Amor como em Casa

Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina, in “Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde”

Via Citador

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Não espere pelo amor!

Não espere pelo amor!

“O bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.”

Tendo como base a ideia central do “Efeito borboleta” apresento um vídeo romântico e que, num primeiro momento poderia até parecer bobinho….mas nem tanto!


Fonte e tradução: Os conselheiros

10 filmes sobre altruísmo e desapego que não deixam ninguém indiferente

10 filmes sobre altruísmo e desapego que não deixam ninguém indiferente

Por Octavio Caruso

Enquanto somos crianças, com sorte, costumamos escutar de nossos pais lições valorosas sobre a necessidade do altruísmo, os malefícios do egoísmo exacerbado e a importância de deixarmos como legado um mundo melhor do que aquele que nos recebeu. Crescemos e esquecemos estes ensinamentos, preocupados apenas em acumular o vil metal, fazendo dele um instrumento para conquistarmos poder, status social, fama. Poucos são os que utilizam seus recursos, financeiros ou intelectuais, para o bem maior. Ínfimos são os que reconhecem os esforços desses poucos. A questão que atinge a consciência com a força de um instrumento de silício: Vale a pena ser altruísta, sacrificar-se pelo bem maior, sabendo que existe uma grande possibilidade de, neste mundo moderno onde a elegância é alvo de deboche, você ser recompensado com o anonimato?

Selecionei, dentre meus favoritos, dez filmes sobre indivíduos que, com suas atitudes nobres e altruístas, modificaram positivamente o ambiente em que viviam. A lista não está em ordem de preferência.

Em Cada Coração, Uma Saudade (All Mine to Give – 1957)

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A trama se passa por volta de 1850 e conta o drama de um garoto de doze anos que acaba de perder seus pais, necessitando cumprir a promessa que fez à mãe em seu leito de morte: distribuir seus cinco irmãos pequenos para boas famílias da região. Ele precisa amadurecer mais rápido e tomar uma decisão cruel, sacrificando seu amor pelos irmãos, objetivando o bem estar dos mesmos. É difícil manter-se insensível nos vinte minutos finais. Os pais, vividos por Glynis Johns e Cameron Mitchell, eram imigrantes humildes, analfabetos, constantemente hostilizados pelos habitantes da região. O garoto, no dia do Natal, acaba se tornando o disseminador de uma nova geração, que, levando em consideração a boa criação dos pais, constituirão uma cidade melhor no futuro. Essa é a mensagem que a bela obra busca transmitir.

Viver (Ikiru – 1952)

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Na obra de Akira Kurosawa, Takashi Shimura vive um homem no crepúsculo de sua existência. Vítima de um câncer, ele descobre ter desperdiçado sua vida sendo um funcionário modelo, sem faltas e reclamações, sem momentos de lazer, plenamente dedicado a uma função burocrática, que qualquer um poderia fazer e que só satisfazia seu empregador. Balançando-se em um parque de diversões, emociona-se tentando voltar no tempo e corrigir seus erros. Sobrando-lhe pouco tempo de vida, ele então decide deixar um legado eterno, útil como algo tangível, na forma de um parque onde as crianças pudessem brincar, e filosoficamente eficiente, incentivando seus colegas a seguirem seu exemplo. Já que a prefeitura sempre prometia, mas nunca construía aquela área de lazer, ele se redimiria com seu esforço, construindo algo que sobreviveria por décadas após sua passagem. Somente quando estava prestes a morrer, o nobre senhor decidiu viver.

Uma Voz nas Sombras (Lilies of The Field – 1963)

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A simples história de um homem desempregado, vivido por Sidney Poitier, em papel que lhe rendeu um Oscar, que, numa parada para consertar seu carro em uma fazenda, acaba conhecendo uma pequena comunidade de freiras. Elas o veem como um enviado de Deus para ajudá-las a construir uma capela no meio daquele fim de mundo. Inicialmente ele se recusa, chega a desistir na metade, mas acaba retornando para finalizar aquela missão. Não existe motivo algum para que ele ajude aquelas senhoras, tampouco seu trabalho será reconhecido, mas ele parece encontrar um significado para sua existência naquele exaustivo trabalho braçal.

Zorba – O Grego (Alexis Zorbas – 1964)

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Cada personagem na adaptação da obra de Nikos Kazantzakis pode ser visto como uma representação de elementos da psicologia humana. O poeta/escritor britânico ao interagir com a força livre da natureza, o personagem “Zorba”, estabelece eficiente metáfora a todas as tentativas de se reconectar com suas potencialidades criativas. O personagem vivido por Alan Bates chega à Grécia com a finalidade de tomar posse da herança deixada por seu pai. Ele representa o elemento da comodidade, conduzido por motivações lógicas e cheio de regras autoimpostas. Afastou-se tanto de sua própria natureza/instinto, que drenou sua energia criativa. Sequer uma linha consegue escrever no papel de sua vida. Esquecido de si mesmo, ele encontra sua antítese na forma do falastrão Zorba, vivido brilhantemente por Anthony Quinn, que esbanja descontrole emocional e racional, apaixonado pela vida. Do encontro entre o racional e o impulsivo, nasce uma grande amizade, que enriquecerá a experiência de vida de ambos. A cena mais famosa, um dos mais belos momentos da Sétima Arte, simboliza a comunhão harmônica entre estes dois extremos pela dança. Aquele jovem que observava passivo o mundo ao seu redor, agora desejava tomar parte nesta enorme celebração chamada vida. O ato da celebração é mais importante que o objeto que se celebra. O poeta aprende que confrontar um problema com uma sonora gargalhada, pode ser muito eficiente.

 

Peixe Grande (Big Fish – 2003)

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A melhor maneira de se compreender as atitudes de alguém, suas motivações e sonhos, é estabelecendo um muro que divida o que a pessoa acredita ser e sua real personalidade. Suas fantasias e desejos correspondem a uma imagem criada, por traumas, vitórias e derrotas. Uma infância de miséria e fome encaminhará a uma vida adulta em que o desejo por uma mesa farta seja prioridade. As fantasias de uma pessoa não mentem, expõem cruelmente detalhes que aos olhos treinados tornam-se páginas reveladoras em um livro aberto. O filho do protagonista de “Peixe Grande”, não se importava em decifrar os segredos contidos no livro aberto que era seu pai. Jovem ambicioso, preocupado demais com sua vida profissional, sem paciência alguma com aquele nobre senhor e suas histórias repetidas. A perspectiva da morte faz com que o jovem busque conhecer aquela incógnita falastrona, que sempre o deixava envergonhado em suas festas, com seus arroubos criativos. Angustiado com a recusa do pai em se mediocrizar, tornar-se comum, seu filho então decide conduzir uma pequena investigação, que acaba levando-o a constatar que somente a fantasia, o lírico, realmente satisfaz de forma plena. Como explicitado no diálogo entre o jovem e o médico da família, que pacientemente lhe conta sobre o dia de seu nascimento. Havia sido uma manhã como qualquer outra, bastante diferente da forma fantástica como seu pai havia lhe contado sua vida inteira. Uma das perguntas que o filme nos faz é: existe algo de errado em viver uma fantasia? Somos escravos da regularidade da natureza. O sol impreterivelmente nasce e some no horizonte, a chuva eventualmente molha nossas cabeças e as flores se guiam em direção à luz solar. Dormimos e despertamos tentando diariamente encontrar razões para que nossa existência continue a nos surpreender. Edward Bloom (Albert Finney e Ewan McGregor) decidiu bem cedo na vida, não se deixar moldar nas fôrmas dos outros. Por acreditar ser mais do que era, tornou-se maior, confiante e decidido a livrar aqueles que se relacionavam com ele, desta prisão torturante chamada vida real. O peixe se molda ao tamanho do aquário em que é colocado, portanto ele procuraria reservatórios mais ambiciosos. O simples ato natural de crescer, para ele seria visto como uma constatação de sua nova condição exploratória. Sua pequena cidade não lhe atrapalhava, porém também não lhe incitava a evoluir. Como peixe, nadava em um pacífico lago de água parada, ansiando uma correnteza. Todos aqueles que cruzam o caminho de Bloom, tem suas vidas modificadas de alguma forma positiva. “Não existe um rosto triste, todos estão muito felizes”, como é dito por seu filho em um dos momentos mais emocionantes. Essa é a essência do filme, sua grande mensagem: sejam maiores que a vida e busquem sempre o fantástico e o impossível, deixando seus sapatos em Spectre. O verdadeiro alienado é aquele que realmente acredita que ser humano é somente discutir política, “esquerda” e “direita”, enquanto nos deparamos com impossíveis possibilidades minuto a minuto. Sabem aquele conselho que lhes dita para serem pés no chão? Sigam-no, porém imaginem-se no incerto solo lunar e sem equipamentos. Quem sabe, enquanto passeiam por lá, não encontram algum gentil gigante ou uma marciana, que irão habitar nos futuros sonhos de seus filhos e netos, moldando-lhes o caráter?

