Confissões de uma sociopata

Confissões de uma sociopata

Diagnosticada como sociopata, M.E Thomas é autora do livro Confessions of a Sociopath – A Life Spent Hiding in Plain Sight (Confissões de uma Sociopata – Uma Vida Vivida se Escondendo Bem à Vista, ainda sem edição no Brasil), lançado em maio nos EUA. No livro, ela, professora de direito e Catequista, conta como manipula e engana as pessoas ao seu redor, usando seu charme e a sua crueldade. Vale conferir:

“Talvez eu tenha um distúrbio, mas não sou louca. Num mundo povoado por seres melancólicos, negativos e medíocres, as pessoas são incrivelmente atraídas pelo meu excepcionalismo.

Esta é minha história: certa vez, em Washington DC, um funcionário do metrô tentou me repreender por eu ter usado uma escada rolante interditada. “Você não viu a placa amarela?”, disse. Respondi: “Placa amarela?”. “Eu acabei de colocá-la, e você deveria ter desviado”, retrucou. Seguiu-se silêncio, meu rosto estava sem expressão. O homem continuou: “Isso é invasão! É errado invadir! A escada rolante está fechada, você infringiu a lei!”. Continuei olhando para ele em silêncio. Visivelmente abalado por minha falta de reação, finalizou a conversa com um: “Da próxima vez, não use a escada rolante interditada, tudo bem?”.

Não, não estava tudo bem. Fiquei parada ali por um momento, deixando minha raiva chegar até a parte do cérebro que toma decisões e, de repente, me acalmei e me concentrei. Pisquei meus olhos, ajeitei a mandíbula e comecei a seguir o funcionário do metrô. A adrenalina corria pelo meu corpo, na minha boca, um gosto metálico. Minha esperança era que ele entrasse num corredor deserto onde eu o encontraria sozinho. Uma imagem invadiu minha mente: minhas mãos segurando o pescoço dele, meus polegares cravados em sua garganta, a vida dele escorregando pelas minhas mãos. Estava focada. Era a coisa certa a se fazer. Só sei que caí numa fantasia megalomaníaca. E, no final, o perdi de vista.

LONGE DA CULPA

Não fui abusada sexualmente na infância, não sou assassina nem criminosa. Nunca fui encarcerada nos muros de uma prisão, prefiro os cobertos de plantas. Sou uma advogada de sucesso, professora de direito e uma jovem acadêmica respeitada. Sempre escrevo artigos para revistas da área e apresento novas teorias legais. Doo 10% da minha renda para caridade e sou professora de catecismo aos domingos na igreja mórmon. Tenho um círculo de parentes e amigos íntimos que eu amo e me amam. Você se identifica com essa descrição? Estimativas recentes mostram que uma em cada 25 pessoas é sociopata. Mas você não é um assassino em série e nunca foi preso? Pois é, a maioria de nós tem esse perfil. Somente 20% da população carcerária é sociopata e, no entanto, somos responsáveis por cerca de metade dos crimes hediondos cometidos. A maioria de nós vive em liberdade e no anonimato, tem empregos, é casada e tem filhos.

Você ia gostar de mim se me conhecesse. Tenho um sorriso comum entre estrelas de TV e raro na vida real: brilhante, perfeito e cativante. Sou o tipo de companhia ideal para você levar ao casamento da sua ex — divertida e animada. Por ser bem-sucedida, seus pais me adorariam caso você me levasse à sua casa.

Talvez o aspecto mais evidente da minha autoconfiança seja a maneira com que mantenho contato visual, o que algumas pessoas chamam de “olhar de predador”. Sociopatas não se abalam ao serem observados ininterruptamente. Por não desviarmos o olhar educadamente, somos percebidos como agressivos ou sedutores. As pessoas ficam meio perturbadas, mas de uma maneira emocionante, que imita o despertar de uma paixão.

Minha infância foi de uma filha do meio, com um pai violento e uma mãe indiferente, e muitas vezes até histérica. Eu desprezava meu pai. Não podíamos confiar nele para sustentar a família — diversas vezes chegávamos em casa e encontrávamos a energia cortada porque a conta não havia sido paga. Ele gastava milhares de dólares em hobbies caros, enquanto colhíamos laranjas do quintal para comer de almoço na escola. O primeiro sonho recorrente do qual me recordo era eu matando meu pai. Havia algo de emocionante naquela violência; eu quebrando uma porta na cabeça dele sem parar, sorrindo, enquanto ele caía no chão, imóvel.

Eu fazia questão de não recuar em nossos confrontos. Certa vez, na adolescência, discutimos sobre a mensagem de um filme que havíamos assistido. Eu disse: “Você pode acreditar no que quiser” e saí. Entrei no banheiro, que ficava no alto da escada, e tranquei a porta. Sabia que ele odiava aquela frase (minha mãe já havia dito isso antes) e o fato de eu repeti-la representava uma nova geração de mulheres em sua casa que se recusava a respeitá-lo. Também sabia que ele detestava portas trancadas.

Sabia que tudo isso iria afetá-lo, e era o que eu queria. “Abra essa porta! Abra essa porta!” Ele fez um rombo na porta e eu pude ver que sua mão estava inchada e ensanguentada. Eu não estava preocupada com a mão dele, e também não estava feliz por ele estar machucado, pois sabia que o fato de ser arrebatado por tanta paixão lhe causava satisfação e que ele podia ignorar a dor e o sofrimento. Ele continuou abrindo aquele buraco na porta até que fosse grande o bastante para que ele pudesse enfiar seu rosto: ele sorria tão largamente que até seus dentes estavam à mostra.

Meus pais sempre ignoraram minhas tentativas explícitas e estranhas de manipular, enganar e induzir os outros. Não perceberam que eu me relacionava com coleguinhas de infância sem criar vínculos, tratando-os como se fossem objetos. Eu mentia o tempo todo e roubava coisas dos outros, mas, na maioria das vezes, enganava as crianças para que me dessem algumas coisas delas. Eu quebrava coisas, queimava coisas e machucava os outros.

Mas fiz o necessário para cair nas graças de todos e, assim, conseguir o que queria: comida quando a despensa da minha casa estava vazia, caronas quando meus pais estavam ausentes, ser convidada para festas, e o que eu mais ansiava: suscitar medo. Sabia que estava no comando.

 

FALTA DE AMOR À VIDA?

Agressão, tomada de risco e falta de preocupação com a própria saúde ou com a dos outros são traços da sociopatia. Quando eu tinha oito anos quase me afoguei no mar. Minha mãe me disse que quando o salva-vidas me tirou da água e me ressuscitou, minha primeira reação foi tentar dar uma gargalhada. Eu aprendi que a morte poderia vir a qualquer momento, mas nunca tive medo.

Antes do meu aniversário de 16 anos, fiquei muito doente. Geralmente não dizia nada para ninguém, porém, naquele dia, falei pra minha mãe que estava com pontadas abaixo do esterno. Após expressar sua exasperação costumeira, ela me deu um remédio natural e me mandou fazer repouso. Mesmo doente, fui para a escola.

Todos os dias meus pais me davam um remédio diferente; eu carregava uma sacolinha com antiácido, antitérmico e homeopatias.Mas ainda estava com dor. Toda a energia que usava para me integrar à sociedade e encantar os outros foi redirecionada para controlá-la. Parei de sorrir e cumprimentar as pessoas. Não filtrava meus pensamentos secretos. Dizia às minhas amigas como elas eram feias e o quanto mereciam tudo aquilo de mau que lhes acontecia. Sem energia para dosar, assumi minha maldade.

Minha dor no abdômen se transferiu para as costas. Meu pai examinou meu tronco e viu que algo estava errado. “Vamos ao médico amanhã”, disse. No consultório, o doutor falava num tom de indignação. Minha mãe ficou quieta, num estado semicatatônico, assim como ficava quando meu pai socava as coisas em casa. O médico perguntou: “Se você estava sentindo dor, o que fez nos últimos 10 dias?”. E, então, desmaiei. Quando recuperei os sentidos, escutei gritos e meu pai tentando convencer o médico a não chamar a ambulância. Vi o pânico estampado nos olhos dele. Fui para uma sala de cirurgia e, quando acordei, vi meu pai de pé ao meu lado. Meu apêndice tinha sido perfurado, toxinas vazaram em meu intestino, tive uma infecção grave e os músculos das costas gangrenaram. “Você poderia ter morrido.” Acho que minha sociopatia foi desencadeada porque nunca aprendi a confiar em ninguém.

MANIPULADORA PROFISSIONAL

Meus traços sociopatas fazem de mim uma ótima advogada de tribunal — a certa altura, trabalhei como procuradora no departamento de delitos leves do Ministério Público. Mantenho a calma sob pressão e não sinto culpa nem complacência, o que é muito útil num ramo sujo como este.

É comum procuradores de delitos leves entrarem num julgamento sem nunca ter visto o caso. A única coisa que se pode fazer é blefar e tentar enrolar até o final. Nós, sociopatas, não somos afetados pelo medo. Além disso, a natureza do crime não é uma preocupação moral, estou interessada apenas em ganhar aquele jogo.

Trabalhei também numa firma de advocacia onde era subordinada a uma sócia-sênior chamada Jane. Em escritórios de direito, você deve tratar os sócios-seniores como uma autoridade, e Jane levava essa hierarquia a sério. Estava claro que ela não gozava desse tipo de poder em nenhuma outra esfera social. Sua pele pálida e manchada por causa da idade, dieta inadequada e higiene questionável eram evidência de uma vida inteira levada fora da elite social. Jane era uma mistura de poder e inseguranças.

