“O BATIZADO”, uma belíssima crônica de Rubem Alves

“O BATIZADO”, uma belíssima crônica de Rubem Alves

Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho. Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta. Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual, é preciso acreditar. Eu não acredito. Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.

Ele não desistiu e argumentou: “Mas você fez o meu casamento.” De fato. Lembro-me de como ele encomendou o ritual: “Pai, não fale as palavras da religião! Fale só as palavras da poesia!” E assim foi. Foram textos do Cântico dos Cânticos, poema erótico da Bíblia, que deixa ruborizadas as faces dos beatos e beatas: “Teus dois seios são como dois filhos gêmeos de gazela! Teus lábios gotejam doçura, como um favo de mel, e debaixo da tua língua se encontram néctar e leite…” Divirto-me pensando na cara que fariam Papa e bispos se lessem esses textos… Seguiram-se textos do Drummond, do Vinícius, da Adélia – tudo terminando não com a chatíssima Marcha Nupcial, mas com a Valsinha, do Chico, ocasião em que os convidados, moços e velhos, pegaram os seus pares e trataram de dançar. Foi bonito. Quando a coisa é bonita a gente acredita fácil.

Lembrei-me, então, de um trecho do livro Raízes negras – onde se descreve o ritual de “dar nome” ao recém-nascido, numa tribo africana.

Omoro, o pai, moveu-se para o lado de sua esposa, diante das pessoas da aldeia reunidas. Levantou então a criança e, enquanto todos olhavam, segredou três vezes nos ouvidos do seu filho o nome que ele havia escolhido para ele. Era a primeira vez que aquele nome estava sendo pronunciado como nome daquele nenezinho. Todos sabiam que cada ser humano deve ser o primeiro a saber quem ele é. Tocaram os tambores. Omoro segredou o mesmo nome no ouvido de sua esposa, que sorriu de prazer. A seguir foi a vez da aldeia inteira: “O nome do primeiro filho de Omoro e Binta Kinte é Kunta!” Ao final do ritual, após desenvolvidas todas as suas partes, Omoro, sozinho, carregou seu filho até os limites da aldeia e ali levantou o nenezinho para os céus e disse suavemente: “Fend kiling dorong leh warrata ke iteh ted”: “Eis aí, a única coisa que é maior que você mesmo!”

Essa memória me convenceu e tratei de inventar um ritual de “dar nome”, já que nenhum eu conhecia que me agradasse.

Organizei o espaço do living. Empurrei a mesa central, baixa, na direção da lareira. À cabeceira coloquei um banquinho velhíssimo – ali a Mariana se assentaria. Ao lado, duas cadeiras, uma para o pai, outra para a mãe. Na ponta da mesa, uma grande vela. É a vela da Mariana, vela que a acompanhará por toda a sua vida, e que deverá ser acesa em todos os seus aniversários. Ao lado da sua vela, duas velas longas, coloridas. E, espalhadas pela sala, velas de todos os tipos e cores. Na ponta da mesa, ao lado da vela da Mariana, um prato de madeira com um cacho de uvas.

Reunidos todos os convidados, começou o ritual. Foi isso que eu disse: “Mariana: aqui estamos para contar para você a estória do seu nome. Tudo começou numa grande escuridão.” As luzes se apagaram enquanto, no escuro, se ouvia o som da flauta de Jean Pierre Rampal.
“Assim era a barriga da sua mãe, lugar escuro, tranqüilo e silencioso. Ali você viveu por nove meses. Passado esse tempo você se cansou e disse: ‘Quero ver luz!’ Sua mãe ouviu o seu pedido e fez o que você queria. Ela ‘deu à luz’. Você nasceu.”

A mãe e o pai da Mariana acenderam então a vela grande, que brilhou sozinha no meio da sala.

“Veja só o que aconteceu! Sua luz encheu a sala de alegria. Todos os rostos estão sorrindo para você. E, por causa desta alegria, cada um deles vai, também, acender a sua vela.”

Aí o padrinho e a madrinha acenderam as velas longas coloridas, e os outros todos acenderam, cada um, uma das velas espalhadas pela sala.

À chegada dos convidados eu havia dado a cada um deles um cartãozinho, onde deveriam escrever o desejo mais profundo para a Mariana. Continuei:
“Você trouxe tanta alegria que cada um de nós escreveu, num cartãozinho, um bom desejo para você. Assim, pegue esta cestinha. Vá de um em um recolhendo os bons desejos que eles escreveram. Esses cartõezinhos, você os vai guardar por toda a sua vida…”

E lá foi a Mariana com a cestinha, seus grandes olhos azuis, de um em um, sendo abençoada por todos.

“Todos deram para você uma coisa boa”, eu disse depois de terminado o recolhimento dos cartões. “Agora é a hora de você dar a todos uma coisa boa. Você é redondinha e doce como uma uva. Esta é a razão para este cacho de uvas. E é isso que você vai fazer. Seus padrinhos vão fazer uma cadeirinha e você, assentada na cadeirinha, vai dar a cada um deles um pedaço de você, uma uva doce e redonda…”

E assim, vagarosamente, a Mariana celebrou, sem saber, esta insólita eucaristia: “Esta uva doce e redonda é o meu corpo…”

Terminada a eucaristia, eu disse à Mariana:
“Agora, chegando ao fim, cada um de nós vai dizer o seu nome. Preste bem atenção. O nome é um só. Mas cada um vai dize-lo com uma música diferente. Porque são muitas e diferentes as formas como você é amada.”

E assim, iluminados pela luz das velas, cada um dos presentes, olhando bem dentro dos olhos da menina, ia dizendo: “Mariana”, “Mariana”, “Mariana”, “Mariana”…
Aqueles que olhavam os olhos da Mariana puderam ver que, à medida que ela ouvia o seu nome sendo repetido, eles iam se enchendo de lágrimas…

Rubem Alves
Conheça o Instituto Rubem Alves e faça parte dos seus projetos.