A Morada da Sexta Felicidade (The Inn of the Sixth Happiness – 1958)

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Existem dois pontos que considero muito relevantes nesse épico injustamente pouco lembrado do diretor Mark Robson, dois momentos que compensam o equívoco do interesse romântico forçado e sem química entre a missionária Gladys Aylward, interpretada por Ingrid Bergman, e o soldado chinês vivido pelo alemão Curd Jürgens. A jovem inglesa que consegue fazer o impossível, resgatando e zelando pela segurança das crianças chinesas no período opressivo da guerra, conduzindo-as numa exaustiva e perigosa caminhada através das montanhas para um local seguro, havia sido inicialmente impedida de realizar seu sonho por não ter as qualificações necessárias para o trabalho. Ela precisou lutar para conseguir o dinheiro para a viagem, além de ter que se contentar com o trabalho de doméstica em uma hospedaria numa aldeia remota. Situação que conduz diretamente para o segundo momento, que ocorre no terceiro ato, um discurso belíssimo de Robert Donat, que estava muito doente e morreria pouco tempo depois, interpretando o Mandarim que, profundamente comovido com a força do espírito inquebrantável daquela jovem, declara a ela sua conversão para o cristianismo, fazendo questão de que aquela informação constasse nos escritos de seu povo. O roteiro e a atuação evidenciam que aquele gesto simbólico não feria ou desrespeitava suas crenças pessoais, apenas sublimava o conceito de religião como um elemento que, pela sua etimologia, existe como um laço de piedade com o propósito único de religar os seres humanos ao conceito subjetivo do divino, algo maior do que os dogmas de qualquer ideologia religiosa. E é bonito que essa cena, exatamente a última gravada pelo ator, seja uma despedida. Entrevistado para a biografia do ator, o diretor afirmou que todos na equipe sabiam que ele estava utilizando suas últimas energias naquele trabalho. É possível notar essa aura de transcendência na cena. A emoção de Bergman é real, enquanto escuta seu esforçado colega afirmar que eles não se veriam novamente. Donat, sempre lembrado por “Os 39 Degraus” de Hitchcock, estava sem trabalhar por longos cinco anos, mas mostrava-se orgulhoso de poder morrer fazendo aquilo que mais amava, em um projeto tão bonito.

Nenhum a Menos (Yi Ge Dou Bu Neng Shao- 1999)

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A saga de uma professora obstinada e uma criança que não seria uma estatística. Esforço impressionante do sensível diretor Zhang Yimou em retratar o lado mais belo da natureza humana. Com um elenco de amadores que utilizam seus próprios nomes, e ocupam funções parecidas com a de seus personagens, “Nenhum a Menos” fala sobre uma jovem de treze anos (Wei Minzhi) que vive em um pobre vilarejo chinês, afastado da civilização. Quando o professor da humilde escola primária local precisa ausentar-se por um mês, o prefeito convoca a menina para ser a professora substituta. O modesto pagamento lhe será dado caso ela consiga evitar a desistência das crianças. As famílias são paupérrimas e não existe esperança nos olhos dos alunos, que externam a angústia com atos de rebeldia. Yimou inicia a obra nos fazendo crer que a obstinação da menina é guiada apenas em função do pagamento, porém ao longo da trama ele nos emociona ao mostrar a devoção do antigo professor, que com um número limitado de gizes e sem dinheiro para repô-los, utiliza até mesmo o pó que resta em seus dedos, para concluir seus ensinamentos na lousa. Esse amor que só é explicado pela vocação genuína, acaba contaminando a jovem, que empreende uma árdua jornada, externa e interna, de amadurecimento, para resgatar o aluno mais peralta da classe, que havia fugido para a cidade grande, para encontrar trabalho. A discussão que a obra fomenta, entre a falta de perspectiva desmotivadora e o progressivo estímulo da menina em lutar por aquele único aluno, estabelece uma parábola inspiradora e realista. No percurso de sua jornada, que se inicia ainda na escola, quando junto com as crianças carrega tijolos, intencionando pagar a viagem de ônibus, ela acaba gastando muito mais dinheiro do que viria a receber ao final de sua missão. Por outro lado somos apresentados à figura de uma secretária da cidade, que se mostra incapaz de demonstrar compaixão, ao negar ajuda à menina. Yimou nos apresenta uma mulher adulta, que nega um simples gesto, que lhe tomaria alguns minutos apenas, enquanto a jovem exala maturidade ao manter-se aguerrida ao seu objetivo, chegando a dormir na rua. O naturalismo documental da filmagem agrega valor à mesma, fazendo com que nos identifiquemos com as situações e torçamos para que a protagonista consiga encontrar o garoto e levá-lo de volta à escola. Como qualquer criança de treze anos, não tão diferente daquelas a quem deve ensinar, na mesma situação, ela inicia focada apenas em não deixar nenhum deles fugir. Antes mesmo de corajosamente se aventurar na cidade, suas ações já demonstram que algo mudou nela, amadureceu, e, mais importante, nos alunos. Sua obstinada devoção provou às carentes crianças, que elas não são números em uma estatística. O emocionante final deixa claro que, onde antes dominava a desesperança e o caos, agora se faz brilhar a luz da autoestima. A mudança interna foi muito maior que a externa, advinda da jornada da jovem.

 

O Vento Será Tua Herança (Inherit The Wind – 1960)