Um dia, entramos juntas no elevador, onde já estavam dois homens altos e bonitões. Dava para perceber que eles eram do tipo que ganhava milhões de dólares em bônus e provavelmente vinha trabalhar num dos muitos Maseratis parados no estacionamento. Os dois conversavam sobre uma sinfonia a que haviam assistido na noite anterior — eu também havia assistido, apesar de nunca fazer este tipo de programa.

Casualmente, então, perguntei a eles sobre a sinfonia. Eles se animaram. “Que bom que encontramos você! Talvez possa resolver um conflito. Meu amigo acha que a performance de ontem à noite era o segundo concerto de Rachmaninoff, mas eu acho que era o terceiro”, disse. No que afirmei: “Era o segundo”. Mal importava qual era a resposta certa. Os dois homens me agradeceram e saíram do elevador, enquanto Jane e eu seguimos num silêncio que fez com que ela contemplasse as dimensões da minha superioridade social e intelectual.

Quando chegamos ao escritório, ela estava tensa e não conversamos sobre o projeto de trabalho. Em vez disso, falamos sobre suas escolhas pessoais, suas preocupações e inseguranças em relação ao emprego e a seu corpo, e sua atração por mulheres — apesar de estar noiva de um homem.

Depois daquele episódio, sabia que quando ela me visse seu coração iria disparar. Ela se preocuparia com os pontos vulneráveis que havia exposto. Sei que assombrei seus sonhos por um bom tempo. O poder é uma recompensa em si mesmo, mas graças a essa dinâmica particular que estabeleci com ela acabei conseguindo três meses de férias remuneradas devido a uma suposta ameaça de câncer e um procedimento ambulatorial.

DESTRUIDORA DE CORAÇÕES

Gosto de imaginar que “arruinei a vida de alguém” ou seduzi uma pessoa a ponto de ela ser irreparavelmente minha. Namorei Cass por um tempo, mas inevitavelmente perdi o interesse. Ele, não. Foi quando encontrei outras utilidades para Cass. Certa noite, fomos a uma festa onde conhecemos Lucy. Ela se destacava sobretudo por sua semelhança comigo, o que me fez querer destruí-la. Fiz meus cálculos — Lucy gosta do Cass e Cass gosta de mim; eu tinha um poder inesperado sobre Lucy. Sob meu comando, Cass começou a seguir Lucy. Descobri tudo sobre ela através de seus melhores amigos: Lucy e eu tínhamos nascido no mesmo dia, com apenas algumas horas de diferença, tínhamos os mesmos gostos, as mesmas implicâncias e o mesmo estilo de se comunicar.

Durante o tempo em que Lucy namorou Cass, fiz questão de mantê-lo ao meu lado como um brinquedo: eu o convencia a marcar encontros com ela e depois cancelar tudo para ficar comigo. Ele sabia que estava sendo usado por mim para atingi-la. Quando começou a sentir remorso, terminei tudo com ele. Esperei até que se dedicasse exclusivamente a Lucy, que ela ficasse esperançosa. E, então, liguei para ele novamente. Disse que éramos feitos um para o outro.

Lucy piorou as coisas para o lado dela — sua vida pessoal não era segredo para ninguém, principalmente para pessoas como eu, que usava isso contra ela. O que mais me interessava em tudo isso era o carinho que eu sentia por Lucy. Eu quase queria ser amiga dela de verdade. Só de pensar nesse assunto começo a salivar. Mas quando ela se tornou uma sobremesa muito enjoativa, comecei a evitá-la. Fiz com que Cass terminasse com ela de uma vez por todas.

Mas o que realmente fiz para Lucy? Nada. Ela agarrou um cara e o beijou. Ela gostava desse cara. Saía com ele duas vezes por semana, às vezes com amiga estranha dele junto — eu. Depois de um tempo, não deu mais certo. Fim. Eu não estraguei nada em sua vida. Agora ela é casada e tem um bom emprego, pronto.

A pior coisa que fiz foi incentivar um romance que ela acreditava ser sincero, mas que eu arranjei (da melhor forma possível) para ferir seus sentimentos. Sei que meu coração é mais preto e frio que o da maioria das pessoas. Talvez por isso seja tão tentador partir o delas.

O QUE É O MAL, AFINAL?

A igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é o sonho de todo o sociopata. Os mórmons acreditam que todos podem ser iguais a Deus — inclusive eu acredito nisso. Todos os seres humanos podem ser salvos; o que importa são minhas ações e não meus pensamentos cruéis, nem minhas motivações nefastas.

Quando frequentei a escola Brigham Young, onde os alunos eram mais confiáveis do que os mórmons comuns, eu tinha inúmeras oportunidades de enganar as pessoas. Eu roubava coisas dos “achados e perdidos”. Fingia que tinha perdido um livro e depois o vendia, por exemplo. Ou pegava uma bicicleta que estava encostada no mesmo lugar há dias. Afinal, achado não é roubado.

Remorso é um sentimento que me é alheio, tenho uma queda por enganar pessoas. Geralmente não me prendo a sentimentos irracionais e confusos. Sou estratégica e esperta, inteligente e confiante. Mas eu sou uma pessoa de bem: comprei uma casa para uma amiga, dei US$ 10 mil para meu irmão e sou considerada uma professora muito útil. Eu amo meus amigos e minha família. Mesmo assim, não vivo de acordo com as regras que a maioria das pessoas de bem vive.

Não quero dar a impressão de que você não precisa se preocupar com os sociopatas. Só porque eu sou funcional e não-violenta não significa que não existam os estúpidos, desinibidos e perigosos soltos por aí. Eu mesma fujo de indivíduos assim. Afinal, não existe um pacto de não-agressão entre nós, sociopatas.

Apesar de ter imaginado fazê-lo diversas vezes, nunca passei uma faca no pescoço de ninguém. No entanto, me pergunto se caso eu tivesse crescido num lar mais abusivo se teria sangue em minhas mãos. Pessoas que cometem crimes hediondos não são mais estragadas que os outros, mas parecem ter menos a perder. É fácil imaginar uma versão de mim mesma com 16 anos algemada e vestindo uniforme prisional laranja. Se eu não tivesse alguém para amar ou nada para conquistar, talvez. É difícil dizer.”

COMO RECONHECER UM SOCIOPATA

No livro A Máscara da Sanidade, de 1941, o psiquiatra americano Hervey Cleckley destrinchou as principais características de um sociopata. veja algumas:

• Charme e inteligência
• Ausência de ilusões e outros tipos de pensamentos irracionais
• Falta de senso de realidade
• Não confiável
• Tende a mentir e ser pouco sincero
• Ausência de culpa e vergonha
• Julgamento fraco e inabilidade de aprender por experiência
• Egocentria patológica e incapacidade de amar
• Pobreza nas reações afetivas
• Vida sexual impessoal, trivial e sem integração
• Fracasso em seguir um plano de vida

Originalmente publicado em: para Psychology Today
Fonte:Revista Galileu

‘Os demônios do Demônio’, por Eduardo Galeano

‘Os demônios do Demônio’, por Eduardo Galeano

Muçulmanos, judeus, mulheres, homossexuais, índios, negros, estrangeiros e pobres: em ensaio de 2005, escritor discorre sobre as diferentes faces do Demônio, descritas pela antítese de cada um desses ‘anjos do mal’

Publicado originalmente no site da revista Le Monde Diplomatique, Opera Mundi e reproduzido aqui da versão Geledes.

Esta é uma modesta contribuição à guerra do Bem contra o Mal. Entre os diversos semblantes do Príncipe das Trevas, só estão os demônios que existem há muito, muito tempo, e que há séculos ou milênios continuam ativos no mundo.

O Demônio é mulçumano

A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos
Dante já sabia que Maomé era terrorista. Por alguma razão o colocou em um dos círculos do inferno, condenado à pena de prisão perpétua. “O vi partido”, celebrou o poeta em A Divina Comédia , “desde a barba até a parte inferior do ventre…”. Mais de um Papa já tinham comprovado que as hordas muçulmanas, que atormentavam a Cristandade, não eram formadas por seres de carne e osso, eram um grande exército de demônios que aumentava quanto mais sofria com os golpes das lanças, das espadas e dos arcabuzes.
Hoje em dia, os mísseis fabricam muito mais inimigos que os inimigos das entranhas. Porém, que seria de Deus, afinal de contas, sem inimigos? O medo impera, as guerras existem para desbaratar o medo. A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos. Na Idade Média, cada vez que o trono tremia, por bancarrota ou fúria popular, os reis cristãos denunciavam o perigo muçulmano, desatavam o pânico, lançavam uma nova Cruzada, o santo remédio. Agora, há pouco tempo, George W. Bush foi reeleito presidente do planeta graças o oportuno aparecimento de Bin Laden, o grande Satã do reino, que as vésperas das eleições anunciou, pela televisão, que ia comer todas as crianças.
Lá pelo ano de 1564, o especialista em demonologia Johann Wier teria contado os demônios que estavam trabalhando na terra, a tempo integral, a favor da perdição das almas cristãs. Eram sete milhões quatrocentos e nove mil cento e vinte sete, que agiam divididos em setenta e nove legiões.
Muita água fervente passou, depois daquele censo, debaixo das pontes do inferno. Quantos são, hoje em dia, os enviados do reino das trevas? As artes do teatro dificultam as contas. Estes falsos continuam usando turbantes, para ocultar seus cornos, e longas túnicas tampam os rabos do dragão, suas asas de morcego e a bomba que carregam debaixo do braço.

