Muitas vezes, a alegria do nosso viver se esvai. Desilusões, dores, doenças…Um turbilhão de situações que nos drenam a vida.
Mas, num repente, você se lembra da alegria singela e gratuita, da felicidade pronta do seu filho quando a vê e, a partir de então, tudo muda e a vida volta a fazer sentido de novo.
Veja a alegria desse filho ao rever a mãe que esteve fora por algumas semanas, em tratamento quimioterápico.
As cenas gravadas por sua irmã mostram Laura Martancik, uma americana que luta contra o câncer desde 2013, de joelhos ao chegar em casa e seu filhinho pulando em seu colo repetidamente.
Ela diz para ele “O que eu disse a você? Mamãe sempre volta! Estou de volta do médico!”
O meu pai, nascido há 86 anos no Alentejo, tem Alzheimer.
Aos 20 anos conheceu o amor da sua vida. Na Avenida da Liberdade, num dia de chuva, quando os respectivos guarda-chuvas ficaram presos um ao outro em plena estrada. Até que a morte os separasse. Assim foi. 58 anos casados, António e Lurdes. Duas filhas: Helena e Sónia, irmãs com dezoito anos de diferença.
Na sua vida, cheia de trabalho, dedicou-se ao desenho técnico e foi Chefe do Departamento de Obras da Fundação Gulbenkian. Mais que um trabalho, uma paixão que o fazia apelidar a Gulbenkian como a sua segunda casa. Homem educado, cavalheiro, tímido e lisonjeiro, nunca deixou de trazer no olhar a malandrice que o fazia desde pequeno ser apelidado de “Totó, o pai da ronha”. “Lolita” para as filhas, porto seguro das vidas de cada uma de nós, colo quente dos netos, homem de família, de honestidade sem par. Homem feliz, realizado pessoal e profissionalmente, trabalhou até aos 74 anos. Traiu-o a perda da mulher, e simultaneamente a terrível doença que lhe rouba a memória todos os dias.
Visitamos o meu pai, como quem vai ver os miúdos na creche. Porém, tudo é o oposto da creche: ao invés de vida, há sobrevivência, em vez de gritos há gemidos, em vez de sonhos há esperas, murmúrios, desabafos, lágrimas. Um lar com doentes de Alzheimer é uma espécie de vivência de vidas passadas. Há senhoras que passeiam nenucos, há os que teimam em ir trabalhar, há os que passam o tempo a carpir os mortos que já partiram na sua infância, há os que chamam pela mãe, há os que embalam os filhos que já são pais. E há filhos, como nós, que perdidos no cenário do lar, a cada visita, perdem um pouco mais daqueles que ali um dia deixaram. Não ousem censurar quem deixa um pai ou uma mãe doente de Alzheimer num lar. A evolução da doença leva todos ao limite, roça todos os sentimentos e chega a colocar em causa alguns afectos. A perda de dignidade é obscenamente evolutiva e depressa chega ao ponto da ruptura. O internamento é tão inevitável quanto doloroso, tão necessário quanto adiado ao limite.
Fui visitar o meu pai. Estava na mesma, com o olhar pousado nas árvores, a manta sobre as pernas, as mãos com as veias visíveis, zangadas, cansadas. Perdeu o brilho do olhar. E é nos olhos que percebo a vida, lá longe, numa memória que trai e se revela em retalhos espaçados, plenos de hiatos. É no mesmo olhar que o vou perdendo, por já não saber quem sou, por ser órfã sem o ser. A mãe, meu pai, a saudade que tenho da mãe, a saudade que também não sabes o que é. Sou eu, a gordinha que ousava sonhar ser bailarina. No teu olhar, meu pai, vou-te perdendo aos poucos. Deve ser isto a dor. Certamente é isto o Alzheimer.
Se você pretende um objetivo, não despreze as palavras. É mais fácil falar? Talvez. Porém tudo começa quando tocamos no assunto. Necessárias são as discussões, os debates, pois são os ensaios da ação. Como um time de futebol não joga bem sem treinar, quem deseja um futuro melhor precisa discursar.