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A trama, baseada em um caso real ocorrido em 1925, é um exemplo de como Stanley Kramer conseguia esquivar-se do panfletarismo ideológico, buscando compreender os dois lados, retratando-os com o mesmo carinho. Não existem estereótipos, vilões detestáveis e mocinhos amados, apenas homens psicologicamente tridimensionais que realmente acreditam deter a razão, sendo colocados em natural conflito de ideias. É o que ocorre com os protagonistas vividos por Spencer Tracy e Fredric March, homens com um histórico de amizade e admiração mútua, mas que se encontram ideologicamente em lados opostos. Criacionismo e Evolução, conceitos que ainda hoje, surpreendentemente, podem incitar uma briga, sendo abordados em 1960. Admirável! O projeto fracassou nas bilheterias e dificilmente você verá sendo exibido na televisão. Na época, fanáticos religiosos berravam que o diretor era o “Anticristo”, exercendo a ignorância típica concernente ao fanatismo em qualquer área. Já na primeira sequência, o roteiro (de Nedrick Young, na lista negra e utilizando pseudônimo, e Harold Jacob Smith) explicita a essência da proposta. Um banner preso em árvores, ocupando toda a tela, com um nome: “BRADY”, esclarece a função do personagem de March na sociedade antes mesmo de sua primeira aparição. Ele é mais que um político, mais que um homem, ele é um símbolo de salvação, aquele que irá manter o demônio afastado da pequena cidade. E a evolução de Darwin era um diabinho inconveniente, que não podia ter voz. Como todo sacerdote de qualquer religião sabe, mentiras são necessárias para manter o povo sob seu jugo, sendo controlados pelo medo e pela possibilidade de redenção. E também sabem que a verdade é muito melhor amparada em argumentos, já que não se guia por um limitante livro de condutas, então a melhor solução é sempre impedir que os argumentos apareçam. Por essa razão, nas páginas da História, todos aqueles que buscavam alertar o povo para a verdade eram silenciados rapidamente. A discussão é uma ameaça, pois incita as pessoas a exercitarem o pensamento lógico, o raciocínio. O professor vivido por Dick York é afastado de sua sala de aula exatamente por estimular seus alunos ao livre pensar, ensinando-os sobre a evolução das espécies. A população da cidade é mostrada desde o início como zumbis, entoando hinos religiosos como máquinas. Kramer também evidencia a impossibilidade da coexistência entre ideologia religiosa e política, algo muito atual em nossa realidade, culminando no discurso final do personagem de March, um homem que possuía uma grandeza de valores em sua juventude, mas que se perdeu ao extravasar frustrações e complexos em sua crença. O mais triste é perceber que os zumbis agressivos mostrados no filme ainda existem em nossa sociedade. Vemos o povo demonizando cientistas e suas pesquisas, políticos querendo determinar leis de acordo com suas crenças religiosas, pastores acumulando fortunas, intolerância racial e homofobia. Podemos constatar pesarosos que o pensamento lógico e sensato ainda é um exercício facilmente substituível pela aceitação cômoda do cabresto. Stanley Kramer, falecido em 2001, continua sendo o homem mais corajoso na indústria.

Serpico (1973)

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O protagonista está sentado descansando em seu jardim, escutando a ária “E Lucevan le Stelle”, momento marcante da ópera Tosca, onde o revolucionário Cavaradossi aguarda seus últimos minutos de vida em uma prisão. Um detalhe que pode passar despercebido, mas que demonstra a sensibilidade criativa do diretor Sidney Lumet, que adaptou a história real imortalizada no livro de Peter Maas. O trágico pintor de Puccini e o policial íntegro interpretado brilhantemente por Al Pacino possuem muito em comum, especialmente a qualidade de manterem-se fiéis aos seus valores, mesmo quando confrontados pela total desesperança. Frank Serpico só queria fazer seu trabalho, não defendia nenhuma causa nobre, mas cometeu o crime de ignorar que o sistema alimentava a corrupção que, em teoria, deveria combater. O roteiro de Waldo Salt e Norman Wexler mostra a gradual frustração de um jovem que tinha uma visão idealizada de como ser um oficial da lei. O desconforto inicial ao perceber os primeiros deslizes de seus colegas, o choque ao constatar que seus superiores temiam sua resistência a receber propina, pois acabaria se tornando como o rei sábio do conto que escuta de sua namorada, um louco aos olhos daqueles que beberam da fonte envenenada pela ganância. Ele não estava disposto a sorver sequer uma gota daquela água pestilenta. Com real interesse, ele atravessa uma fase em que tenta genuinamente compreender as possíveis razões por trás dos atos ilegais de seus colegas, o baixo salário ou problemas familiares, mas logo descobre que não há dificuldade extrema que não seja subjugada pela dignidade daquele cujo caráter não se dobra. Esse trabalho de construção de personagem de um impecável Al Pacino é auxiliado pela decisão do diretor de fotografia Arthur J. Ornitz, que, em diversas cenas, utiliza lentes que achatam a imagem, criando a ilusão de que o cenário se impõe sobre o protagonista, oprimindo-o cada vez mais em sua jornada inescapável rumo à descrença total na honestidade em sua função.

A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi – 2001)

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Impossível não compararmos a clássica história de Lewis Carrol com esta jóia de Hayao Miyazaki. Tanto “Alice” quanto “Chihiro” vivem em um mundo em que o real e o fantástico andam de mãos dadas, limitados apenas pela imaginação da protagonista. A meu ver, o roteiro do mestre japonês consegue, em sua simplicidade, superar “Alice no País das Maravilhas”, “Alice no País dos Espelhos” e qualquer outra obra similar a esses conceitos. A jovem japonesa se sente entediada no banco de trás do carro de seus pais, no que lhe parece uma interminável viagem. O mundo que ela vislumbra pela janela é desinteressante, assim como o falatório de seus pais, que lhe parece vazio. Sua mãe afirma que se mudar para outra cidade é uma aventura divertida, porém os olhos tristes da menina residem ainda em sua velha escola, seus amigos, laços que se desfazem à velocidade do vento que atravessa a janela do carro e perturba seu cabelo. O momento em que a fantasia se funde à realidade ocorre de maneira semelhante no conto de Carrol, quando Alice segue o coelho e adentra em sua toca. Chihiro e seus pais descobrem o que acreditam ser um parque de diversões abandonado, quando procuravam um atalho na estrada. As duas personagens encontram de forma inusitada um gatilho que desperta nelas a melhor fuga para seus problemas: um mundo paralelo, que reflete em lindas metáforas todos os estágios da vida, onde as jovens evoluem enfrentando obstáculos aparentemente impossíveis. Chihiro inicia o filme como uma garota ingênua, medrosa e mimada, tornando-se ao final uma mulher madura e valorosa. Miyazaki ainda encontra tempo em sua obra para incutir críticas ao capitalismo, uma sociedade que parece visar apenas o “ter”, não o “ser”. Com tantas animações que parecem subestimar a inteligência e sensibilidade das crianças, mostrar a seus filhos obras como as de Miyazaki, incentivar neles o ato de pescar, ao invés de lhes entregar o peixe já mastigado de animações similares, pode ser um presente inestimável e de efeito vitalício.

OCTAVIO CARUSO

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Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.

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Sobre cursos e autonomia

Sobre cursos e autonomia

Por Tatiana Nicz

Autonomia (Grego antigo: αὐτονομία autonomia de αὐτόνομος autonomos de αὐτο- auto- “de sí mesmo” + νόμος nomos, “lei”, que quando combinados são entendidos como “aquele que estabelece suas próprias leis”.

Eu tenho observado muito na maneira como somos “programados” para aprender com o que vem de fora e nos esquecemos de validar os nossos aprendizados. É como se inconscientemente todos os dias, mandássemos uma mensagem para nós mesmos de que não somos bons o suficiente, que não sabemos o suficiente, que não somos capazes. Nessa ânsia por sermos capazes estudamos, fazemos cursos, lemos livros, sempre no papel de aprendizes e dando autonomia para o outro ser o mestre. Acho que até uma certa idade isso é bem válido, as crianças precisam de orientação, os adolescentes também, alguns ofícios ou até idiomas podem ser aprendidos, mas o problema é que continuamos replicando essa fórmula em tudo que realizamos.

Certo dia fui fazer o Zazen – meditação sentada Zen Budista – eu não sabia absolutamente nada sobre o Zen Budismo e muito menos sobre o tal zazen. Perguntei ao monge com a esperança que ele me ensinasse algo e me desse orientações “como é esse zazen?” e o monge respondeu: “então, você senta e medita”. Eu ainda esperei para ver se ele complementaria com algo, mas não. Foi então que ele me contou como os orientais têm a cultura de fazer e aprender e não o contrário como fazemos por aqui. Essa lição ficou muito forte em mim, inclusive para desistir de fazer zazens e acreditar que sou o que preciso ser, sem meditação, Yoga, curso de nada.

Acho importante a gente se encher de conhecimento, aprender, crescer. Mas é mais importante ainda que, em algum momento no meio disso tudo, a gente se permita parar um pouco para contemplar e validar o que ja temos e aprendemos e acreditar, de alguma maneira, que isso é suficiente. Além do mais tem coisa que aprendemos com a vida e que não está em livro algum. Quer aprender a desenhar? Desenhe. Quer aprender a fotografar? Fotografe. Com o equipamento mais simples que puder. Tente gastar menos dinheiro com equipamentos e cursos e um pouco mais de energia simplesmente fazendo, acreditando que você dá conta. E não apenas é importante fazer isso por nós mesmos, mas também pelos outros.

