Nepal: que das estrias da Terra brote uma nova esperança

Nepal:  que das estrias da Terra brote uma nova esperança

Por Nara Rúbia Ribeiro

O que fazer quando, num repente, a Terra rejeita a carícia dos nossos pés? Quando ela, mãe maior, treme e sua superfície se abre em sulcos, estrias, crateras? Quando a efemeridade da Vida se nos mostra patente? Quando montes, monumentos, prédios centenários que há pouco desfilavam a sua imponência frente a nossos olhos agora são ruínas sem qualquer traço de encantamento? Quando o mais forte de nós duvida da sua força? Quando homens, mulheres e crianças que há pouco sorriam jazem soterradas? Quando a destruição é cenário e a dor, protagonista?

O Nepal alterna, hoje, entre a angústia e o desespero. Angústia do sonho destruído, do trabalho desfeito, do futuro arquitetado com esmero agora embaralhado pelas mãos do acaso. (Seria o substantivo “acaso” um outro nome de Deus?) Angústia de tudo o que era e parecia eterno e hoje pouco ou nada é. E a dor vem na pontada do “por quê eu, por quê nós, por quê o Nepal?” A pergunta ecoa e não há respostas. Não há culpados. Não existe razão. O desespero de observar, nas lembranças, um ontem que achávamos permeado de imperfeições e que hoje parece uma joia lapidada frente ao que se nos mostra real, bem diante dos nossos olhos. O que sonhar do futuro se das estrias da Terra não brotar nenhuma nova esperança?

A dor do outro, tão distante, pode nos ser indiferente. Podemos passar distraídos diante dos jornais e rir enquanto contamos piada aos amigos se o noticiário nos entrega o sofrimento dessa catástrofe. Não sofrer, não exercer a nossa empatia diante da desolação de todo um país é uma escolha moral e temos o direito de fazê-la, mas perdemos muito se assim o fizermos. A dor é sempre a escola maior. Ela é fonte macro da poesia que nos acorda e da sabedoria mais profunda que nos faz enxergar o fundo da alma, onde só reside o que é eterno.

A desolação do Nepal nos faz acordados para o fato de que a vida que vemos é uma inverdade: os ganhos, os lucros, as metas… Enxergamos que aquilo que aqui construímos não é parte de nós e que o que temos não se confunde com o que somos. Ao meditarmos em catástrofes de tamanha magnitude, nos perguntamos se aquilo a que nos dedicamos é real, é algo advindo dos foros mais nobres do peito, das entrâncias mais caras da alma, ou se seria a vaidade o que nos move. A vaidade se dissipa em si mesma e o seus produtos podem ser esmigalhados por forças naturais, mas a generosidade é um moto-contínuo, sua ação, embora no invisível, se agiganta e se perpetua no tempo e no espaço.

Viver é estar disponível e não sabemos a quê ou a quem. Quando o inesperado nos colhe, é porque estávamos disponíveis, vivendo. Essa disponibilidade é inerente à nossa condição de viventes. É preciso tirar da dor a melhor das lições, a de que a vida não tem garantias. De que o vivo nunca está seguro. De que o bem mais precioso que há não é o ouro ou a prata: é o Tempo. Ele é quem nos entrega, segundo a segundo, o intervalo necessário para que vençamos as nossas ignorâncias, superemos as nossas deficiências íntimas, vençamos as vaidades e sejamos maiores do que somos.

O Tempo nos mostra que as estrias da Terra podem engolir marcos de uma civilização inteira, mas que, espelhadas em nosso peito, essas estrias podem soterrar as equivocadas inclinações do nosso espírito. Que dessas estrias, após cicatrizadas, brotem ainda, no Nepal e em todo o mundo, a esperança, a força e a fé num sempre novo amanhecer dentro de nós.contioutra.com - Nepal:  que das estrias da Terra brote uma nova esperança

10 razões por que o mundo corporativo não é para você!

10 razões por que o mundo corporativo não é para você!

Escrito por Juliana Bragança.

O mundo corporativo tem seus muitos benefícios, como salário fixo, carteira assinada, boas condições de trabalho e outros mais, mas não são todas as pessoas que se encaixam nesse ambiente. Alguns se adequam ao trabalho duro, com jornadas de trabalho de oito horas diária, 30 dias de férias por ano e um chefe sempre presente, mas outros buscam algo diferente. Há quem precise trabalhar ao ar livre, ter uma agenda mais maleável e maior independência do chefe. Quer saber a qual grupo você pertence? Descubra a seguir!

Você não é competitivo
Por mais que existam empresas que estimulem a parceria entre os colegas de trabalho, sempre há um pouco de competitividade. Ser competitivo é saudável até certo ponto, pois faz o profissional vencer os próprios limites e desenvolver-se. Porém, nem todo mundo pensa dessa forma. Se você não quer superar os demais, não faz questão de ter alguém subordinado a você e pouco se importa com o salário que seu colega recebe, essa não é sua praia. Se isso não é algo que chame a sua atenção, esse é um sinal de que o mundo corporativo não é exatamente o seu lugar.

Bajular as pessoas não faz a sua cabeça
Isso não é explícito, mas quando se trabalha em uma empresa com hierarquia definida, é necessário usar o máximo da sua simpatia, principalmente com aqueles que podem levar você a um cargo superior. Sim, bajular seu chefe e o chefe dele pode ser necessário. Não precisa ser puxa-saco, mas rir quando a piada for sem graça e guardar opiniões negativas apenas para você pode ser uma boa ideia. Se você não tem estômago para isso, pode ter problemas e até ficar estagnado na carreira. Antes de entrar para uma grande empresa, pense bem se é capaz de encarar tudo isso.

Você prefere trabalhar sem metas extraordinárias
É comum no mundo corporativo ter metas a cumprir. Pode ser em relação ao número de vendas, de clientes, de filiais ou qualquer outro critério objetivo. Os funcionários têm sempre objetivos a alcançar, e é dessa maneira que a companhia busca crescer. Existem pessoas que se sentem estressadas nesse sistema e não lidam bem com ele, podendo às vezes ter um rendimento inferior quando pressionados. Se você trabalha melhor sem metas concretas a cumprir, saiba que o ambiente corporativo normalmente exige isso, e esse talvez não seja o melhor lugar para você.

Roupa social não é sua onda
O tipo de traje adequado no local de trabalho varia de empresa para empresa, mas o uso de roupa social em algumas companhias costuma ser imprescindível. Isso espanta muitas pessoas, então é importante pensar bem se você não se importa em vestir-se formalmente todos os dias. Há quem se acostume, porém algumas pessoas não suportam ter que usar terno e gravata ou um tailleur para ir trabalhar. E isso piora se levamos em conta o verão brasileiro. Algumas empresas admitem roupas mais leves no verão, mas ainda são exceções.

Você trabalha melhor sozinho
O mundo corporativo exige trabalho em equipe. E pode acontecer de você cair em um grupo não muito disposto, criativo, unido ou bem visto. Algumas pessoas simplesmente trabalham melhor individualmente e preferem não depender dos outros para ver seu trabalho progredir. Esse profissional tende a não gostar de esperar os demais fazerem uma tarefa quando ele mesmo pode fazê-la. Por isso, analise bem qual sua forma ideal de trabalho, pois é quase obrigatório saber trabalhar em equipe e delegar atividades no mundo corporativo.

Você não sabe inglês e não quer aprender
Para trabalhar em uma grande empresa é fundamental ter pelo menos nível básico de inglês. Palavras como “share”, “ASAP”, “brainstorm”, “FYI”, “budget” e “turnover” são comuns no cotidiano empresarial. Se a língua do tio Sam não é seu forte, e você nem se esforça para isso, terá dificuldade nesses ambientes. Diversas expressões e siglas estrangeiras fazem parte do vocabulário executivo e devem ser de domínio geral. Se você tem disposição para aprendê-las, será mais fácil encaixar-se no mundo corporativo. Se esse não é seu caso, que tal buscar um nicho de mercado mais flexível?

