Ensinem os filhos a falhar

Ensinem os filhos a falhar

“… O processo de humanização começa pelo entendimento de que jamais haverá a satisfação completa. É esse o curso saudável das coisas. Se os pais boicotam esse processo, podem estar cometendo um erro.” – Jean-Pierre Lebrun

Nos últimos 30 anos, a ideia dos pais como senhores do destino dos filhos vem desabando progressivamente. As consequências disso não são necessariamente ruins, como explica o psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, uma das principais referências na Europa no estudo sobre mudanças nas relações entre pais e filhos. Mas, para tanto, é preciso aprender a negociar com os filhos mantendo a autoridade. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Lebrun concedeu à revista Veja quando no Brasil para o 3º Encontro Franco-Brasileiro de Psicanálise e Direito.

Por que os pais hoje têm tanta dificuldade de controlar seus filhos?
Jean-Pierre Lebrun:
Isso é reflexo da perda de legitimidade. Até pouco tempo atrás, a sociedade era hierarquizada, de forma que havia sempre um único lugar de destaque. Ele podia ser ocupado por Deus, ou pelo papa, ou pelo pai, ou pelo chefe. Isso foi se desfazendo progressivamente, e o processo se acentuou nos últimos trinta anos. Hoje, a organização social não está mais constituída como pirâmide, mas como rede. E, na rede, não existe mais esse lugar diferente, que era reconhecido espontaneamente como tal e que conferia autoridade aos pais. As dificuldades para impor limites se acentuaram, causando grande apreensão nas pessoas quanto ao futuro de seus filhos.

Existe uma fórmula para evitar que os filhos sigam por um caminho errado?
Jean-Pierre Lebrun:
É preciso ensiná-los a falhar. Uma coisa certa na vida é que as crianças vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Todo mundo, em algum momento, vai passar por isso. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo. Às vezes é preciso lembrar coisas muito simples que as pessoas parecem ter esquecido completamente. Estamos como que dopados. Os pais sabem que as crianças não ficarão com eles a vida inteira, que não vão conseguir tudo o que sonharam, que vão estabelecer ligações sociais e afetivas que, por vezes, lhes farão mal, mas tentam agir como se não soubessem disso. Hoje os filhos se tornaram um indicador do sucesso dos pais. Isso é perigoso, porque cada um tem a sua vida. Não é justo que, além de carregarem o peso das próprias dificuldades, os filhos também tenham de suportar a angústia de falhar em relação à expectativa depositada neles.

Falando concretamente, como é possível perceber essa diferença no comportamento das famílias hoje?
Jean-Pierre Lebrun:
A mudança é visível. Na Europa, por exemplo, quando um professor dá nota baixa a um aluno, é certo que os pais vão aparecer na escola no dia seguinte para reclamar com ele. Há vinte, trinta anos, era o aluno que tinha de dar satisfações aos pais diante do professor. É uma completa inversão. Posso citar outro exemplo. Desde sempre, quando se levam os filhos pela primeira vez à escola, eles choram. Hoje em dia, normalmente são os pais que choram. A cena é comum. É como se esses pais tivessem continuado crianças. Isso acontece porque eles não são capazes de se apresentar como a geração acima da dos filhos. É uma consequência desse novo arranjo social, em que os papéis estão organizados de forma mais horizontal.

Como o senhor avalia essa mudança? Esse novo arranjo é pior do que o anterior?
Jean-Pierre Lebrun:
Hoje os pais precisam discutir tudo, negociar o que antes eram ordens definitivas. E isso não é necessariamente algo negativo, desde que fique claro que, depois de negociar, discutir, trocar ideias, quem decide são os pais.

Essas mudanças na estrutura social podem influenciar em aspectos negativos como, por exemplo, o uso abusivo de drogas?
Jean-Pierre Lebrun:
Não há uma relação automática. Os mecanismos pelos quais os indivíduos se tornam dependentes químicos são diversos e complexos. A psicanálise ajuda a identificar alguns deles. Vou dar um exemplo. Manter uma criança em satisfação permanente, com sua chupeta na boca o tempo todo, fazendo por ela tudo o que ela pede, a impede de ser confrontada com a perda da satisfação completa. E isso vai ser determinante em sua formação.

Mas o que essa perda tem a ver com o fato de as pessoas enveredarem por um caminho autodestrutivo?
Jean-Pierre Lebrun:
É uma anomalia no processo de humanização. Não nascemos humanos, nós nos tornamos. Isso ocorre quando aprendemos aquilo em que somos singulares entre todos os animais que habitam o planeta. Somos os únicos capazes de falar. Não se trata apenas de aprender ortografia ou usar as palavras corretamente. Quando dominamos a faculdade da linguagem, adquirimos uma série de características muito especiais, como, por exemplo, a consciência de que somos mortais. Aprendemos a construir as pontes que levam a um entendimento superior do mundo e de nossa condição. Isso é o que nos diferencia e nos torna completamente humanos. Um desequilíbrio nesse processo pode ter consequências. É aí que entra a explicação psicanalítica para o ingresso no universo das drogas. Aprender a falar, ou tornar-se humano, é algo que não ocorre espontaneamente. É uma reação a uma perda do estado permanente de satisfação completa com a qual somos confrontados na primeira infância. Ou seja, o processo de humanização começa pelo entendimento de que jamais haverá a satisfação completa. É esse o curso saudável das coisas. Se os pais boicotam esse processo, podem estar cometendo um erro.

Com que consequências?
Jean-Pierre Lebrun: Isso faz com que estejamos cada vez menos preparados para lidar com o sofrimento da nossa condição humana. Há séculos que as drogas têm algo de paraíso artificial, como diz Baudelaire. Ou seja, uma forma de se refugiar da dor humana, da insatisfação. As drogas sempre serviram para evitar o confronto com esse sofrimento. Quanto menos você está preparado a suportar as dificuldades, mais está inclinado a se evadir, a recorrer a substâncias, sejam as drogas ilícitas, sejam as medicamentosas, para limitar o sofrimento que vai se apresentar. Com o desenvolvimento da farmacologia, essas substâncias se tornaram muito acessíveis. Isso pode criar distorções. É muito mais simples tomar uma Ritalina para não ser hiperativo do que fazer todo o trabalho de aprender a suportar a condição humana. Quando criança, a pessoa já precisa ser confrontada com a condição humana da perda de satisfação. Dessa maneira, na idade adulta, sua relação com o fim de uma paixão amorosa, por exemplo, tem maiores chances de ocorrer de maneira mais aceitável e menos traumática.

Por que as drogas têm apelo especial para os jovens?
Jean-Pierre Lebrun:
Eles são mais sensíveis a esse fenômeno porque têm uma tendência espontânea a, quando se tornam adultos, ser novamente confrontados com as dificuldades da existência. É, de certa forma, a repetição daquilo que haviam vivenciado na infância, quando foram, ou deveriam ter sido, apresentados à ideia de perda da satisfação completa, de que não ficariam com a chupeta na boca a vida inteira, por exemplo. Se, no ambiente em que esses jovens vivem, há uma abundância de produtos que funcionam como um meio de evitar essas dificuldades, eles mergulham de cabeça. Como também veem nisso certo caráter transgressivo, todas as condições estão dadas para que eles recorram às drogas.

Costuma-se atribuir o mau comportamento dos filhos à falta da estrutura familiar tradicional, como a que ocorre após uma separação. Qual a exata influência que isso pode ter?
Jean-Pierre Lebrun: Uma família organizada de forma aparentemente harmônica não necessariamente faz de um jovem uma pessoa capaz de conviver e suportar o sofrimento inerente à condição humana. Essa capacidade pode ser pequena em famílias aparentemente realizadas, com estrutura sólida. Assim como pode ser enorme em uma família conflituosa, dividida, conturbada. Por isso, não se deve levar em conta apenas o aspecto exterior da família. O que vale é a capacidade dos pais de fazer os filhos crescer. De incutir-lhes a verdadeira condição humana. Esse é o bom ambiente familiar, independentemente do desenho que a família tenha.