Dica de livro: Sete Vezes Rubem (Fruto do trabalho de uma década, esta obra reúne sete livros de Rubem Alves publicados pela Papirus entre 1996 e 2005.)

As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

Pedro Ruiz é um artista plástico colombiano com expressão mundial.

As obras abaixo pertencem a coleção Desplazamientos.

As temáticas abordadas estão relacionadas ao deslocamento forçado da população. A pulverização de glifosato (herbicida que mata qualquer tipo de planta), a mineração e suas sequelas no ambiente. As obras são uma tentativa de sensibilização para a situação dessa população migrante que vem perdendo seu território.

contioutra.com - As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

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Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Nara querida,

Há muito penso sobre a minha prática profissional. Tenho percebido e sentido mudanças internas, mas as externas estavam ainda muito tímidas para se fazerem visíveis. Até que a sua presença fez tudo urgente em minha vida. Quando decidi ser sua professora foi não somente porque eu queria fazer mais ainda parte de sua vida, mas porque eu queria que você tivesse o melhor profissional à seu dispor e eu teria que me fazer muito superior ao que sempre fui. Ninguém, por mais física que saiba, faria para você algo com tanto amor e coragem como eu estou fazendo. Bem sabemos, minha filha, o quanto essas coisas fazem a diferença em nossas vidas. Eu sabia, como mãe, que a melhor forma de você aprender, seja lá o que for, é ensinando e que você sempre vai me ensinar quando estiver aprendendo. Como professora, por que teria que ser diferente? Em nenhum momento de sua vida, vi você aprendendo algo sentada de boca fechada e parando de aprender quando um ser em pé na sua frente decidiu que o que foi falado era o suficiente; nunca te vi assimilando qualquer coisa ouvindo somente as respostas às perguntas dadas por mim mesma. Todo e qualquer conhecimento por você adquirido começou com uma interrogação sua e não com uma afirmação minha, começou com a sua curiosidade e não com a minha autoridade materna. Você, Nara, sempre esteve no comando de seu aprendizado. Por que na escola teríamos que agir de forma diferente?

Ao ver o discurso de profissionais que ajudei a formar, percebi que estava, sem saber, imersa nesse sistema que se auto-reproduz “naturalmente” e ajudando a fortalecê-lo. Perguntei-me: em que medida eu ajudo os meus alunos a formular o conceito de ‘ciência’, ‘cientista’, ‘método científico’, ‘saúde’, ‘vida’, ‘organismo, natureza’, etc. ? Em que medida eu estimulo meus alunos a refletirem sobre esses conceitos?

Há tempos sei que a física que eu ensino é um desserviço para a sociedade. Eu estava somente fortalecendo os vínculos com correntes político-educacionais que apenas alimentam a mera reprodução de um sistema que sempre esteve a serviço da elite e que ajuda a mantê-lo. Veja que não é sem motivo que as cotas são recebidas com asco por muita gente, não é sem propósito que sou rotulada como romântica, intelectual, burra, ingênua e defensora de bandidos quando falo em direitos humanos. Eu já sabia que teria que semear com muito cuidado para fazer brotar um outro tipo de cidadão que tenha uma outra forma de vida material e cultural e seja capaz e enxergar as novas relações sociais. Não era simples, não era fácil. Estava estudando há anos de que forma sair dessa bolha. Até que você apareceu como aluna e toda a minha timidez e covardia sumiram de repente, não mais que de repente.

Sempre quis que a educação formasse um sujeito reflexivo, crítico, que fomentasse a emancipação popular e não mais que ela fosse a responsável pela formação de indivíduos acríticos, obedientes e conformistas, contribuindo para manutenção de um quadro de inércia coletiva diante das questões sociais. Na história da educação brasileira, Nara, até mesmo na época da ditadura, a legislação educacional não deixou de mencionar, como principal finalidade do processo educacional, a formação do cidadão. Há muitos paradigmas de cidadania e tenho pensado muito qual está sendo adotada na educação: para as elites condutoras ou para as massas a serem conduzidas? Analisando os documentos oficiais, a resposta foi clara. Afinal, não podemos e não devemos considerar que a escola pode se aproximar de instituições vinculadas não aos interesses concretos do povo, mas sim aos interesses dos processos produtivos? Se tomarmos em consideração que vivemos em um país que condenou milhares de pessoas a uma vida demarcada por condições de miséria, desemprego, violência, e demais indicativos de condições sociais inaceitáveis e as políticas sociais que o atual governo está implantando, o assunto ‘cidadania’ deverá ser, no mínimo, mais esclarecido. E em verdade, em verdade vos digo, minha filha, que o ensino de física, há muito praticado por mim que seguia O Padrão, contribui como um instrumental de formação política e não-reflexão sobre as mazelas do país e do mundo, além de influenciar a postura do indivíduo diante dos problemas que nos afetam diretamente como a saúde pública, por exemplo. Perdoe, Senhor, eu pequei tanto…

Eu via a necessidade de mudar, Nara, mas não sabia como. Até que você apareceu sentada à minha frente e  virar a mesa ficou fácil. O tempo urgia com seu olhar de aprendiz e eu não podia te passar de forma alguma que a física é um conhecimento compartimentado, isolado de outros. Não podia deixar você pensar que a minha aula terminava quando a de história começava e muito menos que a matemática é a única forma em que a natureza se manifesta para os cientistas. Não queria que você estudasse em uma escola em que os professores competem entre si em grau de importância da disciplina que leciona. Não me permiti estimular a ideia de que há uma diferença entre ciências exatas e todas as demais. Não posso aceitar você pensar que não pode ser engenheira porque gosta de literatura, pois nós, Nara, não somos tal qual o monstro criado pelo Dr. Frankstein. Um ser feito de pedaços. Nós fomos criados inteiros e tudo de uma só vez. A visão de você decorando fórmulas para uma avaliação me dava náusea. Não quero que você use o mínimo de seu cérebro como depósito de algum tipo de informação. Quero você usando-o para conectar os dados que lhe são apresentados. Que você analise-os, critique-os e reflita sobre eles.