Para você, reuniões devem ser objetivas

Todos têm uma boa intenção ao marcar reuniões. Sempre há problemas a serem discutidos e resolvidos, além de melhorias a implementar. Porém, em algumas reuniões as discussões são longas e cansativas. E isso pode ocorrer com certa frequência. Se para você elas são perda de tempo, fuja desses compromissos. Caso você seja o tipo de pessoa que não entende quem passa o dia todo em reuniões e diz que está trabalhando, vai ser difícil adaptar-se à lógica e às demandas das grandes empresas.

Você não é lá muito criativo
Acredite ou não, o mundo empresarial precisa de pessoas criativas. Normalmente, elas são aceleradas e se diferenciam dos colegas. “Nas empresas existem pessoas que fazem um monte de coisas ao mesmo tempo, frequentam tudo quanto é curso, têm idéias e sugestões”, explica Max Gehringer, autor de “Clássicos do Mundo Corporativo”. Esse é o perfil perfeito para os empregadores corporativos, pois esses profissionais se destacam. Então, se essa não é sua natureza, provavelmente terá dificuldades.

Você não gosta de ser controlado

Dar satisfação ao chefe, ter horários de almoço, de entrada e saída, bater ponto e fazer relatórios de atividades são práticas comuns para quem trabalha em uma empresa. Caso você não goste de ter todas as suas atividades controladas, saiba que isso é praxe no mundo corporativo. Algumas empresas possuem horários de trabalho flexíveis, mas não abrem mão das oito horas diárias. Em casos excepcionais, pode ser necessário trabalhar nos finais de semana. Algumas pessoas podem sentir-se presas e ficam infelizes nessa rotina, por isso reflita bem se esse estilo de vida combina com você.

Você nunca entendeu para que tantos relatórios, e-mails e gráficos

Sim, o ambiente corporativo pede que sejam feitas planilhas de custos, gráficos de desempenho, que e-mails sejam enviados formalizando pedidos e entregas, além da elaboração de uma infinidade de arquivos que muitas vezes podem ser vistos como burocráticos e desnecessários. Essas atividades fazem sentido em grandes empresas, onde certas formalidades têm diversos usos e são importantes para o fluxo de informações do negócio. Se você não suporta tantos e-mails, relatórios, avaliações de desempenho, etc., então fuja do ambiente corporativo.

Fonte: eHow Brasil

O invólucro dos segredos

O invólucro dos segredos

“Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas… Quem a encontra, salva-se a si mesmo.” 

Mário Quintana

A velha manhã anuncia que já não é mais hora para ti. O dia é um grande castrador da embriaguez. Nenhuma nau está atracada no porto do meu silêncio, embora eu deseje quebrar-te para desejar os bons ventos e as calmarias às viagens aos horizontes.

O vinho envelhece, agonizando em maestria, em teus contornos. Suicidas se aproveitam da tua vulnerabilidade para dar cabo às suas vidas, em gestos de desrespeito com a tua integridade.

Selas as amizades, ao seres desvirginada pelos companheiros fartos de realidade. Inauguras os amores, nas noites primeiras. E também és cúmplice dos olhares últimos, já extintos de paixão.

Fazes a solitude tornar-se diáfana. Não há isolamento que não sonhe em presenças. Armazenas a ti mesma, mesquinha que és, como troféu incógnito das madrugadas.

Tatuas as memórias mais cruéis, os amores perdidos, em devaneios de oceano. És requinte das bruxas, em rituais de primavera. Fornecida de graça, vestida de água, nas mesas dos restaurantes europeus.

Enclausuras a poesia que não pode ser degustada. Povoas as minhas reminiscências de infância, nos almoços desprovidos de maldade. Oferecem-te flores, e já não existes em essência.

Abrigas as conchas, desavisadas da tua missão. Encontram-te quando estão perdidos. Invocam-te quando as esperanças foram esgotadas. Almejam a única gota que ainda carregas no ventre, exausta de gravidez.

Guardam-te, anos e mais anos, para celebrar os casamentos. Confidente dos ébrios, estás envolta pelos dedos crestados de imundície. Ah, tua história fenícia e milenar! Quão bela não te sentes agora?

Mas tu, meio de transporte, uniforme de lágrimas, símbolo dos romantismos absurdos, berço dos poemas, figurante das alegrias, amante escura das ondas violentas. Talvez tu sejas apenas eu, este invólucro de segredos que anseia pela deriva em alto mar.

Mariana Portela 

Confissões, Declarações e Crônicas…

Senado aprova criação do Prêmio Literário Manoel de Barros

Senado aprova criação do Prêmio Literário Manoel de Barros

A comissão de Educação do Senado aprovou o projeto que institui o Prêmio Mérito Literário Manoel de Barros de Poesia. A proposta relatada pela senadora Simone Tebet (PMDB), foi apresentada em novembro do ano passado pelo então senador Ruben Figueiró (PSDB-MS), logo após a morte do poeta.

“O Prêmio Mérito Literário Manoel de Barros de Poesia será uma sementinha a mais para cultivar a eternidade da obra desse poeta do mato, que disse: ‘deixei uma ave me amanhecer’. O Prêmio pretende que a inspiração de seu patrono propicie novos amanheceres para a poesia brasileira”, afirmou Simone Tebet durante a votação da matéria nesta terça-feira (5), revelando sua admiração pelo poeta.

Ela explicou que o autor da matéria justificou a criação do prêmio devido à importância de Manoel de Barros para a literatura brasileira, pelo conjunto da obra, pelo caráter inovador e até insólito de muitos de seus poemas e pela projeção artística que deu aos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

“A poesia de Manoel de Barros é da nossa natureza. Do Pantanal e do seringal. Da caatinga, do cerrado e do pampa. Nada mais apropriado, portanto, que o Senado Federal institua esse prêmio. Por se tratar de uma Casa de todos os Estados, essa iniciativa deverá fortalecer ainda mais a nossa união, enquanto federação, inspirada na poesia interior de Manoel de Barros”, defendeu Simone Tebet.

O Prêmio

O prêmio será concedido a cada dois anos, a três obras de poesia ou de ensaio sobre poesia brasileira. Os três primeiros colocados receberão um diploma e terão o livro impresso pela gráfica do Senado. Os candidatos poderão se inscrever com obras inéditas ou editadas desde o ano anterior.

“A ideia deste projeto é catalisar a inspiração de tantos poetas, leitores de alma, principalmente do interior deste imenso País. Interior de onde vem a poesia simples, bela, e, ao mesmo tempo, profunda de Manoel de Barros”, disse Simone.

As obras vencedoras serão selecionadas por uma equipe especialmente designada pela Comissão de Educação do Senado.

A entrega do diploma mérito literário aos autores deverá ocorrer em sessão do Senado Federal especificamente convocada para essa finalidade, a realizar-se na primeira quinzena do mês de novembro, em alusão ao aniversário de morte de Manoel de Barros.

O projeto foi elogiado por diversos senadores da Comissão de Educação.  “Sem dúvida nenhuma o poeta Manoel de Barros é mais do que merecedor da iniciativa da homenagem pelo Senado Federal. Esse prêmio virá no sentido de fortalecer o incentivo à leitura”, afirmou a vice-presidente Comissão de Educação e também coordenadora da Frente Parlamentar Mista em defesa do livro, senadora Fátima Bezerra.

Manoel de Barros

Manoel de Barros nasceu em Cuiabá (MT), em 19 de dezembro de 1916 e faleceu em Campo Grande, em 13 de novembro de 2014. Conhecido como o poeta do Pantanal, ele recebeu vários prêmios literários, entre eles, doisPrêmios Jabutis. É um dos mais aclamados poetas brasileiros da contemporaneidade nos meios literários. Sua obra mais conhecida é o “Livro sobre Nada” de 1996.

Fonte: MS notícias

O chão que renasce

O chão que renasce

Por Ana Vieira Pereira
Faça como eu fiz: olhe rapidamente para essa foto, e feche os olhos. Não se preocupe em entender do que se trata, apenas abra-se para olhar. Não é preciso ver. Deixe essa ocupação para mais tarde, quando puder construir o tempo e o espaço do olhar atento, dedicado e amoroso. Quando quiser construir esse espaço de encontro. E se quiser, claro.

Eu quis. Vi a foto pela primeira vez ontem à noite. Por entre conversas, música, mil e um estímulos querendo arrancar-me a alma de dentro. Ela até parece que vai, mas não vai: a minha alma anda avessa à exposição das suas dobras. Deve ser para que não se transformem em vincos, essas espécies sutis de mortalhas.