O melhor mesmo, então, é aceitar que a existência é sofrida?
Jean-Pierre Lebrun: O processo é mesmo muito mais complexo do que ocorre com outros animais. Um cão nasce cão e será assim para o resto da vida. Um tigre será sempre tigre. Um humano, no entanto, precisa se tornar plenamente humano. É uma enorme diferença. Esse processo leva uns vinte, 25 anos e está sujeito a percalços. Na Renascença já se falava disso: não somos humanos, nós nos tornamos humanos.

Leia a entrevista na íntegra em Fronteiras do Pensamento.

“Internet é liberdade”, por Manuel Castells

“Internet é liberdade”, por Manuel Castells

“Há uma dissonância cognitiva. Vivemos em dois universos e isso é novo. O que ocorre agora é que os jovens de hoje já vivem, nasceram desenvolvidos em uma cultura completamente diferente, que mudou em uma velocidade extraordinária. E as instituições e os professores estão em outra era tecnológica.”

Uma juventude que se auto-organiza e que independe de instituições para se informar, aprender e se comunicar. Uma geração que exige mudanças nas estruturas de educação e governança. Uma transformação que já está acontecendo. Esta é a visão do sociólogo espanhol Manuel Castells, considerado um dos maiores especialistas nas transformações sociais do final do século XX.

O fragmento de texto e o vídeo são de autoria do site Fronteiras do Pensamento– leia lá o artigo completo.

10 filmes para ampliar seu olhar psicológico

10 filmes para ampliar seu olhar psicológico

Por Octavio Caruso

Amigos leitores, queridas leitoras, esses são apenas alguns dos meus filmes favoritos sobre assuntos relacionados à psicologia, em variadas vertentes.

Tentei evitar o lugar comum de listas similares, fiz questão de rever todos, no intuito de selecionar com mais clareza. Estão listados sem ordem de preferência.

Através de Um Espelho (Såsom I En Spegel – 1961)

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O primeiro projeto da hoje conhecida como “Trilogia do Silêncio”, que prefiro chamar de “Trilogia da Fé”, mostra Ingmar Bergman em seu estado mais objetivo, mas, ainda assim, flertando com metáforas. Analisando os três filmes, podemos claramente perceber os questionamentos do cineasta com relação a uma divindade aparentemente muda, invisível em meio aos destroços da guerra, a natureza da fé trabalhada por um ateu. A trama simples utiliza o microcosmo de uma família que passa férias em uma paradisíaca ilha. Karin (Harriet Andersson) acaba de voltar de uma estadia forçada em um hospital psiquiátrico, ainda apresentando sinais de profundo desequilíbrio emocional. Seu marido, vivido por Max von Sydow, seu carente irmão mais novo (Lars Passgård) e seu pai, um homem tão imerso em sua ambição profissional literária, universo onde extravasa suas angústias, sem nunca ter coragem suficiente para resolvê-las, que foi incapaz de estabelecer uma relação de carinho com seus filhos. Um toque de gênio é Bergman torná-lo “Deus” para seu próprio filho, que, admirado, percebe ao final que finalmente conseguiu vê-lo/senti-lo. Após seu contato com a “aranha”, que a manipula e a frustra terrivelmente, a jovem esvazia seu copo de esperança. Bergman força essa reflexão em seu público, levando-o a ver que o conceito divino não se limita a um rígido padrão de ideias e condutas, facilmente manipulado pelas religiões mundanas com seus rituais vazios. Práticas que isolam/segregam o homem, ao invés de fazê-lo perceber-se como parte de um todo. Aquele que busca encontrar Deus, não deve fazê-lo em templos, mas, sim, no ato simples de sorrir para estranhos.

 

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of The Spotless Mind – 2004)

contioutra.com - 10 filmes para ampliar seu olhar psicológicoNa Grécia antiga, berço da filosofia, Heráclito afirmava metaforicamente que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. O existir é um perpétuo mudar, um constante fluir. Já Parmênides de Eleia, povo pioneiro no uso da dialética, contestava-o afirmando que o ser é único, eterno, imutável, imóvel e infinito. Ele dividia o mundo em sensível, aquele que conhecemos pelos sentidos, e inteligível, mundo que não vemos e não tocamos, mas compreendemos. John Locke argumentava que a identidade do ser, não era definida por características físicas, mas sim por repetida auto-identificação. Logo, a memória torna-se essencial na construção do ser. O que aconteceria caso o homem pudesse manipulá-la, de forma a aniquilar elementos que o fizeram tornar-se quem ele é? Apagar da mente aqueles eventos que ajudaram a construir sua personalidade, afetaria a forma como o ser lidaria com o seu habitat? O filme, dirigido por Michael Gondry, abre esta importante discussão, contando a história do casal Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet). Após anos sentindo-se insatisfeita com os rumos do relacionamento, ela age impulsivamente e aceita participar de um tratamento que irá fazê-la “cirurgicamente” esquecer completamente de seu namorado. Indignado, Joel decide fazer o mesmo, porém acaba percebendo o valor da preservação daqueles momentos. Ele lutará até o fim para manter suas recordações, mesmo aquelas que lhe causam sofrimento, pois também ajudaram a construir o homem que ele se tornou. O roteiro brilhante de Charlie Kaufman nos induz a questionar a nossa frágil psique, com a angústia de alguém em lidar com a indiferença do outro. Apaga-se a memória, porém ele ainda existe.

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma Vie en Rose – 1997)

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A primeira sequência do filme já expõe o leitmotiv que conduz a sensível trama. Enquanto os pais de Jerome escondem ritualisticamente em seus uniformes diários a ausência do calor que outrora havia em seu relacionamento, os pais de Ludovic se entregam à vida naturalmente e com real paixão, com o diretor de arte expondo claramente o contraste na paleta de cores que emolduram as cenas. O primeiro momento em que realmente vemos o menino, somos levados a sentir o mesmo choque que seus pais, pois ele está usando o vestido de princesa de sua irmã. Seu pai, temeroso pelo julgamento cruel da sociedade, limita sua corajosa atitude a uma brincadeira inconsequente. Sua mãe corre para fazê-lo retirar com água fria a maquiagem de seu rosto. No rosto da criança, a apatia dos que sofrem diariamente com a ignorância daqueles que deveriam ser mais inteligentes, por terem mais experiência de vida. Ludovic não sabe ainda que o ser humano é uma espécie muito pouco evoluída, escrava de crenças em seres imortais, anjos, demônios e feitos miraculosos, porém incapazes de simplesmente aceitar uma condição natural que compartilhamos com várias espécies (mais de 1.500, para ser mais exato) do reino animal: a homossexualidade. A religiosidade, sempre caracterizada pelo domínio do homem sobre a mulher, desde a lenda de Adão e Eva, vista como a causadora de todos os males, estabeleceu fortemente sua presença na sociedade, como uma triste mancha na História, formando gerações de machistas ignorantes e mulheres sexualmente reprimidas. A absurda noção do pecado, camuflando hipocritamente qualquer desejo sob um véu de pureza, que se rompe assim que o autoproclamado santo se tranca na solidão de seus pensamentos. A ilusão de que se alcança o divino pelo ato da castidade, ignorando que, caso exista, ele perceberia os instintos naturais que não se podem domar.

