Numa planície da Ática, perto de Atenas, morava um fazendeiro com sua mulher; ele tinha vários tipos de cultivares, assim como: oliva, grão de bico, lentilha, vinha, cevada e trigo. Ele armazenava tudo num paiol dentro de casa, quando notou que seus cereais e leguminosas, estavam sendo devoradas pelo rato. O velho fazendeiro foi a Atenas vender partes de suas cultivares e aproveitou para comprar uma ratoeira. Quando chegou em casa, adivinha quem estava espreitando?
Um rato, olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua esposa abrindo um pacote. Pensou logo no tipo de comida que haveria ali.
Ao descobrir que era uma ratoeira ficou aterrorizado.
Correu para a esplanada da fazenda advertindo a todos:
– Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira na casa !!
A galinha disse:
– Desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor, mas não me prejudica em nada, não me incomoda.
O rato foi até o porco e disse:
– Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira !
– Desculpe-me Sr. Rato, disse o porco, mas não há nada que eu possa fazer, a não ser orar. Fique tranqüilo que o Sr. Será lembrado nas minhas orações.
O rato dirigiu-se à vaca. E ela lhe disse:
– O que ? Uma ratoeira ? Por acaso estou em perigo? Acho que não !
Então o rato voltou para casa abatido, para encarar a ratoeira. Naquela noite ouviu-se um barulho, como o da ratoeira pegando sua vítima.
A mulher do fazendeiro correu para ver o que havia pego.
No escuro, ela não viu que a ratoeira havia pego a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a mulher… O fazendeiro chamou imediatamente o médico, que avaliou a situação da esposa e disse: sua mulher está com muita febre e corre perigo.
Todo mundo sabe que para alimentar alguém com febre, nada melhor que uma canja de galinha. O fazendeiro pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal.
Como a doença da mulher continuava, os amigos e vizinhos vieram visitá-la.
Para alimentá-los, o fazendeiro matou o porco.
A mulher não melhorou e acabou morrendo.
Muita gente veio para o funeral. O fazendeiro então sacrificou a vaca, para alimentar todo aquele povo.
Moral:
“Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda fazenda corre risco. O problema de um é problema de todos.”
O Supremo Tribunal Federal decidiu, na semana passada, pela liberação das biografias não autorizadas. A ministra-relatora Cármen Lúcia frisou que o direito à liberdade de expressão sobrepuja o dos indivíduos à privacidade.
A vida de um homem público pertence ao público, quer dizer, à sociedade. Portanto, deve ser descrita com liberdade por pesquisadores qualificados — como Lyra Neto (Getúlio Vargas, Castello Branco e José Alencar), Fernando Morais (Olga Benario e Assis Chateaubriand), Ruy Castro (Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda), Sérgio Cabral (Tom Jobim, Ataulfo Alves, Elizeth Cardoso e Nara Leão), Mário Magalhães (Carlos Marighella), Leonencio Nossa (Sebastião Curió), João Máximo (João Saldanha e Noel Rosa), Paulo Cesar Araújo (Roberto Carlos), Fernando Molica (Antonio Expedito Perera), Luiz Maklouf Carvalho (David Nasser).
Destes exímios biógrafos, apenas Ruy Castro (com a família de Garrincha) e Paulo Cesar Araújo (com Roberto Carlos) enfrentaram problemas judiciais. Nenhum pode ser qualificado de sensacionalista ou de ter achincalhado a vida das pessoas examinadas. As biografias colaboraram para o entendimento dos pesquisados, de suas obras e, em alguns casos, serviram mesmo para “reabilitá-los”. Nelson Rodrigues já era grande, mas, como estava meio esquecido, “cresceu” com o denso estudo de Ruy Castro.
A liberdade para dissecar uma personalidade pública não equivale à liberdade para achincalhá-la. Porém a maioria dos biógrafos pretende muito mais explicar a vida das pessoas, com suas contradições, do que agredi-las. A biografia de Assis Chateaubriand é tão bem feita que, mesmo a exibição de sua faceta pantanosa, não o diminui como empreendedor jornalístico e criador do Museu de Arte de São Paulo. Os problemas são apontados, mas as virtudes são conectadas. Um leitor pode avaliar que se trata de um escroque. Outro leitor pode percebê-lo como um empresário modernizador na área da comunicação.