Assim, à primeira vista, foi só luz o que vi na imagem. Sem saber por que, pedi-a a meu amigo, mais intuindo do que vendo de fato alguma coisa. A foto veio, rápida e ligeira nesse pé de vento que é a tecnologia. Ali mesmo, na mesa do bar, a imagem pula de um celular ao outro. Deixo-a em paz, quieta.

contioutra.com - O chão que renasceHoras depois, sem conseguir dormir, tenho vagar para dedicar-me a ela. Olho-a com tempo, senhor de todos os processos, e surpreende-me que essa luz que vi esteja dentro dos espaços das folhas mortas. Parecem luminosas, as folhas, mas estão mortas. O vivo do verde à sua volta é quase ofuscado por essa luz que não é da matéria, mas do espaço ao seu redor, e atinge a superfície para fazê-la rebrilhar. É só superfície. Assim que o sol mudar seu ângulo, a luz desaparecerá. Não há existência dentro da folha, a não ser aquela de que se nutrirão outros, aqueles que se alimentam da putrefação do que morre. O que está vivo é o tapete verde que as folhas querem esconder. A vida das folhas mortas é uma vida em reflexo.

O dono da foto ofereceu-me, além da foto, a sua legenda: “o chão que renasce”. E eu aqui, horas depois de ter visto a luz não só na foto, mas também nas retinas alheias, confirmo uma sequência inteira de impressões noturnas. Poderia ter dado o título de “gratidão” a este texto.

Esse chão que renasce, e que ganho de presente em imagem e palavra, nutre-se de momentos muito particulares. Momentos que surgem por detrás das paredes do tempo, espaços no avesso do espaço. É preciso inventá-los, a esses momentos. E é preciso inventá-los a várias mãos. Duas não conseguem. Podem acontecer em qualquer lugar, mas ontem foi aqui, nesta cidade que me acolhe assim que a vejo e me diz “afaste-se” no momento em que tento aproximar-me.

Chamou-se dançar, este chão renascido de ontem. Foi simples, até. Inventou-se um tempo e um espaço para o encontro. Não foi preciso inventar a vontade, mas inventou-se o movimento de ir na direção da música. E o resto inventou-se sozinho. Inventou-se o que era preciso para que a alma alcançasse os lugares que a fazem sentir-se viva, e dançasse em toda a sua extensão, e recebesse sem pedir o amparo que precisava. Uma brecha na insanidade. Um mergulho dentro da delicadeza da entrega pura. Tudo o que a minha alma, o meu coração e o meu corpo necessitam. Ainda que seja leve e breve como a passagem da brisa. Ainda que seja inventado. Ainda que seja de noite. Ainda que as folhas estejam mortas.

Reprodução do texto autorizada pelo blog parceiro

contioutra.com - O chão que renasce

contioutra.com - O chão que renasceAna Vieira Pereira é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.

Só existe uma raça, e ela surgiu na África

Só existe uma raça, e ela surgiu na África

Nem branca, nem negra, amarela ou vermelha. Na face da Terra existe uma única raça: a humana. Todos nós fazemos parte dela.

Há alguns anos o racismo voltou a assombrar o mundo e a encontrar expressão política, justamente na Europa, onde não se imaginaria que poderia ressurgir. Na França, as idéias racistas professadas pela Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen e sua filha, Marine Le Pen, atraíram parcela considerável do eleitorado. Em vários outros países europeus, partidos da direita, e até mesmo de movimentos neofascistas conquistaram numerosas cadeiras nos parlamentos. Na mesma medida em que aumenta o número de refugiados e de imigrantes vindos de nações do Terceiro Mundo, aumenta o sentimento de ancestral xenofobia de muitos europeus, que rapidamente encontra seus canais de expressão política.

É interessante se observar como, ao longo da história, as políticas racistas nunca deixaram de pedir à ciência que legitimasse sua hierarquização social, seus preconceitos e exclusões. Muitos foram os cientistas que prontamente se puseram a conceber teorias, instrumentos de medição, critérios e teses que supostamente definiam as características das diferentes “raças” humanas e formulavam a base de sustentação de uma série de eventos que marcaram a história do homem, da expansão colonial europeia ao apartheid sul-africano, do segregacionismo norte-americano ao nazismo.

Nos últimos anos, a palavra raça, aliás, desapareceu discretamente dos livros escolares e as antigas classificações foram desacreditadas. Isso aconteceu graças às descobertas da paleontologia, da genética, da etnologia. Mesmo assim, ainda existem alguns pesquisadores isolados que professam a existência de raças. Quando, em 1994, os psicólogos Charles Murray e Richard Herrnstein publicaram nos Estados Unidos The bell curve, com 800 páginas de gráficos e análises que “demonstravam” que o QI de negros era inferior ao dos brancos, a obsessão racista que inspirou o livro não deixou margem para dúvidas. Seu objetivo político foi claramente percebido: abolir os programas sociais, colocados em prática há 30 anos por Washington, em favor dos mais pobres.

O que se pergunta, nos dias de hoje, é se um cientista pode se interessar por “raças” humanas sem procurar demonstrar sua desigualdade. Na verdade, cada um de nós tem sua própria definição do termo, assim como os ideólogos do racismo sempre encontram defensores para proclamar que o “politicamente correto” é cientificamente incorreto.

A evolução

No século 18, o botânico sueco Carl von Linné criou o sistema de classificação dos seres vivos – ainda hoje utilizado – e estabeleceu o nome científico de Homo sapiens para a espécie humana. Mas, sem contrariar o pensamento dominante na época, dividiu a humanidade em subespécies de acordo com a cor da pele, o tipo físico e pretensos traços de caráter: os vermelhos americanos, “geniosos, despreocupados e livres”; os amarelos asiáticos, “severos e ambiciosos”; os negros africanos, “ardilosos e irrefletidos”; e os brancos europeus, “ativos, inteligentes e engenhosos”. Essa classificação da diversidade humana em “grandes raças” não só foi totalmente aceita como também serviu de base para classificações futuras, que alteravam a de Linné e oscilavam entre uma variedade que ia de três a 400 raças.

No século 19, as descobertas arqueológicas destruíram explicações simplistas para a origem do homem na Terra, a origem do planeta que habitamos. Em A origem das espécies, Charles Darwin formulou a teoria da mutação das espécies. Observou que, por meio da mutação, as espécies se adaptam ao meio natural, geram criaturas diferentes de si mesmas e dão origem a novas espécies. Concluiu, então, que algumas espécies se extinguiam dando lugar a outras: esse processo seria o da seleção natural. Mais tarde, Darwin estendeu essa teoria para o surgimento do homem, classificando-o como descendente dos antropóides. A comunidade científica e outros setores da sociedade opuseram-se a essa conclusão, pois não podiam admitir que o homem branco, “superior”, descendesse de macacos. Na verdade, sabe-se hoje que o homem é parente do macaco e não seu descendente. As descobertas de Darwin foram muito importantes, mas não definitivas, pois as pesquisas continuam, lançando sempre novas luzes sobre as origens do homem.

A mais antiga espécie de hominídeo foi o Australopithecus, que surgiu no sul da África há cerca de 3 milhões de anos. Este nosso provável ancestral tinha algumas características semelhantes ao homem moderno e criou o primeiro instrumento. Quando um dos nossos ancestrais passou a andar sobre os dois pés, ficou com as mãos livres para fazer e usar objetos. O trabalho com as mãos foi sofisticando a sua capacidade de manipular, estimulando o crescimento do seu cérebro e a sua capacidade intelectual e dotou-o de cultura, diferenciando-o dos animais.

A expansão

O homem começou a se diversificar muito cedo, lá pelos 2,5 milhões de anos, quando saiu de seu lugar de nascimento, a África oriental. Ele se propagou através de todo o mundo antigo, isto é, África, Europa e Ásia. Mas as glaciações produziram dois isolados pontos geográficos: a Europa, na qual o norte foi inteiramente recoberto por glaciares; e a Indonésia, que era unida ao continente asiático e dele foi separada no final das glaciações. Esses dois isolamentos levaram a um “derivado genético” e moldaram dois grupos: o Pitecantropona Indonésia e o homem de Neandertal na Europa, muito diferentes anatomicamente de nosso ancestral, o homem moderno que já vivia algures. Este, o Homo sapiens sapiens, há 500 mil anos expandiu suas fronteiras em todas as direções, a partir de uma segunda onda de povoamento na Europa, na Ásia, na Austrália e na América.