A Caça (Jagten – 2012)

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A bela fotografia de Charlotte Bruus Christensen auxilia ao emoldurar o cair das folhas de outono, inclusive como metáfora, simbolizando o crepúsculo de um homem oprimido, sendo complementada pela excelente interpretação de Mads Mikkelsen, que foge de sua zona de conforto, oferecendo um retrato humano e passional nesse excelente filme dirigido por Thomas Vinterberg. Nenhuma chance é dada a ele, pois todas as famílias da região agarram-se ao inconsciente coletivo do pavor, temendo que ele se aproxime de suas crianças. Lucas (Mads) é um homem bom, adorado por seu filho e seus alunos, incapaz de cometer atos tão cruéis. Somos levados então a um calvário pessoal, onde progressivamente todos os membros da comunidade passam a duvidar de sua inocência. A jovem Annika Wedderkopp (Klara) surpreende com uma excepcional atuação infantil, diferente da celebrada menina de “Indomável Sonhadora”, que apenas seguia instruções do diretor. Vinterberg nunca apela para o óbvio, enaltecendo mártires e pintando com tintas fortes os vilões, pois prefere mostrar todos como seres humanos falíveis e propensos a escolhas erradas. O leitmotiv da confiança é explorado até o brilhante desfecho, onde o roteiro ainda inclui uma poderosa crítica social e religiosa. O simples benefício da dúvida já seria o suficiente para auxiliar no processo angustiante em que o protagonista se vê vitimado, mas a mensagem que o filme aborda é cruel em sua veracidade: a sociedade, desde o início dos tempos, sempre esteve propensa ao apedrejamento coletivo, algo que requer menos argumentação que a árdua tarefa de tentar enxergar a flor no lodo.

A Experiência (Das Experiment – 2001)

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O diretor Oliver Hirschbiegel adapta o romance de Mario Giordano e o transforma em uma experiência cinematográfica angustiante. Saber que se trata de uma história real, ajuda a fazer com que nossos olhos evitem piscar, enquanto somos sugados para dentro da trama. Uma equipe de cientistas convoca vinte homens de diferentes origens para uma experiência psicológica em troca de um prêmio em dinheiro. Os participantes são colocados em uma prisão e divididos aleatoriamente em dois grupos: oito deles fazem o papel de guardas e os outros doze, de internos. Os presos devem obedecer às regras impostas pelos colegas que representam figuras de autoridade. No início, a camaradagem reina no ambiente. Mas em pouco tempo, os falsos guardas mudam de comportamento e a violência, mesmo que proibida, preenche as lacunas. Os internos vão se tornando cada vez mais submissos e os guardas cada vez mais agressivos. Um estudo psicológico sobre o comportamento humano sem precedentes e uma obra que dificilmente irá sair de sua mente. Ao final da sessão fica muito claro que só conhecemos realmente uma pessoa após darmos poder a ela.

O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen Alle – 1974)

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O título original do filme: “Cada um por si e Deus contra todos” exprime com exatidão a mensagem desta obra sensacional do alemão Werner Herzog. Ele utiliza a história real do jovem Kaspar Hauser, que durante grande parte de sua vida foi mantido em um cativeiro, sem nenhum contato com a civilização. Ele não sabia andar ou se comunicar, tampouco entendia que havia outros seres como ele. Como trocavam sua comida durante seu sono, ele acreditava que sua alimentação aparecia como que por mágica, sempre após ele fechar os olhos. Seu único companheiro era um pequeno cavalo de madeira. Sua vida muda quando um homem adentra sua prisão e o entrega de volta à sociedade, deixando-o de pé no meio de uma praça na cidade de Hamburgo. Munido apenas de uma carta e um livro de orações, o jovem vislumbra pela primeira vez o mundo. O diretor escolheu Bruno S. para viver o jovem. Ele havia passado sua vida inteira em instituições para doentes mentais e nunca havia atuado. Seus olhos sempre distantes e assustados, como se vissem o mundo pela primeira vez. O filme nos questiona sobre o que consideramos ser normal, dentro da estrutura de uma sociedade contraditória, que não sabe como reagir ao entrar em contato com um homem puro, sem cultura e regras a seguir. Os religiosos se revoltam, já que ele resiste à aceitação do mistério da fé. Ele desconhece a ideia de um Deus como força superior e debate questões de lógica com um professor. Somos brindados com várias cenas brilhantes e com uma história inesquecível. Meu filme favorito de Herzog e uma das melhores obras do cinema alemão.

Zelig (1983)

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Em sua genialidade, Woody Allen estrutura esse filme como um documentário sobre Leonard Zelig, um (literalmente) camaleão social da década de vinte. Sem nenhum esforço, ele é capaz de adotar características físicas e mentais de qualquer pessoa com quem se relacionar. Ao lado de franceses, ele conversa fluentemente em francês, com direito até ao clássico bigodinho fino. Mas o que realmente fascina no roteiro é a forma como o personagem se adapta socialmente, como quando discute jargões de medicina ao lado de doutores, com total conhecimento sobre a área. A crítica é certeira, mostrando como as pessoas se moldam, até o caráter, no intuito de agradar e serem aceitas. E, claro, dignitários com os mais diversos interesses passam a utilizar suas palavras como alegoria para suas atividades. Zelig acaba se tornando na sociedade uma espécie de “Chance”, o jardineiro interpretado por Peter Sellers em “Muito Além do Jardim”. Mia Farrow vive uma doce doutora que acredita que o fenômeno seja psicológico, uma manifestação de alguém que não consegue se expressar, levando o roteiro a abordar também o machismo da época, mostrando a reação agressiva dos médicos a essa nova hipótese. O processo de tratamento é tão eficiente, que ele passa a conseguir até discordar de outras opiniões, algo impensável em sua realidade de outrora. Quantas pessoas assim você conhece em sua vida?

O Milagre de Anne Sullivan (The Miracle Worker – 1962)

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Esse belíssimo filme conta a história real da professora, vivida por Anne Bancroft, que busca incessantemente mostrar as belezas do mundo a uma menina cega e surda, a jovem Helen Keller, uma atuação impressionante de Patty Duke, que já estava vivendo a personagem nos palcos, contracenando com Bancroft. Com muita persistência, ela consegue retirar a garota de uma realidade solitária e depressiva, levando-a a adaptar-se ao mundo, fazendo-a conseguir se expressar. Foi preciso pulso firme por parte de Anne, pois a família da jovem havia contribuído para que ela se colocasse em um pedestal, como revoltada vítima das circunstâncias, da qual foi retirada por intermédio de uma rígida disciplina amorosa. Ela sabia que seria difícil alcançar a alma daquela jovem, que estava perdida nas profundezas daquele enigma aparentemente impenetrável que os anos de escuridão e solidão haviam cruelmente forjado. A cena que motivou o texto dura por volta de oito minutos, sem diálogos ou trilha sonora, ocorrendo no primeiro momento em que as duas ficam sozinhas numa sala de jantar que se torna um intenso campo de batalha. Helen inicialmente busca atrair atenção se debatendo no chão, enquanto Anne calmamente continua almoçando. Minutos antes, ela havia percebido que a garota não conhecia limites, devorando os alimentos de todos os pratos como se fosse um animal enjaulado, sendo mimada pela piedade de sua família. A professora estava obstinada a não deixar a menina sair daquele ambiente sem aprender que devia comer apenas sentada à mesa e com talheres. A brutalidade da cena choca, fazendo com que a angústia progressivamente se torne mais insuportável, com agressões físicas de ambas as partes. Ao final, uma pequena grande vitória que é relatada pela professora à extasiada mãe: Helen come na mesa e com talheres, até dobrando seu guardanapo. Ainda havia um longo caminho pela frente, pois ela precisaria educar os verdadeiros deficientes da trama, os familiares da menina.