Repudiei a imagem d´eu dando uma nota ruim para você e isso ter algum significado sobre a sua inteligência. As provas, definitivamente, não são capazes de medir a tua capacidade e nem a de ninguém. E as que eu fazia, antes de te ter como aluna, serviam apenas para provar quem estava mais adequado a viver no mundo do passado ou pronto para repeti-lo. Se você não estiver no seu tempo de assimilar o que tenho para te dizer, esperarei o momento certo sabendo que estou lidando com um ser altamente capaz de entender absolutamente tudo o que quiser. Não posso forçar nada porque isso seria um crime. Não posso fazer com que você acredite que errar seja uma coisa ruim e aprenda a evitar o erro. Quero ver você errando, minha filha,  e feliz com isso. Quero que você se orgulhe de seus erros e não os compare com os de ninguém. Quero você e todos os seus amigos errando quantas vezes forem necessárias até aprender e acertar. E não terei pressa para isso.

Não podia imaginar você se esforçando para alcançar a média imposta e, pela necessidade de se viver e aprender coisas mais úteis e mais belas, não se esforçar para passar com nota máxima na minha matéria. Não quero que você se contente por passar de ano se você não deu o que há de melhor em cada etapa do seu aprendizado e quero mais!, quero que isso seja o natural nesse processo.

Portanto, querida, se hoje você e seus amigos têm uma professora completamente fora do padrão, saiba que é porque estou envolvida até o último fio de cabelo para fazer que a escola em que vocês estudam, ao contrário de tantas outras, não veja o ENEM como o futuro e sim vocês como cidadãos. Luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que acumulam mais informações e sim os que aprendem a gerá-las; luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que se adaptam à escola e sim aqueles que fazem a escola se reinventar para melhor servi-los.

Sonho por uma escola em que os alunos não são ensinados e sim aprendam. E que todos percebam essa enorme diferença.

Com amor e esperança

Mamãe.

contioutra.com - Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Elika Takimoto: colunista Conti outra

contioutra.com - Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)“Prova viva, cabal e baixinha de que números e letras não precisam viver em conflito cisjordânico permanente: todos podemos ler, todos podemos escrever, todos podemos calcular.” (Paulo Andel)

Conheça o blog: Minha Vida é um Blog Aberto

Fantasmas do passado

Fantasmas do passado

Sabe quando um pensamento ou memória ruim não sai da sua cabeça? Ela fica grudada na sua consciência, mesmo que você se esforce para tentar tirá-la do seu foco de atenção? Chamamos esse processo psicológico de ruminação mental, e é sobre isso que falaremos no vídeo de hoje!

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Os amigos têm de ser inúteis

Os amigos têm de ser inúteis

Os Amigos Nunca São para as Ocasiões

Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.

Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objectivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade.

Miguel Esteves Cardoso, in ‘Explicações de Português’

Fonte Citador

A única coisa que me prende são asas

A única coisa que me prende são asas

Por Clara Baccarin

Se você gosta de mim, não queira me contar todas as verdades do mundo
Não fure meus sonhos inflados por achar que o chão é mais seguro
Não me entupa de palavras, me deixe flutuar num mar cálido e silencioso
Mesmo que mais à frente ele desague num precipício
Conhecer a dor da morte não me priva dela, então que eu me dedique mais a contemplar a beleza da vida.

Se você gosta de mim, não venha me ensinar a comer pelas bordas
Não me jogue âncoras disfarçadas de boias
Porque eu já sei construir minhas próprias ilhas.
Não me resgate da minha situação de náufrago, da minha ambição de alcançar as estrelas e tocar a linha do horizonte, porque mesmo que eu morra afogada será num oceano de doçura.

Não te dou mais a liberdade de trazer esses olhos nublados que já não sabem precipitar e se perder no espaço abstrato dos sentidos.
Vou ignorar essa finca entre os seus olhos cavada pelas velhas verdades do mundo.
Já não te faço companhia nesse realismo sensato e chato.
Porque acho que as almas apodrecem de tão maduras.
E é de olhos abertos que eu escolho o intenso ao cuidadoso.
É nessa mesma pele que se esfola, que nascem e se preservam os arrepios.
E eu continuo preferindo ser pele do que armadura.

Se for entrar, esqueça as preocupações, os conselhos e os medos do lado de fora.
Aqui se tornam inúteis os curativos, os salva-vidas, as capas de chuva, as tesouras de podar galhos excedentes, as pílulas, os olhos de piedade, os alfinetes e as fitas métricas. Pois o que busco saber e sentir está além do mensurável, do visível e da dor.
É que eu já aprendi a me libertar e a única coisa que me prende são asas.

Hipersensibilidade: Você é uma pessoa altamente sensível?

Hipersensibilidade: Você é uma pessoa altamente sensível?

Por Zoe Kessler

Depois que eu disse à minha irmã mais nova, Melissa, sobre o meu diagnóstico de TDAH, nós ficamos nos lembrando de nossa infância. “Se houvesse brigas na família, nós pensávamos que fosse coisa pequena, mas, para você, era coisa grave”, disse Melissa. “Algo que eu achava ser uma pequena discussão, você sentia como se fosse um terremoto monumental”. Foi somente aos 48 anos que eu descobri o que me tornava a rainha do drama: eu nasci com TDAH e hipersensibilidade.