contioutra.com - ‘Os demônios do Demônio’, por Eduardo Galeano

O Demônio é judeu

A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação
Hitler não inventou nada. Há mil anos, os judeus são os imperdoáveis assassinos de Jesus e os culpados de todas as culpas. Como? Jesus era judeu? E judeus eram também os doze apóstolos e os quatro evangelistas? O que você disse? Não pode ser. As verdades reveladas estão além das dúvidas e não exigem mais evidências do que a própria existência. As coisas são como se diz que são, e se diz porque se sabe: nas sinagogas o Demônio dá aulas, e os judeus desde há muito se dedicam a profanar hóstias e a envenenar águas bentas. Por causa deles aconteceram bancarrotas econômicas, crises financeiras e derrotas dos militares; são eles que trouxeram a febre amarela e a peste negra e todas as outras pestes.
A Inglaterra os expulsou, nenhum escapou, no ano de 1290, porém isso não impediu Chaucer, Marlowe e Shakespeare, que nunca tinham visto um judeu, fossem obedientes à caricatura tradicional e reproduzissem personagens judeus segundo o modelo satânico de parasita sanguessuga e o avaro usurário. Acusados de servir ao Maligno, estes malditos andaram durante séculos de expulsão em expulsão e de matança em matança. Depois da Inglaterra foram sucessivamente expulsos da França, Áustria, Espanha, Portugal e de numerosas cidades suíças, alemães e italianos. Os reis católicos Izabel e Fernando expulsaram os judeus e também os muçulmanos porque sujavam o sangue. Os judeus haviam vivido na Espanha durante treze séculos. Levaram com eles as chaves de suas casas. Há quem as guardem ainda. Nunca mais voltaram.
A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação. A caça aos judeus tem sido sempre um esporte europeu. Agora, os palestinos, que jamais a praticaram, pagam a culpa.

O Demônio é mulher

“Toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”

O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomenda o mais ímpio exorcismo contra o demônio que tem seios e cabelos compridos.
Dois inquisidores alemães, Heinrich Kramer e Jakob Sprenger, o escreveram, a pedido do Papa Inocêncio VIII, para enfrentar as conspirações demoníacas contra a Cristandade. Foi publicado pela primeira vez em 1486 e até o final do século XVIII foi o fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Inquisição em vários países.
Os autores afirmavam que as bruxas, do harém de Satanás, representavam as mulheres em estado natural: “Toda bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”. E demonstravam que “esses seres de aspecto belo, cujo contato é fétido e a companhia mortal” encantavam os homens e os atraíam com silvos de serpentes, rabos de escorpião, para aniquilá-los. Os autores advertiam aos incautos: “A mulher é mais amarga que a morte. É uma armadilha. Seu coração, uma rede; e correias, seus braços”.
Esse tratado de criminologia, que enviou milhares de mulheres às fogueiras da Inquisição, aconselhava que todas as suspeitas de bruxaria fossem submetidas à tortura. Se confessassem, mereceriam o fogo. Se não confessassem também, porque só uma bruxa, fortalecida por seu amante, o Demônio, nos conciliábulos das bruxas, poderia resistir a semelhante suplício sem soltar a língua.
O papa Honório III sentenciara que o sacerdócio era coisa de machos: – As mulheres não devem falar. Seus lábios têm o estigma de Eva, que provocou a perdição dos homens.
Oito séculos depois, a Igreja Católica continua negando o púlpito às filhas de Eva.
O mesmo pânico faz com que os mulçumanos fundamentalistas as mutilem o sexo e lhes cubram a cara.
E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus mais ortodoxos a começar o dia sussurrando: “Graças, Senhor, por não me ter feito mulher”.

O Demônio é homossexual

Em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo
Desde 1446, os homossexuais iam para a fogueira em Portugal. Desde 1497 eram queimados vivos na Espanha. O fogo era o destino merecido pelos filhos do inferno, que surgiam do fogo.
Na América, ao contrário, os conquistadores preferiam jogá-los aos cachorros. Vasco Núnez de Balboa, que entregou muitos deles para a refeição dos cães, acreditava que a homossexualidade era contagiosa. Cinco séculos depois, ouvi o Arcebispo de Montevidéu dizer o mesmo. Quando os conquistadores apontaram no horizonte, só os astecas e os incas, em seus impérios teocráticos, castigavam a homossexualidade com a pena de morte. Os outros americanos a toleravam e em alguns lugares a celebravam, sem proibição ou castigo.
Essa provocação insuportável devia desencadear a cólera divina. Do ponto de vista dos invasores, a varíola, o sarampo e a gripe, pestes desconhecidas que matavam índios como moscas, não vinham da Europa, mas sim do Céu. Assim, Deus castigava a libertinagem dos índios que praticavam a anormalidade com toda a naturalidade.
Nem na Europa, nem na América, nem em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo. Nada sabemos dos longínquos tempos e pouco ou nada sabemos dos tempos de agora.
Na Alemanha nazista, estes “degenerados culpados de aberrante delito contra a natureza” eram obrigados a exibir a estrela amarela. Quantos foram para os campos de concentração? Quantos lá morreram? Dez mil? Cinqüenta mil? Nunca se soube. Ninguém os contou, quase ninguém os mencionou. Tampouco se soube quantos foram os ciganos exterminados.
No dia 18 de setembro de 2002, o governo alemão e os bancos suíços resolveram “retificar a exclusão dos homossexuais entre as vítimas do Holocausto”. Levaram mais de meio século para corrigir essa omissão. A partir dessa data os homossexuais que tinham sobrevivido em Auschwitz e em outros campos, se é que ainda haja algum vivo, puderam reclamar uma indenização.

O Demônio é índio

Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado
Os conquistadores descobriram que Satã, quando expulso da Europa, tinha encontrado refúgio na América. Nas ilhas e nas praias do mar do Caribe, beijadas dia e noite por seus lábios flamejantes, habitadas por seres bestiais que andavam nus, tal como o Demônio os havia colocado no mundo, que cultuavam o sol, a terra, as montanhas, os mananciais e outros demônios disfarçados de deuses, que chamavam de jogo ao pecado carnal e o praticavam sem horário nem contrato, que ignoravam os dez mandamentos e os sete sacramentos e os sete pecados capitais, que não conheciam a palavra pecado nem temiam o inferno, que não sabiam ler nem tinham nunca ouvido falar do direito de propriedade, nem de nenhum direito e que, como se tudo isso fosse pouco, tinham o costume de comerem uns aos outros. E crus.
A conquista da América foi uma longa e difícil tarefa de exorcismo. Tão arraigado estava o Demônio nestas terras, que quando parecia que os índios se ajoelhavam devotamente ante a Virgem, estavam na realidade adorando a serpente que ela amassava com o pé; e quando beijavam a Cruz não estavam reconhecendo ao Filho de Deus, mas estavam celebrando o encontro da chuva com a terra.
Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado. Não foi fácil recuperar o tesouro. Ainda bem que de vez em quando recebiam alguma pequena ajuda de lá de cima. Quando o dono do inferno preparou uma emboscada em um desfiladeiro, para impedir a passagem dos espanhóis em busca da prata de Cerro Rico de Potosi, um arcanjo baixou das alturas e lhe deu uma tremenda surra.

O Demônio é negro

Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler.
Como a noite, como o pecado, o negro é inimigo da luz e da inocência.
Em seu célebre livro de viagens, Marco Pólo fala dos habitantes de Zanzibar. “Tinham uma boca muito grande, lábios muito grossos e nariz como o de um macaco. Caminhavam nus, totalmente negros e para quem de qualquer outra região que os visse acreditaria que eram demônios”.
Três séculos depois, na Espanha, Lúcifer, pintado de negro, trepado numa carroça em chamas, entrava nos pátios das comédias e nos palcos das feiras. Santa Tereza de Jesus, que viveu para combatê-lo, apesar disso nunca pode entendê-lo. Uma vez ficou ao lado e viu “um negrinho abominável”. Outra vez ela viu que do seu corpo negro saía uma chama vermelha, quando se sentou em cima de seu livro de orações e queimou os textos do ofício religioso.
Uma breve história do intercâmbio entre África e Europa: durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a África vendia escravos e comprava fuzis. Trocava trabalho pela violência. Os fuzis punham ordem no caos infernal e a escravidão iniciava o caminho da redenção. Antes de serem marcados com ferro quente, na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa unção de água benta. O batismo espantava o demônio e dava alma a esses corpos vazios. Depois, durante os séculos XIX e XX, a África entregava ouro, diamantes, cobre, marfim, borracha e café e recebia Bíblias.Trocava produtos por palavras. Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler.

O Demônio é estrangeiro

O imigrante está disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças
O “culpômetro” indica que o imigrante vem roubar-nos o emprego e o “perigosímetro” acende a luz vermelha. Se for pobre, jovem e não for branco, o intruso, que veio de fora, está condenado, a primeira vista, por indigência, inclinação ao tumulto ou por ter aquela pele. De qualquer maneira, se não é pobre, nem jovem, nem escuro, deve ser mal recebido, porque chega disposto a trabalhar o dobro em troca da metade.
O pânico diante da perda do emprego é um dos medos mais poderosos entre todos os medos que nos governam nestes tempos de medo. E o imigrante está sempre disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças.
Em outros tempos, a Europa distribuía para o mundo soldados, presos e camponeses mortos de fome. Estes protagonistas das aventuras coloniais passaram à história como agentes viajantes de Deus. Era a Civilização lançada nos braços da barbárie.
Agora a viagem se faz na contramão. Os que chegam, ou tentam chegar do sul em direção ao norte, não trazem nenhuma faca entre os dentes nem fuzil no ombro. Vêm de países que foram oprimidos até a última gota de seu sugo e não têm a intenção de conquistar nada além de um trabalho ou trabalhinho. Esses protagonistas das desventuras parecem, muito mais, mensageiros do Demônio. É a barbárie que toma de assalto a Civilização.