Biografias laudatórias não servem para a compreensão da vida e da obra dos pesquisados. Biografias críticas e equilibradas ajudam a entender a história das pessoas e do país. Com a decisão do Supremo, o brasileiro poderá ler, brevemente, biografias de Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Geraldo Vandré e Roberto Carlos.
RC SHOW TERESINA
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Fonte: Jornal Opção Trata-se de um jornal goiano cuja riqueza da informação e a abordagem de assuntos cosmopolitas fazem por merecer recorrentes visitas.
Minha casa fica em uma esquina e, não raro, pessoas param para conversar. Hoje acordei com uma dessas conversas. Sob minha janela um senhor com opinião sobre tudo monopolizava o “diálogo” com seu interlocutor. Clima, política, vizinhança, família, não havia assunto que não pudesse ser encarrilhado em seu fôlego.
Em psiquiatria existe um termo utilizado para pessoas que falam sem parar: verborragia. Nunca vi termo mais adequado. É uma real hemorragia das palavras e, por coincidência ou não, costuma vir em voz alta. É uma falta de controle, uma falta de freio. Assim, como a hemorragia, é um sintoma que, se não controlado, temo que possa matar. No meu caso, um verdadeiro matador de sonhos.
É no diálogo que mora a relação, que existe a troca. O monólogo é vaidoso. Não conhece empatia.
É necessário perceber o tempo do outro, sua resposta é até seu silêncio. Quem fala demais não enxerga olhar de tédio, não ouve bocejo e nem se atém a inquietação física da vítima que está desesperada para sair correndo ou escorrer pela guia da calçada.
Penso que para viver melhor precisamos da inteligência do silêncio. Silenciar é dar tempo a si mesmo e ao outro para que o mundo todo se acomode, e mundo acomodado é mundo macio, confortável, com sentido.
É no silêncio dos amigos que surge a troca de olhares cúmplices, é esse silêncio que precede as gargalhadas.
É no silêncio dos amantes que os olhares conversam e trocam juras de amor. É o silêncio que precede o beijo.
É no silêncio da emoção que não encontramos palavras exatas para descrever o que sentimos, que ficamos embargados e gaguejamos, porque as palavras vieram na hora errada.
Mesmo na dor, há beleza. Lá dentro, no escuro, no silêncio, na essência de si, no sentido do mundo.
Vera França tinha 19 anos quando posou nua pela primeira vez como modelo vivo para artistas fazerem obras de arte com as curvas de seu corpo. Profissão que mantém até hoje, aos 73 anos. “Depois que comecei, só trabalhei como modelo a vida toda”, revelou.
Ela não faz a menor ideia de quantas pinturas, desenhos, esculturas e fotografias já foram feitas com suas formas em todas as fases da vida, passando pela juventude, períodos de gravidez e velhice, mas garante: “é muito, muito, muito mesmo.”
Nascida em um sítio no interior de Pernambuco, ela se mudou ainda jovem com a família para a Bahia. A mais velha de 13 irmãos, aos 15 anos saiu de casa e foi cuidar da própria vida. Morou em pensões e foi operária em fábricas de roupas e sapatos em Salvador.
Interessou-se pelo meio artístico e tentou ser bailarina de cancan num circo. “Eu gostava dessas coisas de se enfeitar toda”. Após um tempo, conseguiu o papel de “menor mulher do mundo” num espetáculo ilusionista na capital baiana. Ela ficava de biquíni numa sala com espelhos. As pessoas entravam e a viam bem pequeninha de longe, por trás de um aquário.
Em uma dessas apresentações foi vista por um estudante que a indicou para ser modelo vivo na Faculdade de Belas Artes de Salvador. Vera fez a entrevista num dia e começou a trabalhar no outro.
O teste consistia em fazer algumas poses nua. “Eu fiz uma pose em pé, uma sentada, outra de costas, uma deitada com a mão na cabeça e outra deitada de novo. E ai já comecei a posar.” No mesmo dia, recebeu a recomendação para não pintar os cabelos, nem tomar sol na praia ou posar maquiada. “Tem que ser a pessoa natural”, explicou.