O que é a hipersensibilidade ou o que são pessoas altamente sensíveis (PAS)?

Ser uma pessoa altamente sensível (PAS) não é ter um transtorno ou doença. De fato, isso traz muitos benefícios, tais como ser capaz de “ler” o humor de um ambiente rapidamente e computar dicas sutis quando tomar uma decisão. “É bom em algumas situações e não é em outras”, diz a psicóloga e psicoterapeuta Elaine N. Aron, Ph.D., autora de “The Highly Sensitive Person” (A Pessoa Altamente Sensível). Ela acha que saber que você tem hipersensibilidade é importante. Assim como para o TDAH, estar a par disso faz com que você saiba que não está sozinho.

Sintomas de Hipersensibilidade

• Alto nível de sensibilidade aos estímulos físicos (sons, visão, tato ou olfato) e emocionais.

• Maior tendência a sofrer de asma, eczema e alergias.

• Facilmente oprimido por muita informação.

Como descobri minha hipersensibilidade ou personalidade altamente sensível

Primeiro aprendi sobre a natureza genética da hipersensibilidade, lendo “Scattered” (Disperso), de Gabor Maté, M.D., um médico e psicoterapeuta. “As pessoas com TDAH são hipersensíveis”, diz Maté. “Isso não é um defeito; é como elas nasceram. É o seu temperamento inato”. Quando eu li “The Highly Sensitive Person”, da psicóloga e psicoterapeuta Elaine N. Aron, Ph.D., finalmente reconheci esta sensibilidade em mim mesma. De acordo com Aron, 15 a 20% da população nascem com um alto nível de sensibilidade.

“Quando você sabe que você é altamente sensível, isto reconstrói a sua vida”, diz Aron. Saber que você tem isso lhe permitirá tomar decisões melhores. “Pessoas sensíveis têm de viver de modo diferente para ficarem bem”. Os médicos que lidam com pessoas com TDAH veem a hipersensibilidade, tanto a física quanto a emocional, como uma condição comórbida.

“As pessoas com TDAH geralmente são hipersensíveis em um dos domínios sensoriais: audição, tato ou olfato”, diz Ned Hallowell, M.D., autor de “Driven to Distraction” (Guiados pela Distração). “Minha filha com TDAH somente veste roupas de algodão, ela não tolera a lã”.

Descobri que meu velho costume de ficar mexendo no meu cabelo era devido à hipersensibilidade. Não gosto da sensação dos fios de cabelo cutucando minha face e meu pescoço, então eu os amarro puxados para cima. Depois de um tempo, parece que alguém está passando os nós dos dedos na minha cabeça, justamente no lugar onde amarrei meus cabelos. Então eu os solto. E assim por diante, todo o dia. Outras sensibilidades incluem sons e estímulos visuais – flashes de luz e objetos em movimento. Os estudos sugerem que os que têm TDAH também sofrem mais de asma, eczema e alergias – condições de hipersensibilidade – do que os que não têm TDAH.

Mais sinais de Hipersensibilidade

Antes de descobrir minha hipersensibilidade, percebia minhas emoções exageradas como uma falha de caráter. Minha mãe dizia, “Por que você não fica em paz?” Como criança, eu não tinha uma resposta. Isso piorava minha já baixa autoestima.

“Reconhecer sua alta sensibilidade pode ajudar as pessoas a parar de se sentirem mal sobre si mesmas”, diz Aron.

Uma amiga, Denise, diagnosticada com TDAH aos oito anos, teve uma infância semelhante à minha. “Meus pais diziam: Você precisa se controlar. Não seja tão sensível. Não seja tão influenciada pelo que os outros pensam a seu respeito”, diz Denise. “Ainda acho, como adulta, que estou brigando com os colegas, levo suas palavras e gestos imediatamente ao coração. Aceito muito rapidamente tudo de ruim que eles falam a meu respeito”.

Como eu, Denise é sensível ao ruído ambiente. “Preciso ficar numa floresta ou num lugar silencioso, de vez em quando, para me acalmar. Também fico oprimida pelo fluxo constante de informação que nos bombardeia atualmente”.

A psicóloga e coach Michele Novotni, Ph.D., diz que vê níveis mais altos de sensibilidades físicas e de reatividade emocional nos seus clientes com TDAH do que na população em geral. Ela me contou sobre uma cliente cujo gerente fez um comentário deselegante e injusto no trabalho. Uma pessoa sem TDAH poderia ter deixado as palavras passarem em branco, mas sua cliente, que tinha um alto nível de sensibilidade, rompeu em lágrimas.

Novotni sugere que foram os sentimentos de opressão da sua cliente com TDAH que provocaram a sua reação hipersensível. Isto, por sua vez, contribui para sua dificuldade em manejar a emoção. Veja a rotina de ir para o trabalho pela manhã. Muitas pessoas saem sem se esquecer de nada, prontas com um plano de ação para o dia. Alguém com TDAH, que não escolhe as tarefas e as prioridades, se sente cansado e oprimido na hora de sair para o trabalho.

“Alguns dos meus clientes me dizem que socializar é trabalho”, diz Novotni. “Então, se você pensa como sendo trabalho as coisas que muitas pessoas fazem para recreação, você provavelmente não terá a resiliência para lidar com as outras coisas que cairão sobre você”.

Por que as pessoas com TDAH são mais hipersensíveis

“Como temos dificuldade de filtrar o que sai,” diz Hallowell, que tem, ele mesmo, TDAH, “nós temos dificuldade de filtrar o que chega. Não posso provar isto com pesquisa, mas em minha experiência clínica, e em minha própria vida, parece que tendemos a deixar as coisas nos atingir. Aceitamos as experiências dos outros muito rapidamente, como o inseto na folha, que assume a cor da folha”.