O Demônio é pobre

Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos
Se lambem enquanto você come, espiam enquanto você dorme: os pobres espreitam. Em cada um se esconde um delinqüente, talvez um terrorista. Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos. Nada de novo. Tem sido assim desde quando os donos de tudo não conseguem dormir e os donos de nada não conseguem comer.
Submetidas a um acossamento durante milhares de anos, as ilhas da decência estão encurraladas pelos turbulentos mares da vida desgraçada. Rugem as ondas sucessivas que forçam viver em sobressalto perpétuo. Nas cidades de nosso tempo, imensos cárceres que prendem os prisioneiros ao medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser trajes.
Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, desconfie: você está estatisticamente marcado, mais cedo ou mais tarde terá que sofrer algum assalto, seqüestro, violação ou crime. Nos bairros malditos espreitam, ocultos, remoendo invejas, tragando rancores, os autores de sua próxima desgraça. São vagabundos, pobres diabos, bêbados, drogados, carne de cárcere ou bala, pessoas sem dentes, sem rumo e sem destino.
Ninguém os aplaude, porém os ladrões de galinha fazem o que podem imitando, modestamente, os mestres que ensinam ao mundo as fórmulas do êxito. Ninguém os compreende, porém eles aspiram serem cidadãos exemplares, como esses heróis de nosso tempo que violam a terra, envenenam o ar e a água, estrangulam salários, assassinam empregos e sequestram países.

“Um psicanalista sensível sugeriria que o ninho nos reconduz ao útero.”, Rubem Alves

“Um psicanalista sensível sugeriria que o ninho nos reconduz ao útero.”, Rubem Alves

“Eu e a galinha”

Eu e a galinha. Ela, deitada no ninho, me olhava com seus olhos cor de laranja. Eu, agachado diante dela, a observava. Ela não se mexia. Tinha um ovo para ser botado. Não se mexia talvez porque estava ciente da gravidade do momento. Ou, talvez, porque soubesse que não precisava ter medo de mim. Crianças não matam galinhas para fazer canja. Só os adultos. Ela tinha se recolhido de suas ciscações pro minhocas e correrias em fugas fingidas do galo, como se não quisesse. Agora estava no seu pequeno espaço, o ninho. O ninho, leito redondo feito com palha de milho rasgada, estava dentro de um balaio. Fascinava-me a galinha botando ovo. Fascinava-me o seu pequeno espaço, o ninho.

Bachelard dedicou ao ninho quatorze páginas do seu livro A poética do espaço. “Descobrir um ninho leva-nos de volta à nossa infância, a uma infância. A infância que deveríamos ter tido.Como compreendo agora a página que Toussel escreveu: ‘A lembrança do primeiro ninho de pássaros que encontrei completamente sozinho ficou mais profundamente gravada em minha memória do que a do primeiro prêmio de redação que obtive no colégio. Fui imediatamente invadido por uma comoção de prazer indizível que paralisou-me durante mais de uma hora o olhar e as pernas'”. O ninho é “sonho da proteção mais próxima, da proteção ajustada ao nosso corpo”.

Um psicanalista sensível sugeriria que o ninho nos reconduz ao útero. Pois o útero não é um ninho? Pequeno espaço ajustado ao corpo, sem ansiedades. Talvez seja daí que venha o fascínio das crianças pelos pequenos espaços. Os pequenos espaços são espaços de aconchego. O colo. O colo envolve e aperta suavemente. Lembro-me com alegria das brincadeiras na cama, as cobertas transformadas em cabaninha sustentada pelo dedão do pé. O sonho da casa no alto da árvore, onde os adultos não podem subir. A possibilidade da intromissão dos adultos que estraga o espaço das crianças.

Guimarães Rosa, comentando a sua infância, diz que o terrível era a presença permanente dos adultos em tudo o que fazia. Só encontrou descanso quando conseguiu uma chave para fechar-se no seu quarto. Lembro-me da menininha que não tinha um único lugar que fosse só seu, longe do olhar investigador da mãe. Aí ela descobriu, num canto de corredor, um taco solto. Ela transformou o espaço entre o cimento e o taco no seu refugio secreto. Só ela sabia da sua existência. Ali guardava os seus tesouros, longe do olhar da mãe. Que tesouros guardaria ela? Na minha casa em Varginha havia um enorme forno de barro no quintal. Eu me esgueirava pela abertura e ficava lá dentro. Lá dentro não tinha nada. O que era bom naquele espaço semi-esférico era que os adultos não podiam ir lá. E o fascínio do “Quarto do Mistério”, no sobrado do meu avô? Entrada proibida.

Haverá coisa que mais tente que o proibido? “Nitimur in vetitum”, esforçamo-nos na direção do proibido – escreveu Nietzsche citando Ovídio. Lá dentro era o mistério das teias de aranha, do pó que se acumulava sobre tudo, das canastras cheias de tranqueiras, das cítaras silenciosas, das bisnagas de tinta endurecidas abandonadas pelas pintoras. Eu roubava a chave, daquelas chaves grandes, pretas, que se compram nos antiquários, abria a porta, entrava, trancava-me – e desaparecia por horas. É bom estar num espaço onde os adultos não entram. Era um bom ninho para um menino. Uma solidão feliz, solidão mansa.

Entristeço-me ao perceber que essa experiência está ficando cada vez mais rara, cada vez mais impossível. Não há ninhos no mundo das crianças. O seu mundo é cheio de eventos gregários onde o amor à solidão é uma doença.

Mas há também a solidão feliz dos grandes espaços: uma criança correndo sozinha pelo campo… Guimarães Rosa, que amava a solidão pequena, amava também a solidão grande, o sertão. “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador… O sertão está em toda parte…” E o Carlos Brandão jogou com as palavras: “Ser tão dentro de mim…” Sertão é lugar da solidão forte, solidão do vazio. No sertão o homem só pode contar com a sua força. Gritar é inútil. Não há quem responda.

Na roça havia também essa solidão grande. Bastava olhar pra cima para ver o mar de Minas, sem fim. “O mar de Minas não é no mar. O mar de Minas é no céu, prô mundo olhar pra cima e navegar, sem nunca ter um porto onde chegar…” Minha memória navegou. Me vi menino. Mas aquele menino não era eu. Era outro. Eu sou aquele que agora se lembra depois de mais de sessenta anos. Aquele menino não se lembrava de nada. O menino de cinco anos e pés descalços está deitado na relva. Goza a felicidade de não haver nenhum adulto por perto. Sem passado, sem futuro, ele é todo presente. Com as mãos entrelaçadas sob a cabeça ele brinca. Brinca com os olhos. Segue o vôo dos urubus, pontos negros no céu. Circulam sem bater as asas. Deixam-se ser levados pelos ventos em curvas tranqüilas. Como são belos os urubus em vôo, ele pensa. Pousados sobre os galhos das árvores são aves feias, desajeitadas. Nas alturas são belas.

A beleza dos urubus não está neles. Está no seu vôo que desenha círculos nos céus. Muitos anos mais tarde o menino se lembrará dessa manhã e compreenderá que aquilo que vale para os urubus vale também para as pessoas. As pessoas são belas não pelo seu rosto mas pelos desenhos que fazem com seus gestos. Muito mais altas que os urubus são as nuvens que navegam no mar de Minas. Que seres misteriosos são as nuvens, sempre deixando de ser o que são para serem outras. Como os urubus, as nuvens também desenham. Desenham navios, caras, monstros… O menino filosofa e se pergunta sobre o ser das nuvens. Muitos anos depois uma menininha de quatro anos fez pergunta igual ao seu pai, menino que crescera, ao contemplar as montanhas ao longe: “As coisas não se cansam de serem coisas?” Filosofia ou poesia? Fernando Pessoa fez a mesma pergunta: “Tenho dó das estrelas luzindo há tanto tempo, há tanto tempo… Tenho dó delas.

Não haverá um cansaço das coisas, de todas as coisas, um cansaço de existir, de ser, só de ser…? O menino filosofa sobre o ser as nuvens. Das nuvens vem a chuva – isso ele sabe. Mas ele já viu chuvas que não são água. Chuvas que são gelo. As pedras de gelo se amontoam no chão. São frias e se derretem com o calor, transformando-se em água. Então, ele pensa que antes de serem chuvas de água as nuvens são blocos de gelo. Aquelas formas no céu serão gelo? Se são gelo por que não caem como todas as coisas pesadas? Que poder desconhecido as manterá lá em cima? Mas, e se caírem por causa do seu peso? Se caírem de repente vão fazer um grande desastre aqui em baixo… Aí ele para de pensar. “Pensar é estar doente dos olhos…” Entrega-se ao puro prazer de ver sem pensar. Seus olhos são urubus, são nuvens…

Telefonei para a Da. Clotilde, minha primeira professora, 92 anos de idade que, aos 90, defendeu tese de mestrado sobre ” A Ironia em Eça de Queiroz”. Dez horas da manhã. “Ela não está”, responderam-me. “Foi dar aula na Faculdade…”

Rubem Alves

Publicado no Correio Popular em 27/03/2005

Conheça o Instituto Rubem Alves e acompanhe os seus projetos: Instituto Rubem Alves

Dica de livro: Sete Vezes Rubem (Fruto do trabalho de uma década, esta obra reúne sete livros de Rubem Alves publicados pela Papirus entre 1996 e 2005.)