Segundo o paleontólogo Yves Coppens, diretor do Laboratório de Antropologia do Museu de História Natural de Paris, “o Neandertal e nosso ancestral, o Cro-Magnon, ao que se sabe constituíram na Europa duas raças distintas. Mas ainda não sabemos se essas populações se ‘inter-fecundaram’, isto é, se geraram descendência fecunda. Também não sabemos se o homem de Neandertal, desaparecido há uns 30 mil anos, como o pitecantropo indonésio, se fundiu com a população de Homo sapiens, ou se extinguiu.”

Para o paleontólogo, “talvez seja essa a única questão sobre raça que hoje interessa à ciência. Em um século de descobertas, vimos se delinearem outras fronteiras no seio da humanidade. Se retomarmos o sentido zoológico do termo – uma subespécie diferenciada mas que se ‘inter-fecunda’ com outras subespécies –, não existe na superfície da terra senão uma única ‘raça’ humana conhecida, a do Homo sapiens sapiens.”

A pesquisa paleontológica e seu prolongamento antropológico tentam estabelecer, dentre outras coisas, quais são as filiações, os laços de parentesco que unem esses humanos. Mas, para Pierre Darlu, geneticista no Laboratório de Epidemiologia Genética de Paris, “todas as classificações tentadas até hoje tiveram como ponto comum a ocultação do caráter evolutivo do homem”.

André Langanney, diretor do Laboratório de Antropologia biológica do Museu do Homem, Paris, acredita que “existem dois conceitos diferentes de ‘raça’ humana: um inclui as particularidades imediatamente perceptíveis entre os indivíduos (língua, cultura, aparência física), devido às diferenças de suas populações de origem; outro é o conceito ‘científico’, igualmente empírico, aquele que foi estabelecido por Linné no século 18, o das quatro raças. Essa formulação foi contestada, algumas décadas mais tarde, pelo filósofo alemão Johann Gottfried Herder, que afirmava não existirem ‘nem quatro nem cinco raças humanas’, ao contrário, havia a continuidade da variação nas populações”.

Uma só espécie

Dizer, hoje em dia, que existem raças humanas, implica em demonstrar a existência de grupos distintos, possuidores de traços “comuns” entre si e de particularidades que não se encontraram em nenhum outro grupo. É claro que entre um senegalês, um cambojano e um italiano existem, evidentemente, diferenças físicas visíveis: cor da pele e dos olhos, tamanho, textura dos cabelos etc. Mas hoje em dia já sabemos que o patrimônio genético dos três é extremamente próximo. A descoberta dos grupos sanguíneos, da variação das enzimas, das sequências de DNA, dos anticorpos e tantas outras, puseram em evidencia o parentesco dos homens entre si, assim como sua extraordinária diversidade. Uma combinação de genes, frequente numa população e rara em outra, é, assim mesmo, potencialmente presente em toda parte.

A comprovação se deu em 2002, quando uma equipe de sete pesquisadores dos Estados Unidos, França e Rússia comparou 377 partes do DNA de 1056 pessoas originárias de 52 populações de todos os continentes. O resultado mostrou que entre 93% e 95% da diferença genética entre os humanos é encontrada nos indivíduos de um mesmo grupo e a diversidade entre as populações é responsável por 3% a 5%. Ou seja, dependendo do caso, o genoma de um africano pode ter mais semelhanças com o de um norueguês do que com alguém de sua própria cidade na África! O estudo também mostrou que não existem genes exclusivos de uma população, nem grupos em que todos os membros tenham a mesma variação genética.

Muitas diferenças

Na sua longa evolução até atingir a sua forma humana final, nosso ancestral foi se adaptando fisicamente às condições ambientais. Perdeu os pelos do corpo, provavelmente há pouco menos de 2 milhões anos, por que começou a fazer longas caminhadas e precisava esfriar o corpo. Sem pelo, ficou com o corpo exposto e as células que produziam melanina se espalharam por toda a pele. A mudança na coloração da pele foi descoberta em 1991pela antropóloga Nina Joblonski, da Academia de Ciências da Califórnia, Estados Unidos, ao encontrar estudos que mostravam que pessoas de pele clara expostas à forte luz solar tinham níveis muito baixos de folato. Como a deficiência dessa substância em mulheres grávidas pode levar a graves problemas de coluna em seus filhos, e como o folato é essencial em atividades que envolvam a proliferação rápida de células, tais como a produção de espermatozóides, a antropóloga concluiu que nos ambientes próximos à linha do Equador, a pele negra era uma boa forma de manter o nível de folato no corpo, garantindo assim a descendência sadia. Para provar suas teorias a respeito de cor da pele, Nina Joblonski usou um satélite da NASA e criou um mapa de padrões de radiação ultravioleta em nosso planeta, mostrando que o homem evoluiu com diferentes cores de pele para se adaptar aos diferentes meio-ambientes.

Assim, o homem saiu da África e chegou à Ásia, e de lá foi para a Oceania, a Europa e por fim para a América. Nas regiões menos ensolaradas, a pele negra começou a bloquear demais os raios ultravioleta, sabidamente nocivo mas essencial para a formação da vitamina D, necessária para manter o sistema imunológico e desenvolver os ossos. Por isso, as populações que migraram para regiões menos ensolaradas desenvolveram uma pele mais clara para aumentar a absorção de raios ultravioleta. Portanto, a diferença de coloração da pele, da mais clara até a mais escura, indicaria simplesmente que a evolução do homem procurou encontrar uma forma de regular nutrientes.

Claude Blanckaert, historiador da ciência no Museu Nacional de História Natural, Paris, acredita que “a teoria das raças demonstra que a ciência jamais é neutra. A tese da grande corrente tornou-se, com o tempo, uma escala rígida de raças, dominada pelos europeus.”.

A partir de 1860, as ciências naturais e pré-históricas concordam que o homem tem uma história bem mais antiga do que se supunha até então. Mas as teorias se adaptam às idéias darwinistas: ao se admitir que as raças são diferentes quase desde a origem da humanidade, sugere-se que certos povos foram submetidos a uma “interrupção de desenvolvimento”.

No século 20, as mitologias nacionalistas foram dominadas pelos clichês, tudo para justificar as políticas colonialistas. O auge desse pensamento foi a ideologia da raça “ariana”, uma tremenda enganação científica, que justificava a eliminação da “anti-raça”, o judeu.

O século 21 fez sua estréia sob a sombra da divisão entre o bem, simbolizado por povos ocidentais (americanos e europeus) e o mal, personificado pelos povos do oriente. Que as idéias racistas não criem mais nenhuma explicação “científica” para provar mais nada!

Fonte indicada: Brasil 247

20 coisas para se lembrar se você ama uma pessoa com depressão

20 coisas para se lembrar se você ama uma pessoa com depressão

Por  CHRISTIAN MACIEL

Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem mais de 350 milhões de pessoas no mundo com depressão.

Tendo como base essa estatística impressionante, é altamente provável que todos nós, em algum momento de nossas vidas, tenhamos um contato próximo com alguém que sofre de depressão, sejam nossos amigos, família, colegas de trabalho, sejam até mesmo chefes – alguém muito próximo de nós precisará de nossa compreensão.

Em minha experiência como psicoterapeuta, os anos de trabalho me mostraram que um dos aspectos mais devastadores para quem lida com a depressão é ter que conviver com o estigma e com as críticas negativas que vêm das pessoas próximas. Essas pessoas, na maioria das vezes, nem mesmo percebem o quanto seus comportamentos e comentários são negativos e prejudiciais, e fazem com que o doente de depressão se sinta ainda pior.

Com isso em mente, apresento 20 coisas simples para nos lembrarmos quando formos interagir com aqueles que lutam contra a depressão. Qualquer um destes pontos não só pode ajudar, diminuindo o estigma em torno da depressão, mas, também pode ajudar o indivíduo a lidar com a doença em seu dia a dia.

