Terapia em Grupo: a parte e o todo

Terapia em Grupo: a parte e o todo

Por Elika Takimoto

Oi, doutora. É o seguinte: você vai precisar fazer análise de um grupo. Quem são os componentes? Não se preocupe, na sua frente só serei eu mesma. É que eu tenho um leque de vidas que vou levando. Até há pouco tempo não percebia que era formada de muitas. Por estar em um corpo só, pensava ser um eu-somente. Até que li Fernando Pessoa e entendi o meu plural e a ebulição em que me encontro. Na verdade, foi esse amontoado de eus que entraram em conflito, mas não eu mesma se é que você me entende. Cada eu exige de mim uma postura diferente e esses múltiplos querem sincronicidade em lugares diversos. Tá tenso, doutora. Mega tenso. E pelo que estou entendendo, digo, esse eu-inteiro não está suportando essa convivência entre as partes.

Meu corpo, doutora, está padecendo. Enxaquecas horríveis, insônias, falta de apetite e de atenção e crises de choro no meio de minhas corridas de final de tarde. Consegue imaginar? Sim, posso lhe dar exemplos. Quero conhecer o mundo, muitos dizem que eu ia amar ser mochileira na Itália, mas não consigo mudar o meu CEP por ser o mesmo dos meus pais há quarenta anos. Veja que coisa ridícula. Todos os meus irmãos saíram de casa, minhas irmãs mudaram até de Estado. Não, eu não moro com meus pais. Moro ao lado deles. Pois então, o meu eu-filha faz o meu eu-mundo empacar. E ainda que o eu-mundo vença ele será infeliz e preocupado.

Preocupante, eu sei.

O meu eu-professora está travado pelo meu eu-filósofa. Comecei, digo, o meu eu-filósofa começou a questionar o quanto o eu-professora contribui dentro de sala de aula para que meus alunos formem um conceito – do qual não concordo – de ciência. Física para mim hoje é uma ciência inexata. Einstein, Newton, Galileu não eram gênios da ciência e sim da arte. De objetivo nem mais os números, para mim.

O meu eu-adulta se existe deve estar vagando pelo Universo. Se está em mim, certamente é mudo, surdo e cego. Não posso contar com ele. Ainda que eu saiba que não são os cabelos brancos e as rugas, não é o cérebro bem usado ou o corpo calejado, não é quilometragem rodada que nos apontam que chegamos à vida adulta e sim o fato de sabermos que há mistérios indecifráveis, perguntas cada vez mais profundas e incertezas infindáveis, mesmo sabendo de tudo isso, doutora, eu ainda me assusto em demasiado com a escuridão.

Quantos somos até agora? Contei cinco. Mas há muito mais.

Quero passar rápido pelo conflito eu-mulher versus eu-mãe. Nesta área, viro um clichezão. Você deve estar careca de ouvir mulheres que não sabem dosar cada um desses lados. Pode ter certeza que comigo não é diferente. Acho que a confusão maior tem se dado não com o eu-mãe e sim com o eu-escritora. Minha Vida é um Blog Aberto não é devidamente aceito e compreendido por ele-homem. Cheguei a essa conclusão. Aprendi a fazer arte com cenas do meu cotidiano, inclusive, com minhas inseguranças e minhas dores. Fui premiada com a literatura que consegui elaborar. Mas os textos nada dizem sobre o meu eu-inteiro. E se escrevo um texto feliz e publico para todos lerem, isso está longe de significar que estou imersa em um certo estado de graça. Somente aponta que eu vivi um momento bom. Não sei porquê cargas d´água as pessoas tomam a parte pelo todo e julgam como está funcionando o resto dos meus órgãos. Minhas postagens nas redes sociais apresentam o mesmo problema. A despeito de eu me expor muito, jamais me mostro por inteira. O que veem é uma porcentagem de um eu somente. Amigos têm me falado que me exponho demais e me aconselham a parar de agir assim. Isso me dói muito, doutora, porque é o mesmo que me pedir para não mais escrever. É o mesmo que pedirem que eu morra. Mas, de fato, não há um eu-mulher e um ele-homem que se entendam com o que julgam do meu eu-inteiro ao lerem a produção do meu eu-escritora.