22 Dicas para sobrevivência de Cuidadores de Alzheimer

22 Dicas para sobrevivência de Cuidadores de Alzheimer

O objetivo deste artigo é sugerir algumas dicas importantes para a Saúde do Cuidador de Alzheimer que possam ajudar o cuidador a sobreviver e evitar alguns efeitos negativos, frequentemente associados ao estresse.

Caro Cuidador

  1. Procure conhecer os recursos disponíveis nas associações e comunidades de Alzheimer em sua região, como a Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) que mantém Grupos de Apoio para dar assistência e orientação a cuidadores e familiares de portadores de Alzheimer.
  2. Procure se capacitar como cuidador. Existem alguns sites especializados em educação à distância que oferecem cursos gratuitos de formação de cuidadores.
  3. Peça ajuda quando necessário e, mais importante, aceite ajuda. Não se sinta envergonhado ou diminuído de pedir ajuda pois isso pode fazer uma grande diferença em sua vida.
  4. Cuide de sua própria saúde com boa alimentação e exercícios
  5. Aprenda a administrar o seu nível de estresse. Também existem cursos para isso.
  6. Aceite as mudanças quando elas ocorrerem sem questionamentos ou resistência, pois é da característica da doença as frequentes alterações da pessoa portadora de Alzheimer.
  7. Dê valor ao seu trabalho. Não sinta culpa. Faça uma lista de todas as coisas que você já fez e vem fazendo pelo seu familiar com Alzheimer e consulte-a sempre para ajudá-lo a se lembra do valor de seu trabalho.
  8. Deixe a documentação legal e financeira em ordem antes que se torne necessária. Tome as providências antes que seja tarde.
  9. Visite seu médico regularmente e siga rigorosamente todas as recomendações fazendo os exames periódicos necessários.
  10. Procure entender perfeitamente, e o quanto antes, tudo o que acontece com o portador de Alzheimer nas diversas fases de desenvolvimento da doença.
  11. Consulte profissionais de saúde especializados em cuidados geriátricos, como terapeutas ocupacionais com experiência em ajudar famílias a cuidar de seus queridos parentes idosos. Eles podem prover valiosas informações e recursos que ajudarão a atravessar momentos difíceis dessa missão.
  12. Estude e pratique os preceitos da “Declaração dos Direitos dos Cuidadores” que você encontrará no Manual do Cuidador de Alzheimer do Dr. Márcio F. Borges.
  13. Consulte um psicoterapeuta e obtenha ajuda, caso seu nível de estresse esteja alto ou se esteja se sentindo deprimido.
  14. Se você é uma pessoa religiosa procure se aconselhar também com o seu líder espiritual que certamente poderá lhe ajudar.
  15. Junte-se a grupos de apoio, participe de reuniões, mesmo que seja para apenas ouvir a experiências de outras pessoas.
  16. Se estiver havendo conflitos entre os demais familiares – o que é muito comum – considere a consultoria de um terapeuta de família que ajudará na mediação e no entendimento das consequências da doença e na atribuição de responsabilidades de cada membro da família para enfrentar as novas situações trazidas pela doença.
  17. Faça um diário. Anotar fatos e contar as experiências vividas no dia a dia, terá também um efeito terapêutico.
  18. Aprenda a conviver com o familiar querido portador da doença:
  • Não traga à tona assuntos que o deixe nervoso;
  • Se ele se mostrar muito chateado, mude de assunto;
  • Não contra argumente com ele.

19. Cultive algum “hobby”, alguma atividade que lhe dê prazer. Isso fará uma grande diferença em sua vida, pois é importante reservar um tempo só para você.

20. Pare de negar a doença, inventando desculpas para justificar a perda de memória e outros problemas funcionais do seu familiar portador de Alzheimer.

21. Faça as pazes com Alzheimer. É muito importante admitir e verdadeiramente aceitar a doença. Aprenda a amar a pessoa exatamente como ela é agora.

22. Invista tempo na pessoa portadora da doença. Estando com ela, dando-lhe carinho e atenção, haverá momentos gratificantes que estará ao mesmo tempo recarregando suas baterias e melhorando a sua própria qualidade de vida.

Fonte indicada: Terceira Idade Melhor

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Assistir séries sem parar é sinal de depressão e solidão (PESQUISA)

Assistir séries sem parar é sinal de depressão e solidão (PESQUISA)

Por  Andréa Martinelli

“Sons of Anarchy”, “Girls”, “Breaking Bad”, “House of Cards”, “True Detective”, “Game of Thrones”, “Orange is the New Blac”…

É. A lista é grande. BEM grande.

Se você passou algum momento da sua vida trancado em casa fazendo uma maratona da sua série preferida, a ciência tem um recado: você pode estar doente.

É o que afirma um estudo de três pesquisadores da Universidade do Texas (EUA), divulgado nesta semana. Os cientistas analisaram 316 jovens norte-americanos, com idades entre 18 e 29 anos, e concluíram que assistir séries continuamente é sinal de depressão e solidão

Eles chegaram à conclusão de que a pessoa que fica o dia todo em frente à TV é uma viciada, pois avança ao próximo episódio mesmo sabendo que tem outras coisas a fazer. E não se trata de um vício inofensivo, não, viu?

Serviços de video on demand com o Itunes, Netflix, Now, HBO Go, Amazon Instant Video, Hulu, entre outros, estão tornando cada vez mais comum o hábito de fazer maratonas de séries em casa, já que temporadas inteiras estão disponíveis nos serviços e você pode assistir no seu ritmo e não no que os canais de TV impõe.

Yoon Hi Sung, um dos pesquisadores, alerta que o viciado em séries inspira preocupação. “Por mais que muitos considerem assistir séries sem parar como um vício inofensivo, nosso estudo indica que esse costume não deve ser mais encarado dessa forma”, disse.

O levantamento ainda mostra que sintomas como obesidade e outros problemas de saúde estão relacionados ao hábito de acompanhar vários episódios, em sequência, de um único programa.

A pesquisa completa será apresentada em um fórum na 65ª Conferência Anual de Comunicação Internacional, em San Juan (Porto Rico), em maio deste ano. Para Sung, o estudo “é um passo à frente” para quantificar o comportamento dos adeptos das maratonas ininterruptas de séries, que para os pesquisadores “é uma importante nova mídia e um fenômeno social.”

E você?

É desses ~doentes~ que fica trancado em casa fazendo maratonas?

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“Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola

“Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola

Por Octavio Caruso

Quando você olha para as paredes que circundam seu corpo e não se sente parte daquele ambiente, contrastando cada som estranho que atravessa pela janela fechada com a natural reação física de desconforto. Como se cada segundo demorasse o triplo do tempo, temendo o pôr do sol por saber que ele levará consigo a movimentação dos carros nas ruas. A sensação angustiante de estar preso em uma situação totalmente desconhecida, sendo apresentado a rituais novos, por vezes exóticos, que você sempre evitou por puro comodismo. Nesse estado de espírito é que encontramos os protagonistas de “Encontros e Desencontros” (Lost in Translation – 2003), desconhecendo completamente o histórico de suas vidas, mas imediatamente reféns dessa resiliência cativante que os faz sorrir com dificuldade, quando nada em seus dias justifica tal gesto.

A jovem Charlotte (Scarlett Johansson), que acompanha o marido fotógrafo em sua viagem de trabalho ao Japão, uma belíssima incógnita que busca encontrar na solidão do quarto de hotel, aquela motivação que outrora parecia tão instigante, um amor que provavelmente nunca havia sido colocado à prova. No mesmo hotel, o veterano ator Bob (Bill Murray), tendo deixado para trás a glória de seu sucesso, reagindo com desgosto à simples constatação de sua contraparte jovem na televisão, buscando esquecer que vive um relacionamento desgastado, que se resume à realização de tarefas como a escolha da cor de um carpete. Um artista vive de sensibilidade e desafios, mas ele está num lugar estranho, onde não consegue se expressar livremente e ninguém entende o que ele diz. Estrelando um genérico comercial de whisky, sendo excessivamente mimado por interesseiros que não fazem ideia de quem ele seja e recebendo ordens de um diretor que busca nele a atitude de outros artistas, o homem só consegue alguma paz embriagando-se nas noites em claro no bar do hotel.

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O título original (“Perdido na Tradução”) representa o encontro de duas almas que perderam qualquer contato com os relacionamentos que os mantinha estáveis emocionalmente. O leitmotiv visual que acompanha Charlotte, sempre assistindo o mundo transcorrer pelas janelas, totalmente desconectada daquela realidade. O fotógrafo que ignora a esposa que pouco conhece e dá preferência aos flertes com uma amiga; a dona de casa que se entregou demais à rotina dos filhos e ao próprio trabalho. A diretora Sofia Coppola traduz essa angústia imageticamente com perfeição na cena da gravação do comercial. Vemos o diretor japonês completamente insensível à figura sentada perante os holofotes, um objeto ultrapassado que representa apenas cifrões em sua conta bancária. A tradutora desinteressada em detalhar as instruções dele para Bob, que compartilha a ignorância do que está se passando com o público, já que não existem legendas para o que está sendo conversado.

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O desencantamento dos personagens com o rumo de suas vidas é trabalhado nos pequenos gestos, no subtexto de diálogos que são supérfluos. Como na bela cena em que Bob deixa transparecer sua emoção na interpretação descompromissada de uma canção (“More than This”) no videokê. Interessante perceber que ambos estão vestindo “máscaras”: uma peruca rosa e uma camiseta extravagante. Em apenas quinze segundos, Bill Murray vira um adolescente e deixa atravessar em seu rosto o amor juvenil que sente nascer pela bela garota com quem flerta, o desconforto por saber que estão ambos comprometidos, a saudade que sente de sua casa e a tristeza, que enfraquece sua voz, por ter a plena consciência de que nada daquilo é real ou duradouro. Mas a questão que o filme propõe ao final é: precisa ser? A amizade que dois estranhos compartilham em alguns dias pode ser mais poderosa e sincera que um casamento de vários anos.