Imagine um professor que resolve ignorar as palavras. Mesmo sendo uma aula de matemática, como explicaria aos seus alunos o conteúdo?! Como demonstrar uma equação sem usar o termo “igual”? Os verbos, substantivos, adjetivos nos induzem ao conhecimento do mundo.
Podemos mencionar as pessoas que descumprem suas promessas. Bem lembrado. Mas estas nos geram decepção porque um dia falaram algo. Caso nunca tivessem prometido com palavras, pouco nos importaria. Não menospreze ideias expressadas pelo outro. Se estão certas ou não, apenas conversando entenderemos. Aquilo que se fala é parte inseparável daquilo que se faz.
Sem troca de pensamentos os sentimentos ficam murchos. Por isso, os impossibilitados de emitirem sons pela boca, criam palavras com as mãos. Conhecem, intuitivamente, o belo poder humano da comunicação.
Seres humanos não podem voar, nem cuspir fogo. O que no torna mais fantásticos do que dragões, é a capacidade de dizer.
Ignorar as verbalizações de alguém é matar. Cemitérios não são silenciosos à toa. A vida abundante e forte acontece entre nossos papos. Não ignorem a poesia. Não virem as costas para os livros. Por favor, não desprezem as palavras. Ficaremos confusos. Porque até para menosprezá-las é preciso que as usem.
As mulheres têm uma tendência de tentar ser pessoas melhores depois que os filhos nascem e, em vários aspectos da vida. Tentam ser mais calmas, disciplinadas, dormir mais cedo, alimentar-se melhor ou ser otimista. Tudo para ser um bom exemplo para os filhos. Tem mães que param de trabalhar para cuidar deles ou aquelas que trabalham ainda mais também por causa dos filhos.
Por conta de todo esse esforço, existem atitudes que doem mais quando você se torna mãe, principalmente se vir de um filho.
1. Demorar para atender o celular
Você tem ideia de quantas tragédias podem passar na cabeça de uma mãe naqueles segundos em que você está pensando em atender ou não a ligação dela?
2. Reclamar que a comida está ruim
Ela pode ter tido um dia péssimo. E também não é sempre que tudo sai queimado ou salgado, não é mesmo?
3. Rir dela
Num momento de nervosismo, rir ou debochar da sua mãe para tentar amenizar as coisas, só piora, acredite.
4. Falar que a odeia
Jamais, nem pense nisso. Porque, possivelmente, isso nem seja verdade e é algo que magoa profundamente, não importa a idade do filho. Todas as mães já moveram montanhas pelos filhos em algum momento da vida. Seja grato(a) por ela.
5. Esquecer o aniversário ou Dia das Mães
Um cartão, uma flor ou uma caixinha de chocolate juntos com uma boa tarde de conversa não custa nada e enche o coração de uma mãe de satisfação.
6. Não dar atenção
Deixar de ir num cinema, passeio, mercado ou qualquer outro lugar com a sua mãe por um motivo banal. Mesmo que você seja adolescente ou adulto, chegará uma hora na vida que pensará “eu poderia ter sido um filho melhor e ter passado mais tempo com ela”.
7. Remoer o passado
Em qualquer relacionamento falar do passado traz de volta lembranças e discussões que levam a mais mágoas e tristezas. Melhor mesmo é pôr uma pedra em assuntos delicados e exercitar o perdão.
8. Ficar muito tempo sem visitá-la
A correria do dia a dia não deixa barato para ninguém. E os dias, semanas e até meses vão se passando e então eu pergunto: quando foi a última vez que você foi na casa da sua mãe?
9. Deixá-la sem comunicação com os netos
Fatalmente uma mãe vai se tornar uma avó. Mesmo que vocês morem longe um do outro, hoje em dia a tecnologia está aí para ajudar a diminuir esse problema. De qualquer forma, carta e fotos impressas não saíram totalmente de moda e podem ser um recurso para diminuir as fronteiras.