Sinto que nós aprendemos sobre muita coisa, mas não sabemos nada sobre autonomia. Pudera, somos a cultura da “pena”, não somos programados para dizer que o outra dá conta e sim para sentir pena. Dessa maneira não nos damos conta que sentir pena automaticamente invalida e tira a total autonomia do outro de lidar com suas dores e dificuldades e de aprender. A pena é o pior que você pode dar para o outro, independente da situação que ele esteja. A pena é um sentimento arrogante e egoísta, que só parece ser bom para quem sente, mas no fundo nem isso é.

Não culpo ninguém que sente pena, eu mesma me policio todos os dias para não sentir pena de ninguém, nossa sociedade é paternalista, nós aprendemos a passar a mão na cabeça do outro e chorar por/com ele, afinal, coitadinho! Mas não aprendemos a olhar e dizer: “você dá conta, eu tenho certeza que dá!”. Mas, apesar de ser raro, quando alguém faz isso por nós, é libertador.

Há alguns anos, passei por um período bem conturbado, joguei anos de carreira (e cursos e diplomas) no lixo e não sabia o que seria de mim profissionalmente, no meio disso era responsável pelo bem-estar da minha mãe que tem Alzheimer e meu pai fora diagnosticado com câncer, raro, agressivo, grave. Eu estava perdida. Olhando para trás às vezes acho bom que vivemos em uma cultura onde a estética é tão importante porque por fora eu parecia bonita, magra, cabelos longos e hoje acho bom que muitas vezes nosso exterior “engana”, porque por dentro eu estava em ruínas.

Um dia, em conversa entre amigas, uma delas me disse: “estou super tranquila, vejo uma luz no fim do túnel para você, você vai ser uma ótima professora e vai amar dar aula e os alunos vão te adorar!”. Ela andava batendo nessa tecla há algum tempo.

Eu não sei se já agradeci à ela, mas o que ela fez por mim foi grandioso. Claro que existe meu trabalho de correr atrás, estudar, me dar essa autonomia e descobrir que eu sabia muito mais do que imaginava e também tentar. Mas, a maneira como ela falou, com tanta certeza, me salvou. Eu lembro de ter ficado incomodada, “pô como ela não está vendo como eu sou coitadinha?”. Mas algo dentro de mim se agarrou naquela certeza que ela tinha, porque ela mesma é professora, então se ela que conhecia o trabalho, estava vendo algo em mim que eu mesma não conseguia enxergar, talvez ela estivesse certa. E estava.

Em pouco tempo descobri outro ofício e através dele aprendi que é possível amar o que fazemos e reencontrei propósito na vida. E ter descoberto isso, foi o que me deu forças para enfrentar um período da minha vida “pauleira” que foi esse em que, aos poucos, perdi meu pai. E para proclamar minha independência e autonomia também dos padrões de beleza cortei os cabelos bem curtos. Foi uma libertação e ao mesmo tempo muito assustador. Mas, descobri que, ao contrário de Sansão e do que eu mesma acreditava, minha força não está nos meus cabelos e sim em acreditar que posso mesmo quando as circustâncias me fazem duvidar.

E hoje penso muito sobre esse processo de me dar autonomia e dar autonomia aos outros. Porque aquele velho clichê é pura verdade, somos sim muito mais fortes do que pensamos e podemos ir mais longe. Basta nos darmos autonomia para tanto.

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O poder das histórias, por Kelly Shimohiro

O poder das histórias, por Kelly Shimohiro

Por Kelly Shimohiro

A literatura é uma arte adorável, porque ela ajuda você a viver. Histórias não são passatempos banais, que lhe servem de distração e nada mais. As histórias revelam o que há de mais profundo e verdadeiro no espírito humano.

E isso não é conversa fiada para superestimar o valor da literatura. É uma constatação do significado que as histórias exercem no imaginário da humanidade.

Tudo começou com a oralidade. As conversas em volta da fogueira. A necessidade de contar e inventar. E criar e levar as mentes para fora da realidade. Ou pelo menos para uma realidade diferente.

Como defende Crhistopher Vogler, em A Jornada do Escritor, uma grande história tem imagens profundas arquetípicas, compartilhadas e entendidas por todos nós, numa dimensão atemporal. O que significa que enfrentamos os mesmos dramas dos heróis e heroínas dos livros que lemos. E dessa forma, nos identificamos com eles. Experimentamos com eles novas buscas e desafios. Literalmente, voamos para outros mundos fora da nossa própria realidade. Depois disso, voltamos para casa acrescidos, ampliados em experiências e recursos para vivermos nossas próprias vidas.

É fácil observarmos isso. Se lemos um drama, que ressalta questões confusas da existência adulta e se estamos nessa mesma fase, observamos o que acontece com o personagem, torcemos por ele, nos envolvemos porque se trata também da nossa vida. E dali, tiramos novas formas para lidar com velhas questões.

Se mergulhamos em um envolvente romance, nos entusiasmamos porque queremos paixão na nossa vida, queremos viver uma história excitante como aquela. Também desejamos amar e experimentar toda essa aventura. E podemos sair em busca.

Temas como lealdade, supremacia, força, justiça povoam grandes épicos de fantasia. Não acreditamos naqueles super-heróis, mas admiramos o senso de justiça e a lealdade que exalam e queremos isso para nossa vida também.

A literatura nos transforma e nos oferece uma possibilidade encantadora de experimentar muitos sentimentos, muitas sensações… e então, transpormos tudo isso para o mundo real, pois é aqui que vivemos.

Ernani Ssó, talentoso escritor gaúcho, ressalta que uma boa história é misteriosa e que isso atinge em cheio o leitor. (A vida é um mistério!). Afirma também que a leitura

não é só uma operação da razão. Também é uma operação dos instintos e dos sentidos. Uma história boa nos arrebata por isso, confundimos nossos próprios sentimentos com os do personagem.

Em um personagem encontramos nosso medo da morte. Em outro, nossa confusão em escolher um rumo para a vida. Nos identificamos. Nos trabalhamos, mesmo sem perceber.

Nossos aspectos sombrios também são espelhados nas histórias. E com isso temos a chance de iluminá-los ou fazer um acordo com eles. Todos temos eles conosco. Que bom podermos vivenciá-los sob a pele de um personagem de algum livro.

O autor não precisa se preocupar com mensagens ou recursos pedagógicos. Isso é uma grande bobagem. História é imaginação e criatividade. É isso o que envolve o leitor. A chance de viver algo que fala diretamente com seu espírito, com suas necessidades humanas.

Clarissa Pinkola Estés, a consagrada escritora de “Mulheres que correm com os lobos”, aponta o poder curativo das histórias. Nesse sentido, ela é um bálsamo para nossas vidas. Nos misturamos a elas e dali tiramos o remédio que precisávamos para melhorarmos a nossa vida. E isso é uma coisa estupenda!

A leitura é uma prática excepcional. Além de nos ajudar com nossa própria vida, nos fazer viajar em mundos criativos, nos emocionarmos com os mais variados desfechos; ela trabalha nossa linguagem e nosso conhecimento. Precisamos de mais argumentos para fazer disso uma prática cotidiana?

Bem, eu não. Porque ler já me salvou em muitos momentos. Já me tirou de dias tediosos. Já me fez mudar cursos de algum projeto. Já me divertiu. Já me deu a chance de sentir uma porção infinita de sensações… Já me fez tomar atitudes diferentes. Já me fez pensar sob outro prisma. Já me fez sonhar e ver que é possível.