Tenho muita pena de alguém morrer, doutora. O ideal seria conciliar, mas não está sendo possível. Não tenho medo de perder um braço, doutora, não é isso, mas como disse Clarice, a Lispector, cortar os defeitos pode ser perigoso. No meu caso, asfixiar um determinado eu. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Quem me garante que deixando de escrever e de mostrar uma pequena parte de minha vida para o público não perderei o indivíduo mais importante que me habita?

É possível, doutora, instituir uma ordem nessa habitação coletiva?

Não. Não me terminei ainda. Faltam, segundo as minhas contas, mais dezenove. E há ainda as subdivisões. Por exemplo, eu-mãe se divide em eu-mãe-do-Hideo, eu-mãe-da-Nara e eu-mãe-do-Yuki. Sou filha-do-meu-pai, filha-da-mãe e filha-da-puta. Eu-pilates, eu-corredora, eu-inerte. Eu-leitora, eu-leiteira, eu-literal, eu-literatura. Eu-escritora, eu-escrutínio, eu-escrachada. Eu-professora, eu-proferida, eu-professia, eu-prolixa, eu-proliferada. Eu-supermercado, eu-superficial, eu-supracitada, eu-superstição. Eu-quero, eu-querida, eu-quermesse, eu-querela. Eu-reflexão, eu-reflexo, eu-refratada, eu-refratária. Eu-cozinha, eu-lavabo, eu-banheiro, eu-quarto, eu três-quartos, eu-inteira.

Estou em pedaços, doutora.

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Arte SEduart

Tao: o caminho sem meio

Tao: o caminho sem meio

Por Tatiana Nicz

“Trinta raios convergem para o meio de uma roda
Mas é o buraco em que vai entrar o eixo que a torna útil.

Molda-se o barro para fazer um vaso;
É o espaço dentro dele que o torna útil.

Fazem-se portas e janelas para um quarto;
São os buracos que o tornam útil.

Por isso, a vantagem do que está lá
Assenta exclusivamente
na utilidade do que lá não está.”

Tao Te Ching (道德經), Cap. 11

Os ensinamentos budistas são implacáveis na questão do caminho do meio, mesmo quem não conheça nada ou quase nada de budismo já ouviu falar no caminho do meio. Eu, como uma boa libriana que nunca se equilibra, acho esse papo de caminho do meio um saco. Talvez seja puro recalque mesmo, porque em poucas situações na minha vida fui bem sucedida em achar o tal caminho do meio, não, eu transito pelas bordas, nos limites, ora cá, ora acolá.

Acontece que agora virei uma espécie de boa samaritana careta e como todo bom samaritano careta, fiquei chata. Tipo, muito chata. Chata e deslocada, mas até aí tudo bem, deslocada eu sempre me senti, a vida toda. Sempre me senti nadando contra a maré.

No terceirão, enquanto todos escolhiam suas carreiras entre cursos como Direito, Medicina, Jornalismo, eu quis fazer Filosofia. Quando o Ecoturismo não era moda, fui morar em Bonito. Quando o vegetarianismo não era tão divulgado virei vegetariana. Quando morava em Londres e o verão se aproximava, os destinos mais cotados eram a costa da Espanha, Grécia, Itália e, para o desespero da minha família, resolvi curtir o verão fazendo trabalho voluntário em um Kibbutz em Israel. Nem a visita da minha irmã grávida em Londres – em missão para me convencer de não ir – resolveu.

Minha irmã gosta de dizer que sou do contra, que às vezes gosto ou não gosto de algo só para contrariar todo mundo. Talvez ela esteja certa, é difícil saber todos os motivos psicológicos que nos fazem gostar ou não de algo, fato é que não escolho nada por modismos e fato é também que não gosto de me sentir igual à massa. Talvez foi por isso que não tenha comprado “O Jardim Secreto”, ou deve ser por isso que eu gostava muito mais do Atlético quando ele jogava na “Baixadinha” e não havia sido Campeão Brasileiro.