10. Culpá-la por suas escolhas
Claro que as mães influenciam muito em nossas decisões. Porém, quem as toma somos nós. Encontrar um culpado que não seja você mesmo não vai tornar as coisas melhores.
11. Gritar
Levantar a voz para qualquer pessoa é desrespeitoso. Se for com a mãe parece ser muito pior.
12. Deixá-la envelhecer sozinha
Depois de uma boa parte da vida dedicada aos filhos, muitas mães acabam sozinhas e sem a assistência dos filhos.
Nem sempre é fácil. Às vezes é preciso ter paciência, pois, nem sempre nossa mãe vai fazer o que desejamos. Mas, por ela ser mãe, sempre estará um degrau acima do nosso.
Aos 96 anos, Rosa Maluf Milan ainda andava de salto alto. Era um saltinho pequenininho, de uns dois centímetros, mas era salto alto.
E foi em cima do salto que a elegante empresária, que teve a sorte de ter nascido numa família rica, conseguiu se equilibrar para chegar aos quase 100 anos praticamente sem dores e com uma memória de quem consegue lembrar a história de toda a sua vida, sem interrupções. “Não sinto nada, nem dor de cabeça.”
O maior “tropeço” aconteceu 50 anos antes, quando ela perdeu o grande amor de sua vida, por quem seria apaixonada para sempre. Seu ex-marido, o médico Rachid Milan, morreu vítima de leucemia, aos 49 anos. Ela tinha 47. “Foi a coisa mais triste da minha vida. Não teve coisa mais triste.”
Cinco décadas após a morte do amado, Dona Rosa ainda se lembrava dele todos os dias, acordava de madrugada para rever fotografias e tinha de cor as 50 cartas de amor que trocaram quando ainda eram namorados. “Sinto muitas saudades. Ele era lindo. Eu adorava ele, tinha loucura por ele.”
Eu conheci a história da cordial senhora após assistir um curta-metragem sobre a vida dela, chamado justamente “Dona Rosa”. Gostei tanto do filme que a procurei para falar sobre o sentido da vida.
Ela me recebeu educadamente em seu espaçoso apartamento na Bela Vista, na capital paulista, numa ensolarada tarde.
Com uma voz tranquila característica de quem já viveu tantos anos, e um probleminha de audição que me obrigava a refazer algumas perguntas, a empresária não só me contou toda sua história como fez questão de me mostrar a requintada mobília de cada cômodo.
Entre delicadas louças, quadros de artistas renomados e tapetes persas, contudo, o bem de maior valor para ela eram, sem dúvida, as inúmeras fotos de Rachid e da família, que apontava orgulhosa e com um brilho no olhar.
“Eu tive muita energia na vida, eu nunca tive medo de nada. Muita tristeza eu tenho, eu sinto muita saudades dele, muitas saudades”, e logo em seguida soltava um “veja como ele era lindo”, apontando para a fotografia em preto e branco.
Após a morte do amado, Dona Rosa encontrou no trabalho as forças para superar a dor. A missão foi dada a ela pelo próprio marido, pouco antes de partir: “se eu morrer hoje, comece a trabalhar amanhã.”
Dona Rosa cumpriu à risca a determinação. “Ele morreu no domingo, na segunda-feira foi enterrado, e na terça-feira eu já estava no banco. Foi muito bom começar a trabalhar. Foi muito bom porque eu me curei da ausência dele trabalhando.”
Enfrentou certo machismo por ser mulher e estar à frente dos negócios na época, mas não ligava e se atirava nos trabalhos. “Não foi tão fácil. Eu tinha um pouco de medo. Mas foi lindo, aprendi, tudo eu aprendi. Aprendi com o mundo, parando e ouvindo.”
Dedicou a vida toda para cuidar das três filhas. “Fiquei viúva há 50 anos e só cuidei de uma coisa, delas, o tempo todo. Todas estudaram no exterior, elas têm muita cultura.” A mais velha é médica, psicanalista e escritora. A do meio é arquiteta. A mais nova estudou economia, mas não seguiu a profissão e “faz monumentos pelo mundo”, descreveu, orgulhosamente.