O Segundo Rosto (Seconds – 1966)

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Em sua essência, um pesadelo Faustiano dos mais assustadores. Uma resposta corajosa para a eterna questão: o que você faria se lhe fosse ofertada uma segunda oportunidade na vida? É o que descobre o personagem vivido por John Randolph, quando é convidado a participar de um enigmático projeto. Já tendo passado dos cinquenta anos e dedicado toda sua vida ao trabalho exaustivo, possui uma oportunidade única de renascer com uma nova identidade. Com o auxílio de cirurgias plásticas, recebe sua jovialidade de volta e a liberdade para evitar cometer os mesmos erros. Rock Hudson interpreta o personagem após o renascimento, com uma entrega raras vezes experimentada pelo ator, acostumado na época ao conforto dos papéis de galã. Sua interpretação é auxiliada pela câmera instável de John Frankenheimer, fundamental para que nos envolvamos na atmosfera onírica da obra. O filme, como todos à frente de sua época, não fez sucesso em sua estreia. Chegou a ser vaiado em Cannes. Visto hoje, com sua fantástica abertura idealizada pelo genial Saul Bass, uma trilha perfeita de Jerry Goldsmith e uma fotografia impecável de James Wong Howe, se apresenta incrivelmente atual, tocando fundo no questionamento de como a sociedade é estruturada.

Esse Mundo é dos Loucos (Le Roi de Coeur – 1966)

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A trama dessa charmosa fábula antimilitarista parte de um conceito simples, instigando uma profunda reflexão que, a despeito da estética compreensivelmente datada, ainda ressoa implacavelmente atual. Durante a Primeira Guerra, o soldado Charles Plumpick, vivido por Alan Bates, um especialista em ornitologia, é enviado por engano a um vilarejo na França para desativar uma bomba deixada pelos alemães. Ao chegar, ele percebe que os moradores do local foram embora e que a cidade foi tomada pelos pacientes de um hospício. O dedo do diretor Philippe de Broca, que aparece em uma breve e hilária ponta como o soldado Adolf Hitler, estava obviamente apontado para os horrores da Guerra do Vietnã, mas o discurso proposto era mais abrangente. A ideia, trabalhada por Maurice Bessy e Daniel Boulanger, nasceu de uma notícia sobre o assassinato de cinquenta doentes mentais franceses por soldados alemães, em uma invasão a um hospital durante a Primeira Guerra. Eles tinham se vestido com o uniforme de soldados americanos mortos e foram andando pelo campo, quando os alemães os fuzilaram por engano. Os loucos de Broca, essencialmente sonhadores que se recusam a sentir medo, possuem uma compreensão mais profunda da vida, preferindo nobremente apreciar o momento em sua redoma de criatividade, enquanto aqueles considerados sãos, presos aos seus estúpidos rituais militares, estão dispostos a desperdiçarem futilmente suas vidas, acatando ordens que sequer entendem. É linda a cena que mostra os pacientes recuando ao alcançarem o portão principal, com a trilha sonora festiva de Georges Delerue dando lugar ao sepulcral silêncio, enquanto acenam melancolicamente para seu rei de copas, que parecia decidido a retornar ao mundo real. O personagem escuta ao longe o som das máquinas da guerra, sentindo internamente o conflito entre a genuína alegria e o companheirismo que havia sentido no reino dos loucos e os ilusórios conceitos de virtude e grandeza que o aguardavam do lado de fora.

Dica de livro: Cinema e Loucura – Conhecendo os Transtornos Mentais Através dos Filmes

OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

Blog: Devo tudo ao cinema / Octavio Caruso no Facebook

Carl Jung em uma rara entrevista legendada em Português

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Nesta entrevista concedia à BBC de Londres em 1959, Carl Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço nascido em 1875 e considerado o pai da psicologia analítica, fala-nos de sua família, de seus netos e bisnetos.

Ele regressa à infância e fala-nos da primeira vez em que teve consciência do seu Self individual.

Sexo frágil, uma expressão de quem não conhece o “ser mãe”

Sexo frágil, uma expressão de quem não conhece o “ser mãe”

Por Patrícia Pinheiro

Não é a toa que a expressão “sexo frágil”, destinada às mulheres, tem o poder de me tirar do sério: há 22 anos fui gerada e convivo com a pessoa mais forte que já conheci. Meu pai era um doce e me amou incondicionalmente durante os 19 anos que a vida permitiu que passássemos juntos, mas, sempre que tudo desandava, é em minha mãe que encontrávamos a calmaria em meio ao medo; a orientação e sabedoria em meio à confusão; o exemplo de força para seguir caminhando em meio à pernas fraquejantes.

Quando ouço que “as lutas femininas não passam de vitimização”, olho para a mulher que, sem conhecer nada do mundo, saiu do interior, com seus 15 anos de idade, para, anos depois, tornar-se a enfermeira mais respeitada de um hospital. Lembro da mulher que passou nove meses doente para que eu pudesse vir ao mundo. Lembro da mulher que enfrentou crises horríveis de enxaqueca, um câncer e uma endometriose e, ainda assim, guardava suas dores em bolsos que nem existiam mais para poder cuidar, não só das minhas, mas das daqueles que precisavam de seus olhos atentos e voz tranquilizante.

Quando ouço que as mulheres são mais fracas e sensíveis e que necessitam de um homem que as proteja, lembro da mulher que, ainda que lidando com suas próprias doenças físicas, medos e frustrações, foi a mão firme a segurar a minha nas noites intermináveis de choradeira; foi a perspicácia na tomada de decisões e a presença e (a)braços incansáveis na doença de meu pai.

Quando penso na palavra “força”, penso na minha mãe, penso nas mulheres. Nas mulheres que – ainda que com diferentes graus de privilégio – se fazem fortes simplesmente por sobreviverem a um mundo que constantemente as julga, cobra e diminui e, com toda a falsa simetria que existe, ainda as chama de frágeis.

Impossível é não Viver

Impossível é não Viver

Ser-se livre não é fazermos aquilo que queremos, mas querer-se aquilo que se pode.

Jean-Paul Sartre

Impossível é não Viver

José Luís Peixoto

Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.

Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.

Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.

José Luís Peixoto, in ‘Abraço’

Encontrado em Citador

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“Lamento da Mãe orfã”, de Cecília Meireles às mães cujo filho já se mudou para outras paragens

“Lamento da Mãe orfã”, de Cecília Meireles às mães cujo filho já se mudou para outras paragens

Lamento da Mãe orfã

Foge por dentro da noite
reaprende a ter pés e a caminhar,
descruza os dedos, dilata a narina à brisa dos ciprestes,
corre entre a luz e os mármores,
vem ver-me,
entra invisível nesta casa, e a tua boca
de novo à arquitetura das palavras
habitua,
e teus olhos à dimensão e aos costumes dos vivos!

Vem para perto, nem que já estejas desmanchando
em fermentos do chão, desfigurado e decomposto!
Não te envergonhes do teu cheiro subterrâneo,
dos vermes que não podes sacudir de tuas pálpebras,
da umidade que penteia teus finos, frios cabelos
cariciosos.

Vem como estás, metade gente, metade universo,
com dedos e raízes, ossos e vento, e as tuas veias
a caminho do oceano, inchadas, sentindo a inquietação das marés.

Não venhas para ficar, mas para levar-me, como outrora também te trouxe,
porque hoje és dono do caminho,
és meu guia, meu guarda, meu pai, meu filho, meu amor!

Conduze-me aonde quiseres, ao que conheces, – em teu braço
recebe-me, e caminhemos, forasteiros de mãos dadas,
arrastando pedaços de nossa vida em nossa morte,
aprendendo a linguagem desses lugares, procurando os senhores
e as suas leis,
mirando a paisagem que começa do outro lado de nossos cadáveres,
estudando outra vez nosso princípio, em nosso fim.

Cecília Meireles
In: Mar absoluto -1945-

Infantolatria: as consequências de deixar a criança ser o centro da família

Infantolatria: as consequências de deixar a criança ser o centro da família

Por Raquel Paulino – especial para o iG São Paulo

Além das complicações na vida dos filhos, como dificuldade de socialização e insegurança, deixar a criança comandar a dinâmica familiar pode prejudicar – e muito – o casal.