Mas, andar pelas beiradas cansa tanto quanto o papo de caminho do meio. Sim, porque esse papo de ser impulsiva e inconsequente, colocar a cabeça para fora da janela na highway com o vento na cara, correr de meia na neve, viver (e contar) histórias surreais, isso tudo cola muito melhor nos filmes e nos livros do que na vida real, na vida real cansa ser intenso, para quem é e para quem convive com pessoas que o são.

E se cansa ser intenso é pior ainda ser careta, tipo eu agora. Sério, nem eu me aguento mais de tanta caretice. Chata. Tipo tomando chá de camomila e comendo granola. E nessa de ser careta tudo (ou quase tudo) perdeu a graça. O mundo anda esquisito, isso sabemos, só que eu não vejo mais sentido em quase nada do que acontece. Pois é, como eu disse: chata.

E eu na versão careta não bebo e acho a noite um saco. Acho as pessoas que estão na noite pior ainda. Assim como as pessoas da natureza e das Ecovilas, as que meditam, fazem Yoga e dizem “gratidão”, putz essas são malas-plus.

Têm ainda as que falam de crossfit, corrida ou aquelas que acham que a culpa de TODOS os males do Brasil (e suspeito que até do mundo) é da presidenta e do PT, essas vão além da minha cota de tolerância. Enfim, ao final de tudo isso pude concluir que elas não são um saco, porque ao menos, mesmo que sejam, elas estão seguindo seus caminhos e se divertindo. No fundo mesmo quem virou um saco sou eu que não se diverte mais porque acha tudo um saco.

E por não conseguir viver, nem entender o caminho do meio, apesar de achá-o necessário (porém utópico), ou talvez por andar sempre contra a maré, larguei os estudos budistas e comecei a estudar o Tao. Até porque acho não tem muito equilíbrio no caminho do meio do budismo (repare nos monges).

O Taoísmo é bacana porque aborda a nossa natureza de viver e de precisar das polaridades. Segundo o Tao, a vida é regida por dois elementos (dualismo): yin (feminino) e yang (masculino). Estas duas forças se complementam e não podem existir uma sem a outra.

A minha leitura do Tao faz validar que é preciso ter experiências de vida nos limites, ou seja, é preciso ser inconsequente e depois ser careta (ou o contrário) até equilibrar as duas forças em si; mais ainda: é preciso viver as fases da vida que se apresentam, como se apresentam: mesmo que eu me sinta assim tão chata, é hora de ser chata. Sem caminho do meio. Talvez isso seja apenas eu tentando justificar minha chatice. Talvez esse caminho do meio seja algo intangível mesmo, talvez nós estejamos condenados à viver nas polaridades, às vezes àgua, outras fogo. Ou não. Qualquer que seja a resposta, hoje acredito que viver por inteiro nos dois pólos vem antes de encontrar o meio.

E enquanto não descubro respostas para minhas perguntas, continuo aqui com minha caretice, essa chatice incurável que só tem quem enxerga o mundo de maneira tão literal e vê no mundo tanta coisa sem nexo. Mas juro que tenho me esforçado para ser uma boa samaritana daquelas bem “cool”  (se é que elas existem) e deixar as pessoas serem o que são, retirando-lhes os rótulos (sim, os mesmos que usei há pouco).

Porque sei que pode parecer limitado e chato ser careta, mas tenho certeza que mais limitado ainda é viver rotulando tudo. Se o mundo é feito de dualidades, eu ainda vejo milhares delas. E mesmo que não ache todas legais é importante, ao menos, aprender a respeitá-las. Portanto, gratidão.

Louvor do Aprender, um poema de Bertold Brecht

Louvor do Aprender, um poema de Bertold Brecht

Louvor do Aprender

Aprende o mais simples! Pra aqueles
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde de mais!
Aprende o abc, não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c’os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.

Bertold Brecht, in ‘Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas’
Tradução de Paulo Quintela

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A borboleta amarela, por Rubem Braga

A borboleta amarela, por Rubem Braga

Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.

Era na esquina da Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da ABI. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria uma jornalista? – pensei com certo tédio.