Entre outros momentos difíceis da vida, citou a morte do primeiro filho, aos nove meses de gestação, e a morte de um irmão, aos 26 anos. “Mas tudo passa, nada fica. Eu vejo que as coisas acontecem, se eu quiser ou não quiser. Acontecem. Eu tenho que aceitar.”
E com todos esses anos de experiência, diz que tudo é resolvido: “Não tem mais nada difícil para mim, tudo é fácil. Tudo se resolve, com bom senso.”
Vida no palácio
Casamento de Dona Rosa e Rachid
Mais velha de seis irmãos, Dona Rosa nasceu no dia 30 de dezembro de 1917. Filha de imigrantes libaneses, cresceu em um luxuoso palácio construído por seu pai na cidade de São Paulo. Estudou até a oitava série em um colégio de freiras. Cresceu em meio a festas e bailes no salão do palácio.
Casou-se com Rachid aos 24 anos. Recorda detalhadamente o dia em que o conheceu, em Capivari, no interior de São Paulo, dez anos antes do casamento. “Lembro bem. Quando cheguei lá, a primeira pessoa que a gente viu foi um homem de farda verde. Lindo, moreno, tinha 16 anos. E aí começamos a nos gostar.”
O primeiro beijo ela só foi dar 15 dias antes de se casar. “Eu tremia, imagina se eu tinha coragem de dar um beijo em alguém? Ele era um moço muito bonito, moreno de olhos verdes, e muito cobiçado, a mulherada caía em cima dele.”
Consciente de que a morte pode vir a qualquer momento, diz estar preparada. “A hora que vir está bom. Só não quero sofrer.” Certa vez ela perguntou ao médico do que morreria. “Eu não sei do que eu vou morrer, porque eu não tenho doença nenhuma. Nem dor de cabeça, nada. De velhice, ele falou. Mas quando vence a velhice? Estava na hora…”
E com quase tanto anos vividos, numa primeira tentativa ela respondeu que ainda não tinha descoberto o sentido da vida. “Não tem sentido, eu não entendo por que a gente vive, por que a gente morre, eu não entendo. Por que Deus fez assim? Viver e morrer, você entende? Eu também não entendo.”
Ao repensar, sugeriu: “É passar bem, conseguir que todo mundo se queira bem, é muito importante não brigar com as pessoas. A pessoa educada não briga com ninguém, chega a uma conclusão, a um sentido. Não é fácil, mas a gente consegue, sempre, tudo o que você quiser na vida você consegue, é só querer.” Sentia-se vitoriosa nesse aspecto: conseguiu fazer com que as três filhas e os cinco netos se queiram bem.
Perguntei se esperava chegar aos 100 anos, mas Dona Rosa nem pensava nisso, preocupava-se apenas com cada dia. “Quando a gente acaba bem tá bom. Você vê, estou com 96 anos e bem, não tenho rugas. Se eu viver até os 100 anos bem, senão, paciência, ‘Après moi, le déluge’. Conhece francês? ‘Depois de mim, o dilúvio'”, traduziu.
Perdoa-me a indelicadeza de desnudar-me a ti. Talvez eu perceba que poucos me compreendam e saiba que podes compreender-me mais que todos os demais. Ademais, preciso revelar-te que já nos conhecemos.
Eu não sou destas paragens e estou neste planeta por breve passagem. Há muito soube que estrelas se desintegram. Soube ainda, ao ler os lábios de um anjo, que sou feita da poeira de uma estrela muito antiga e, em face de tal revelação, pude compreender o mundo e compreender-me em meu mundo.
Desprezo, sem pensar, tudo aquilo que me prende à matéria, ao chão, ao desejo de ter aquilo que vejo. Aprendi muito cedo que os sentidos não nos dão a perfeita dimensão das coisas e nada valoro que esteja ao alcance da mão. É que, feita de matéria etérea, eu sou o meu próprio castelo de ilusões intangíveis e emoções inventadas. Sou poesia que apronta, encantando, um verso que iluminará o dia que por certo nunca chegará, mas não se cansa (eu não me canso) de aprontar.
