www.moonassi.com

Carta de um idoso com Alzheimer ao seu cuidador

Carta de um idoso com Alzheimer ao seu cuidador

“Prezado Cuidador,

Lembre-se de que sou uma pessoa consciente, portadora de uma doença que compromete minha memória, minha linguagem e meu raciocínio. Por isso, ajude-me a aceitar a demência sem revolta e infelicidade. Não perca a paciência se eu pedir a mesma coisa por mais de uma vez. É a única maneira que tenho de dizer que eu não lembro o que falei antes.

Eu não sou deliberadamente teimoso, mau, ingrato ou desconfiado. A deterioração do meu cerébro faz com que eu me comporte diferente do que eu gostaria. Se eu tivesse um braço quebrado, você com certeza não ficaria irritado comigo por estar impossibilitado de fazer certas coisas, não é mesmo? Mas eu tenho um cérebro que está a cada dia se deteriorando. Então, não me culpe pelos efeitos que a doença de Alzheimer tem em minha habilidade de executar certas tarefas.

Eu não esqueço a finalidade de magoar, irritar, embaraçar ou confundir. A doença me faz confuso e desorientado. Nove de dez vezes você está certo em me lembrar de algo, vá em frente; por mais que eu demonstre constrangimento ou me aborreça. Eu sei que preciso que me lembrem de tudo.

Não tire todas as responsabilidades de mim. Eu estou vivo e quero estar incluído na sua vida e nas decisões que têm de ser tomadas. Não desista de mim. Me estimule sempre. Não solucione todos os meus obstáculos. Isto somente me faz perder os respeito por mim mesmo e por você. Não me repreenda ou discuta comigo. Isso pode fazer você se sentir melhor, mas só piora as coisas para mim; eu me reprimo mais e me afasto mais das pessoas com receio de errar sempre.
Não tenha vergonha de mim, não me esconda em casa. Leve-me para passear, ver o sol nascer, o jardim florido, as crianças na praça… eu posso até não entender o que estou fazendo nos lugares, mas com certeza SINTO. Com certeza, eu vejo a beleza do mundo que me cerca. Olhe-me nos olhos quando for falar comigo. Transmita-me paz e serenidade. Não fale de mim como seu eu não estivesse ali. Mantenha minha dignidade.

Não zombe de mim quando eu fizer minhas confissões; quando eu confundir os nomes dos filhos, do cônjuge, dos netos, o local onde estou, quando eu me perder dentro de minha própria casa. Lembre-se que eu preciso de ajuda e compreensão. Por isso, conheça a doença para poder entender o que eu passo e sinto.

Você poderá se sentir sozinho quando a doença avançar, mas saiba que não foi minha escolha ter demência. Por isso, não me abandone. A natureza da minha doença me faz mudar de personalidade. Quando estivermos reunidos e sem querer faça minhas necessidades fisiológicas, não fique com vergonha e compreenda que não tive culpa, pois já não posso controlá-las.

Não me reprima quando não quero tomar banho; não me chame a atenção por isto. Quando minhas pernas falharem para andar, dê-me sua mão terna para me apoiar. Não tenha vergonha, nem preconceito de mim. Afinal, eu não escolhi ter Alzheimer. Não fuja da realidade: eu tenho uma doença maligna. Não chore por mim, nem se deprima por ter que conviver com um demente. Não se sinta triste, enjoado ou impotente por me ver assim. Dê-me em seu coração, compreenda-me e me apóie.

Por último, quando algum dia me ouvir dizer que já não quero viver e só quero morrer, estiver em fase terminal e vegetal, não se enfades. Algum dia entenderás que isto não tem a ver com seu carinho ou o quanto te amei. Trate de compreender que já não vivo, senão sobrevivo, e isto não é viver.”