A literatura é uma ação poderosa na nossa vida. Portanto, não tenho mais nada a dizer a não ser: LEIAM, LEIAM E LEIAM PARA SEMPRE!!

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Cena do filme Hugo Cabret

Nota da página: Reprodução realizada com a autorização da autora.

Nossas matérias sobre educação também contam com a parceria e divulgação da página Educação como prática da liberdade, um espaço sempre indicado por nós.

KELLY SHIMOHIRO

“Tudo é um ponto. E o ponto é você!” Autora de “O Estranho Contato”.contioutra.com - O poder das histórias, por Kelly Shimohiro

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10 coisas que aprendi com minha alma nômade

Por Clara Baccarin

De certa forma, tenho vivido como um ser nômade. Não apenas porque tenho me deslocado e viajado com certa frequência e habitado diferentes lugares por um certo intervalo de tempo, mas, acima de tudo, tenho sido um ser de alma nômade. A alma nômade é aquela que possui uma certa dose de desapego, que explora sentimentos dentro de si até o esgotamento e sabe reconhecer a hora de partir quando sentimentos já não dão mais bons frutos. A alma nômade é ampla, pouco comodista, errante, aventureira de si mesma, se arrisca a explorar os próprios sentimentos que muitas vezes são territórios estrangeiros. O espaço externo às vezes não importa, porque o interno já guarda diversos mundos.

E hoje quero contar aqui 10 coisas que aprendi com minha alma nômade.

1- O gosto por ser estrangeira

Uma alma nômade é essencialmente estrangeira. Por ter percorrido diversos universos de sentidos, e ter compreendido diferentes formas de enxergar o mundo, a alma já não consegue pertencer a um grupo e carrega em si um pouquinho de cada sentimento que atravessou. E mesmo que volte para os campos sensíveis mais familiares ou primordiais, já não se sente em casa, já não se sente chegando ao ponto de que partiu. Ser estrangeira é não pertencer a um grupo por saber que grupos impõem regras, oferecem vantagens e acolhimentos, mas também enquadram as possibilidades de sentir.

2- Tenho lar, não tenho casa

Como diz uma frase que li por ai, o lar é feito de bons sentimentos e a casa é o espaço físico. A expressão ‘sentir-se em casa’ significa sentir-se tão livre a ponto de ser você mesmo. Minha alma nômade me ensinou que eu posso me sentir em casa em qualquer lugar, porque o meu lar sou eu e o carrego aonde for. Eu sou meu lar, meu quintal é o mundo e meu porto seguro é meu coração transbordando de amor.

3- Paixão pelo caminhar

Por não ter casa ou um destino, a alma nômade segue devagar, aproveitando o caminhar, pois a felicidade está em cada passo, em cada olhar, em cada aprendizado e não nas grandes conquistas que podem estar me esperando no fim do caminho, no fim do dia ou no fim da vida. A vida é a viagem em si, e eu sou apaixonada pela jornada, pelo hoje, pelo agora.

4- O futuro não existe

Aprendi com minha alma nômade uma sabedoria cigana: o futuro não existe. Justamente por ele não existir é que os ciganos podem ler (e inventar) destinos na palma de uma mão. O único adjetivo que qualifica o amanhã é: indeterminado. Minha alma nômade tem poucos planos, nenhum plano a longo prazo. Hoje ela está contemplando, aprendendo e construindo. O resultado de tudo, não sei. Mas agora eu estou inteira

5- Vivo por causas não por consequências

Eu escrevo porque minha causa é inspirar. Eu amo porque minha vontade é transbordar. Eu ando porque minha vida é experimentar. Eu sigo motivações, paixões e não recompensas. Eu foco nos meios, já não me importa os fins.

6- Solidão

Solidão é apenas a decisão de caminhar sozinha por uma causa intrínseca e escutar mais as vozes internas do que as do mundo. E seguir surda, às vezes sem suporte ou companhia, seguir o que brilha por dentro. A solidão é a tentativa de preservar uma genuinidade de alma. Se ela for isso, é fácil se dar bem com ela.

7- Coragem

Há uma frase que diz assim: ‘coragem é a resistência ao medo, o domínio do medo – não a ausência do medo’ (Mark Twain). Tenho tantos medos! Mas eu vou mesmo assim nos caminhos do desconhecido. Eu e meus medos desenvolvemos uma forma cordial de relacionamento: eles seguram minhas mãos, e eu não deixo de ir aonde devo mesmo com as mãos geladas e as pernas bambas.

8- Empatia

Ao explorar minha alma até o esgotamento, a capacidade de compreensão aflora. Ser alma nômade é não pertencer a nenhum grupo, mas compreender e se identificar um pouco com todos. Ser empático é ter ouvidos de compreender almas e olhos de ver singelezas.

9- Renascimento

Ser nômade é abandonar terras que se tornaram improdutivas, mas é também (re)encontrar solos cheios de vida. Ser nômade é participar dos ciclos, aceitar mortes e contemplar a vida, é renascer e celebrar isso. E saber a hora de esparramar abundâncias e festejar os encontros com primaveras.

10- Aprender a ir além

Além das verdades, além dos julgamentos, além dos entendimentos rasos, além das diferenças, além de tudo que me limita.

Ter a alma nômade é aprender a cortar raízes para poder desenvolver asas e assim, começar a perceber que a vida é uma tela eternamente recolorível.

“O BATIZADO”, uma belíssima crônica de Rubem Alves

“O BATIZADO”, uma belíssima crônica de Rubem Alves

Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho. Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta. Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual, é preciso acreditar. Eu não acredito. Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.

Ele não desistiu e argumentou: “Mas você fez o meu casamento.” De fato. Lembro-me de como ele encomendou o ritual: “Pai, não fale as palavras da religião! Fale só as palavras da poesia!” E assim foi. Foram textos do Cântico dos Cânticos, poema erótico da Bíblia, que deixa ruborizadas as faces dos beatos e beatas: “Teus dois seios são como dois filhos gêmeos de gazela! Teus lábios gotejam doçura, como um favo de mel, e debaixo da tua língua se encontram néctar e leite…” Divirto-me pensando na cara que fariam Papa e bispos se lessem esses textos… Seguiram-se textos do Drummond, do Vinícius, da Adélia – tudo terminando não com a chatíssima Marcha Nupcial, mas com a Valsinha, do Chico, ocasião em que os convidados, moços e velhos, pegaram os seus pares e trataram de dançar. Foi bonito. Quando a coisa é bonita a gente acredita fácil.

Lembrei-me, então, de um trecho do livro Raízes negras – onde se descreve o ritual de “dar nome” ao recém-nascido, numa tribo africana.

Omoro, o pai, moveu-se para o lado de sua esposa, diante das pessoas da aldeia reunidas. Levantou então a criança e, enquanto todos olhavam, segredou três vezes nos ouvidos do seu filho o nome que ele havia escolhido para ele. Era a primeira vez que aquele nome estava sendo pronunciado como nome daquele nenezinho. Todos sabiam que cada ser humano deve ser o primeiro a saber quem ele é. Tocaram os tambores. Omoro segredou o mesmo nome no ouvido de sua esposa, que sorriu de prazer. A seguir foi a vez da aldeia inteira: “O nome do primeiro filho de Omoro e Binta Kinte é Kunta!” Ao final do ritual, após desenvolvidas todas as suas partes, Omoro, sozinho, carregou seu filho até os limites da aldeia e ali levantou o nenezinho para os céus e disse suavemente: “Fend kiling dorong leh warrata ke iteh ted”: “Eis aí, a única coisa que é maior que você mesmo!”

Essa memória me convenceu e tratei de inventar um ritual de “dar nome”, já que nenhum eu conhecia que me agradasse.