1. A depressão pode agir como fortalecedora de caráter

Em uma recente conversa TEDx, o psiquiatra e filósofo, Dr. Neel Burton explicou que a depressão pode representar um mergulho mais profundo no significado e importância da vida. Uma pessoa que experimenta a depressão pode ser entendida como quem está trabalhando para dar sentido e aprimorar a vida. Além disso, a depressão pode ser uma maneira de preparar um futuro melhor e ainda mais saudável tanto para nós quanto para aqueles que nos rodeiam. Dr. Burton continua a mencionar que algumas das pessoas mais influentes e inspiradoras da história lidaram com a depressão ao longo de suas vidas, tais como, Abraham Lincoln e Winston Churchill. Sua busca pela paz e felicidade guiava seus corações e mentes para o poço da depressão, mas essa inquietação os auxiliou na mudança do curso da história.

É preciso imensa vontade e transparência para reconhecer e lidar com a presença da depressão, mas também, é possível que ela seja um grande impulsionador para que as pessoas criem respostas nos momentos mais sombrios de suas vidas. Em conclusão, a depressão pode levar as pessoas para os bosques profundos de suas alma, mas, também pode ajudá-las a limpar as ervas daninhas desnecessárias e os arbustos em que podem estar se escondendo a beleza da vida.

2. Pessoas com depressão precisam de mais companhia e gostam quando são procuradas por amigos e outras pessoas queridas.

Uma teoria que cresce sobre a raiz da depressão em nossa sociedade é a falta de relações sociais em nossas comunidades, e até mesmo em nossas famílias como desencadeantes ou mesmo potencializadoras da doença. Há uma dose constante de vazio e desconexão em nossas interações cotidianas, devido ao excesso de trabalho, televisão e tecnologia. As pessoas que desenvolvem depressão precisam de mais contato, mais amigos, mais pessoas chegando até elas, não o contrário.

Mesmo que haja um forte desejo por parte da pessoa doente pela solidão, é necessário quebrar esse ciclo. Amigos, vizinhos e pessoas próximas devem se aproximar para ver como estão as coisas, estimular e fazer um pouco de companhia.

Na próxima vez que você se lembrar de alguém que está passando por um estado depressivo, pense em um ato agradável, atraente e amigável que pode fazer, em vez de escolher ficar longe.

Considere seus entes queridos e amigos que estão passando pela depressão como pessoas que estão precisando de você e de sua presença mais do que nunca. Família e comunidade são remédios naturais para a depressão. Vamos começar a usá-los com mais frequência, e como um excelente complemento no tratamento.

Madre Teresa faz uma colocação muito pertinente e que pode ser lembrada nesse contexto: “A mais terrível pobreza é a solidão e o sentimento de não ser amado.”

3. A pessoa doente não tem intenção de sobrecarregar ninguém

Uma característica comum de pessoas que estão lidando com a depressão é que elas estão conscientes de si mesmos, de seus pensamentos, seus sentimentos e do comportamento dos outros em relação a elas. O peso que a depressão pode trazer sobre uma pessoa é suficiente para enterrá-la por um dia – e o julgamento de pessoas ao seu redor não está na lista de afazeres.

Apenas um indivíduo deprimido entende o quão difícil pode ser esconder seus sentimentos e pensamentos de outras pessoas para evitar julgamentos e outras situações constrangedoras.

Infelizmente, as pessoas que lutam contra a depressão podem optar pela solidão, porque elas não querem afetar ninguém negativamente. Embora isso possa não ser sempre o caso, entes queridos deprimidos desejam gerenciar sua depressão, e para isso podem tentar não afetar as pessoas próximas. Essa pode ser uma situação paradoxal, porque estar sozinho pode realmente agravar os sintomas de depressão.

A depressão pode fazer com que a pessoa se sinta como se ela fosse um fardo para o mundo, especialmente para aqueles que a rodeiam. Elas não estão em busca de atenção. É um entendimento valioso reconhecer que administrar a depressão é o objetivo mais importante de um indivíduo deprimido, não causando quaisquer ônus ou dor aos próximos. Se acontecer de eles te machucarem ou ofenderem, lembre-se de que eles não são o inimigo – a depressão é o verdadeiro inimigo. Diga à pessoa deprimida que você a aceita, incondicionalmente, e a lembre de  todas as características positivas que você ama nela.

4. Uma pessoa com depressão não está “quebrada” ou com defeito

O corpo humano é uma máquina complexa. Ainda mais complexo é o cérebro humano, suas estruturas e funções. Embora a causa de algumas formas de depressão não sejam totalmente conhecidas ou compreendidas, muitos de nós fazemos a suposição de que um indivíduo deprimido está com defeito ou falha em seu funcionamento. O valor de uma pessoa não está correlacionado com o diagnóstico de depressão. A depressão pode acontecer na vida de uma pessoa, por muitas razões e a ciência está longe de respostas definitivas.

A coisa mais útil que você pode fazer para ajudar é continuar a valorizar o indivíduo deprimido e olhá-lo como um todo, como uma pessoa valiosa.

5. Eles são filósofos naturais

Indivíduos que vivem uma depressão têm muitas perguntas e opiniões sobre a vida, sobre a felicidade e sobre a sua importância no mundo. A depressão tem um jeito engraçado de tornar a perspectiva da pessoa mais ampla e inclusiva.

Os indivíduos deprimidos gostariam de fazer do mundo um lugar melhor e mais justo. Eles gostariam de ter respostas para todos os desafios da vida e, em seguida, gostariam de compartilhar o conhecimento com tantas pessoas quanto possível. Às vezes, essa curiosidade pode ser uma inimiga, uma vez que irá criar mais perguntas do que há respostas.

Nunca se esqueça de reconhecer que os indivíduos deprimidos são inteligentes, curiosos e criativos. Esse é um ponto positivo, não negativo.

6. Eles estão lutando arduamente contra a depressão e precisam de apoio

Na maior luta de suas vidas, os indivíduos deprimidos precisam de líderes de torcida, não de intimidadores. É nos momentos mais sombrios que os amigos podem se tornar os anjos e os anjos se tornarem salva-vidas – literalmente. Você terá uma escolha em algum momento de sua vida para ser um salva-vidas ou um ceifador de esperanças. Seja um salva-vidas. Dê o presente da aceitação, ajuda, incentivo e presença.

7. Eles gostam de ter oportunidades de diversão e risos

O que é o oposto da depressão? É um fenômeno científico provado que o riso é bom para a alma e para a mente. Os indivíduos deprimidos funcionam da mesma maneira.

8. Eles são sensíveis aos sentimentos e ações de outras pessoas

Os indivíduos deprimidos cuidam – e eles se preocupam muito. Eles se preocupam sobre como você se sente, sobre como você os vê, sobre como você se vê e sobre o que os outros precisam. Pode ser que eles se preocupem até demais! Algumas das pessoas mais carinhosas que eu já conheci são pessoas que sofrem de algum tipo de depressão. Deixe-os saber o que você precisa e o que você não precisa.

Estabeleça limites claros e seja carinhoso e atencioso. Não há nada melhor do que um relacionamento sólido com base em uma comunicação saudável e com  limites.

9. Eles devem ser tratados com respeito

Há um estigma negativo vindo da sociedade e ligado a lidar com a depressão. O respeito é muito mais um valor do que um ato. Respeito envolve ver além do indivíduo deprimido e enxergar a pessoa inteira.

A depressão tem a capacidade de mascarar muitas qualidades positivas e verdadeiramente notáveis de uma pessoa. Não deixe que a depressão te engane ou engane a quem você ama. Comemore o que você não vê inicialmente, buscando a bondade das pessoas que sofrem com essa doença difícil.

10. Eles devem ser tratados como qualquer outra pessoa

Às vezes, apenas viver uma rotina com o máximo de normalidade possível pode trazer um tal impulso no tratamento que pode servir como um grande coadjuvante no tratamento para a depressão.

11. Eles têm talentos e interesses

Todos nós temos talentos e habilidades. Seus entes queridos que estão deprimidos adorariam fazer algo. E adivinha? Eles provavelmente podem fazê-lo muito, muito bem! Se você não sabe o que é, então, você acabou de encontrar a sua próxima missão. Vá descobrir. Ajude-os a encontrar a sua verdadeira paixão. Procure maneiras de alimentar e aprimorar essa paixão e, finalmente, apagar essa identidade negativa que vem com a luta contra a depressão.