Mas logo saiu. E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na Rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse; ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la. Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera saçaricante e leve da floresta da Tijuca ou de algum morro – talvez o de São Bento? Onde estaria uma hora antes, qual sua idade? Nada sei de borboletas. Nascera, acaso, no jardim do Ministério da Educação? Não; o Burle Marx faz bons jardins, mas creio que ainda não os faz com borboletas – o que, aliás, é uma boa idéia. Quando eu o mandar fazer os jardins do meu palácio, direi: Burle, aqui sobre esses manacás, quero uma borboleta amare… Mas o sinal abriu e atravessei a rua correndo, pois já ia perdendo de vista a minha borboleta.

A minha borboleta! Isso, que agora eu disse sem querer, era o que eu sentia naquele instante: a borboleta era minha – como se fosse meu cão ou minha amada de vestido amarelo que tivesse atravessando a rua na minha frente, e eu devesse segui-la. Reparei que nenhum transeunte olhava a borboleta; eles passavam, devagar ou depressa, vendo vagamente outras coisas – as casas, os veículos – ou se vendo; só eu vira a borboleta, e a seguia, com meu passo fiel. Naquele ângulo há um jardinzinho, atrás da Biblioteca Nacional. Ela passou entre os ramos de acácia e de uma árvore sem folhas, talvez um flamboyant; havia, naquela hora, um casal de namorados pobres em um banco, e dois ou três sujeitos espalhados pelos outros bancos, dos quais uns são de pedra, outros de madeira, sendo que estes são pintados de azul e branco. Notei isso pela primeira vez, aliás, naquele instante, eu sempre passo por ali; é que minha borboleta amarela me tornava sensível às cores.

Ela borboleteou um instante sobre um casal de namorados; depois passou quase junto da cabeça de um mulato magro, sem gravata, que descansava num banco; e seguiu em direção à avenida. Amanhã eu conto mais.

Eu ontem parei minha crônica no meio da história da borboleta que vinha pela Rua Araújo Porto Alegre; parei no instante em que ela começava a navegar pelo oitão da Biblioteca Nacional.

Oitão, uma bonita palavra. Usa-se muito no Recife; lá todo mundo diz: no oitão da Igreja de São José, no oitão do Teatro Santa Isabel… Aqui a gente diz: do lado. Dá no mesmo, porém oitão é mais bonito. Oitão, torreão.

Falei em torreão porque, no ângulo da Biblioteca, há uma coisa que deve ser o que se chama um torreão. A borboleta subiu um pouco por fora do torreão; por um instante acreditei que ela fosse voltar, mas continuou ao longo da parede. Em certo momento desceu até perto da minha cabeça, como se me quisesse dizer: “estou aqui”.

Logo subiu novamente, foi subindo, até ficar em face de um leão, aliás há várias, cada uma com uma espécie de argola na boca, na Biblioteca. A pequenina borboleta amarela passou junto ao focinho da fera, aparentemente sem o menor susto. Minha intrépida, pequenina, vibrante borboleta amarela! pensei eu. Que fazes aqui sozinha, longe de tuas irmãs que talvez estejam agora mesmo adejando um bando álacre na beira de um regato, entre moitas amigas – e aonde vais sobre o cimento e o asfalto, nessa hora em já começa a escurecer, ó tola, ó tonta, ó querida pequena borboleta amarela! Vieste talvez de Goiás, escondida dentro de algum avião; saíste no Calabouço, olhaste pela primeira vez o mar, depois…

Mas um amigo me bateu nas costas, me perguntou “como vai, bichão, o que é que você está vendo aí?” Levei um grande susto, e tive vergonha de dizer que estava olhando uma borboleta; ele poderia chegar em casa e dizer: “encontrei hoje o Rubem, na cidade, parece que estava caçando borboleta”.

Me lembrei de uma história de Lúcio Cardoso, que trabalhava na Agência Nacional: Um dia acordou cedo para ir trabalhar; não estava se sentindo muito bem. Chegou a se vestir, descer, andar um pouco junto da Lagoa, esperando condução, depois viu que não estava mesmo bem, resolveu voltar para casa, telefonou para um colega, explicou que estava gripado, até chegara a se vestir para ir trabalhar, mas estava um dia feio, com um vento ruim, ficou com medo de piorar – e demorou um pouco no bate-papo, falou desse vento, você sabe (era o Noroeste) que arrasta muita folha seca, com certeza mais tarde vai chover, etc., etc.