Maté explica que, se os TDAHs nascem com um alto nível de sensibilidade, precisam de menos estimulação para que sintam mais. Deveríamos desligar conversas e meios ambientes estimulantes, diz Maté. Quanto mais sensíveis somos, mais provável que sintamos dor. “Dor emocional e dor física são sentidas nos mesmos locais do cérebro”, ele diz.

Muitos de nós descobrimos coisas positivas sobre viver com TDAH, e um alto nível de sensibilidade pode também ser usado a nosso favor. Mas como no TDAH, a hipersensibilidade deve ser manejada e controlada para deixar brilhar seus aspectos positivos – criatividade, empatia e profundidade de percepção. Eu consegui fazer assim, e você também pode.

Hipersensibilidade, PAS tratamentos

• Respeite sua sensibilidade. Não se obrigue a fazer coisas que sejam difíceis. Tanto quanto possível, escolha situações que sejam adequadas para o seu temperamento. Pessoas altamente sensíveis precisam de mais tempo do que outras para processar os acontecimentos do dia, então, não se sobrecarregue saindo à noite.

• Recue. Permita reagir emocionalmente a uma situação, mas aceite que haja outras possibilidades. Tenha calma, analise a situação e a reavalie; pausa para reflexão.

• Bloqueie. Para evitar sobrecarga sensorial e ansiedade, sempre tenha plugues de ouvido e fones de ouvido com você, para bloquear o ruído.

• Abaixe o tom. Se multidões e barulho são um problema, encontre locais que sejam mais silenciosos e menos apinhados – uma pequena padaria em vez de um shopping, por exemplo, ou um consultório médico pequeno, em uma casa, em vez de um grande conjunto médico em um hospital.

• Reduza a estimulação externa dizendo não a coisas que você não precisa fazer ou que você não gosta de fazer.

• Certifique-se de que tenha tido o sono suficiente, ou tire uma soneca, antes de enfrentar uma situação que será altamente estimulante.

• Medite, reze, ou use outro método de relaxamento para reforçar sua capacidade de lidar com os desafios do dia a dia.

Fonte indicada: TDAH-Dourados

O sono e a insônia

O sono e a insônia

O que acontece com a gente enquanto estamos dormindo? Quais são os impactos do sono em nossa mente e corpo? Por que as pessoas tem insônia e o que pode ser feito para lidar com ela? Essas são algumas das questões que exploraremos no vídeo de hoje!

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A raiva e sua função em nossas vidas

A raiva e sua função em nossas vidas

Por Juliana Santos

Raiva! Quem já não sentiu? Num milésimo de segundo ela vem como uma avalanche. Nos toma, tira a nossa razão. Seca a boca, acelera o coração, esquenta o sangue e treme as mãos. É uma emoção avassaladora; e se  não controlada, pode produzir efeitos de difícil reparação.

Quando não sabemos lidar com nossos sentimentos, eles têm o poder de nos fazer responder sempre da mesma forma a eventos bastante diferentes. Desta forma, bater o dedinho do pé na mesinha de centro da sala e ver alguém bater no seu filho, podem invocar exatamente a mesma reação; isso porque o calor das emoções tem uma capacidade sobremaneira de afetar significativamente a nossa função racional.

Entretanto, a raiva é um sentimento muito importante. Ela nos auxilia durante a caminhada rumo à realização humana. Quando não gostamos de algo em nós, é dela que pode vir o impulso para a mudança. Quando nos indignamos com as injustiças sociais, ela pode ser a nossa força de luta e transformação. Quando sofremos pela separação de um parceiro(a), ela é companheira fiel na retomada da própria vida. Sem uma pitada de raiva, os sofrimentos não teriam fim. Assim, é uma função de extrema importância para as nossas defesas, estabelecimento de limites e tomadas de atitude.

Mas é preciso usá-la com consciência para aproveitar de sua sabedoria! Respostas sempre enfurecidas podem tanto ferir nossas relações afetivas mais preciosas, quanto gerar uma cadeia de mágoas e situações mal resolvidas, para nós e para os outros. Proporcionalmente, quando a projetamos apenas para dentro, podemos sentir o seu efeito destruidor através do doloroso sofrimento psíquico, ou da presença de inúmeras doenças que podem se associar a ela.

É comum às pessoas furiosas, a dificuldade de lidar com as frustrações; geralmente, “explodem” diante do ataque de alguém ou quando as expectativas, vontades e opiniões não são correspondidas. Jogamos sobre o outro a obrigação de apoiar nossas ideias, pensar como nós ou realizar nossos desejos, sem perceber que este tipo de atitude não corrobora para a construção de relações verdadeiras e maduras, aquelas em que podemos ser quem somos e crescemos no diálogo com as individualidades.

Portanto, seguem seis lições para quem quer se dar bem com a raiva:

1- Aprenda que todo sentimento deve ser reconhecido e respeitado, mas nenhum deles deve ganhar o lugar de “senhor de nossas vidas”.

2- Não tente resolver os problemas sem antes retomar o próprio controle. Conte até dez; se necessário, até cem ou mil. Sempre “espere a poeira baixar”.

3- Lembre-se que raiva demais é como penas espalhadas ao vento. Recolher os seus estragos pode ser uma tarefa bastante complicada.

4- Não se esqueça que não somos o centro do universo! Haverá sempre alguém que pensa e faz diferente de nós. Assim, construa relações de diálogo e não permita que o outro controle o seu comportamento.

5- Não permita que a carga emocional aprisione sua função racional. É preciso conhecer e atentar-se às próprias reações para tirar proveito da função positiva da raiva.

6- Se você engolir tudo o que sente, no final você se afoga! Dar vazão aos sentimentos é se permitir entrar em contato com as próprias fraquezas e sombras; assim se conhece os próprios limites, aprende e amadurece.