Os “nãos” que as vidas das minha vida, em suas idas e vindas, disseram, nem mesmo chegaram a machucar-me a alma. Sou a suficiência plena da simplicidade e da calma. Minha alma é leve e releva a gravitação da gravidade do mundo.
Ser poeira de estrela é ser pouco, rarefeita, imperfeita reestruturação de moléculas. Mas concedi à minha imperfeição a feição de obra prima e decidi amar-me acima da poesia de todas as coisas.
Saiba, é segredo, mas toda noite visito o firmamento, minha antiga morada, e ali consigo nutrir-me de alegria. Trata-se de um sítio sagrado, solo enluarado que pode ser cultivado sem sol e arado de sonho. Foi nesse outro mundo, (sei que não te lembras) que te conheci.
Perder tempo não é como gastar dinheiro. Se o tempo fosse dinheiro, o dinheiro seria tempo.
Não é. O tempo vale muito mais do que o dinheiro. Quando morremos, acaba-se o tempo que tivemos. Quando morremos, o que mais subsiste e insiste é a quantidade de coisas que continuam a existir, apesar de nós.
O nosso tempo de vida é a nossa única fortuna. Temos o tempo que temos. Depois de ter acabado o nosso tempo, não conseguimos comprar mais. Quando morreu o meu pai, foi-se com ele todo o tempo que ele tinha para passar connosco. As coisas dele ficaram para trás. Sobreviveram. Eram objectos. Alguns tinham valor por fazer lembrar o tempo que passaram com ele – a régua de arquitecto naval, os relógios – quando ele tinha tempo.
As pessoas dizem «time is money» para apressar quem trabalha. A única maneira de comprar tempo é de precisar de menos dinheiro para viver, para poder passar menos tempo a ganhá-lo. E ficar com mais tempo para trabalhar no que dá mais gosto e para ter o luxo indispensável de poder perder tempo, a fazer ninharias e a ser-se indolente.
A ideologia dominante de aproveitar bem o tempo impede-nos de perder esses tempos. Quando penso no meu pai, todas as minhas saudades são de momentos que perdi com ele. Uma noite, numa cabana no Canadá, confessou-me que o único filme de que gostava era «Um Peixe Chamado Wanda«. Todos os outros eram uma perda de tempo. Perdemos a noite inteira a falarmos e a rirmo-nos disso. Ainda hoje tem graça.
Miguel Esteves Cardoso, in ‘Jornal Público (26 Dez 2011)’
No coração de um homem simples, não raro, também mora a poesia. Ela nada tem da erudição, mas de uma profunda e serena sintonia com o mundo e com os sentimentos que o permeiam.
Assista, na voz desse grande nome da Cultura brasileira: Rolando Boldrin, à declamação do poema “Mãe”.
Odeio a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor. Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para escrever o meu haikai.
Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.
O último haikai é isto: o esforço supremo para dizer a beleza simples da vida que se vai. Tenho terror de ser enganado. Se estiver para morrer, que me digam. Se me disserem que ainda me restam dez anos, continuarei a ser tolo, mosca agitada na teia das medíocres, mesquinhas rotinas do cotidiano. Mas se só me restam seis meses, então tudo se torna repentinamente puro e luminoso. Os não essenciais se despregam do corpo, como escamas inúteis.
A Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio, se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável… Creio que não mais leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus, Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E ouviria mais Bach e Beethoven. Além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu jardim…
Curioso que a Morte nada tenha a dizer sobre si mesma. Quem sabe sobre a Morte são os vivos. A Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e depois do seu olhar tudo fica com aquele ar de “ausência que se demora, uma despedida pronta a cumprir-se” (Cecília Meireles). E ela nos faz sempre a mesma pergunta: “Afinal, que é que você está esperando?” Como dizia o bruxo D. Juan ao seu aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque… Sua Morte o encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei…'”
E o feiticeiro concluiu: “Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca”.