‘Com gordura e tudo’
Vera França diz que tem como missão posar
E Vera ficou sem pintar os cabelos até hoje – mesmo com a idade avançada, ainda preserva um grisalho natural. Sente-se feliz e valorizada por ainda ser procurada para posar, mesmo na velhice. “Eles precisam de modelo diferente, com gordura e tudo. Enfim, natural, né? Eles não ligam para a barriga.”
E é justamente o fato de ser valorizada como é o que mais a encanta na profissão. “Se eu não tivesse valor, com a idade que eu estou e meu corpo já mudado, eles não me procuravam. Então eu fico contente, fico alegre, me considero valorizada. A arte copia a vida e a arte não tem fim, né?”
A modelo nunca se esqueceu de certa vez, aos 29 anos, quando pensou que teria que deixar a profissão ainda jovem. “Eu falei assim para um professor, ‘nossa, já estou com 29 anos, logo eu vou deixar a profissão porque ninguém vai me aceitar mais’. Ele falou, ‘imagina, você ainda tem chão pela frente, só se você não quiser, mas quanto mais idade, melhor ainda’. Aquilo ali me alegrou. Pronto, até hoje estou aqui nessa palavra.”
‘Guerriei, guerriei’
Não que a vida como modelo vivo tenha sido fácil. Vera batalhou muito todos esses anos e, mesmo assim, nunca conseguiu pagar um convênio médico. “Infelizmente eu nunca consegui. Lutei, lutei lutei. Guerriei, guerriei e nunca consegui.”
Mãe de duas filhas, posou grávida e até de madrugada para sustentar as crianças – uma nasceu em Salvador e a outra em São Paulo, 18 anos depois – ela saiu do Nordeste rumo à capital paulista em busca de mais trabalho. Disse que nunca se casou e criou as filhas praticamente sozinha.
Vera nunca teve vergonha de ser observada em todos os mais íntimos detalhes pelos artistas. Pelo contrário, sempre fica tão concentrada em fazer a pose corretamente que nem percebe que está nua. “Eu digo aos estudantes, ‘é assim mesmo, [a obra] não precisa ficar bonita, é só vocês aprenderem e pronto. Eu quero passar meu astral para vocês levarem para o papel, para a tela, o barro, a escultura’.”
Em São Paulo, disse que até tentou voltar a trabalhar em fábrica uma vez, mas não se sentiu respeitada e pediu as contas. “Não me dei bem. Eu não gostava de ser mandada. Aliás, ser mandada tudo bem, mas com respeito, mas não fazendo pouco caso (…). Eu disse, eu prefiro é trabalhar nua, que ninguém me desrespeita. Eu nasci para isso. E aí fiquei até hoje.”
Preconceito
Vera guarda uma ou outra história de estudantes que a assediaram ou que queriam namorar com ela por ficarem encantados com as curvas de seu corpo. Revelou, ainda, que sofria certo preconceito no passado, principalmente no Nordeste, de pessoas que julgavam sua profissão por desconhecimento. “Tinhas muitos que entendiam a profissão, mas a maioria achava que era mulher de programa antigamente.”
Em São Paulo, disse que até tentou voltar a trabalhar em fábrica uma vez, mas não se sentiu respeitada e pediu as contas. “Não me dei bem. Eu não gostava de ser mandada. Aliás, ser mandada tudo bem, mas com respeito, mas não fazendo pouco caso (…). Eu disse, eu prefiro é trabalhar nua, que ninguém me desrespeita. Eu nasci para isso. E aí fiquei até hoje.”
Sentido da vida
E mesmo aos 73 anos, Vera revelou que ainda não sabe o sentido da vida, mas afirma que não alcançou seu objetivo final, que é viver em paz. “Ah, eu nem sei te responder o sentido da vida… Se eu não consegui meu objetivo até agora então eu tenho que dar uma parada para ver qual é o futuro que eu tenho que encontrar, estou procurando ainda, ainda não deu certo.”