Organizei o espaço do living. Empurrei a mesa central, baixa, na direção da lareira. À cabeceira coloquei um banquinho velhíssimo – ali a Mariana se assentaria. Ao lado, duas cadeiras, uma para o pai, outra para a mãe. Na ponta da mesa, uma grande vela. É a vela da Mariana, vela que a acompanhará por toda a sua vida, e que deverá ser acesa em todos os seus aniversários. Ao lado da sua vela, duas velas longas, coloridas. E, espalhadas pela sala, velas de todos os tipos e cores. Na ponta da mesa, ao lado da vela da Mariana, um prato de madeira com um cacho de uvas.

Reunidos todos os convidados, começou o ritual. Foi isso que eu disse: “Mariana: aqui estamos para contar para você a estória do seu nome. Tudo começou numa grande escuridão.” As luzes se apagaram enquanto, no escuro, se ouvia o som da flauta de Jean Pierre Rampal.
“Assim era a barriga da sua mãe, lugar escuro, tranqüilo e silencioso. Ali você viveu por nove meses. Passado esse tempo você se cansou e disse: ‘Quero ver luz!’ Sua mãe ouviu o seu pedido e fez o que você queria. Ela ‘deu à luz’. Você nasceu.”

A mãe e o pai da Mariana acenderam então a vela grande, que brilhou sozinha no meio da sala.

“Veja só o que aconteceu! Sua luz encheu a sala de alegria. Todos os rostos estão sorrindo para você. E, por causa desta alegria, cada um deles vai, também, acender a sua vela.”

Aí o padrinho e a madrinha acenderam as velas longas coloridas, e os outros todos acenderam, cada um, uma das velas espalhadas pela sala.

À chegada dos convidados eu havia dado a cada um deles um cartãozinho, onde deveriam escrever o desejo mais profundo para a Mariana. Continuei:
“Você trouxe tanta alegria que cada um de nós escreveu, num cartãozinho, um bom desejo para você. Assim, pegue esta cestinha. Vá de um em um recolhendo os bons desejos que eles escreveram. Esses cartõezinhos, você os vai guardar por toda a sua vida…”

E lá foi a Mariana com a cestinha, seus grandes olhos azuis, de um em um, sendo abençoada por todos.

“Todos deram para você uma coisa boa”, eu disse depois de terminado o recolhimento dos cartões. “Agora é a hora de você dar a todos uma coisa boa. Você é redondinha e doce como uma uva. Esta é a razão para este cacho de uvas. E é isso que você vai fazer. Seus padrinhos vão fazer uma cadeirinha e você, assentada na cadeirinha, vai dar a cada um deles um pedaço de você, uma uva doce e redonda…”

E assim, vagarosamente, a Mariana celebrou, sem saber, esta insólita eucaristia: “Esta uva doce e redonda é o meu corpo…”

Terminada a eucaristia, eu disse à Mariana:
“Agora, chegando ao fim, cada um de nós vai dizer o seu nome. Preste bem atenção. O nome é um só. Mas cada um vai dize-lo com uma música diferente. Porque são muitas e diferentes as formas como você é amada.”

E assim, iluminados pela luz das velas, cada um dos presentes, olhando bem dentro dos olhos da menina, ia dizendo: “Mariana”, “Mariana”, “Mariana”, “Mariana”…
Aqueles que olhavam os olhos da Mariana puderam ver que, à medida que ela ouvia o seu nome sendo repetido, eles iam se enchendo de lágrimas…

Rubem Alves
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Dica de livro: Sete Vezes Rubem (Fruto do trabalho de uma década, esta obra reúne sete livros de Rubem Alves publicados pela Papirus entre 1996 e 2005.)

As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

Pedro Ruiz é um artista plástico colombiano com expressão mundial.

As obras abaixo pertencem a coleção Desplazamientos.

As temáticas abordadas estão relacionadas ao deslocamento forçado da população. A pulverização de glifosato (herbicida que mata qualquer tipo de planta), a mineração e suas sequelas no ambiente. As obras são uma tentativa de sensibilização para a situação dessa população migrante que vem perdendo seu território.

contioutra.com - As migrações do povo colombiano pelas obras de Pedro Ruiz

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Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Nara querida,

Há muito penso sobre a minha prática profissional. Tenho percebido e sentido mudanças internas, mas as externas estavam ainda muito tímidas para se fazerem visíveis. Até que a sua presença fez tudo urgente em minha vida. Quando decidi ser sua professora foi não somente porque eu queria fazer mais ainda parte de sua vida, mas porque eu queria que você tivesse o melhor profissional à seu dispor e eu teria que me fazer muito superior ao que sempre fui. Ninguém, por mais física que saiba, faria para você algo com tanto amor e coragem como eu estou fazendo. Bem sabemos, minha filha, o quanto essas coisas fazem a diferença em nossas vidas. Eu sabia, como mãe, que a melhor forma de você aprender, seja lá o que for, é ensinando e que você sempre vai me ensinar quando estiver aprendendo. Como professora, por que teria que ser diferente? Em nenhum momento de sua vida, vi você aprendendo algo sentada de boca fechada e parando de aprender quando um ser em pé na sua frente decidiu que o que foi falado era o suficiente; nunca te vi assimilando qualquer coisa ouvindo somente as respostas às perguntas dadas por mim mesma. Todo e qualquer conhecimento por você adquirido começou com uma interrogação sua e não com uma afirmação minha, começou com a sua curiosidade e não com a minha autoridade materna. Você, Nara, sempre esteve no comando de seu aprendizado. Por que na escola teríamos que agir de forma diferente?

Ao ver o discurso de profissionais que ajudei a formar, percebi que estava, sem saber, imersa nesse sistema que se auto-reproduz “naturalmente” e ajudando a fortalecê-lo. Perguntei-me: em que medida eu ajudo os meus alunos a formular o conceito de ‘ciência’, ‘cientista’, ‘método científico’, ‘saúde’, ‘vida’, ‘organismo, natureza’, etc. ? Em que medida eu estimulo meus alunos a refletirem sobre esses conceitos?

Há tempos sei que a física que eu ensino é um desserviço para a sociedade. Eu estava somente fortalecendo os vínculos com correntes político-educacionais que apenas alimentam a mera reprodução de um sistema que sempre esteve a serviço da elite e que ajuda a mantê-lo. Veja que não é sem motivo que as cotas são recebidas com asco por muita gente, não é sem propósito que sou rotulada como romântica, intelectual, burra, ingênua e defensora de bandidos quando falo em direitos humanos. Eu já sabia que teria que semear com muito cuidado para fazer brotar um outro tipo de cidadão que tenha uma outra forma de vida material e cultural e seja capaz e enxergar as novas relações sociais. Não era simples, não era fácil. Estava estudando há anos de que forma sair dessa bolha. Até que você apareceu como aluna e toda a minha timidez e covardia sumiram de repente, não mais que de repente.

Sempre quis que a educação formasse um sujeito reflexivo, crítico, que fomentasse a emancipação popular e não mais que ela fosse a responsável pela formação de indivíduos acríticos, obedientes e conformistas, contribuindo para manutenção de um quadro de inércia coletiva diante das questões sociais. Na história da educação brasileira, Nara, até mesmo na época da ditadura, a legislação educacional não deixou de mencionar, como principal finalidade do processo educacional, a formação do cidadão. Há muitos paradigmas de cidadania e tenho pensado muito qual está sendo adotada na educação: para as elites condutoras ou para as massas a serem conduzidas? Analisando os documentos oficiais, a resposta foi clara. Afinal, não podemos e não devemos considerar que a escola pode se aproximar de instituições vinculadas não aos interesses concretos do povo, mas sim aos interesses dos processos produtivos? Se tomarmos em consideração que vivemos em um país que condenou milhares de pessoas a uma vida demarcada por condições de miséria, desemprego, violência, e demais indicativos de condições sociais inaceitáveis e as políticas sociais que o atual governo está implantando, o assunto ‘cidadania’ deverá ser, no mínimo, mais esclarecido. E em verdade, em verdade vos digo, minha filha, que o ensino de física, há muito praticado por mim que seguia O Padrão, contribui como um instrumental de formação política e não-reflexão sobre as mazelas do país e do mundo, além de influenciar a postura do indivíduo diante dos problemas que nos afetam diretamente como a saúde pública, por exemplo. Perdoe, Senhor, eu pequei tanto…