Às vezes ela chega perto demais, o susto é infinito, e até deixa no corpo marcas de sua passagem. Mas se tivermos coragem para a olharmos de frente é certo que ficaremos sábios e a vida ganhará simplicidade e a beleza de um haikai.
Assista a história de Utari e seu estranho carinho por uma árvore.
Uma história de amor, saudade e perda.
Veja o pequeno filme e só depois leia a explicação:
Na vila indiana de Thesgona, onde Utari vive, existe a tradição de plantar uma árvore quando uma criança nasce…
Todos os dias aproximadamente 5.000 mães como Utari perdem seus filhos antes de eles completarem 5 anos para infecções como diarreia e pneumonia. A única coisa que lhes resta é a árvore.
Muitas dessas mortes poderiam ser prevenidas com o simples ato de lavar as mãos com sabão.
A árvore da vida nada mais é do que a sublimação da morte.
Quando os olhos se apaixonam, ficam mais unidos, procuram o mesmo alvo. Querem ver quem os fez sentirem mais vida. Passam a comandar o resto do corpo. Ordenam que as pernas se apressem, porque logo a observada chegará.
Se ela não vem, invocam a imaginação e fazem a cabeça ignorar o presente, enxergando apenas a imagem imponente da saudade.
Se ela chega, tornam-se brilhantes atores. Sobem no palco, cantam, dançam, formam o mais misterioso espetáculo da Terra. Digo misterioso, porque, por vezes, ninguém notará que os olhos estão tentando deixá-la bem.
Ao contrário das mãos, quando os olhos se apaixonam, ficam alegres sem precisar tocar a observada. Sabem eles de suas limitações. Jamais poderão abraçá-la, beijá-la, porém, orgulham-se de serem os únicos capazes de percebê-la.
Por isso, o corpo inteiro fica esperando a opinião dos olhos. Eles são quem dizem se ela corresponde, a partir de dados extremamente relevantes. Como a curvinha da testa, o ajeitar do cabelo e, talvez o mais instigante, o olhar dela.
Porque cada olho, lá no fundo, apaixona-se mesmo é por outro olho. Busca em outras retinas a inspiração de suas visões profundas.
Temos coisas demais para observar, dois olhos são insuficientes. Na faculdade, em casa, no trabalho, nós nos relacionamos com inúmeros globos oculares.
Tudo para não deixarmos a vista cansar, descansamos em vários outros olhares.
E, entre tantos, surge um que irá nos atrair. Nele está algo que queremos conhecer e talvez nem saibamos o que seja. Os olhos, esses danados, apaixonam-se e não nos explicam nada.
Sem entender muito, fugimos. Fazendo-os se irritarem, a ponto de chorarem ou recusarem-se a abrir. Fecham-se em protesto.
Mas, ah… Quando eles são correspondidos. Ficam abestados. Viram duas criancinhas contentes.
Sorriem mais bonito que os dentes.
Não reclame, caso os seus donos se juntem, a ponto de parecer que quatro olhos viraram um. Pois é assim, meu bem.
Quando os olhos se apaixonam, tomam conta da gente.
Cena 1: uma menina de 2 anos faz birra na hora de comer e atira uma batata frita no chão. Cena 2: a mesma criança causa tumulto numa festa infantil quando a mãe anuncia que devem ir embora. Talvez essas situações fossem encaradas como algo constrangedor, mas comum, se tivessem acontecido no Brasil ou nos Estados Unidos. Mas, na França, a jornalista americana Pamela Druckerman, mãe da enfant terrible em questão, sentiu o desprezo de seus vizinhos parisienses. Percebeu, então, que crianças francesas não jogam comida no chão – título do livro que escreveu sobre o modo francês de educar, lançado na Inglaterra e nos Estados Unidos, já um best-seller.