Perguntei qual seria esse “objetivo”: “A única coisa é poder comprar meu remedinho, minha comidinha e morrer sossegada. Morar num lugar onde eu fique sossegada. Ainda não alcancei isso aí, estou na luta. Talvez venha logo ou talvez demore muito, enquanto eu tiver força eu vou puxando o carro, né, até cansar e parar.”
O sentido da vida Vera pode até não saber, mas é com bastante certezas que ela fala sobre para que veio ao mundo. “A minha missão é de ajudar meus netos e pousar ainda pras pessoas que gostam de me usar como artista. Isso é que eu gosto. É uma missão e eu quero terminar ela posando mesmo.
Nem que seja uma pose não tão retorcida, mas a pose natural, a pose da vida. Eu quero que aconteça isso. Agora vai fazer 54 anos no mês de março que estou trabalhando como modelo. Por isso eu acho que essa é minha missão e eu vim para cumpri-la.”
Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Poema Começado no Fim
Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.
Pranto Para Comover Jonathan
Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.
Criamos os filhos para o mundo! Em algum momento eles precisarão regressar para cuidar de nós. Esta foi a mensagem que o lindo curta-metragem de animação ” The lighthouse”, de Po Chou Chi nos inspirou.
Utilizando-se da metáfora da embarcação, o autor nos convida a refletir sobre a forma como nossos pais nos apresentam seu mundo, nos ensinam as coisas da vida a partir de seu próprio repertório e, em algum momento, nos presenteiam com a possibilidade de fazermos nossas próprias descobertas e explorações.
No nível psicológico, podemos pensar na importância da função paterna para a estruturação da consciência e de como as vivências com o pai real e com o pai introjetado ganham destaque na vida do menino e no seu processo de individuação.
Vejam:
O barco ganha aqui o simbolismo da própria travessia nas águas da vida, na qual desenvolvemos nosso conhecimento de tudo o que nos cerca e de nós mesmos, a partir da ampliação de consciência que as novas aventuras nos proporcionam.
O menino ganha o barco do seu pai. Este é pequeno e comporta apenas um passageiro, fazendo com que o filho precise seguir sozinho para sua jornada. O pai consciente desta necessidade, encoraja o rebento e se felicita com sua conquista. Sabe que, para que a criança cresça, ela precisa se afastar do mundo do pai e fazer suas próprias descobertas. E, para isto, precisa do seu incentivo e confiança.
Oferecer o barco ao filho também nos remete à estrutura que os pais ofertam aos filhos para que possam lançar-se às aguas da vida de maneira segura e protegida! Aqui podemos refletir na sobre a função paterna, que estrutura o filho para que possa ser forte e seguro para seguir seu caminho de desenvolvimento. É preciso ser presente, atuante, protetor e responsivo. Oferecer a prole um conjunto de valores e estímulos apropriados ao desenvolvimento das habilidades e capacidade humanas. Auxiliar na construção de bases sólidas de confiança e segurança que facilitarão o enfretamento das dificuldades que a existência impõe. Não só uma criança, mas toda uma família ou mesmo a sociedade sofre as consequências destrutivas da ausência ou ineficiência da função paterna.
Mas, no caso do curta-metragem essa função vai sendo construída com zelo e afeto. E então o filho cresce e, a cada ponto, uma nova embarcação é necessária, maior e mais complexa, com recursos próprios da sua fase de desenvolvimento. E quando surge o chamado do herói, o menino, agora jovem, se sente impelido a cumprir seu destino. Segue sua trajetória. Confiante, lança-se a sua própria jornada individual! Seu caminho em busca de si mesmo. Rumo a sua jornada de conquistas e derrotas que fazem parte da construção da sua história.
O ritual da despedida é sempre marcado por fortes emoções. Quem vai experimenta a ânsia do porvir, e o sentimento de estar deixando algo importante para trás. Quem fica precisa aprender a viver com a ausência e se abrir para novas possibilidades no mundo em que permanece. Exercício que percebemos constantemente no momento em que os filhos saem de casa e os pais experimentam o “ninho vazio”.
Neste momento relembramos um conto de Rubem Alves, chamado “Vossos filhos são pássaros”, em que ele fala da necessidade de que entendermos que realmente não fomos feitos para ficarmos presos no ninho. Assim como nós, nossos filhos foram feitos para voar e com isso, seguir a diante, construindo seus próprios ninhos.