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Você pode assistir dez comédias românticas americanas, que tenho certeza que não irá encontrar momento mais terno e verdadeiro que o simples toque dos dedos de Bob nos pés de Charlotte, quando estão dividindo a mesma cama, após uma balada noturna. Não há necessidade de trilha sonora manipuladora, pois investimos genuíno carinho naqueles dois personagens. A insegurança demonstrada na posição fetal da jovem e o tédio que ele expressa no desleixo com que preenche seu lado da cama. Lentamente percebemos a mão dele vencendo o medo da entrega do sentimento, a insegurança pela diferença de idades, procurando o toque que simboliza naquele momento muito mais que um beijo. E quando ele é finalmente expressado numa cena posterior, explode como a redenção de dois “caroneiros” na estrada da vida, que finalmente descobriram que não estão sozinhos, que alguém se importa. Eles precisaram viajar para o outro lado do mundo, para encontrarem na intensa solidão um eco em resposta aos seus gritos por socorro.

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LOST IN TRANSLATION de SofiaCoppola avec Scarlett Johansson, 2003

OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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O dia em que eu redescobri o amor

O dia em que eu redescobri o amor

Por Marcela Picanço

No dia em que eu descobri que eu o amava, senti como se meu coração fosse um estilhaço dentro do peito. Não podia ser. Ou podia. Já fazia muito tempo que eu pensava no amor. Eu já tinha amado muitas vezes antes, mas, quando a gente ama de novo, esquece-se de todas as vezes que já amou e parece uma aventura completamente nova. É um caminho escuro e tortuoso, que precisa ser atravessado. As pessoas sempre falam de amor como uma coisa bonita, mútua e colorida. Realmente é, mas, até você descobrir, de fato, que o que sente é amor, você se vê olhando para um poço escuro, tentando decidir se desce ou não desce. Na verdade, quando você ama, passa a se questionar se o amor é mesmo só um sentimento.

A gente estava na Lapa, saindo de uma festa meio sem graça. Ainda tinha aquela confusão de gente na rua, bares com pessoas de todos os estilos. Pensamos em ir para casa de táxi. Vamos para casa, a gente compra cerveja no supermercado e come alguma coisa. Boa. Excelente ideia. Ele sempre tem essas ideias simples que me ganham. A gente sorri, faz uma dancinha idiota, beija-se e começa a rir mais ainda. Passa o ônibus que vai para a casa dele. Ele grita: o 433! E a gente sai correndo pela rua principal da Lapa, que, óbvio que eu não lembro o nome, atrás do ônibus. Corre! E eu corro mais e mais, até que o ônibus para no próximo ponto e espera a gente chegar.

Ele chega na frente, a porta do ônibus se abre e ele faz sinal para eu entrar primeiro, com um ato meio circense, virando as mãos e fazendo reverência. Peguei a mão dele e subi os degraus do ônibus, como se fosse uma princesa. Nunca gostei dessas coisas cavalheirescas, mas ele sabe fazer tudo virar poesia e história para contar. Eu achei tudo tão engraçado, que resolvi entrar na brincadeira. A gente sentou, respirou e ficou rindo durante um tempo. Ele falou: “tô sentindo uma coisa muito boa”. Eu disse: “eu também”. Eu queria dizer que era amor. Queria dizer eu te amo entre os balanços do ônibus e o barulho da janela batendo. Mas será que era amor? E se não fosse? Será que dava para voltar atrás? Eu poderia falar: “Ai, desculpa. Eu me confundi. Não é amor ainda, mas vai ser.” Mas, na verdade, era. Decidi esperar. O amor é um para cada um. E, para mim, amor é coisa séria. Não é coisa que se diga assim por bobagem qualquer. Amor é sentir que as batalhas diárias do outro agora também são suas. É fazer com que o sonho do outro seja uma parte do seu também. Amor é um monte de outras coisas que eu não sei colocar em palavras. Amor não se descreve, nem se sente. Vive-se.

A partir daquele dia, queria falar eu te amo toda hora. Mas não falava. E se não for? Quando a gente ama, tem vontade de viver amor pelo dia inteiro. O corpo inteiro fala amor, você se recusa a acreditar. E se for cedo demais? Mas nunca é cedo demais para amar. Você acorda com um nó na garganta. Em vez de falar bom dia, quer falar eu te amo. Você olha no fundo dos olhos e diz tudo, mesmo achando que o outro ainda não sabe de nada. O amor vai consumindo o corpo inteiro, então eu cantei, dancei e escrevi tudo que eu podia, até entender que o que me deixava inquieta, por todos aqueles dias, era simplesmente a palavra amor. Nem me passou pela cabeça que ele não sentia o mesmo. Não era necessário. Quando se ama, você só quer entregar as palavras, os sentidos, os gestos e não espera nada em troca. Eu quis falar eu te amo como se entrega um presente de aniversário. Eu sabia que, uma hora, o amor ia transbordar em mim e a única forma de não me afogar era colocando isso para fora a quem é dono desse amor.

Outro dia, eu escrevi um texto tentando descrever o amor. Não consegui. Enrolei-me toda nas palavras. Falei que queria inventar nomes e significados para o que eu sentia. Como era isso de se sentir totalmente livre, mas ao mesmo tempo parte do outro? A gente chegou em casa com o sol nascendo e ele me pediu pra ler o texto sobre o amor. Deixei. Assim que ele terminou de ler, entre suspiros e soluços, falei eu te amo. Foi como um respiro.

O resto da história eu não posso contar, porque é só nossa e virou nosso segredo. A gente leva a vida sabendo que tem um tesouro guardado. Quem ama sabe disso.

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Um artigo de uma frase só

Um artigo de uma frase só

 

 

Ame-se!

 

 

 

 

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Gustl Rosenkranz: colunista Conti outra

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Como já diz o nome de meu blog, escrevo fazendo uso de uma das liberdades mais essenciais que temos: a liberdade de pensar. Escrevo sobre o que passa por minha cabeça, sobre coisas que vejo, escuto e vivencio diariamente, enfim, escrevo sobre a vida e suas facetas, sobre o mundo e suas entranhas e sobre o ser humano, com seus sonhos, medos e esperanças. Escrevo sem “luvas”, tocando no assunto, menos preocupado em agradar do que em mexer com o leitor, de forma clara, até mesmo carinhosa, mas sempre suavemente subversiva e profunda.

Blog GUSTL ROSENKRANZ- pensamento livre

Encontros permitidos

Encontros permitidos

Por Patrícia Dantas

Como é olhar o infinito e ver um ponto em branco ou pontos de cores variáveis, sem palavras para defini-los? É o estranhamento que parte das nossas maiores inquietações diárias, o desconhecido ameaçando nossa ordem imposta por uma sociedade que se diz saber muito bem o que quer, trazendo uma cartilha explicativa e cheia de normas nas mãos: de como se deve ser e agir perante o mundo e as pessoas que cruzamos todos os dias, seja na rua, no trabalho, com os amigos, enfim, a diversidade de seres que podem surgir a cada momento e fazer parte do nosso cenário. A cartilha do encontro.

São nesses pontos em branco dispersos, que se movimentam velozmente no espaço e tempo, sem definições palpáveis por nossos sentidos, que a jornada se apresenta com muitas curvas labirínticas, e exige de nós muito mais além do medo de ultrapassar: requer a coragem do desprendimento e ir em busca de si.

Como perceber algo que está além de nós, e pode ser visto através da nossa janela, sem que isso nos traga maiores danos? É ver o que está por trás das ilusões e falsas realidades. É sobretudo redescobrir o que está encoberto por outras coisas que são necessárias diariamente. É nossa válvula de escape que existe e nos torna um pouco loucos quando damos um sinal positivo: “pode explodir, fique à vontade, siga em frente!” Uma permissão, nada mais.

O que importa é a busca e os encontros permitidos. Se conseguirmos uma mínima compreensão da gente – com toda essa diversidade e imensidão de pontos cheios de vida e significados a nossa frente -, então os caminhos das surpresas estarão a nosso favor. O imprevisível toma ares de um ser bem-vindo que fará parte da nossa história – e não necessita de muito entendimento -, porque algumas situações precisam somente da existência para complementar nossa essência.

A essa altura, o que pensamos que somos, como buscamos o entendimento do passo real que tateia a vida no mundo? Do nosso passo tão ensurdecedor e palpável? Precisamos muito além das válvulas de escape da realidade: escapar para além das aparências e ver com o sentido mais delineado e acabado o que faz a gente ser o que somos de verdade.

Com imperfeições, percepções difusas, instintos e desejos, trazendo muito da fera canina e muito homem humano dentro de si, como vivia lobo da estepe de Hemann Hesse, na suprema dualidade dentro de si, embora em alguns momentos alguém falasse mais alto. Talvez nos mostrando como uma imagem tão íntima, mas que não reconhecemos na maior parte do tempo: a única que nos torna aceitáveis diante da gente quando não temos medo do outro.

Assim, é possível conviverem o lobo e o humano no mesmo corpo, espreitando um êxtase supremo de explosão do que realmente se é, mas jamais por completo, sempre com uma reentrância impenetrável e indescritível.

E nós continuamos, insaciáveis, sempre em busca de respostas e outras compreensões que nos aproximem o máximo do sentir em profundidade – com todas as forças e sensações provocadas -, até mesmo acontecimentos que beiram a linha tênue da incompreensão.