As atividades da família são definidas em função dos filhos, assim como o cardápio de qualquer refeição. As músicas ouvidas no carro e os programas assistidos na televisão precisam acompanhar o gosto dos pequenos, nunca dos adultos. Em resumo, são as crianças que comandam o que acontece e o que deixa de acontecer em casa. Quando isso acontece e elas já têm mais de dois anos de idade, é hora de acender uma luz de alerta. Eis aí um caso de infantolatria.

“O processo de mudança nos conceitos de família iniciado no século 18 por Jean-Jacques Rousseau [filósofo suíço, um dos principais nomes do Iluminismo] chegou ao século 20 com a ‘religião da maternidade’, em que o bebê é um deus e a mãe, uma santa. Instituiu-se o que é uma boa mãe sob a crença de que ela é responsável e culpada por tudo que acontece na vida do filho, tudo que ele faz e fará. Muitos afirmam que a mulher venceu, pois emancipou-se e foi para o mercado de trabalho, mas não: é a criança que entra no século 21 como a vitoriosa. Esta é a semente da infantolatria”, explica a psicanalista Marcia Neder, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e Educação da Universidade de São Paulo (Nuppe-USP) e autora do livro “Déspotas Mirins – O Poder nas Novas Famílias”, da editora Zagodoni.

Em poucas palavras, Marcia define infantolatria como “a instituição da mãe como súdita do filho e o adulto se colocando absolutamente disponível para a criança”. E exime os pequenos de qualquer responsabilidade sobre o quadro: “Um bebê não tem poder para determinar como será a dinâmica familiar. Se isso acontece, é porque os pais promovem”.

Reinado curto

A verdade é que existe um período em que os filhos podem reinar na família, mas ele é curto. “Quando o bebê nasce e chega em casa, precisa ser colocado no centro das ações, pois precisa ser decifrado, entendido. Ele deve perder o trono no final do primeiro, no máximo ao longo do segundo ano de vida, para entender que existe o outro, com necessidades e vontades diferentes das dele”, esclarece Vera Blondina Zimmermann, psicóloga do Centro de Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A infantolatria ganha espaço quando os pais não sabem ou não conseguem fazer essa adequação da criança à realidade que a cerca e a mantêm no centro das atenções por tempo indefinido. “Em uma família com relacionamento saudável, o filho entra e tem que ser adaptado à dinâmica da casa, à rotina dos adultos”, afirma a psicóloga.

Segurança ou insegurança?

Na casa da analista contábil Paula Torres, é ao redor de Luigi, de cinco anos, que tudo acontece. Entre os privilégios do garoto estão definir o canal em que a TV fica ligada e o dia do fim de semana em que será servida pizza no jantar. “Acho importante a criança se sentir amada e saber que suas vontades são relevantes para a família”, opina.

Ela conta que seu marido, o também analista contábil Luiz André Torres, não gosta muito disso e constantemente reclama que o filho é mimado demais. “Mas bato o pé e defendo essa proteção. Quando o Luigi crescer, será mais seguro para lidar com os adultos, já que suas opiniões são levadas em consideração pelos adultos com quem ele convive desde já”, acredita.

Não é o que as especialistas dizem. “Se o filho fica no nível dos pais, acaba criando para si uma falsa sensação de poder e autonomia que, em um momento mais adiante, se traduzirá em uma profunda insegurança. Ele sentirá a falta de uma referência forte de segurança de um adulto em sua formação”, explica Vera.

Marcia diz ainda que, ao chegar à idade adulta, esse filho cobrará os pais. “Ele olhará ao redor e verá outras pessoas se realizando independentemente dele. A criança que acha que o mundo tem que parar para ela passar não consegue imaginar isso acontecendo e não está preparada para lidar com a mínima das frustrações. Em algum ponto, acusará os pais de terem sido omissos”.

Para Vera, supervalorizar os pequenos e nivelá-los aos adultos “é o resultado de uma projeção narcísica dos pais nos filhos, que se veem nas qualidades que enxergam em suas crianças”. Marcia concorda: “Isso tudo tem a ver com a vaidade da mãe, que considera aquele filho uma parte melhorada dela própria e, por isso, a criatura mais importante do mundo”.

Os alertas do dia a dia

Muitas vezes, os pais não se dão conta de que estão tratando os filhos como reis ou rainhas, então precisam levar uns chacoalhões da realidade fora de suas casas. “Eles geralmente caem em si quando começa a sociabilização. A escola reclama porque o aluno não respeita as regras, a criança tem dificuldade para fazer amiguinhos porque as outras, com autoestima positiva, não querem ficar perto de alguém que ache que manda em todos”, aponta Vera.

“Em um futuro bem imediato, as reações dos colegas podem fazer a criança perceber que precisa mudar. Ela se comportará com eles como faz com a família e receberá a não-aceitação como resposta. Terá de lidar com isso para ter amigos”, afirma Marcia.

Mesmo assim, ela ainda correrá o risco de não conseguir rever seus comportamentos devido a uma superproteção parental, adverte Vera: “Em alguns casos dá para ela se salvar, mas muitos pais preferem culpar o ‘mundo injusto com seu filho perfeito’, o que impede que ela entenda as necessidades dos outros e reforça seus problemas de inadequação para a adaptação social”.

E como fica o casal?

Além de todas as complicações causadas pela infantolatria na vida dos filhos, ela prejudica – e muito – o casal que a promove. “Na relação saudável, o casal continua sendo o mais importante na família mesmo com a chegada da criança. Se os pais mantêm o filho no centro por mais tempo do que o necessário, acabarão se afastando”, alerta Vera.

“Some o casal. O ‘marido’ e a ‘mulher’ passam a ser o ‘pai’ e a ‘mãe’. E se em uma casa a mãe é a santa e o filho é o deus, onde fica o espaço do pai?”, questiona Marcia. “Muitos tentam entrar, reconquistar seu espaço, mas outros simplesmente caem fora”, constata.

O futuro da infantolatria

Sabendo disso tudo, os pais têm condições de se preparar para evitar os estragos na criação dos filhos. Marcia conta que percebe que as pessoas têm encontrado em sua análise uma saída para a tirania infantil.

“Não sou adivinha, mas creio que o novo arranjo familiar, em que os pais também assumem funções na criação dos filhos e as mães seguem carreiras por prazer, vá ajudar a mudar o panorama, assim como os arranjos homoparentais que começam a ser mais comuns”, diz, para complementar: “Creio que todos os comportamentos continuarão existindo, mas temos a obrigação de trabalhar para reverter esse quadro. O filho não é o centro porque quer, mas porque o adulto permite”.

Vera enxerga o futuro da situação de forma um pouco diferente. “Nossa sociedade é muito apressada e, no geral, não dá espaço para a preocupação com o outro. Isso tende a potencializar esse tipo de problema, a naturalizar para a criança o fato de que ela é o que mais importa, como aprendeu em casa com o comportamento dos pais em relação a ela”, finaliza.

Como definir serenidade – Flávio Gikovate

Como definir serenidade – Flávio Gikovate

Serenidade é um termo que pode ser definido de várias maneiras; uma delas é a capacidade de não se desesperar diante de situações adversas.

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– Conta outra vez? Quem nunca ouviu essa frase de uma criança que acabou de ouvir um conto!

– Conta outra vez? Quem nunca ouviu essa frase de uma criança que acabou de ouvir um conto!

Por Marcela Alice Bianco

– Conta outra vez! – Quero assistir de novo! – De novo! Essas frases são típicas de crianças pequenas que pedem para repetir incessantemente uma estória com as quais estão envolvidas.

Não importa se são contos de fadas antigos ou um longa-metragem de animação moderno. A questão é que, a criança se envolve intensamente com eles, os encena, aprende a cantar a música, repete, fica verdadeiramente vidrada na tela. Se sente a verdadeira Branca de Neve, a Elza de Frozen, o Max Stell e tantos outros personagens que tem encantado a criançada.