Boa sorte!

contioutra.com - A raiva e sua função em nossas vidas

contioutra.com - A raiva e sua função em nossas vidasJuliana Pereira dos Santos – Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica Junguiana. Aprimoranda em Psicopatologia e Psicologia Simbólica pelo Instituto Sedes Sapientiae e Coach formada pela Sociedade Brasileira de Coaching. CRP: 06/ 108582

13 de maio – dia da Abolição da Escravatura no Brasil

13 de maio – dia da Abolição da Escravatura no Brasil

Conti outra celebra a abolição da escravatura ouvindo a música Haiti, de Caetano Veloso. Pois é preciso celebrar as conquistas do passado sem deixar de aparar as arestas legadas ao tempo presente.

Haiti

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo…
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E ao ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui”

Caetano Veloso

Superar a inveja contribui com o progresso da humanidade

Superar a inveja contribui com o progresso da humanidade

Em 1951, o reconhecido psicólogo americano Solomon Asch foi a um instituto para realizar um teste de visão. Pelo menos isso foi o que ele disse aos 123 jovens voluntários que participaram – sem saber – de um experimento sobre a conduta humana em um entorno social. O experimento era muito simples. A uma turma de um colégio foi introduzido um grupo de sete alunos, que estavam mancomunados com Asch. Enquanto isso, um oitavo estudante entrava na sala achando que o resto dos garotos participava da mesma prova de visão que ele.

Fazendo-se passar por oculista, Asch mostrava três linhas verticais de diferentes comprimentos, desenhadas junto a uma quarta linha. Da esquerda para a direita, a primeira e a quarta mediam exatamente o mesmo. Então, Asch pedia que dissessem em voz alta qual das três linhas verticais era igual à outra desenhada justo ao lado. E organizava a atividade de tal maneira que o aluno que servia como cobaia do experimento sempre respondesse por último, depois de escutar a opinião do resto dos companheiros.

A resposta era tão óbvia e singela que quase não havia como errar. No entanto, os sete estudantes que haviam feito um acordo com Asch escolhiam sempre a mesma resposta incorreta. Para dissimular um pouco, um ou dois podiam escolher outra opção, que também estivesse equivocada. Este exercício foi repetido 18 vezes por cada um dos 123 voluntários que participaram do experimento. Todos compararam as mesmas quatro linhas verticais, dispostas em diferente ordem.

[quote_box_right]A conformidade é o processo por meio do qual os membros de um grupo social mudam seus pensamentos, decisões e comportamentos para estar de acordo com a opinião da maioria
(Solomon Asch)[/quote_box_right]

Cabe ressaltar que apenas 25% dos participantes mantiveram seu critério todas as vezes que a pergunta foi feita; o resto se deixou influenciar pelo menos uma vez pela opinião dos demais. Os alunos cobaias responderam incorretamente mais de um terço das vezes para não ir contra o que dizia a maioria. Uma vez finalizado o experimento, os 123 alunos voluntários reconheceram que “distinguiam perfeitamente a linha correta, mas que não tinham dito em voz alta por medo de se equivocar, de ser exposto ao ridículo ou de ser o elemento discordante do grupo”.

Atualmente, este estudo continua a fascinar as novas gerações de pesquisadores da conduta humana. A conclusão é unânime: estamos muito mais condicionados em relação ao que pensamos. Para muitos, a pressão da sociedade continua sendo um obstáculo intransponível. O próprio Asch se surpreendeu ao ver o quanto está equivocado afirmar que os seres humanos são livres para decidir o próprio caminho na vida.

Além do famoso experimento, no jargão do desenvolvimento pessoal se diz que padecemos da síndrome de Solomon quando tomamos decisões ou adotamos comportamentos para evitar sobressair, se destacar ou brilhar em um determinado grupo social, e também quando nos boicotamos para não sair do caminho trilhado pela maioria. De forma inconsciente, muitos tememos chamar atenção em excesso – e inclusive triunfar – por medo de que nossas virtudes e nossas conquistas ofendam os demais. Esta é a razão pela qual, em geral, sentimos um pânico atroz ao falar em público. Não em vão, por uns instantes, nos transformamos no centro das atenções. E ao nos expormos abertamente, ficamos à mercê do que as pessoas possam pensar de nós, o que nos deixa em uma posição de vulnerabilidade.

A síndrome de Solomon evidencia o lado obscuro de nossa condição humana. Por um lado, revela nossa falta de autoestima e de confiança em nós mesmos, ao pensarmos o quanto o nosso valor enquanto pessoas depende de como os outros nos avaliam. E, por outro lado, constata uma verdade inconveniente: continuamos fazendo parte de uma sociedade na qual se tende a condenar o talento e o sucesso alheios. Embora ninguém fale sobre isso, em um plano mais profundo, o fato de prosperar é mal visto. E mais agora, em plena crise econômica, com a precária situação que assola milhões de cidadãos.

Por trás de condutas assim se esconde um vírus, tão escorregadio quanto letal, que não só nos adoece, mas também paralisa o progresso da sociedade: a inveja. A Real Academia Espanhola define esta emoção como o “desejo de algo que não se possui”, o que provoca “tristeza ao se observar o bem alheio”. A inveja surge quando nos comparamos com outra pessoa e concluímos que ela tem algo que queremos ou ao que aspiramos. Isso nos leva a pôr o foco em nossas carências, que se acentuam na medida em que pensamos nelas. E assim se cria o complexo de inferioridade; de repente, sentimos que somos menos porque outros têm mais.

Sob o feitiço da inveja, somos incapazes de ficar felizes com as alegrias alheias. De forma quase inevitável, essas atuam como um espelho onde costumamos ver refletidas nossas próprias frustrações. No entanto, reconhecer nosso complexo de inferioridade é tão doloroso, que necessitamos canalizar nossa insatisfação julgando a pessoa que conseguiu o que invejamos. E para encontrar motivos para criticar alguém basta ter um pouco de imaginação.