Na imagem oferecida pelo autor, podemos perceber que são muitas as embarcações que deixam as ilhotas. Assim, ele sutilmente frisa que este é um momento comum e que faz parte da natureza humana, compartilhado pela coletividade.
E, neste aspecto, podemos também pensar que, são muitos os migrantes que escolhem ou precisam realmente atravessar mares e montanhas para seguir sua própria caminhada de individuação, ou seja a realização do seu potencial humano.
A casa do pai funciona como uma ponte com o passado, em que ele pode se apoiar através das cartas, que simbolizam aqui a comunicação e a troca de sentimentos e ideias. O farol simboliza o ponto de referência que permanece aceso e que orienta o retorno quando este se fizer necessário ou for desejado. O Porto seguro para onde se retorna sempre que se faz necessário. Onde existe o amor, o aconchego e a possibilidade de se reabastecer de coragem para o próximo passo.
O tempo passa, e com ele, a finitude da vida é representada pelo inverno rigoroso e pelo envelhecimento do pai. A cena invoca a necessidade do retorno. O filho regressa em uma enorme embarcação, representando a experiência conquistada em sua jornada. Preocupado ao ver que as cartas se acumularam na caixa de correspondência, ele corre em busca do pai. Ali se reencontra e se reconcilia com sua história. Encontra na expressão do pai a mais pura expressão do afeto resignado. A troca dos papéis se faz presente. De cuidado, o menino agora homem, precisa se tornar cuidador. Pai de seu pai…filho de seu filho. Momento precioso onde a vida encena sua próxima lição. Pai e filho tocam a última melodia. As águas aparecem congeladas!
As cerejeiras que acompanham todo o enredo representam o amor, a beleza e a renovação da vida, mas também sua fragilidade e efemeridade. Por este motivo, simboliza, juntamente com as mudanças de estação do ano, os processos de nascimento, morte e renascimento, parte essencial em todo nosso ciclo vital.
Ocorrido o tempo do luto, a nova estação se faz presente. Um ciclo se fecha e outro se inicia. Morte e nascimento. É possível florescer novamente. O filho torna-se pai e o elemento feminino, antes ausente agora se manifesta. Ponto muito comum em diversos contos de fadas em que, com o falecimento do velho rei, o príncipe sobe ao trono após encontrar sua princesa. Elemento que conduz à referência da completude e da integração dos opostos, necessários a uma visão mais integrativa da vida. É chegada a hora do filho vivenciar o outro lado da história e aprender que na travessia da vida somos todos cuidados e cuidadores!
Lilian Marin Zuchelli – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana pela PUC-SP. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Institiuto Sedes Sapientiae. CRP: 06/23768
Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338
Em um dos maiores sucessos entre os populares livros de autoajuda (vendeu mais de 5 milhões de cópias desde a publicação em 1987), Melody Beattie adverte a seus leitores: “A maneira mais garantida de enlouquecer é envolver-se com assuntos de outras pessoas e a mais mais rápida de tornar-se feliz é cuidar dos próprios”. O livro deve seu sucesso instantâneo ao título sugestivo (Codependent no More), que resume seu conteúdo: entrar resolver os problemas de outras pessoas nos torna dependentes, e a dependência oferece reféns ao destino – ou, mais precisamente, há coisas que não dominamos e há pessoas que não controlamos; portanto, cuidemos de nossos problemas, e apenas de nossos problemas, com a consciência limpa.
Há pouco a ganhar fazendo a tarefa dos outros, isso desviaria nossa atenção do trabalho que apenas nós mesmos podemos fazer a nosso favor. Essa fase deve ser lida como uma confirmação, uma absolvição e uma luz verde necessária – a todos os que são forçados a seguir, a favor ou contra seu próprio juízo, e não sem dor na consciência, a exortação de Samuel Butler: “No fim, o prazer é melhor guia que o direito e o dever”.