12. Eles são totalmente capazes de dar e receber amor

Todo ser humano na Terra é capaz de dar e receber amor. E, você adivinhou! Seus entes queridos deprimidos não são diferentes. Dê e você receberá. Trate os outros como você gostaria de ser tratado. Não importa que alguém está lutando contra a depressão. A capacidade de amar ainda existe. Ela ainda está lá! Estenda a mão para ela. Você vai encontrar muito mais amor do que você imaginou que pudesse haver por lá.

Lembre-se de que, nas janelas de alívio dos sintomas da depressão, pode haver episódios maravilhosos de notável alegria, risos e comunhão. Você deve contar com elas e esperar que elas apareçam estando pronto para agir.

13. Eles adoram aprender sobre como funciona a vida

Em busca de maneiras de aliviar sua depressão, os indivíduos podem se tornar solucionadores de problemas naturais. Não se surpreenda se eles se tornarem leitores ou aprendizes vorazes. Não se surpreenda se eles fizerem perguntas que não podem ser respondidas rapidamente. Muitos dos líderes e pioneiros do mundo foram levados por uma análise profunda, pensamentos profundos e crenças e valores profundos, mas, fortemente enraizados. Às vezes, simplesmente devemos permitir que as nossas perguntas venham à tona.

14. Eles não planejam perder a luta contra a depressão

A luta contra a depressão pode acontecer ao longo de toda uma vida ou pode acontecer em um episódio isolado. Independentemente disso, uma luta é aquela que sempre precisa ser vencida. A pergunta sempre é: quando vou conseguir sair dessa depressão e como posso acelerar isso um pouco? O plano é ganhar contra a depressão. O objetivo é não se afundar em autopiedade. De extrema importância é lembrar que a depressão é tratável e há muitos, muitos recursos para ajudar. Um dos primeiros passos na luta contra a depressão é reconhecer a sua presença. Ao reconhecer a sua presença, você pode começar a tratá-la. Muitas vezes, uma pessoa em negação vai gastar inúmeras quantidades de energia escondendo sua depressão, ou tentando lidar com isso através de sua própria vontade.

15. Eles podem se sentir tristes, sem razão aparente, apenas esteja com eles

O humor pode ser volátil e instável, e ele não é algo que é facilmente controlado como um interruptor ou uma alavanca. Seus entes queridos estão tentando muito, mas, é muito difícil ser feliz, agradável e envolvente quando o humor varia pelo lado oposto.

Eles precisam de você por perto. Literalmente. Basta sentar-se com eles e ler um livro juntos, assistir a uma comédia, ou fazer um pequeno passeio até a loja de café local para uma pequena distração. Nenhum psicólogo é necessário nesse ponto, a relação acontece entre vocês, apenas a sua presença e aceitação são grande diferenciais.

16. Eles podem não ter tanta energia quanto eles gostariam de ter

Um dos sintomas da depressão é a fadiga ou a falta de energia. Um dos antidepressivos mais eficazes que tem sido reconhecido pelas pesquisas é o exercício. Eu imagino que você talvez já tenha ouvido falar dessa recomendação antes, mas deixe-me ser um pouco mais específico. O tipo e a duração do exercício pode variar, mas, o mínimo necessário para se sentir um efeito antidepressivo é fazendo uma caminhada rápida pelo menos três vezes por semana durante 30 minutos de cada vez.

17. Podem parecer irritáveis às vezes – mas, você não deve levar nada disso para o lado pessoal.

Irritabilidade é outro sintoma de depressão, embora não haja nenhuma desculpa para tratar as pessoas de maneira desrespeitosa. Por isso, é importante que exista uma expectativa quanto a um padrão mínimo que você espera de alguém. Um limite pode ser pensado como uma expectativa do que é ajustado, a fim de manter uma relação harmoniosa.

Se um indivíduo deprimido ferir seus sentimentos, de alguma forma, não há problema em dizer-lhes isso. Basta deixar que a pessoa amada saiba como você está se sentindo. Além disso, se o seu ente querido deprimido não está disposto a ouvir, tente novamente mais tarde quando as emoções estiverem mais equilibradas. Deixe-os saber que você os ama, mas que você também ama a si mesmo.

18. Eles não querem ouvir verbos como “deveria”.

Como em “Você deveria sair mais com seus amigos”. Se houver uma kriptonita para indivíduos deprimidos, é essa – o “deveria”. Os indivíduos deprimidos já têm um profundo e arraigado sentimento de “dever”. No caso de você não saber o que é um “dever”, é uma declaração de que tem um “sentimento de obrigação” inserido dentro de si. Por exemplo, você “deve” sair e se exercitar mais.  Se eu fosse você, eu faria x, y e z.

Uma postura como essa pressupõe que o indivíduo deprimido não tem uma mente e vontade própria e a pessoa que faz essas declarações assume uma atitude paternalista. E, entes queridos deprimidos não precisam de um pai dizendo o que eles “deveriam” fazer. Em vez disso, opte por fazer perguntas abertas e que deem à pessoa a oportunidade de refletir e tomar suas próprias decisões.

19. Eles precisam de muito apoio familiar e incentivo

Há um grande poder na utilização de um relacionamento como uma ferramenta para ajudar os indivíduos deprimidos a aprenderem sobre si mesmos.

Uma das melhores maneiras de fazer a diferença na vida de uma pessoa deprimida é deixar que ela saiba que você está lá com ela. Isso é algo que tem de ser comunicado diretamente, cara a cara. Algo que deve ser considerado também é a maneira com que você mostra o seu apoio e encorajamento. Aqui está uma pequena lista de recomendações:

– Dê um pequeno elogio sincero;

– Observe os pontos fortes e positivos da pessoa querida que está doente;

– Inclua essa pessoa em seus eventos ou planos;

– Remova as palavras “deveria” da relação;

– Respeite seus sentimentos e pensamentos, mas, use perguntas abertas, tanto quanto possível.

20. Eles precisam de reforço positivo mais do que críticas

Em qualquer relacionamento, destaque sempre os ganhos positivos e os comemore. Isso ajuda a aumentar a chance de repetição do comportamento desejado.

Por outro lado, ser o destinatário de reforço positivo gera um sentimento maravilhoso. Mesmo no local de trabalho, quando recebemos elogios e reconhecimento pelo nosso trabalho e esforços, aumentamos a nossa produtividade e nossa dedicação ao que fazemos.

A pessoa querida sempre receberá um reforço em sua autoestima quando você decidir usar um reforço positivo.

Experimente.

Do original:  20 Things to Remember If You Love A Person With Depression

Traduzido e adaptado por Josie Conti exclusivamente para o site Conti outra.

Dica de livro: O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão, Andrew Solomão

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), poema de Tiago de Melo

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), poema de Tiago de Melo

Dedicado a Carlos Heitor Cony, Tiago de Melo escreve, em 1964, “Os Estatutos do Homem”. Assim, meio à turbulência de um país marcado pela mácula dos Atos Institucionais que cerceavam a liberdade, suprimindo Direitos, eis que a poesia nos empresta as sua asas, na mais ampla libertação.

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Artigo 1
Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida e de mãos dadas marcharemos todos pela vida verdadeira;

Artigo 2
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, tem direito a converter-se em manhãs de domingo;

Artigo 3
Fica decretado que a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra e que as janelas devem permanecer o dia inteiro abertas para o verde onde cresce a esperança;

Artigo 4
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem, que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu; parágrafo único, o homem confiará no homem como um menino confia em outro menino;

Artigo 5
Fica decretado que os homens estão livres do julgo da mentira, nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem armadura de palavras, o homem se sentará a mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa;

Artigo 6
Fica estabelecida durante dez séculos a pratica sonhada por Isaías que o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora;

Artigo 7
Decreta e revogada, fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraudada da alma do povo;

Artigo 8
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá a planta o milagre da flor;

Artigo 9
Fica permitido que o pão de cada dia que é do homem o sinal de seu suor, mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura;

Artigo 10
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida o uso do traje branco;

Artigo 11
Fica decretado por definição que o homem é o animal que ama, e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã;

Artigo 12
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com imensa begonia na lapéla; parágrafo único, só uma coisa fica proibida, amar sem amor;

Artigo 13
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar um sol das manhãs de todas, expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de tentar e a festa do dia que chegou;

Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso da dor, a partir deste instante, a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Tiago de Melo

Santiago do Chile, abril de 1964

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Sobre amar o outro como ele é- Padre Fábio de Melo

Sobre amar o outro como ele é- Padre Fábio de Melo

Se você não consegue lidar com os limites dos outros, é porque você não consegue lidar com os seus limites. A rejeição é um processo de ver-se.