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Cena do filme “La dolce vita”

Nepal: que das estrias da Terra brote uma nova esperança

Nepal:  que das estrias da Terra brote uma nova esperança

Por Nara Rúbia Ribeiro

O que fazer quando, num repente, a Terra rejeita a carícia dos nossos pés? Quando ela, mãe maior, treme e sua superfície se abre em sulcos, estrias, crateras? Quando a efemeridade da Vida se nos mostra patente? Quando montes, monumentos, prédios centenários que há pouco desfilavam a sua imponência frente a nossos olhos agora são ruínas sem qualquer traço de encantamento? Quando o mais forte de nós duvida da sua força? Quando homens, mulheres e crianças que há pouco sorriam jazem soterradas? Quando a destruição é cenário e a dor, protagonista?

O Nepal alterna, hoje, entre a angústia e o desespero. Angústia do sonho destruído, do trabalho desfeito, do futuro arquitetado com esmero agora embaralhado pelas mãos do acaso. (Seria o substantivo “acaso” um outro nome de Deus?) Angústia de tudo o que era e parecia eterno e hoje pouco ou nada é. E a dor vem na pontada do “por quê eu, por quê nós, por quê o Nepal?” A pergunta ecoa e não há respostas. Não há culpados. Não existe razão. O desespero de observar, nas lembranças, um ontem que achávamos permeado de imperfeições e que hoje parece uma joia lapidada frente ao que se nos mostra real, bem diante dos nossos olhos. O que sonhar do futuro se das estrias da Terra não brotar nenhuma nova esperança?

A dor do outro, tão distante, pode nos ser indiferente. Podemos passar distraídos diante dos jornais e rir enquanto contamos piada aos amigos se o noticiário nos entrega o sofrimento dessa catástrofe. Não sofrer, não exercer a nossa empatia diante da desolação de todo um país é uma escolha moral e temos o direito de fazê-la, mas perdemos muito se assim o fizermos. A dor é sempre a escola maior. Ela é fonte macro da poesia que nos acorda e da sabedoria mais profunda que nos faz enxergar o fundo da alma, onde só reside o que é eterno.

A desolação do Nepal nos faz acordados para o fato de que a vida que vemos é uma inverdade: os ganhos, os lucros, as metas… Enxergamos que aquilo que aqui construímos não é parte de nós e que o que temos não se confunde com o que somos. Ao meditarmos em catástrofes de tamanha magnitude, nos perguntamos se aquilo a que nos dedicamos é real, é algo advindo dos foros mais nobres do peito, das entrâncias mais caras da alma, ou se seria a vaidade o que nos move. A vaidade se dissipa em si mesma e o seus produtos podem ser esmigalhados por forças naturais, mas a generosidade é um moto-contínuo, sua ação, embora no invisível, se agiganta e se perpetua no tempo e no espaço.

Viver é estar disponível e não sabemos a quê ou a quem. Quando o inesperado nos colhe, é porque estávamos disponíveis, vivendo. Essa disponibilidade é inerente à nossa condição de viventes. É preciso tirar da dor a melhor das lições, a de que a vida não tem garantias. De que o vivo nunca está seguro. De que o bem mais precioso que há não é o ouro ou a prata: é o Tempo. Ele é quem nos entrega, segundo a segundo, o intervalo necessário para que vençamos as nossas ignorâncias, superemos as nossas deficiências íntimas, vençamos as vaidades e sejamos maiores do que somos.

O Tempo nos mostra que as estrias da Terra podem engolir marcos de uma civilização inteira, mas que, espelhadas em nosso peito, essas estrias podem soterrar as equivocadas inclinações do nosso espírito. Que dessas estrias, após cicatrizadas, brotem ainda, no Nepal e em todo o mundo, a esperança, a força e a fé num sempre novo amanhecer dentro de nós.contioutra.com - Nepal:  que das estrias da Terra brote uma nova esperança

10 razões por que o mundo corporativo não é para você!

10 razões por que o mundo corporativo não é para você!

Escrito por Juliana Bragança.

O mundo corporativo tem seus muitos benefícios, como salário fixo, carteira assinada, boas condições de trabalho e outros mais, mas não são todas as pessoas que se encaixam nesse ambiente. Alguns se adequam ao trabalho duro, com jornadas de trabalho de oito horas diária, 30 dias de férias por ano e um chefe sempre presente, mas outros buscam algo diferente. Há quem precise trabalhar ao ar livre, ter uma agenda mais maleável e maior independência do chefe. Quer saber a qual grupo você pertence? Descubra a seguir!

Você não é competitivo
Por mais que existam empresas que estimulem a parceria entre os colegas de trabalho, sempre há um pouco de competitividade. Ser competitivo é saudável até certo ponto, pois faz o profissional vencer os próprios limites e desenvolver-se. Porém, nem todo mundo pensa dessa forma. Se você não quer superar os demais, não faz questão de ter alguém subordinado a você e pouco se importa com o salário que seu colega recebe, essa não é sua praia. Se isso não é algo que chame a sua atenção, esse é um sinal de que o mundo corporativo não é exatamente o seu lugar.

Bajular as pessoas não faz a sua cabeça
Isso não é explícito, mas quando se trabalha em uma empresa com hierarquia definida, é necessário usar o máximo da sua simpatia, principalmente com aqueles que podem levar você a um cargo superior. Sim, bajular seu chefe e o chefe dele pode ser necessário. Não precisa ser puxa-saco, mas rir quando a piada for sem graça e guardar opiniões negativas apenas para você pode ser uma boa ideia. Se você não tem estômago para isso, pode ter problemas e até ficar estagnado na carreira. Antes de entrar para uma grande empresa, pense bem se é capaz de encarar tudo isso.

Você prefere trabalhar sem metas extraordinárias
É comum no mundo corporativo ter metas a cumprir. Pode ser em relação ao número de vendas, de clientes, de filiais ou qualquer outro critério objetivo. Os funcionários têm sempre objetivos a alcançar, e é dessa maneira que a companhia busca crescer. Existem pessoas que se sentem estressadas nesse sistema e não lidam bem com ele, podendo às vezes ter um rendimento inferior quando pressionados. Se você trabalha melhor sem metas concretas a cumprir, saiba que o ambiente corporativo normalmente exige isso, e esse talvez não seja o melhor lugar para você.

Roupa social não é sua onda
O tipo de traje adequado no local de trabalho varia de empresa para empresa, mas o uso de roupa social em algumas companhias costuma ser imprescindível. Isso espanta muitas pessoas, então é importante pensar bem se você não se importa em vestir-se formalmente todos os dias. Há quem se acostume, porém algumas pessoas não suportam ter que usar terno e gravata ou um tailleur para ir trabalhar. E isso piora se levamos em conta o verão brasileiro. Algumas empresas admitem roupas mais leves no verão, mas ainda são exceções.

Você trabalha melhor sozinho
O mundo corporativo exige trabalho em equipe. E pode acontecer de você cair em um grupo não muito disposto, criativo, unido ou bem visto. Algumas pessoas simplesmente trabalham melhor individualmente e preferem não depender dos outros para ver seu trabalho progredir. Esse profissional tende a não gostar de esperar os demais fazerem uma tarefa quando ele mesmo pode fazê-la. Por isso, analise bem qual sua forma ideal de trabalho, pois é quase obrigatório saber trabalhar em equipe e delegar atividades no mundo corporativo.

Você não sabe inglês e não quer aprender
Para trabalhar em uma grande empresa é fundamental ter pelo menos nível básico de inglês. Palavras como “share”, “ASAP”, “brainstorm”, “FYI”, “budget” e “turnover” são comuns no cotidiano empresarial. Se a língua do tio Sam não é seu forte, e você nem se esforça para isso, terá dificuldade nesses ambientes. Diversas expressões e siglas estrangeiras fazem parte do vocabulário executivo e devem ser de domínio geral. Se você tem disposição para aprendê-las, será mais fácil encaixar-se no mundo corporativo. Se esse não é seu caso, que tal buscar um nicho de mercado mais flexível?

Para você, reuniões devem ser objetivas

Todos têm uma boa intenção ao marcar reuniões. Sempre há problemas a serem discutidos e resolvidos, além de melhorias a implementar. Porém, em algumas reuniões as discussões são longas e cansativas. E isso pode ocorrer com certa frequência. Se para você elas são perda de tempo, fuja desses compromissos. Caso você seja o tipo de pessoa que não entende quem passa o dia todo em reuniões e diz que está trabalhando, vai ser difícil adaptar-se à lógica e às demandas das grandes empresas.

Você não é lá muito criativo
Acredite ou não, o mundo empresarial precisa de pessoas criativas. Normalmente, elas são aceleradas e se diferenciam dos colegas. “Nas empresas existem pessoas que fazem um monte de coisas ao mesmo tempo, frequentam tudo quanto é curso, têm idéias e sugestões”, explica Max Gehringer, autor de “Clássicos do Mundo Corporativo”. Esse é o perfil perfeito para os empregadores corporativos, pois esses profissionais se destacam. Então, se essa não é sua natureza, provavelmente terá dificuldades.

Você não gosta de ser controlado

Dar satisfação ao chefe, ter horários de almoço, de entrada e saída, bater ponto e fazer relatórios de atividades são práticas comuns para quem trabalha em uma empresa. Caso você não goste de ter todas as suas atividades controladas, saiba que isso é praxe no mundo corporativo. Algumas empresas possuem horários de trabalho flexíveis, mas não abrem mão das oito horas diárias. Em casos excepcionais, pode ser necessário trabalhar nos finais de semana. Algumas pessoas podem sentir-se presas e ficam infelizes nessa rotina, por isso reflita bem se esse estilo de vida combina com você.