Vivendo durante dez anos em Paris com o marido britânico e três filhos pequenos (a menina e um casal de gêmeos), Pamela ficou abismada ao ver as crianças francesas comendo tomate à provençal sem sequer se sujar – e sem interromper os adultos -, diferentemente de sua filha, que solicitava atenção o tempo todo, fazendo pouco caso da comida. Ex-repórter do The Wall Street Journal, ela resolveu investigar as origens desse comportamento civilizado, que está na forma como as mães francesas criam os filhos. O segredo? Não vivem em função deles nem tratam as crianças como pequenos reis. Elas não toleram birras, não negociam nem passam o fim de semana acompanhando os pequenos em parquinhos ou festas infantis. Em resumo, educam, mas conseguem manter a vida adulta sem transformar seu mundo num playground. Para ser um tipo diferente de mãe, você precisa de uma visão diferente sobre o que uma criança realmente é, decreta ela, logo de cara.
A carapuça, em boa parte dos casos, serve para as mães brasileiras, já que a educação por aqui é pautada mais pela americana do que pela europeia, como observa a psicopedagoga Ceres Alves de Araújo, da PUC de São Paulo. “As francesas sabem dizer não e ponto”, afirma Ceres, que morou em Paris e viu como lá a criança é tratada como criança. Para a psicopedagoga, a diferença é que na cultura americana os pais se perdem em longas explicações desnecessárias para os filhos pequenos. “Até os 5 anos, a criança nem sequer entende tantos argumentos. Basta dizer não”, aconselha. Se houver réplica, Ceres sugere a resposta: “Porque sou sua mãe e sei o que é melhor”. É na adolescência, quando caberia esticar a conversa, que muitos pais, exaustos, optam pelo “não e ponto”. “São comportamentos invertidos. A criança precisa ser obediente na infância para na adolescência se tornar um ser desobediente.”
Menu completo
A alimentação, tema crucial para a maioria das mães do planeta, é uma das questões sobre as quais Pamela Druckerman se debruça. Segundo a autora, as francesas prezam horários fixos para as refeições, sempre à mesa, começando com uma salada e terminando com queijo. As crianças comem uma versão encurtada do menu dos adultos e são encorajadas a provar de tudo. Não existe criar um cardápio diferenciado ou a hipótese de preparar outro prato porque naquele dia não tem nada que o pequeno aprecie. Comida, na França, não envolve jogo emocional. “Os pais preparam as refeições com calma e ingredientes frescos. As crianças aprendem a respeitar o alimento”, diz a francesa Eileen Leazeau, secretária executiva que vive há 21 anos nos Estados Unidos e é mãe de três adultos.
Sono e polidez
O horário de ir para a cama é outro drama tratado com sabedoria à francesa. Enquanto nos Estados Unidos (e aqui!) os pais passam meses sem dormir para atender o bebê no meio da noite, os franceses aguardam até dez minutos para ter certeza de que a criança está realmente infeliz. Eles se permitem acreditar que o pequeno pode estar apenas resmungando ou sonhando. Ou que logo voltará a dormir. “Pais que se revezam no quarto do filho criam um condicionamento inadequado”, acredita Ceres.
Sob diversos aspectos, os franceses esperam mais de uma criança, ainda que ela seja apenas uma criança. Isso significa que os pequenos não só devem dizer “por favor” e “obrigado” mas também bonjour e au revoir aos adultos. Eles ainda devem aprender a esperar, seja em nome da paz doméstica, seja para evitar constrangimento social. Os pais, ali, se empenham em combater o caos criado pelo mundo infantil e preservar os direitos paternos. Ceres aprova. “Aqui, vivemos a era do ‘filiarcado’, em que os filhos reinam”, critica ela. Ensinar as crianças a lidar com a frustração é a regra máxima de French Children Dont Throw Food, ainda sem data para publicação no Brasil. Na abordagem francesa, os pais estabelecem uma “moldura” de limites. A imagem sugere fixar regras, mas com certa liberdade dentro delas. Com a moldura definida, as necessidades dos adultos permanecem, ao menos, no mesmo nível que as das crianças. Criar filhos é apenas parte do plano, e não um projeto de vida.