O primeiro passo para superar o complexo de Solomon consiste em compreender a futilidade que é se deixar incomodar pela opinião que as outras pessoas têm sobre nós. Se pensarmos minuciosamente, temos medo de nos destacar devido ao que certas pessoas – movidas pelo desgosto gerado por seu complexo de inferioridade – possam dizer de nós para compensar suas carências e sentir-se melhor consigo mesmas.

E o que fazer com a inveja? Como se supera? Muito simples: deixando de demonizar o sucesso alheio para começar a admirar e a aprender com as qualidades e com os pontos fortes que permitiram que outros realizassem seus sonhos. Apesar de que aquilo que cobiçamos nos destrói, o que admiramos nos constrói. Essencialmente porque passamos a cultivar esses sentimentos em nosso interior. Por isso, a inveja é um mestre que nos revela os dons e talentos inatos que ainda podemos desenvolver. Em vez de lutar contra o externo, devemos utilizá-la para nos aperfeiçoarmos interiormente. E no momento em que superemos coletivamente o complexo de Solomon, possibilitaremos que cada um contribua – de forma individual – com o melhor de si mesmo para sociedade.

contioutra.com - Superar a inveja contribui com o progresso da humanidade

Nota: Para outras matérias como essa, indicamos também o acompanhamento do site contioutra.com - Superar a inveja contribui com o progresso da humanidade

7 coisas que aprendi a desaprender

7 coisas que aprendi a desaprender

Por Marcela Picanço

Muitas ideias são plantadas em nossas cabeças desde que somos pequenininhos. Assim nasce uma cultura, um pensamento em larga escala, um comportamento padrão. Por isso, é muito difícil desconstruírmos uma ideia que foi plantada como uma sementinha, que depois germinou e virou uma árvore com raízes fortes. Chega uma hora, na nossa vida, em que é bom rever os conceitos. É necessário perceber se aquilo que sempre falaram realmente faz bem. Se sim, é só seguir em frente. Se não, é hora de arrancar essas raízes, quebrar os galhos e preparar a terra para novas e mais sadias ideias. É um processo difícil, mas a gente chega lá.

1) Idade

O tempo todo falam sobre idade. Com 30, não dá mais para fazer isso; com 40, não dá mais para fazer aquilo; com 20, você é um idiota que não sabe nada da vida e, com 25, você é um perdido. Com 18, nem lhe consideram nada, apesar de você se achar adulto o suficiente. Idade é o que menos importa. Aprendi a não perguntar a idade de ninguém. Não me importam quantos anos as pessoas viveram e sim as experiências que tiveram.

2) Trabalhar com o que se gosta é a fórmula da felicidade

Sim! Claro, essa dica é uma das principais para levar uma vida repleta de felicidade, mas nem de longe ela é a solução dos problemas. Trabalho dá trabalho. Tem dias em que você vai querer ficar dormindo até mais tarde, outros dias você vai desejar morar para sempre numa ilha distante. Trabalhar com o que eu realmente gosto é uma grande motivação para mim, mas aprendi a respeitar meu tempo. Ou pelo menos estou tentando.

3) Felicidade só é boa quando é compartilhada

O fato é que essa tal da felicidade me irrita. Não existe isso de ser feliz o tempo todo, mas deixa isso para o próximo tópico. Você não precisa dividir sua felicidade com uma única pessoa que vai entender todos os seus desejos e anseios. A felicidade deve ser compartilhada em momentos de felicidade. E, no final das contas, ela está em todos os detalhes: quando você aprende uma coisa nova, quando compartilham uma experiência, você consegue acessar a memória da outra pessoa e, de repente, parece que você esteve lá também. Quando você ri muito de alguma coisa por muito tempo, por mais que já tenha perdido a graça, você continua rindo porque a outra pessoa também está rindo. Quando você ajuda alguém e ela agradece. Quando você cruza com alguém que não vê há muito tempo. A felicidade deve ser compartilhada, mas com várias pessoas, várias vezes ao dia. E, claro, deve ser compartilhada com você também. Quando você fica ouvindo a mesma música no repeat, lendo um livro que o tira do ambiente em que você está. Ou, quando você pensa deitado na cama, com os pés para cima, apoiados na parede. Dá para ser feliz várias vezes ao dia. Não precisa estar apaixonado. Por isso, o mais legal é se apaixonar várias vezes ao longo da vida. Talvez seja pela mesma pessoa, talvez seja por várias, talvez por você mesmo. O importante é lembrar que você é sempre vários e ser companhia para si mesmo deveria ser uma felicidade compartilhada também.

4) Felicidade plena

Não sei quem colocou na nossa cabeça essa ideia de que vamos alcançar a tal felicidade. Já viram a peça “Esperando Godot”? Tudo bem, ela foi uma peça escrita depois da segunda guerra mundial e talvez quisesse dizer muito mais do que isso, mas a moral da história é que os dois personagens passam a peça inteira esperando por Godot, mas ele nunca vem. A peça inteira é uma discussão sem fim de “cadê o tal do Godot?” Sei que é clichê essa coisa de “sua vida passa enquanto você procura a felicidade”, mas é verdade. Porque a felicidade que você tanto almeja nunca vai chegar. Ela já está aqui, escondida em algum lugar que você não consegue ver. Ela está nos mínimos detalhes. Se parar para observar, tudo é mágico, tudo se conecta. Tudo é útil, porque tudo é um presente. Você usa isso da forma que quiser. Eu tive um professor que falava que, para saber se você tem uma vida feliz, basta observar como você se sente aos domingos. Se estiver muito bem, mesmo sabendo que no outro dia é segunda-feira, você é uma pessoa feliz. Criei uma teoria em cima disso: domingo é o dia em que você mais precisa focar no presente, senão ele escapa rápido. Se você aprendeu a lidar com os domingos, você aprendeu a viver o momento presente. Bingo! Muita doses de felicidade no seu dia a dia, sem essa lenga-lenga de feliz pra sempre.