Mas, você sabe porque essas estórias precisam ser vistas e revistas pelas crianças?

Contar histórias é um costume antigo, fazendo parte do folclore e da cultura dos povos de todas as regiões do mundo. O ser humano sempre mostrou a necessidade de construir e fabular mitos e contos de fadas, dando vida ao imaginário coletivo e a questões condizentes a aspectos comuns da vida cotidiana e do psiquismo das pessoas.

Para Jakob e Wilhelm Grimm (1812),

“Os contos infantis, com suas luzes puras e suaves, fazem nascer e crescer os primeiros pensamentos, os primeiros impulsos do coração. São também contos do lar, porque neles a gente pode apreciar a poesia simples e enriquecer-se com sua verdade. E também porque eles duram no lar como herança que se transmite.”

As estórias falam de amor, amizade, inveja, ciúmes, força, medo, coragem, abandono, fraternidade, família e tantos outros temas humanos. E por isso, elas ajudam os pequenos a estruturarem suas vidas emocionais.

Suas narrativas falam dos desafios da vida! Por meio delas e de seus simbolismos, as crianças são capazes de compreender e elaborar o universo ao seu redor. Enquanto lutam com seus medos e monstros internos, elas se inspiram em personagens que se salvam de lobos, bruxas, feitiços e situações aterrorizantes.

Nas resoluções mágicas e cheias de fantasias, que dão aos contos um desfecho positivo, a criança pode perceber que os problemas e conflitos existem, mas podem ser enfrentados e solucionados, com criatividade.

Além disso, o uso das estórias pode ser uma atividade divertida em si mesma, servindo de recurso lúdico e meio de obtenção de prazer, tão necessários na infância. Elas funcionam como instrumentos de educação e promoção de saúde mental.

Por isso, você pode perceber que a cada fase da vida, a criança se atem a um conto, animação ou desenho específico e depois de superado o desafio dessa etapa ela passa a se interessar por um outro… e outro… e assim por diante!

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Desculpe, mãe

Desculpe, mãe

Por Raul Minh´alma

Quantas vezes guardei um obrigado para mim por achar que a minha mãe não fez mais do que a sua obrigação. Quantas vezes escondi um desculpe por não ter coragem de admitir que errei com ela. Quantas vezes falhei, quantas vezes fui um mau filho, quantas vezes fui injusto, quantas e quantas vezes não lhe dei o valor que ela merecia. Por ingenuidade, ignorância, por falta de noção. Eu e todos nós temos um enorme pedido de desculpas a fazer às nossas mães, e quando digo mães refiro-me a quem realmente merece este título, assim como eu e todos nós temos um gigante obrigado a dizer-lhes. O melhor pedido de desculpas e obrigado que lhes podemos dizer é mesmo ajudá-las, amá-las e acarinhá-las porque se há ser no mundo que merecia viver para sempre, é uma mãe.

Desculpe mãe quando me pediu ajuda e eu não a ajudei quando não tinha nada de importante para fazer. Desculpe ter-lhe falado alto quando a única coisa que devia ter feito era simplesmente ouvir. Desculpe ter reclamado por não me ter dado o que queria, quando eu só devia ter compreendido. Desculpe não lhe ter respondido às chamadas por me estar a divertir e esquecer-me que do outro lado estava uma mãe preocupada, por não saber nada do seu filho. Desculpe pelas vezes em que reclamei da comida que me fazia e eu não gostava, quando eu só me devia ter lembrado que a tinha feito com tanto carinho e para o meu bem. Arrependo-me de tudo isto, arrependo-me de tudo o resto, palavras não chegam, mas sem palavras não presto. Sei que me ama, não por ser um bom filho, mas simplesmente pelo facto de ser seu filho. Podia ser a pior pessoa do mundo que tenho a certeza que não me amaria menos e, por isso, maior prova da pureza do seu amor não posso eu pedir. Peço-lhe apenas que me perdoe, não por simplesmente ser seu filho, mas por compreender que não sou o melhor, que sei disso, e que tento melhorar.

Hoje dou mais valor à roupa lavada que aparecia dobrada sobre a minha cama. Hoje dou mais valor aos jantares e almoços que apareciam prontos sobre a mesa. Hoje dou mais valor às preocupações que não tinha com as contas a pagar. Pois alguém, nos bastidores da minha casa e da minha infância, fazia tudo isto, tratava de tudo isto sem pedir nada em troca: a minha mãe. Uma mulher, uma guerreira que, por detrás daquele corpo frágil e daquele sorriso que se esforça tanto para não perder, suporta uma família, uma casa, muitas vidas, sem muitas vezes se aperceber. Não encontro muitas palavras que consigam expressar o que é a minha mãe, o que é uma mãe, o que é ser mãe.

Uma mãe que deixou muitas vezes de comer para me dar. Eu era muito novo, mas lembro-me. Uma mãe que sofria em silêncio quando me via mal, mas escondia essa dor para não mostrar fraqueza. Eu estava triste, mas reparei. Uma mãe que me deu asas para que voasse, quando o que mais queria era guardar-me debaixo das suas. Uma mãe que me deu uma vida, que me educou e ensinou o melhor que sabia. Não, não é a minha mãe biológica, mas é a minha mãe verdadeira. Não foi abençoada com um ventre fértil, mas foi abençoada com um grande coração, e eu, abandonado no meio de um leque de berços, fui o escolhido para ser o seu filho. Se há pessoas com sorte, eu sou uma delas.

Eu sei que ela seria incapaz de me exigir algo de volta. Sei que não faz nada para poder receber mais tarde. E tudo o que eu posso prometer é lutar e trabalhar para que o esforço dela em mim não seja em vão. Para que um dia, quando já não aparecer roupa lavada em cima da cama, ou o almoço pronto em cima da mesa, ou quando for a minha vez de lhe dar o comer à boca ou de lhe mudar as fraldas, nada lhe falte. É o mínimo que eu posso fazer por quem me deu tudo em troca de nada. Amá-la-ei para sempre, pois a única mulher que eu posso prometer amar para sempre é a minha mãe.

Raul Minh’alma

contioutra.com - Desculpe, mãe
Na imagem- meramente ilustrativa- ator Reynaldo Gianecchini com a mãe Heloísa Helena, fotografia Erica Monteiro.

Nota da Conti outra: Agradecemos ao autor português Raul Minh´alma por nos enviar esse texto e autorizar a publicação nesse espaço.

Abrindo o “baú da vovó”: a coragem de olhar dentro de si mesmo

Abrindo o “baú da vovó”: a coragem de olhar dentro de si mesmo

Por Gustl Rosenkranz
Há poucos dias, não me sentia muito bem. Tinha um conflito com alguém de quem gosto muito e muita dificuldade de compreendê-lo. Sentia-me triste, até mesmo angustiado e também muito cansado. O conflito com essa pessoa me doía muito, doía até demais, tanto que percebi que não poderia ser algo ligado unicamente à pessoa em questão. A dor era tão forte que ficou claro que deveria ter mais alguma coisa por trás dela.

Resolvi parar, refletir, tentar entender o que estava acontecendo. Pensei, meditei e fiz, mais uma vez, uma experiência muito rica, algo muito importante, que gostaria de partilhar aqui com você: tive a coragem de olhar com carinho e lucidez para dentro de mim, fui a fundo, com os olhos e o coração abertos, até que encontrei o que chamo de “baú da vovó” – é claro que o baú é meu e não de minha avó, mas acho esse nome mais simpático que “meu baú” Tive o peito de abri-lo e vi como ele estava cheio, cheio de coisas, de experiências boas e menos boas, de dores, de medos, mas também de alegrias e esperanças. Vi lá dentro muitas recordações, de momentos lindos que vivi, de fases difíceis pelas quais passei, vi sonhos e desejos, dúvidas e certezas, inseguranças, arrependimentos do passado e muita confiança no futuro.