A certa altura, tudo parece funcionar bem demais para ser verdade. “Talvez Pamela seja muito afirmativa”, diz Ceres. Mas, como o livro é narrado com humor e certa ironia, a autora se redime de possíveis deslizes e passa uma mensagem libertadora para aquelas que ainda veem os filhos arremessando batatas fritas: “Mesmo boas mães podem não viver a serviço constante das crianças, e não há razão para se culpar por isso”, ensina Pamela.
As crianças devem dizer: olá, tchau, obrigada e por favor. Isso vai ajudá-las a entender que não são as únicas com sentimentos e necessidades. Foto: Getty Images
Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.
Nunca há testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.
Humildade é a virtude que nos torna abertos a aprender e mudar. Ela só é possível quando temos auto-respeito, que só pode vir com autoconhecimento. Conhecer-se é entender que somos parte de um todo, como um raio de uma roda. Não somos tudo, também não somos nada. É a humildade que cria este entendimento e nos mantêm em equilíbrio.
Quando não somos apegados às nossas boas qualidades nem às nossas fraquezas, podemos lidar com ambas. Através de cultivo amoroso, nossas qualidades positivas crescem e servem outros. Através da atenção e honestidade, nossas fraquezas diminuem.
Humildade é nossa maior proteção. Ela nos mantém alerta para todas as possibilidades, desde sermos enganados até a de criarmos os mais surpreendentes milagres. Humildade é o fruto do auto-respeito: uma pessoa humilde nunca teme perder. Para isso precisamos sempre ir para dentro de nós mesmos. Nada e ninguém podem nos tirar esse recurso.
Humildade nasce da segurança interna, nos deixa prontos a comunicar, cooperar com novos pensamentos e ideias. É a prova da maestria de ter conquistado o “eu” e “meu” limitados que anulam o respeito e a amizade. Nós devemos ser tutores, não donos. A posse automaticamente cria o medo de perder. Ser um tutor nos dá entendimento que nada e ninguém é nosso. Paradoxalmente, ao renunciar tudo, recebemos tudo. O que precisarmos virá até nós, mais cedo ou mais tarde. Há o suficiente para todos.
A atitude de ser um tutor significa que economizamos uma grande quantidade de energia mental e emocional, uma vez que tempo não é desperdiçado em cálculos egoístas ou manipulações espertas. Com a atitude de ser um tutor nos tornamos mestres. Um mestre trabalha com os princípios eternos do universo. Ele é humilde e auto-suficiente, mantém equilíbrio e harmonia.
A maior humildade de todas é reconhecer e aceitar que existem leis além daquelas dos seres humanos e que não somos o padrão do universo. Os princípios eternos protegem e governam o bem-estar de todas as formas de vida. Quando nos alinhamos com as verdades eternas, encontramos a liberdade, nosso caminho. Alinhamento às leis divinas não nos limita ou anula. Ao contrário, as leis eternas são o meio que permitem a expressão completa do indivíduo. Não há transgressão, uma vez que respeito é sempre dado à individualidade dos outros. A harmonia é mantida.
Com humildade reconhecemos o direito que todas as coisas têm de existir; existir em liberdade e existir em felicidade. Este direito inato é uma lei imortal. Subserviência nos relacionamentos ou aos objetos materiais é resultado do medo; medo de sermos nós mesmos; a falta de coragem de enfrentar, de mudar, de mover numa outra direção. Auto-respeito nos libera do medo e da dependência. Quando não pensamos profundamente o suficiente por nós mesmos, nos tornamos subservientes às opiniões sociais e às pessoas com as quais interagimos.
Humildade traz introspecção, começamos a examinar as emoções que nos limitam. Abre a porta para o autoconhecimento. À medida que crescemos em autoconhecimento, crescemos em auto-estima. Com essa estabilidade interior não há medo do que é diferente. Não há desejo de controlar pessoas ou situações. Sabemos que as coisas certas irão acontecer da forma correta, no tempo certo. Humildade é a outra face do auto-respeito. Quanto maior a humildade, maior o auto-respeito. Nada e ninguém são uma ameaça. Nós somos livres.