Autor desconhecido

Fonte indicada: Cuidador de Idosos

O CEGO ESTRELINHO, um conto de Mia Couto

O CEGO ESTRELINHO, um conto de Mia Couto

O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez: sua história poderia ser contada e descontada não fosse seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito conduziu o desvistado por tempos e idades. Aquela mão era repartidamente comum, extensão de um no outro, siamensal.

E assim era quase de nascença. Memória de Estrelinho tinha cinco dedos e eram os de Gigito postos, em aperto, na sua própria mão.

O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia cerimónia no viver. O sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente. Dizia, deste modo:

– Tenho que viver já, senão esqueço-me.

Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia. O mundo que ele minuciava eram fantasias e rendilhados. A imaginação do guia era mais profícua que papaeira. O cego enchia a boca de águas:

– Que maravilhação esse mundo. Me conte tudo, Gigito!

A mão do guia era, afinal, o manuscrito da mentira. Gigito Efraim estava como nunca esteve S. Tomé: via para não crer. O condutor falava pela ponta dos dedos. Desfolhava o universo, aberto em folhas. A ideação dele era tal que mesmo o cego, por vezes, acreditava ver. O outro lhe encorajava esses breves enganos:

– Desbengale-se, você está escolhendo a boa procedência!

Mentira: Estrelinho continuava sem ver uma palmeira à frente do nariz. Contudo, o cego não se conformava em suas escurezas. Ele cumpria o ditado: não tinha perna e queria dar o pontapé. Só à noite, ele desalentava, sofrendo medos mais antigos que a humanidade. Entendia aquilo que, na raça humana, é menos primitivo: o animal.

– Na noite aflige não haver luz?

– Aflição é ter um pássaro branco esvoando dentro do sono.

Pássaro branco? No sono? Lugar de ave é nas alturas. Dizem até que Deus fez o céu para justificar os pássaros. Estrelinho disfarçava o medo dos vaticínios, subterfugindo:

– E agora, Gigitinho? Agora, olhando assim para cima, estou face ao céu?

Que podia o outro responder? O céu do cego fica em toda a parte. Estrelinho perdia o pé era quando a noite chegava e seu mestre adormecia. Era como se um novo escuro nele se estreasse em nó cego. Devagaroso e sorrateiro ele aninhava sua mão na mão do guia. Só assim adormecia. A razão da concha é a timidez da amêijoa? Na manhã seguinte, o cego lhe confessava: se você morrer, tenho que morrer logo no imediato. Senão-me: como acerto o caminho para o céu?

Foi no mês de Dezembro que levaram Gigitinho. Lhe tiraram do mundo para pôr na guerra: obrigavam os serviços militares. O cego reclamou: que o moço inatingia a idade: E que o serviço que ele a si prestava era vital e vitalício. O guia chamou Estrelinho à parte e lhe tranquilizou:

– Não vai ficar sozinhando por aí. Minha mana já mandei para ficar no meu lugar.

O cego estendeu o braço a querer tocar uma despedida. Mas o outro já não estava lá. Ou estava e se desviara, propositado? E sem água ida nem vinda, Estrelinho escutou o amigo se afastar, engolido, espongínquo, inevisível. Pela primeira vez, Estrelinho se sentiu invalidado.

– Agora, só agora, sou cego que não vê.

No tempo que seguiu, o cego falou alto, sozinho como se inventasse a presença de seu amigo: escuta, meu irmão, escuta este silêncio. O erro da pessoa é pensar que os silêncios são todos iguais. Enquanto não: há distintas qualidades de silêncio. É assim o escuro, este nada apagado que estes meus olhos tocam: cada um é um, desbotado à sua maneira. Entende mano Gigito?

Mas a resposta de Gigito não veio, num silêncio que foi seguindo, esse sim, repetido e igual. Desamimado, Estrelinho ficou presenciando inimagens, seus olhos no centro de manchas e ínvias lácteas. Aquela era uma desluada noite, tinturosa de enorme. Pitosgando, o cego captava o escuro em vagas, despedaços. O mundo lhe magoava a desemparelhada mão. A solidão lhe doía como torcicolo em pescoço de girafa. E lembrou palavras do seu guia:

– Sozinha e triste é a remela em olho de cego.