Ao fim da sessão de aconselhamento, as pessoas aconselhadas estão tão sozinhas quantos antes. Isso quando sua solidão não foi reforçada: quando sua impressão de que seriam abandonadas à sua própria sorte não foi corroborada e transformada em uma quase certeza. Qualquer que fosse o conteúdo do aconselhamento, este se referia a coisas que a pessoa aconselhada deveria fazer por si mesma, aceitando a inteira responsabilidade por fazê-las de maneira apropriada, e não culpando ninguém pelas consequências desagradáveis que só poderiam ser atribuídas a seu próprio erro ou negligência.
Cores dançantes em um mar de azul. Assim Pedro vê o céu repleto de pipas da laje de sua casa. Ansioso, inicia o desenrolar de sua linha, o vento amigo está a seu favor, sua pipa vermelha levanta voo. Pedro “dá linha”, gosta da sensação de controle, sabe que pipa feliz é pipa amarrada, se ela se perde, acaba em tragédia. Aconteceu outro dia, quando Pedro teve sua pipa cortada, sabe como é, nem toda pipa do céu é pipa parceira, tem pipa que tem fio de navalha e, do mesmo jeito que andar no morro pode ser perigoso, sua linda pipa amarela foi assassinada, após o corte fatal, rodou, perdeu o cúmplice controle e caiu em seu voo final. Nunca mais foi vista, embora ainda seja lembrada.
Pedro gosta de pensar na vida das pipas como pensa na vida das pessoas, a noite, deitado na cama, planeja suas aventuras. Hoje, com sua pipa vermelha, pretende sair dos limites da favela e conhecer o mundo que existe do lado de lá, do lado que ele nunca foi. Será que a linha vai dar? – pensa consigo.
Dá um puxão na pipa para ver se ela responde, ela puxa de volta. Tá tudo bem, ele pensa. Pedro gosta de imaginar que, quando o sol reflete no papel de seda e ele consegue ver um pequeno brilho, é sua pipa sorrindo, que ela sorri porque está voando. Aí Pedro fica feliz e sorri também. Mas, interrompe o sorriso e para por um minuto, concentra-se, lembra da palavra da mãe, tem medo de cair da laje como caiu o Teco, seu vizinho. Foi outro dia mesmo, Teco estava tão feliz com sua pipa voadora que esqueceu que o chão tinha fim. Pedro sente falta dele, mas, no fundo, tem esperança que ele more no mundo das pipas perdidas, talvez até conheça sua pipa amarela. Lá deve ser mais bonito que aqui, ele pensa.
Quando crescer, Pedro quer ser piloto de avião, quer subir lá onde as pipas vão. Mas, ainda não tem certeza. Ele queria mesmo era ser pipa.
Du tinha cinco anos e Bya, uns quatro. Sentados no batente de casa, planejavam a vida para amanhã. Não conheciam o calendário anual com todos aqueles números e nomes para os dias da semana; conheciam o amanhã, somente. Era o tempo que acontecia, próximo e instantâneo.
Du, com as mãos sobre os joelhos, confessa a Bya.
_ Quando crescer, daqui a um monte de amanhã, quero ser um carro.
_ Carro? Pergunta Bya com os olhos arregalados.
_ Sim, para andar por todas as estradas, olhando os passarinhos nas árvores. E você, Bya, o que vai ser quando crescer? O que quer ser quando o amanhã tiver filhotes?
_ Posso ser mais de uma coisa?
_Pode.
_ Então quero ser as estradas, o passarinho e a árvore.
E os dois se olharam, sabendo que o amanhã era de verdade.
Por algum motivo desconhecido que deve ter surgido de alguma mensagem da mídia, ou de algum filme da Disney, inconscientemente a gente acredita que na vida os momentos bonitos e os encontros significativos serão capturados por nós quando estivermos bem preparados.
Por algum motivo, acreditamos que se traçarmos as rotas e nos conhecermos muito bem, faremos na vida escolhas mais assertivas que nos trarão felicidade.
Por algum tempo, pensamos que a pessoa que se encaixa nos nossos sonhos e que é a companhia ideal pra nós é aquela com quem compartilhamos os mesmo interesses, aquela que vamos encontrar naquele dia em que nos arrumamos tão bem para aquele evento interessantíssimo.