Comecei a mexer nas coisas, arrumando um pouco, colocando-as para o lado, procurando por aquilo que me era mais urgente naquele momento, que me permitisse entender minha dor, meu sofrimento naquele conflito, que estava me ocupando, me bloqueando, sem que eu entendesse bem o porquê. E encontrei! Encontrei coisas passadas, feridas abertas, ainda não bem cicatrizadas, decepções vividas no passado, meu próprio “fracasso” ao lidar com essas decepções, meu rancor, que não era mais atual, mas que ainda estava lá guardado, e meu medo, o medo enorme que tinha que certas coisas se repetissem. Tive receio de tocar nessas coisas, mas sabia que precisava tocá-las, segurá-las na mão, desmanchando nós, libertando o que estava preso. Confesso que o medo foi grande, mas enfrentá-lo me ajudou a crescer. Segurei tudo aquilo na mão, senti a dor de tudo que segurava, sofri calado por um momento, aceitando com serenidade aquele instante de profunda reflexão. Mas depois, já mais tranquilo, continuei mexendo no baú, olhando o que ainda estava lá, e encontrei muito mais coisas. Bem ali, ao lado daquela dor que eu até agora tinha trancafiado, isolando-a aparentemente de mim, estavam também coisas boas. Continuei fuçando e olhando os “cacarecos” de minha vida, até que segurei algo que me fez muito bem: segurei minha própria força. Sim, percebi que estava triste, que algo me fazia sofrer, mas tinha em mãos também a força que precisava para superar tudo aquilo. Ao segurar essa força, ao senti-la entre meus dedos, perdi o medo de tudo que tinha visto anteriormente, entendi que era necessário ver com clareza o que estava ali dentro e compreendi também que tudo estava bem, pois eu cresci e amadureci, tendo hoje força suficiente para enfrentar e resolver aquelas coisas que guardei no passado, quando estava fraco e ainda sem a maturidade necessária para solucioná-las.

Vejo muita gente buscando sua paz interior e procurando sabedoria em livros e textos de autoajuda. Vejo uma enorme ansiedade nas pessoas, que desejam simplesmente encontrar essa paz e ser felizes. Nesse momento de reflexão, ficou claro para mim mais uma vez que carregamos conosco as respostas que precisamos. Penso que faz pouco sentido buscar essas respostas fora de nós. Livros, artigos ou mesmo outras pessoas podem ajudar alguém, claro, mas a decisão final de permitir o autoconhecimento é sempre da própria pessoa. Sim, textos de autoajuda têm sua validade (se não pensasse assim, não os escreveria!), mas esses textos e a ajuda de alguém de fora só podem servir de impulso, como incentivo ou mesmo “um pontapé no traseiro”.

Assim, lhe peço: pare de vez em quando, principalmente nos momentos difíceis, e tenha a coragem de olhar bem lá dentro de você. Encontre seu baú, abra-o, olhe o que está dentro e veja o tamanho da riqueza que ele abriga: recordações, emoções, sabedorias, experiências de vida… Mesmo que isso lhe amedronte, não desista. Mexa nas coisas, segure-as na mão, sinta-as e busque as respostas necessárias para o momento. Não pense que isso será fácil, pois é preciso coragem. Mesmo que você não tenha consciência disso, seu medo é grande, já que, no fundo, você sabe que escondeu certas coisas ali dentro por não ter tido coragem ou condições de enfrentá-las. Mas encare esse medo de frente e abra seu baú. Talvez você também descubra, como eu, que seu sofrimento atual pode ser um reflexo de algo do passado, que você guardou por não dar conta de resolver na época. E é possível que você também perceba que tem hoje força e maturidade suficientes para tirar algo do baú para finalmente resolver, desatando certos nós, diminuindo a angústia e a tristeza, ganhando espaço para guardar outras coisas, talvez para guardar mais coisas boas.

De minha parte, espero ter a sabedoria de olhar mais vezes para o que está no meu “baú da vovó”, pois sei que ainda há muita coisa interessante lá dentro 🙂

5 coisas para nunca dizer a uma pessoa com a doença de Alzheimer

5 coisas para nunca dizer a uma pessoa com a doença de Alzheimer

Por Marie Marley

Ontem à tarde, eu entrei no quarto espaçoso pertencente à Maria, uma mulher com demência que recebe poucas visitas e a quem me ofereci para passar um pouco de tempo a cada semana. Eu a cumprimentei, elogiei seu lindo suéter azul-turquesa e apertei sua mão.

Em seguida, sentei-me em uma pequena mesa que estava transbordando de livros, fotografias, jornais e outros itens que ela gosta de manter sempre à mão e peguei uma pequena foto emoldurada de Maria com o marido e seus três filhos – dois filhos e uma filha.

“Conte-me sobre a sua filha,” eu disse, usando uma questão em aberto, porque eles não têm respostas certas ou erradas. Essa é uma dica que aprendi com a abordagem The Best Friends Approach to Alzheimer’s Care, de Virginia Bell e David Troxell.

“Oh, seu nome é Connie”, ela me disse. “Ela tem quatro filhos – dois meninos e duas meninas.”
Ela continuou, me dando vários detalhes sobre Connie e sua família. Eu, então, peguei uma fotografia de Maria e de sua irmã gêmea, Bernice, e ela me contou sobre como elas tiveram aulas de piano juntas quando eram crianças. Depois de alguns minutos, eu lhe perguntei se sua filha já tocara algum instrumento musical.

“Eu não tenho uma filha”, disse ela com naturalidade.

“Oh,” eu respondi, pegando a foto de família novamente e a segurando para ela ver. “Você acabou de me dizer que você tem uma filha. Aqui está ela.”

O rosto de Mary se abateu e ela comentou constrangida: “Eu acho que eu tenho uma filha.”

Eu imediatamente me senti mal pelo constrangimento que lhe causei e fiquei chateada comigo mesma por ter apontado o seu erro. Eu percebi que tinha quebrado uma das regras fundamentais para interagir com uma pessoa que sofre de demência.

Quando nos relacionamos com a uma pessoa que sofre com a doença de Alzheimer, existem muitas orientações a seguir e que podem melhorar consideravelmente a comunicação. Vou discutir cinco das mais básicas aqui: 1) Não lhes dizer que eles estão errados sobre algo; 2) Não discutir com eles; 3) Não perguntar se eles se lembram de alguma coisa; 4) não lhes lembrar que o seu cônjuge, pai ou outro ente querido está morto; e 5) Não abordar tópicos que possam perturbá-los.

Não lhes diga que eles estão errados sobre algo: Para que eles mantenham seu humor mais estável e se sintam bem, é melhor não contradizê-los ou corrigi-los. Não existe nenhuma razão suficientemente boa para fazer isso. Se eles estiverem em um momento mais lúcido, vamos causar um constrangimento desnecessário e, se não estiverem, eles também poderão se sentir mal, pois, perceberão a confusão e o desentendimento, e também ficarão constrangidos e/ou nervosos.

Não discuta: nunca é uma boa ideia discutir com uma pessoa que sofre de demência. Primeiro de tudo, você não pode ganhar. E segundo, as duas pessoas ficarão irritadas, você e o doente. Eu aprendi há muito tempo, quando cuidava do meu amado marido, Ed, que a melhor coisa a fazer é simplesmente mudar de assunto – de preferência para algo agradável que prenda imediatamente a sua atenção. Dessa forma, a pessoa provavelmente se esquecerá do desacordo, e o dia ficará mais leve para todos.