Você nunca entendeu para que tantos relatórios, e-mails e gráficos

Sim, o ambiente corporativo pede que sejam feitas planilhas de custos, gráficos de desempenho, que e-mails sejam enviados formalizando pedidos e entregas, além da elaboração de uma infinidade de arquivos que muitas vezes podem ser vistos como burocráticos e desnecessários. Essas atividades fazem sentido em grandes empresas, onde certas formalidades têm diversos usos e são importantes para o fluxo de informações do negócio. Se você não suporta tantos e-mails, relatórios, avaliações de desempenho, etc., então fuja do ambiente corporativo.

Fonte: eHow Brasil

O invólucro dos segredos

O invólucro dos segredos

“Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas… Quem a encontra, salva-se a si mesmo.” 

Mário Quintana

A velha manhã anuncia que já não é mais hora para ti. O dia é um grande castrador da embriaguez. Nenhuma nau está atracada no porto do meu silêncio, embora eu deseje quebrar-te para desejar os bons ventos e as calmarias às viagens aos horizontes.

O vinho envelhece, agonizando em maestria, em teus contornos. Suicidas se aproveitam da tua vulnerabilidade para dar cabo às suas vidas, em gestos de desrespeito com a tua integridade.

Selas as amizades, ao seres desvirginada pelos companheiros fartos de realidade. Inauguras os amores, nas noites primeiras. E também és cúmplice dos olhares últimos, já extintos de paixão.

Fazes a solitude tornar-se diáfana. Não há isolamento que não sonhe em presenças. Armazenas a ti mesma, mesquinha que és, como troféu incógnito das madrugadas.

Tatuas as memórias mais cruéis, os amores perdidos, em devaneios de oceano. És requinte das bruxas, em rituais de primavera. Fornecida de graça, vestida de água, nas mesas dos restaurantes europeus.

Enclausuras a poesia que não pode ser degustada. Povoas as minhas reminiscências de infância, nos almoços desprovidos de maldade. Oferecem-te flores, e já não existes em essência.

Abrigas as conchas, desavisadas da tua missão. Encontram-te quando estão perdidos. Invocam-te quando as esperanças foram esgotadas. Almejam a única gota que ainda carregas no ventre, exausta de gravidez.

Guardam-te, anos e mais anos, para celebrar os casamentos. Confidente dos ébrios, estás envolta pelos dedos crestados de imundície. Ah, tua história fenícia e milenar! Quão bela não te sentes agora?

Mas tu, meio de transporte, uniforme de lágrimas, símbolo dos romantismos absurdos, berço dos poemas, figurante das alegrias, amante escura das ondas violentas. Talvez tu sejas apenas eu, este invólucro de segredos que anseia pela deriva em alto mar.

Mariana Portela 

Confissões, Declarações e Crônicas…

Senado aprova criação do Prêmio Literário Manoel de Barros

Senado aprova criação do Prêmio Literário Manoel de Barros

A comissão de Educação do Senado aprovou o projeto que institui o Prêmio Mérito Literário Manoel de Barros de Poesia. A proposta relatada pela senadora Simone Tebet (PMDB), foi apresentada em novembro do ano passado pelo então senador Ruben Figueiró (PSDB-MS), logo após a morte do poeta.

“O Prêmio Mérito Literário Manoel de Barros de Poesia será uma sementinha a mais para cultivar a eternidade da obra desse poeta do mato, que disse: ‘deixei uma ave me amanhecer’. O Prêmio pretende que a inspiração de seu patrono propicie novos amanheceres para a poesia brasileira”, afirmou Simone Tebet durante a votação da matéria nesta terça-feira (5), revelando sua admiração pelo poeta.

Ela explicou que o autor da matéria justificou a criação do prêmio devido à importância de Manoel de Barros para a literatura brasileira, pelo conjunto da obra, pelo caráter inovador e até insólito de muitos de seus poemas e pela projeção artística que deu aos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

“A poesia de Manoel de Barros é da nossa natureza. Do Pantanal e do seringal. Da caatinga, do cerrado e do pampa. Nada mais apropriado, portanto, que o Senado Federal institua esse prêmio. Por se tratar de uma Casa de todos os Estados, essa iniciativa deverá fortalecer ainda mais a nossa união, enquanto federação, inspirada na poesia interior de Manoel de Barros”, defendeu Simone Tebet.

O Prêmio

O prêmio será concedido a cada dois anos, a três obras de poesia ou de ensaio sobre poesia brasileira. Os três primeiros colocados receberão um diploma e terão o livro impresso pela gráfica do Senado. Os candidatos poderão se inscrever com obras inéditas ou editadas desde o ano anterior.

“A ideia deste projeto é catalisar a inspiração de tantos poetas, leitores de alma, principalmente do interior deste imenso País. Interior de onde vem a poesia simples, bela, e, ao mesmo tempo, profunda de Manoel de Barros”, disse Simone.

As obras vencedoras serão selecionadas por uma equipe especialmente designada pela Comissão de Educação do Senado.

A entrega do diploma mérito literário aos autores deverá ocorrer em sessão do Senado Federal especificamente convocada para essa finalidade, a realizar-se na primeira quinzena do mês de novembro, em alusão ao aniversário de morte de Manoel de Barros.

O projeto foi elogiado por diversos senadores da Comissão de Educação.  “Sem dúvida nenhuma o poeta Manoel de Barros é mais do que merecedor da iniciativa da homenagem pelo Senado Federal. Esse prêmio virá no sentido de fortalecer o incentivo à leitura”, afirmou a vice-presidente Comissão de Educação e também coordenadora da Frente Parlamentar Mista em defesa do livro, senadora Fátima Bezerra.

Manoel de Barros

Manoel de Barros nasceu em Cuiabá (MT), em 19 de dezembro de 1916 e faleceu em Campo Grande, em 13 de novembro de 2014. Conhecido como o poeta do Pantanal, ele recebeu vários prêmios literários, entre eles, doisPrêmios Jabutis. É um dos mais aclamados poetas brasileiros da contemporaneidade nos meios literários. Sua obra mais conhecida é o “Livro sobre Nada” de 1996.

Fonte: MS notícias

O chão que renasce

O chão que renasce

Por Ana Vieira Pereira
Faça como eu fiz: olhe rapidamente para essa foto, e feche os olhos. Não se preocupe em entender do que se trata, apenas abra-se para olhar. Não é preciso ver. Deixe essa ocupação para mais tarde, quando puder construir o tempo e o espaço do olhar atento, dedicado e amoroso. Quando quiser construir esse espaço de encontro. E se quiser, claro.

Eu quis. Vi a foto pela primeira vez ontem à noite. Por entre conversas, música, mil e um estímulos querendo arrancar-me a alma de dentro. Ela até parece que vai, mas não vai: a minha alma anda avessa à exposição das suas dobras. Deve ser para que não se transformem em vincos, essas espécies sutis de mortalhas.

Assim, à primeira vista, foi só luz o que vi na imagem. Sem saber por que, pedi-a a meu amigo, mais intuindo do que vendo de fato alguma coisa. A foto veio, rápida e ligeira nesse pé de vento que é a tecnologia. Ali mesmo, na mesa do bar, a imagem pula de um celular ao outro. Deixo-a em paz, quieta.

contioutra.com - O chão que renasceHoras depois, sem conseguir dormir, tenho vagar para dedicar-me a ela. Olho-a com tempo, senhor de todos os processos, e surpreende-me que essa luz que vi esteja dentro dos espaços das folhas mortas. Parecem luminosas, as folhas, mas estão mortas. O vivo do verde à sua volta é quase ofuscado por essa luz que não é da matéria, mas do espaço ao seu redor, e atinge a superfície para fazê-la rebrilhar. É só superfície. Assim que o sol mudar seu ângulo, a luz desaparecerá. Não há existência dentro da folha, a não ser aquela de que se nutrirão outros, aqueles que se alimentam da putrefação do que morre. O que está vivo é o tapete verde que as folhas querem esconder. A vida das folhas mortas é uma vida em reflexo.

O dono da foto ofereceu-me, além da foto, a sua legenda: “o chão que renasce”. E eu aqui, horas depois de ter visto a luz não só na foto, mas também nas retinas alheias, confirmo uma sequência inteira de impressões noturnas. Poderia ter dado o título de “gratidão” a este texto.

Esse chão que renasce, e que ganho de presente em imagem e palavra, nutre-se de momentos muito particulares. Momentos que surgem por detrás das paredes do tempo, espaços no avesso do espaço. É preciso inventá-los, a esses momentos. E é preciso inventá-los a várias mãos. Duas não conseguem. Podem acontecer em qualquer lugar, mas ontem foi aqui, nesta cidade que me acolhe assim que a vejo e me diz “afaste-se” no momento em que tento aproximar-me.

Chamou-se dançar, este chão renascido de ontem. Foi simples, até. Inventou-se um tempo e um espaço para o encontro. Não foi preciso inventar a vontade, mas inventou-se o movimento de ir na direção da música. E o resto inventou-se sozinho. Inventou-se o que era preciso para que a alma alcançasse os lugares que a fazem sentir-se viva, e dançasse em toda a sua extensão, e recebesse sem pedir o amparo que precisava. Uma brecha na insanidade. Um mergulho dentro da delicadeza da entrega pura. Tudo o que a minha alma, o meu coração e o meu corpo necessitam. Ainda que seja leve e breve como a passagem da brisa. Ainda que seja inventado. Ainda que seja de noite. Ainda que as folhas estejam mortas.

Reprodução do texto autorizada pelo blog parceiro

contioutra.com - O chão que renasce

contioutra.com - O chão que renasceAna Vieira Pereira é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.

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