Com medo da noite foi andando, aos tropeços. Os dedos teatrais interpretavam ser olhos. Teimoso como um pêndulo foi escolhendo caminho. Tropeçando, empecilhando, acabou caído numa berma. Ali adormeceu, seus sonhos ziguezagueram à procura da mão de Gigitinho.

Então ele, pela primeira vez, viu a garça. Tal igual como descrevera Gigitinho: a ave tresvoada, branca de amanhecer. Latejando as asas, como se o corpo não ocupasse lugar nenhum.

De aflição, ele desviou o vazado olhar. Aquilo era visão de chamar desgraças. Quando a si regressou lhe parecia conhecer o lugar onde tombara. Como diria Gigito: era ali que as cobras vinham recarregar os venenos. Mas nem força ele colectou para se afastar.

Ficou naquela berma, como um lenço de enrodilhada tristeza, desses que tombam nas despedidas. Até que o toque tímido de uma mão lhe despertou os ombros.

– Sou irmã de Gigito. Me chamo Infelizmina.

Desde então, a menina passou a conduzir o cego. Fazia-o com discrição e silêncios. E era como se Estrelinho, por segunda vez, perdesse a visão. Porque a miúda não tinha nenhuma sabedoria de inventar. Ela descrevia os tintins da paisagem, com senso e realidade. Aquele mundo a que o cego se habituara agora se desiluminava. Estrelinho perdia os brilhos da fantasia. Deixou de comer, deixou de pedir, deixou de queixar. Fraco, ele careceu que ela o amparasse já não apenas de mão mas de corpo inteiro. De cada vez, ela puxava o cego de encontro a si. Ele foi sentindo a redondura dos seios dela, a mão dele já não procurava só outra mão. Até que Estrelinho aceitou, enfim, o convite do desejo.

Nessa noite, por primeira vez, ele fez amor, embevencido. Num instante, regressaram as lições de Gigito. O pouco se fazia tudo e o instante transbordava eternidades. Sua cabeça andorinhava e ele guiava o coração como voo de morcego: por eco da paixão. Pela primeira vez, o cego sentiu sem aflição o sono chegar. E adormeceu enroscado nela, seu corpo imitando dedos solvidos em outra mão.

A meio da noite, porém, Infelizmina acordou, sobreassaltada. Tinha visto a garça branca, em seu sonho. O cego sentiu o baque, tivessem asas embatido no seu peito. Mas, fingiu sossego e serenou a moça. Infelizmina voltou ao leito, sonoitada.

De manhã chega a notícia: Gigito morrera. O mensageiro foi breve como deve um militar. A mensagem ficou, em infinita ressonância, como devem as feridas da guerra. Estranhou-se o seguinte: o cego reagiu sem choque, parecia ele já sabendo daquela perca. A moça, essa, deixou de falar, órfã de seu irmão. A partir dessa morte ela só tristonhava, definhada. E assim ficou, sem competência para reviver. Até que a ela se chegou o cego e lhe conduziu para a varanda da casa. Então iniciou de descrever o mundo, indo além dos vários firmamentos. Aos poucos foi despontando um sorriso: a menina se sarava da alma. Estrelinho miraginava terras e territórios. Sim, a moça, se concordava. Tinha sido em tais paisagens que ela dormira antes de ter nascido. Olhava aquele homem e pensava: ele esteve em meus braços antes da minha actual vida.

E quando já havia desenvencilhado da tristeza ela lhe arriscou de perguntar:

– Isso tudo, Estrelinho? Isso tudo existe aonde?

E o cego, em decisão de passo e estrada, lhe respondeu:

– Venha, eu vou-lhe mostrar o caminho!

Do livro: “Estórias Abensonhadas”

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