Eu via a necessidade de mudar, Nara, mas não sabia como. Até que você apareceu sentada à minha frente e  virar a mesa ficou fácil. O tempo urgia com seu olhar de aprendiz e eu não podia te passar de forma alguma que a física é um conhecimento compartimentado, isolado de outros. Não podia deixar você pensar que a minha aula terminava quando a de história começava e muito menos que a matemática é a única forma em que a natureza se manifesta para os cientistas. Não queria que você estudasse em uma escola em que os professores competem entre si em grau de importância da disciplina que leciona. Não me permiti estimular a ideia de que há uma diferença entre ciências exatas e todas as demais. Não posso aceitar você pensar que não pode ser engenheira porque gosta de literatura, pois nós, Nara, não somos tal qual o monstro criado pelo Dr. Frankstein. Um ser feito de pedaços. Nós fomos criados inteiros e tudo de uma só vez. A visão de você decorando fórmulas para uma avaliação me dava náusea. Não quero que você use o mínimo de seu cérebro como depósito de algum tipo de informação. Quero você usando-o para conectar os dados que lhe são apresentados. Que você analise-os, critique-os e reflita sobre eles.

Repudiei a imagem d´eu dando uma nota ruim para você e isso ter algum significado sobre a sua inteligência. As provas, definitivamente, não são capazes de medir a tua capacidade e nem a de ninguém. E as que eu fazia, antes de te ter como aluna, serviam apenas para provar quem estava mais adequado a viver no mundo do passado ou pronto para repeti-lo. Se você não estiver no seu tempo de assimilar o que tenho para te dizer, esperarei o momento certo sabendo que estou lidando com um ser altamente capaz de entender absolutamente tudo o que quiser. Não posso forçar nada porque isso seria um crime. Não posso fazer com que você acredite que errar seja uma coisa ruim e aprenda a evitar o erro. Quero ver você errando, minha filha,  e feliz com isso. Quero que você se orgulhe de seus erros e não os compare com os de ninguém. Quero você e todos os seus amigos errando quantas vezes forem necessárias até aprender e acertar. E não terei pressa para isso.

Não podia imaginar você se esforçando para alcançar a média imposta e, pela necessidade de se viver e aprender coisas mais úteis e mais belas, não se esforçar para passar com nota máxima na minha matéria. Não quero que você se contente por passar de ano se você não deu o que há de melhor em cada etapa do seu aprendizado e quero mais!, quero que isso seja o natural nesse processo.

Portanto, querida, se hoje você e seus amigos têm uma professora completamente fora do padrão, saiba que é porque estou envolvida até o último fio de cabelo para fazer que a escola em que vocês estudam, ao contrário de tantas outras, não veja o ENEM como o futuro e sim vocês como cidadãos. Luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que acumulam mais informações e sim os que aprendem a gerá-las; luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que se adaptam à escola e sim aqueles que fazem a escola se reinventar para melhor servi-los.

Sonho por uma escola em que os alunos não são ensinados e sim aprendam. E que todos percebam essa enorme diferença.

Com amor e esperança

Mamãe.

contioutra.com - Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)

Elika Takimoto: colunista Conti outra

contioutra.com - Carta aberta à minha filha Nara (que neste ano é minha aluna)“Prova viva, cabal e baixinha de que números e letras não precisam viver em conflito cisjordânico permanente: todos podemos ler, todos podemos escrever, todos podemos calcular.” (Paulo Andel)

Conheça o blog: Minha Vida é um Blog Aberto

Fantasmas do passado

Fantasmas do passado

Sabe quando um pensamento ou memória ruim não sai da sua cabeça? Ela fica grudada na sua consciência, mesmo que você se esforce para tentar tirá-la do seu foco de atenção? Chamamos esse processo psicológico de ruminação mental, e é sobre isso que falaremos no vídeo de hoje!

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Os amigos têm de ser inúteis

Os amigos têm de ser inúteis

Os Amigos Nunca São para as Ocasiões

Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso.A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. Se alguém «falta» ou «não corresponde», se não cumpre as obrigações contratuais, é logo condenado como «mau» amigo e sumariamente proscrito. Está tudo doido. Só uma miséria destas obriga a dizer o óbvio: os amigos são as pessoas de que nós gostamos e com quem estamos de vez em quando. Podemos nem sequer darmo-nos muito, ou bem, com elas. Ou gostar mais delas do que elas de nós. Não interessa. A amizade é um gosto egoísta, ou inevitabilidade, o caminho de um coração em roda-livre.

Os amigos têm de ser inúteis. Isto é, bastarem só por existir e, maravilhosamente, sobrarem-nos na alma só por quem e como são. O porquê, o onde e o quando não interessam. A amizade não tem ponto de partida, nem percurso, nem objectivo. É impossível lembrarmo-nos de como é que nos tornámos amigos de alguém ou pensarmos no futuro que vamos ter.
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade.

Miguel Esteves Cardoso, in ‘Explicações de Português’

Fonte Citador

A única coisa que me prende são asas

A única coisa que me prende são asas

Por Clara Baccarin

Se você gosta de mim, não queira me contar todas as verdades do mundo
Não fure meus sonhos inflados por achar que o chão é mais seguro
Não me entupa de palavras, me deixe flutuar num mar cálido e silencioso
Mesmo que mais à frente ele desague num precipício
Conhecer a dor da morte não me priva dela, então que eu me dedique mais a contemplar a beleza da vida.

Se você gosta de mim, não venha me ensinar a comer pelas bordas
Não me jogue âncoras disfarçadas de boias
Porque eu já sei construir minhas próprias ilhas.
Não me resgate da minha situação de náufrago, da minha ambição de alcançar as estrelas e tocar a linha do horizonte, porque mesmo que eu morra afogada será num oceano de doçura.

Não te dou mais a liberdade de trazer esses olhos nublados que já não sabem precipitar e se perder no espaço abstrato dos sentidos.
Vou ignorar essa finca entre os seus olhos cavada pelas velhas verdades do mundo.
Já não te faço companhia nesse realismo sensato e chato.
Porque acho que as almas apodrecem de tão maduras.
E é de olhos abertos que eu escolho o intenso ao cuidadoso.
É nessa mesma pele que se esfola, que nascem e se preservam os arrepios.
E eu continuo preferindo ser pele do que armadura.

Se for entrar, esqueça as preocupações, os conselhos e os medos do lado de fora.
Aqui se tornam inúteis os curativos, os salva-vidas, as capas de chuva, as tesouras de podar galhos excedentes, as pílulas, os olhos de piedade, os alfinetes e as fitas métricas. Pois o que busco saber e sentir está além do mensurável, do visível e da dor.
É que eu já aprendi a me libertar e a única coisa que me prende são asas.

Hipersensibilidade: Você é uma pessoa altamente sensível?

Hipersensibilidade: Você é uma pessoa altamente sensível?

Por Zoe Kessler

Depois que eu disse à minha irmã mais nova, Melissa, sobre o meu diagnóstico de TDAH, nós ficamos nos lembrando de nossa infância. “Se houvesse brigas na família, nós pensávamos que fosse coisa pequena, mas, para você, era coisa grave”, disse Melissa. “Algo que eu achava ser uma pequena discussão, você sentia como se fosse um terremoto monumental”. Foi somente aos 48 anos que eu descobri o que me tornava a rainha do drama: eu nasci com TDAH e hipersensibilidade.

O que é a hipersensibilidade ou o que são pessoas altamente sensíveis (PAS)?