Por algum tempo, pensamos que sabemos exatamente o que esperamos do ser amado. Temos até uma listinha pequena das qualidades essenciais que nosso amor deve ter e então já não olhamos para ninguém mais fora disso. Afinal, pedimos pouco da outra pessoa, ela tem apenas que se encaixar na lista, senão não entra neste coração.
Por algum tempo, pensamos que a melhor viagem de nossas vidas é aquela em que tudo foi bem organizado, em que pagamos por meses as prestações daquele cruzeiro que oferece jantares inimagináveis e festas na piscina e vai parando em várias praias paradisíacas do Caribe.
Por algum motivo, temos certeza que seremos completamente realizados profissionalmente quando conquistarmos aquela posição alta na nossa área de atuação, e quando formos, finalmente, bem remunerados e bem reconhecidos por nossos esforços, dedicação e conhecimento.
Por algum tempo, pensamos que a vida é um caminhar linear, e que o percurso está cheio de caixinhas de presentes esperando para serem abertas. Encaramos a vida como um videogame em que conforme vamos dando o nosso melhor e avançando nas fases, as caixas de presente vão se desembrulhando em estouros de felicidade e recompensas.
Mas por algum motivo muito desconhecido, muito provavelmente, a pessoa com quem compartilhamos os nossos dias malucos, cruzou o nosso caminho naquele dia em que fomos á padaria sem sutiã e descabelada, ou que chegamos suados, depois do futebol, na festa do nosso melhor amigo.
Aquela pessoa bonita e ideal que por meses jogou com a gente aquele excitante e cansativo jogo de esquenta e esfria. Aquela pessoa que se dá um pouco e depois some, que mostra apenas as suas qualidades e que faz a gente acreditar que o papo sempre será bom, a química sempre será grande e os encontros sempre serão empolgantes. Por algum motivo maluco da astrologia, essa pessoinha não entra na nossa rotina.
Por algum motivo desconhecido, quem reparte os dias conosco não é aquela pessoa que faz nosso sangue ferver e a paixão aflorar todas as vezes que olhamos para ela.
Provavelmente, a pessoa que faz parte da nossa rotina é aquela que enfrenta de mãos dadas os dias de tédio. É aquela pessoa que nem sempre entende os nossos gostos peculiares, que veste aquela camiseta esquisita quatro vezes por semana, que espera da vida coisas diferentes da gente. Mas que por algum motivo, sabe nos abraçar quando as lágrimas querem despencar, nos olha com ternura naqueles dias em que nos sentimos monstruosos, nos deixa ser idiotas e infantis e nos faz gargalhar com aquela imitação sem graça do Silvio Santos.
Por algum motivo desconhecido, a viagem que realmente marcou a nossa memória foi aquela de última hora, naquele ônibus velho, com aquele grupo de amigos mais velhos ainda, que nos levou para aquela casa mofada para passar uma semana naquela cidade que não parava de chover.
Por algum motivo estranho e desconhecido, depois que alcançamos a posição mais almejada na nossa área profissional e colecionamos títulos e elogios, nos lembramos com os olhos cheios de saudade e melancolia daquela lanchonete que trabalhamos na adolescência tentando juntar dinheiro para uma viagem de fim de ano.
Por algum motivo desconhecido, o que de verdade na nossa vida ocupa espaço significativo e nos faz sermos pessoas talvez não completas, mas inteiras, não são os roteiros bem estruturados, os encontros de cinema, as paisagens de cartão postal, ou a elevada posição profissional.
O que realmente faz sentido na nossa vida são os encontros repentinos, os olhares ternos no acaso, o amor que transborda mesmo despreparado, as interrupções no nosso centrado caminhar.
Somos grandes pessoas não porque no nosso currículo de vida colecionamos lugares fascinantes, amores de perder o fôlego e muitos títulos. Somos pessoas grandes porque criamos grandes histórias com o que temos de ‘pequeno’.
E a vida que não tem mesmo chance de ser passada a limpo, é o grande teatro do improviso. E um bom improviso só requer olhos atentos e criativos.
Então, espero para mim e para você, que a vida não seja apenas feita de conquistas épicas, mas que cada passo do nosso caminhar seja doce em si mesmo.