Toda vez que eu quero buscar no outro o que me falta, eu o torno um objeto. Eu posso até admirar no outro o que eu não tenho em mim, mas eu não tenho o direito de fazer do outro uma representação daquilo que me falta. Isso não é amor, isso é coisa de criança.

O anonimato é um perigo para nós. É sempre bom que estejamos com pessoas que saibam quem somos nós e que decisões nós tomamos na vida. É sempre bom estarmos em um lugar que nos proteja.

Amar alguém é viver o exercício constante, de não querer fazer do outro o que a gente gostaria que ele fosse. A experiência de amar e ser amado é acima de tudo a experiência do respeito.

Como está a nossa capacidade de amar? Uma coisa é amar por necessidade e outra é amar por valor. Amar por necessidade é querer sempre que o outro seja o que você quer. Amar por valor é amar o outro como ele é, quando ele não tem mais nada a oferecer, quando ele é um inútil e por isso você o ama tanto. Na hora em que forem embora as suas utilidades, você saberá o quanto é amado!

Tudo vai ser perdido, só espero que você não se perca. Enquanto você não se perder de si mesmo você será amado, pois o que você é significa muito mais do que você faz!

O convite da vida cristã é esse: que você possa ser mais do que você faz!

Saibamos o que os poetas falam das mães

Saibamos o que os poetas falam das mães

Quando a mãe é a musa, assim nasce o poema:
Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Manoel de Barros

Mãezinha
Andam em mim fantasmas, sombras, ais…
Coisas que eu sinto em mim, que eu sinto agora;
Névoas de dantes, dum longínquo outrora;
Castelos d’oiro em mundos irreais…

Gotas d’água tombando… Roseirais
A desfolhar-se em mim como quem chora…
— E um ano vale um dia ou uma hora,
Se tu me vais fugindo mais e mais!…

Ó meu Amor, meu seio é como um berço
Ondula brandamente… Brandamente…
Num ritmo escultural d’onda ou de verso!

No mundo quem te vê?! Ele é enorme!…
Amor, sou tua mãe! Vá… docemente
Poisa a cabeça… fecha os olhos… dorme…

Florbela Espanca

Canção para a minha mãe

E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!

Terra lavrada e quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!

Ias, resignada, apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!

Miguel Torga


Gaiota

Como não tinha
um pintor expressionista
naquele instante
a atravessar a avenida?

Como não tinha
um fotógrafo que fosse?
Um repórter de tevê
com a câmera a postos?

Só cruzou por ali
um poeta novato
e registrou a cena
em versos telegráficos:

O anjo nu dormita
sobre sacos de lixo
na gaiota. A mãe
é tração animal.

Paulo Becker

Mãe

Você chegou de mansinho, mãe
Como quem pisasse em películas de candura.
E disse coisas amenas e claras,
Numa combinação rara
De borbulhas de sonho
E aurora de sol:
– “Dorme, filhinha!”
E colocou-me no colo
E pediu que se apagassem as luzes da terra
Para que eu pudesse dormir
Recostada em seu peito.
Contou-me histórias de estrelas antigas
E de miragens bucólicas
Enluaradas de azul e poesia.
Beijou-me a face
E velou o meu sono,
Sempre a observar
A intensidade do meu estado febril.
A febre passou, mamãe,
E a minha infância também.
Os encantamentos do seu carinho, não.
Estes jamais passarão.

Nara Rúbia Ribeiro

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É no ínfimo que vejo a exuberância

É no ínfimo que vejo a exuberância

“É no ínfimo que vejo a exuberância.” Manoel de Barros

A véspera da viagem sonhada; o café da manhã da criança, em primeiro dia de aula; à espera de um sábado cinzento, com a agenda repleta de nadas; uma bendita noite, digna de revelar um antigo segredo; a obviedade de um amor, por anos enclausurado em cólera; para despertar os orvalhos; dias de verão, sem nuvens para apaziguar o colorir das peles; consumar o trabalho idealizado; o almoço viciado em ópios; quando a vida é traduzida em outras línguas; será que será eterno?

Quando me foi emprestado o olhar para que a arte se manifestasse em minha íris; dia de faxina para a festa; dia de faxina depois da festa, à procura de sussurros ou embriaguezes primeiras; em busca de um olhar que sorria com a mesma intensidade de quem respira; acender uma vela em oração.

Lagartixa em comunhão com a varanda; aspirar os pensamentos da miragem; sentir-me encharcada por milagres, ainda imaculados; café com cigarro; entregar uma flor de bicicleta; ler o cartão de quem destina uma flor; pela dissonância que torna alguém artista; uma melodia subscrita na carne.

Negação do amanhecer; pela lua que se vai em sincronia com um beijo; o sol primogênito da concretude de um sonho; pela morte de um corpo já sem passado, já sem futuro; rompimento da bolsa; sublimação da dor que há séculos habitava o músculo, fatigado de excessos.

Pela imagem poética ilusória; pelo presságio que dê nome à jornada; por amigos que clamam compartilhar suas quimeras; rompimento dos ovos, em coração de árvore.

Não anoitecer a solidão; transcrever, apenas, minha renúncia à existência mesquinha; carregar o fardo dos vagalumes.

Com ansiedade de amanhecer, recebo, em ternura, a missão de desobsediar epifanias.

Ps: dedico este texto à minha irmã, Renata. Que ela tenha muitas ansiedades de amanhecer na nova vida!

Mariana Portela 

Confissões, Declarações e Crônicas…

Antropologia: a ciência da Alteridade

Antropologia: a ciência da Alteridade

Por Letícia Maia

Alguns definem a Antropologia como sendo a ciência que estuda o homem.
Alguns dividem a Antropologia em diversas classes e vertentes.
Alguns nem ao menos sabem o que é Antropologia.
A Antropologia realmente é uma ciência que estuda o homem. Porém, muitas outras ciências também o estudam. O que a difere das demais ciências é o estudo do ser humano em todas suas dimensões. O homem e todas suas relações, tradições, singularidades e semelhanças. Existem, de fato, diversas “antropologias”, algumas muito conhecidas – como a Cultural e a Arqueológica, outras nem tanto – como a Visual e a Linguística.
Mas além de todos estes conceitos e definições, vejo na Antropologia a ciência do ESTRANHAMENTO e, consequentemente, da ALTERIDADE.
“Estranhar” o Outro. Reconhecer em outro indivíduo (ou em um conjunto deles) suas peculiaridades e diferenças. Não somente, mas também suas equivalências. É na prática do ESTRANHAMENTO que eu me identifico, que eu me vejo como ser único e que eu me afirmo como sendo, da mesma maneira, o Outro.

E é neste contexto que nasce a ALTERIDADE. O momento de contato com o Outro. Identificando-o, considerando-o, valorizando-o e, acima de tudo, respeitando-o. Tentar compreender, sem julgamentos ou sobreposições. Afinal, vivemos o paradoxo de sermos diferentemente iguais e igualmente diferentes. “Multicoloridos homens”.
Talvez seja essa essência que falte em muitas outras ciências e em muitos outros indivíduos e seus conjuntos…
Alguns definem a Antropologia como sendo a ciência que estuda o Homem.
Eu defino a Antropologia como sendo a ciência da Alteridade.

contioutra.com - Antropologia: a ciência da Alteridade

Nota da CONTi outra: agradecemos à Letícia Maia por nos enviar esse lindo texto e autorizar a publicação nesse local.
Letícia Maia estuda Ciências Sociais com bacharelado em Antropologia pela Universidade de Brasília.