Ser uma pessoa altamente sensível (PAS) não é ter um transtorno ou doença. De fato, isso traz muitos benefícios, tais como ser capaz de “ler” o humor de um ambiente rapidamente e computar dicas sutis quando tomar uma decisão. “É bom em algumas situações e não é em outras”, diz a psicóloga e psicoterapeuta Elaine N. Aron, Ph.D., autora de “The Highly Sensitive Person” (A Pessoa Altamente Sensível). Ela acha que saber que você tem hipersensibilidade é importante. Assim como para o TDAH, estar a par disso faz com que você saiba que não está sozinho.

Sintomas de Hipersensibilidade

• Alto nível de sensibilidade aos estímulos físicos (sons, visão, tato ou olfato) e emocionais.

• Maior tendência a sofrer de asma, eczema e alergias.

• Facilmente oprimido por muita informação.

Como descobri minha hipersensibilidade ou personalidade altamente sensível

Primeiro aprendi sobre a natureza genética da hipersensibilidade, lendo “Scattered” (Disperso), de Gabor Maté, M.D., um médico e psicoterapeuta. “As pessoas com TDAH são hipersensíveis”, diz Maté. “Isso não é um defeito; é como elas nasceram. É o seu temperamento inato”. Quando eu li “The Highly Sensitive Person”, da psicóloga e psicoterapeuta Elaine N. Aron, Ph.D., finalmente reconheci esta sensibilidade em mim mesma. De acordo com Aron, 15 a 20% da população nascem com um alto nível de sensibilidade.

“Quando você sabe que você é altamente sensível, isto reconstrói a sua vida”, diz Aron. Saber que você tem isso lhe permitirá tomar decisões melhores. “Pessoas sensíveis têm de viver de modo diferente para ficarem bem”. Os médicos que lidam com pessoas com TDAH veem a hipersensibilidade, tanto a física quanto a emocional, como uma condição comórbida.

“As pessoas com TDAH geralmente são hipersensíveis em um dos domínios sensoriais: audição, tato ou olfato”, diz Ned Hallowell, M.D., autor de “Driven to Distraction” (Guiados pela Distração). “Minha filha com TDAH somente veste roupas de algodão, ela não tolera a lã”.

Descobri que meu velho costume de ficar mexendo no meu cabelo era devido à hipersensibilidade. Não gosto da sensação dos fios de cabelo cutucando minha face e meu pescoço, então eu os amarro puxados para cima. Depois de um tempo, parece que alguém está passando os nós dos dedos na minha cabeça, justamente no lugar onde amarrei meus cabelos. Então eu os solto. E assim por diante, todo o dia. Outras sensibilidades incluem sons e estímulos visuais – flashes de luz e objetos em movimento. Os estudos sugerem que os que têm TDAH também sofrem mais de asma, eczema e alergias – condições de hipersensibilidade – do que os que não têm TDAH.

Mais sinais de Hipersensibilidade

Antes de descobrir minha hipersensibilidade, percebia minhas emoções exageradas como uma falha de caráter. Minha mãe dizia, “Por que você não fica em paz?” Como criança, eu não tinha uma resposta. Isso piorava minha já baixa autoestima.

“Reconhecer sua alta sensibilidade pode ajudar as pessoas a parar de se sentirem mal sobre si mesmas”, diz Aron.

Uma amiga, Denise, diagnosticada com TDAH aos oito anos, teve uma infância semelhante à minha. “Meus pais diziam: Você precisa se controlar. Não seja tão sensível. Não seja tão influenciada pelo que os outros pensam a seu respeito”, diz Denise. “Ainda acho, como adulta, que estou brigando com os colegas, levo suas palavras e gestos imediatamente ao coração. Aceito muito rapidamente tudo de ruim que eles falam a meu respeito”.

Como eu, Denise é sensível ao ruído ambiente. “Preciso ficar numa floresta ou num lugar silencioso, de vez em quando, para me acalmar. Também fico oprimida pelo fluxo constante de informação que nos bombardeia atualmente”.

A psicóloga e coach Michele Novotni, Ph.D., diz que vê níveis mais altos de sensibilidades físicas e de reatividade emocional nos seus clientes com TDAH do que na população em geral. Ela me contou sobre uma cliente cujo gerente fez um comentário deselegante e injusto no trabalho. Uma pessoa sem TDAH poderia ter deixado as palavras passarem em branco, mas sua cliente, que tinha um alto nível de sensibilidade, rompeu em lágrimas.

Novotni sugere que foram os sentimentos de opressão da sua cliente com TDAH que provocaram a sua reação hipersensível. Isto, por sua vez, contribui para sua dificuldade em manejar a emoção. Veja a rotina de ir para o trabalho pela manhã. Muitas pessoas saem sem se esquecer de nada, prontas com um plano de ação para o dia. Alguém com TDAH, que não escolhe as tarefas e as prioridades, se sente cansado e oprimido na hora de sair para o trabalho.

“Alguns dos meus clientes me dizem que socializar é trabalho”, diz Novotni. “Então, se você pensa como sendo trabalho as coisas que muitas pessoas fazem para recreação, você provavelmente não terá a resiliência para lidar com as outras coisas que cairão sobre você”.

Por que as pessoas com TDAH são mais hipersensíveis

“Como temos dificuldade de filtrar o que sai,” diz Hallowell, que tem, ele mesmo, TDAH, “nós temos dificuldade de filtrar o que chega. Não posso provar isto com pesquisa, mas em minha experiência clínica, e em minha própria vida, parece que tendemos a deixar as coisas nos atingir. Aceitamos as experiências dos outros muito rapidamente, como o inseto na folha, que assume a cor da folha”.

Maté explica que, se os TDAHs nascem com um alto nível de sensibilidade, precisam de menos estimulação para que sintam mais. Deveríamos desligar conversas e meios ambientes estimulantes, diz Maté. Quanto mais sensíveis somos, mais provável que sintamos dor. “Dor emocional e dor física são sentidas nos mesmos locais do cérebro”, ele diz.

Muitos de nós descobrimos coisas positivas sobre viver com TDAH, e um alto nível de sensibilidade pode também ser usado a nosso favor. Mas como no TDAH, a hipersensibilidade deve ser manejada e controlada para deixar brilhar seus aspectos positivos – criatividade, empatia e profundidade de percepção. Eu consegui fazer assim, e você também pode.

Hipersensibilidade, PAS tratamentos

• Respeite sua sensibilidade. Não se obrigue a fazer coisas que sejam difíceis. Tanto quanto possível, escolha situações que sejam adequadas para o seu temperamento. Pessoas altamente sensíveis precisam de mais tempo do que outras para processar os acontecimentos do dia, então, não se sobrecarregue saindo à noite.

• Recue. Permita reagir emocionalmente a uma situação, mas aceite que haja outras possibilidades. Tenha calma, analise a situação e a reavalie; pausa para reflexão.

• Bloqueie. Para evitar sobrecarga sensorial e ansiedade, sempre tenha plugues de ouvido e fones de ouvido com você, para bloquear o ruído.

• Abaixe o tom. Se multidões e barulho são um problema, encontre locais que sejam mais silenciosos e menos apinhados – uma pequena padaria em vez de um shopping, por exemplo, ou um consultório médico pequeno, em uma casa, em vez de um grande conjunto médico em um hospital.

• Reduza a estimulação externa dizendo não a coisas que você não precisa fazer ou que você não gosta de fazer.

• Certifique-se de que tenha tido o sono suficiente, ou tire uma soneca, antes de enfrentar uma situação que será altamente estimulante.

• Medite, reze, ou use outro método de relaxamento para reforçar sua capacidade de lidar com os desafios do dia a dia.

Fonte indicada: TDAH-Dourados

O sono e a insônia

O sono e a insônia

O que acontece com a gente enquanto estamos dormindo? Quais são os impactos do sono em nossa mente e corpo? Por que as pessoas tem insônia e o que pode ser feito para lidar com ela? Essas são algumas das questões que exploraremos no vídeo de hoje!

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