Não pergunte se a pessoa se lembra de algo específico: Ao falar com uma pessoa que tem a doença de Alzheimer, é tão tentador perguntar se elas se lembram de alguma pessoa ou evento. “O que você almoçou?” “O que você fez hoje de manhã?”, “Este é David. Lembra-se dele?”, ” Você se lembra de que comemos doces a última vez que estive aqui?”. É claro que eles não se lembram. Caso contrário, eles não teriam o diagnóstico de demência. Isso pode constrangê-los ou frustrá-los. É melhor dizer: “Eu me lembro que comemos doces a última vez que estive aqui.  Foi delicioso.” Ou seja, faça da sua pergunta um comentário.

Não lembre a pessoa que um ente querido dela está morto: Não é incomum para as pessoas com demência acreditem que seu cônjuge falecido, pai ou outro ente querido ainda está vivo. Eles podem ficam confusos ou se sentirem mal, porque essas pessoas não vêm visitá-los. Se você informá-los  que a pessoa está morta, eles podem não acreditar e ficarem muito nervosos e confusos. Além do mais, eles estão tão propensos a esquecer tão cedo o que você disse e voltar a acreditar que sua amada ainda está viva que todo o desgaste se torna um sofrimento desnecessário. Uma exceção a essa orientação é se eles perguntarem se a pessoa morreu. Nesse caso é aconselhável lhes dar uma resposta honesta, mesmo que eles se esqueçam depois.

Não aborde temas que possam perturbá-los: Não há nenhuma razão para trazer temas que você sabe que podem perturbar o seu ente querido.

Marie Marley é uma premiada autora de livros sobre Alzheimer como Come Back Early Today: A Memoir of Love, Alzheimer’s and Joy. Conheça seu website, ComeBackEarlyToday.com.

Traduzido e adaptado exclusivamente para o Conti outra por Josie Conti.

Uso de tecnologia por crianças: benefício ou perda da infância?

Uso de tecnologia por crianças: benefício ou perda da infância?

Por Jocelaine Santos 

Uma pesquisa realizada pela AVG Technologies com famílias de todo o mundo mostrou que 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade conseguia usar jogos de computador, mas apenas 14% era capaz de amarrar os sapatos sozinha.

Num mundo cada vez mais marcado pela tecnologia, é fácil encontrar crianças que ainda não sabem nem amarrar os sapatos navegando na internet e usando smartphones ou tablets. Mas será que essa inserção tão precoce no mundo da tecnologia é benéfica para os pequenos?

Uma pesquisa realizada pela AVG Technologies no ano passado com famílias de todo o mundo mostrou que 66% das crianças entre 3 e 5 anos de idade conseguia usar jogos de computador, 47% sabia como usar um smartphone, mas apenas 14% era capaz de amarrar os sapatos sozinha. No caso das crianças brasileiras, o levantamento apontou que 97% das crianças entre 6 e 9 usam a internet e 54% têm perfil no Facebook.

Embora ainda não haja consenso entre os especialistas, muitos apontam consequências sombrias do contato excessivo das crianças com as novas tecnologias. A terapeuta canadense Cris Rowan, por exemplo, defende que o uso de tecnologia por menores de 12 anos é prejudicial ao desenvolvimento e aprendizado infantis.

Segundo ela, a superexposição da criança a celulares, internet, iPad e televisão está relacionada ao déficit de atenção, atrasos cognitivos, dificuldades de aprendizagem, impulsividade e problemas em lidar com sentimentos como a raiva. Outros problemas comuns seriam a obesidade (porque a criança passa a fazer menos atividade física), privação de sono (quando as crianças usam as tecnologias dentro do quarto) e o risco de dependência por tecnologia.

Por causa desses riscos, no ano passado a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de Pediatria recomendaram limites para a exposição das crianças a todo tipo de mídia (televisão, games, internet, smartphones etc.). Para as entidades, o ideal é que apenas depois dos 2 anos de idade as crianças comecem a ter contato com esses aparelhos e por tempo limitado. Até os 5 anos, as crianças só deveriam ficar no máximo 1 hora diante das telas. O tempo aumenta para 2 horas para crianças de 6 a 12 anos e para 3 horas a partir dos 13 anos.

Mas, mesmo com tantas recomendações, muitos pais parecem não se preocupar com o assunto. Sob a justificativa de que hoje é importante saber trabalhar com as novas tecnologias desde cedo ou simplesmente para evitar aborrecimentos, os pais acabam deixando as crianças livres para usar os equipamentos da forma como quiserem, o que pode causar problemas não só aos pequenos, mas para toda a família.

“Nós precisamos encontrar uma maneira de educar os pais de hoje, e também os futuros pais, sobre prejuízos e benefícios das mídias eletrônicas e ajudá-los a fazer escolhas positivas para seus filhos”, alerta Susan Linn, escritora e cofundadora da organização americana Coalizão pelo Fim da Exploração Comercial Infantil.

Imposição de regras não funciona se os próprios pais exageram
Embora pareça difícil encontrar um ponto de equilíbrio entre o estilo de vida atual – cada vez mais marcado pelo uso de novas tecnologias – e a regulação do uso de mídias eletrônicas, os pais devem estabelecer regras e trabalhar para que os pequenos não acabem exagerando na hora de usar os dispositivos eletrônicos.

Para isso, a primeira coisa que os pais devem fazer é se perguntar se eles mesmos não estão usando smartphones, tablets e computadores demais. Não adianta nada impor regras aos filhos e dar mau exemplo. Outro ponto é não estimular antes do tempo as crianças a manipulares os equipamentos. O melhor é deixar que elas mesmas demonstrem interesse e só depois disso os pais podem mostrar a elas como usar os aparelhos de forma correta.

Manter o diálogo e investir em atividades familiares é outra forma de ajudar os pequenos a não se tornarem dependentes da tecnologia. Hoje as crianças ficam muito tempo diante das telas, e deixam de se dedicar a atividades importantes como esportes, atividades culturais ou simplesmente uma conversa em família para ficar horas e hora assistindo à televisão ou jogando no computador.

Os pais precisam também ficar atentos à questão da segurança dos pequenos ao usar dispositivos que permitem o acesso à internet. Infelizmente, são comuns os casos de crianças e adolescentes que acabam sendo vítimas de pedófilos através da rede.

Para diminuir os riscos de que isso aconteça, é importante orientar as crianças a usar de forma adequada a internet, evitando, por exemplo, conversas em chats com desconhecidos e divulgação de dados pessoais.

A instalação de ferramentas de monitoramento ou bloqueio de alguns conteúdos da internet é outra forma de proteger os pequenos. Manter o computador numa área comum da casa com a tela sempre visível e limitar o tempo de uso do equipamento também pode ajudar.

Mas o mais importante é manter diálogo com a criança, mostrando-se disposto a esclarecer dúvidas e explicar os motivos pelos quais é preciso usar com cautela as novas tecnologias.

Entidade norte-americana recomenda smartphone só depois dos 13
Se há alguns anos as crianças sonhavam em ganhar bicicletas ou vídeo games, hoje o objeto de desejo são os smartphones, que, além de servirem como celular, oferecem acesso a internet, jogos, troca de mensagens e muitas outras funcionalidades. Mas por mais que os pequenos insistam, nem sempre é recomendável ceder.

A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de Pediatria recomendam que apenas a partir dos 13 anos as crianças tenham acesso a dispositivos móveis, como tablets e smartphones. E, mesmo assim, devem ser orientadas a usar de forma adequada o aparelho. Desligá-lo durante as aulas ou refeições, por exemplo, é uma prática que deveria ser universal, mas raramente é cumprida pelos adolescentes.

Os pais precisam avaliar se há necessidade de a criança ter um smartphone. Para crianças que começam a sair de casa sozinhas, o smartphone se torna uma ferramenta de comunicação importante, inclusive para os pais. Por outro lado, não parece razoável que crianças com 5 anos de idade já tenham o aparelho.

Fonte: Sempre Família

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