Tratado do saber viver – um verbo em consequência do outro

Tratado do saber viver – um verbo em consequência do outro

Por Joana Nascimento

Olhar e realmente enxergar.

Ouvir e realmente escutar.

Falar e realmente dizer.

Ler e realmente entender.

Estudar e realmente saber.

Visitar e realmente conhecer.

Dançar e realmente extravasar.

Lutar para realmente conseguir.

Agir para realmente impressionar.

Avistar para realmente alcançar.

Provar e realmente experienciar.

Sentir para realmente significar.

Ficar para realmente permanecer.

Sorrir e realmente felicitar.

Ser para substancialmente existir.

Sucumbir à essência e complexidade da vida; para realmente viver.

Joana Nascimento 

contioutra.com - Tratado do saber viver – um verbo em consequência do outroSou jornalista e aspirante a produtora e crítica cultural, e, bem incipiente, roteirista de cinema.
Acredito piamente no conhecimento do maior número de textos teóricos, narrativos e imagens como forma de evolução mental e espiritual.
Embora tenha vontade, sei que uma pessoa não muda o mundo, mas creio que cada cabeça individual é um universo diferente, e este, nós podemos melhorar sempre. O impacto positivo no todo externo será sempre progressivo e crescente.
Gosto de escrever sobre existencialismo e condutas de vida, sempre fazendo analogias com filmes, livros, música e teatro. Conheça mais em www.joananasc.blogspot.com.br.

Machista? Eu???

Machista? Eu???

Por Elika Takimoto

Ser machista no Brasil é como ser racista, ou seja, ninguém assume que é. No entanto, se perguntarmos para os negros se eles se sentem discriminados, eles dirão, em sua grande maioria, que sim. Se perguntarmos para as mulheres… o assunto fica por demais controverso. Poderia levantar a discussão sobre as mulheres que adoram andar ao lado de um ‘cavalheiro’, tomado aqui no sentido de querer dizer que elas se sentem bem ao caminhar não com um homem gentil e sim com um homem que a proteja e que a perceba como um ser frágil e inferior. Segue daí uma grande discussão, a começar pela dificuldade de diferenciar ‘machista’ de ‘cavalheiro’. Mas não é essa polêmica que quero aguçar. É uma outra. Esse texto é sobre uma determinada bandeira que levanto desde que soube que meu nome era Elika Takimoto. E vou teimar em hasteá-la porque insisto em querer construir uma sociedade mais igualitária, onde não precise ler quase todos os dias nos jornais casos de estupros, meninas com medo dos próprios colegas de escola, mulheres reféns dessa violência que por vezes acontece de forma silenciosa e burocrática.

Após ouvir vários homens casados que se dizem zero-machistas, perguntei-lhes: como é o sobrenome de sua esposa? Cem por cento dos casos, o marido diz naturalmente o sobrenome da cônjuge que é, vejam que interessante, o mesmo deste que se diz em posição igual a das mulheres.

Para começar, alguns detalhes da nossa história: o primeiro Código Civil Brasileiro (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), em sua redação original, pontuava, no artigo 240: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos de família”. Por “apelidos” entenda-se o sobrenome do marido, que poderia ser simples ou composto, ou seja, sua adoção era uma ‘obrigação’ da mulher. Tal obrigatoriedade significava uma afirmação do poder marital, da supremacia do varão, cuja origem vem do direito romano, em que a mulher ingressava na família do esposo. Esta adoção de nome era um costume a que a lei deu guarida, e devia ser compreendida como uma expressão da comunhão de vida entre os dois cônjuges. Que lindo.

Hoje, as coisas mudaram. Já não é mais obrigatório as mulheres adotarem o sobrenome dos maridos, embora muitos nem sequer saibam disso. Vale observar, trocar de identidade tem um significado forte subliminar: a mulher, literalmente, aceita perder a sua ‘identidade’ em prol de se fortalecer na nova família liderada pelo marido. Há meninas que irão dizer que é uma prova de amor, uma homenagem tal e qual uma tatuagem. Justamente, queridinha, o sobrenome do marido, que a esposa passa a usar, funciona como um carimbo a mostrar que ela tem um dono e senhor, tipo gado quando é comprado e marcado na pele as iniciais do fazendeiro ao qual passa a pertencer.

Ah, já estou ouvindo daqui você dizer que não fez isso pensando assim, que vocês se amavam, que no furor da paixão isso passou despercebido e que no frigir dos ovos você não tem culpa de nada, apenas fez o que manda o figurino e que, sim, não pode ser acusado de machista por isso. Mas saibam, vocês (homens e mulheres) que aceitam isso sem questionar, são sim machistas e têm tudo a ver com o que as mulheres sofrem hoje. Vocês também são responsáveis por esses tristes números que vemos nos jornais indicando a violência com pessoas do sexo feminino. Ignorar isto é fingir que o mundo é um conto de fadas e que os casamentos são todos como os que vemos na sessão da tarde. A relação homem-mulher é tensa, o conflito existe e ameaça e mata e estupra. Você que diz que nada tem a ver com isso está se esquivando de sua responsabilidade social adotando a posição cômoda zecapagodiana de deixar a vida lhe levar. Com exceção do Zeca, sabemos bem onde vai dar isso.

Acredito que este seja um caso em que nem a própria mulher reconhece sua condição de submissão. E entender essa situação, esse processo histórico, é uma característica, acredito eu, significativa para a superação da desigualdade. Não aceitar o sobrenome do marido é um caminho para se fortalecer como indivíduo independente, é manter a sua identidade, a sua completude. E saiba que esse caminho se faz não somente nessa atitude, no passado, digo, no ato do casamento civil, mas que ele precisa ser trilhado no dia-a-dia, constantemente, também no aqui e no agora. Diversas vezes, a título de exemplo e esclarecer o que estou querendo dizer, quando viajamos, eu e meu marido, preenchendo documentos de hotéis, perguntaram-nos: Mas vocês não são casados? Ou, então, já saíam tirando suas próprias conclusões: Pensei que vocês fossem casados! Na nossa Lua de Mel, vejam bem, o meu nome foi incluído em todas as fichas nos passeios como Elika Borges e eu tinha que pedir, exigir, implorar para que elas fossem refeitas. Ainda assim, chamavam-nos de casal Borges.

Embora insista que a identidade seja o ponto de referência a partir do qual surge o conceito e a imagem de si, sei muito bem que ela não é algo único e sim um sistema identificatório em processo dinâmico. Mas vamos ser sinceros com nós mesmos, de uma forma muito geral e bastante concreta, o nosso nome e sobrenome são mais que meras palavras escritas ou faladas. Eles estão direcionados a representar todo o nosso universo pessoal. Desde que os humanos passaram a denominar os objetos e situações, ainda na sociedade neandhertal, o nome passou a ser utilizado como uma identificação, uma forma de distinguir e individualizar uns dos outros. Assim, passou a ser considerado um determinante da personalidade, e, por isto, não é possível que alguém exista sem esta designação pessoal. Sem seu nome e seu sobrenome.

Mas sim, você pode querer não enxergar nada disso e achar que é só mais uma polêmica. Afinal, não foi você quem fez a lei. Entretanto, meu bem, se a seguiu, ainda que pudesse ter feito diferente, você tem sua parcela de contribuição com a violência que testemunhamos diariamente neste nosso país porque um tipo de preconceito muito danoso é este que não grita, age de forma silenciosa, sonsa e como se fosse natural. Diluído no dia a dia e em nossa cultura aparece como uma forma de manter a ordem das coisas e de lembrar quem manda. E quem obedece.

Não, senhores e senhoras, não estou querendo que vocês refaçam as suas identidades e as suas certidões de casamento. Mas pega mal dizer que vocês não são machistas se se recusam a enxergar que isso reflete toda uma história de discriminação com a mulher. Teimar em não se ver como machistas, à luz de tudo o que foi dito, é ser conivente com o estuprador que só enxerga, quando olha uma mulher, um objeto feito para lhe servir, submisso, descartável assim como um documento que não vale mais.

Sou Elika Takimoto. Sou livre dentro de um casamento. Aqui não encontrei nenhuma metade porque eu estou inteira. Sou e sempre fui, antes de tudo, fiel a mim mesma e aos meus ideais de justiça e igualdade.

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