5) Par perfeito

Não tem como encontrar o par perfeito em outra pessoa. Eu sou a única pessoa que convive comigo 24 horas por dia, então, eu tenho que ser meu par perfeito, para me aturar por tanto tempo. Odeio frases no imperativo, mas SEJA O PAR PERFEITO PARA SI MESMO. Todo mundo vai parecer menos problemático e, de repente, você vai perceber que é mais compatível com os outros do que imaginava. Sabe aquela história de que o que o irrita, no outro, na verdade, são defeitos seus que você não conseguiu trabalhar? Então, resolva-se primeiro, depois queira que alguém seja perfeito para você.

6) Namorar é ter alguém pra você

Em primeiro lugar, ninguém é de ninguém. Todo mundo já traz uma história de vida antes dos novos relacionamentos. Tem seus amigos, seus sonhos, sua rotina. Não é por que você encontrou alguém que agora deve isso tudo a ela. Ninguém tem o direito de invadir o espaço do outro, sistematizar o que o outro vai fazer, ficar chateado quando o outro não quer acompanhar no seu programa de índio. Namorar é dividir.

7) Seus pais sabem o que é melhor pra você

Nunca sabem. Eles, como qualquer outro ser humano, sabem só o que é melhor para eles.

Não é por acaso que Paris é uma festa

Não é por acaso que Paris é uma festa

Por Patrícia Dantas

Bistrôs aquecidos, baguetes quentinhas, a umidade cinzenta e fria da cidade-luz – que nesse cinzento outono-invernal, guia-se pelas luzes ofuscantes que se acendem no finalzinho das tardes – é assim, nesta breve descrição que acalenta viajantes natos, que já estamos dentro dessa Paris que festeja o que a vida tem de mais belo todos os dias do ano.

Além de Paris já falar por si para que veio, do imaginário dos mais afoitos flâneurs ao mais desatento transeunte, como nos relata Paris é uma festa, de Hemingway, e O Esplim de Paris, de Baudelaire, não precisamos mais traçar roteiros compactados para conhecer seus arrondissements, quando temos hoje, além de romances e crônicas já consagradas, sites de busca e superblogs de pessoas viajadas pelo mundo, que indicam com maestria os incontáveis pontos de Paris para se conhecer antes de morrer.

Falando assim, como não amar nossa era da informação, que nos presenteia com o universo na palma das nossas mãos? Sim, temos Paris, a Índia, a China, a Transilvânia o Polo Norte ao nosso alcance, bastam alguns cliques ou um roteiro de viagem para as próximas férias. Hoje, quase todo mundo pode viajar! Sem ironias com a modernidade, partamos já com nossas mochilas nas costas e alguns trocados no bolso. Não só Paris, mas lugares ainda nem cogitados nos esperam!

Que tal, antes de soltar a mochila no primeiro quarto de um hostel ou hotel barato, conhecer de cara o primeiro bistrô apontado em nossa direção? Claro que é bom sempre lembrar se teremos a grana para arcar com todo o consumo delicioso e apressado.

Talvez fosse ali que o lendário crítico americano Robert Parker degustou uma sequência de vinhos raros e anotou em seu caderninho valioso nota por nota, ou seria aquele o lugar em que o colunista do Paladar Estadão, Luiz Horta, escrevera um longo artigo cheio de peripécias e sugestões de como pagar somente vinte e dois euros por uma refeição completa em Paris? Não há como não cogitar coisas desse tipo quando nos sentamos numa mesinha reservada de algum bistrô desconhecido. E se for verdade, e só venhamos a descobrir depois do ato consumado? Aí teremos uma boa história para contar!

Lembro que, numa das minhas primeiras viagens de férias, e com o pouco dinheiro que juntara desde que soube que o próximo destino seria um tour por algumas cidades da Europa – incluindo Paris! – fiquei tão extasiada não só pelas paisagens vistas somente nos filmes, mas também – e quase em igual proporção -, pelos vinhos de qualidade que iria tomar a preços bem menores que tomaria aqui no Brasil! Bordeaux, Borgonha, Côtes du Rhônes – regiões que você já ouviu falar, e sempre salivou quando via algum rótulo de lá! Nem é preciso tomar daquela safra rara, que tem mais de cinquenta anos, basta mesmo um vinho da casa para você saber que está diante de uma relíquia que faz história e desperta os sentidos de muita gente, inclusive o seu.

E os Plat du Jour? Existe coisa que atice mais os sentidos? Bem, nem precisa falar. Folheava os cardápios com um frenesi no estômago, com a curiosidade e fome com que se lê um envolvente romance de García Marques.

Confesso que não sou conhecedora de vinhos safrados, vencedores de prêmios internacionais, das denominações de origem controlada e garantida, da alta gastronomia mundial, das notas, apreciações, aprovações dos críticos e da mídia. Meu grande e maior segredo é que costumo me dar por inteira às experiências enogastronômicas que, por acaso, chegam sem nenhuma intenção de provocar além do que já me permiti.

O negócio é que um novo vinho, conhecido ou não, venha de onde vier, ele acaba desestruturando algo dentro da gente, é como se fosse um novo estranho, uma pessoa que depende da nossa aceitação, da última aprovação para entrar no círculo.

E, para mim, já conquistei a regra: novas sensações para tudo!

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Cena do filme “O fabuloso destino de Amelie Poulain”

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada
Por Eliane Brum da Revista Época
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçdo porque um dia ela acaba.

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras na Revista Época.)

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