Quando o chefe do Lúcio perguntou por ele, o outro disse: “Ah, o Lúcio hoje não vem não. Ele telefonou, disse que até saiu de casa, mas no caminho encontrou uma folha seca, de maneira que não pôde vir e voltou para casa”.

Foi a história que lembrei naquele instante. Tive – por que não confessar? – tive certa vergonha de minha borboleta amarela. Mas enquanto trocava algumas palavras com o amigo, procurando despachá-lo, eu ainda vigiava a minha borboleta. O amigo foi-se. Por um instante julguei, aflito, que tivesse perdido a borboleta de vista. De maneira que vocês tenham paciência; na outra crônica, vai ter mais história de borboleta.

Mas , como eu ia dizendo, a borboleta chegou à esquina da Araújo Porto Alegre com a Avenida Rio Branco; dobrou à esquerda, como quem vai entrar na Biblioteca Nacional pela escada do lado, e chegou até perto da estátua de uma senhora nua que ali existe; voltou; subiu, subiu até mais além da copa das árvores que há na esquina – e se perdeu.

Está claro que esta é a minha maneira de dizer as coisas; na verdade, ela não se perdeu; eu é que a perdi de vista. Era muito pequena, e assim, no alto, contra a luz do céu esbranquiçado da tardinha, não era fácil vê-la. Cuidei um instante que atravessava a avenida em direção à estátua de Chopin; mas o que eu vi era apenas um pedaço de papel jogado de não sei onde. Essa falsa pista foi que me fez perder a borboleta.

Quando atravessei a avenida ainda a procurava no ar, quase sem esperança. Junto à estátua de Floriano, dezenas de rolinhas comiam farelos que alguém todos os dias joga ali. Em outras horas, além das rolinhas juntam-se também ali pombos, desses grandes, de reflexos verdes e roxos no papo, e alguns pardais; mas naquele momento havia apenas rolinhas. Deus sabe que horários têm esses bichos do céu.

Sentei-me num banco, fiquei a ver rolinhas – ocupação ou vagabundagem sempre doce, a que me dedico todo dia uns quinze minutos. Dirás, leitor, que esse quarto de hora poderia ser mais bem aproveitado. Mas eu já não quero aproveitar nada; ou melhor, aproveito, no meio desta cidade pecaminosa e aflita, a visão das rolinhas, que me faz um vago bem no coração.

Eu poderia contar que uma delas pousou na cruz de Anchieta; seria bonito; não seria verdade. Que algum dia deve ter pousado, isso deve; elas pousam em toda parte; mas eu não vi. O que digo, e vi, foi que uma pousou na ponta do trabuco de Caramuru. Falta de respeito, pensei. Não sabes, rolinha vagabunda, cor de tabaco lavado, que esse é Pai do Fogo, Filho do Trovão?

Mas essa conversa de rolinha, vocês compreendem, é para disfarçar meu desaponto pelo sumiço da borboleta amarela. Afinal arrastei o desprevenido leitor ao longo de três crônicas, de nariz no ar, atrás de uma borboleta amarela. Cheguei a receber telefonemas: ” eu só quero saber o que vai acontecer com essa borboleta”. Havia, no circulo das pessoas íntimas, uma certa expectativa, como se uma borboleta amarela pudesse promover grandes proezas no centro urbano. Pois eu decepciono a todos, eu morro, mas não falto à verdade: minha borboleta amarela sumiu. Ergui-me do banco, olhei o relógio, saí depressa, fui trabalhar, providenciar, telefonar… Adeus, pequenina borboleta amarela.

Rubem Braga, (1913-1990) foi um escritor e jornalista brasileiro. Tornou-se famoso como cronista de jornais e revistas de grande circulação no país.

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O voto: uma abordagem psicológica

O voto: uma abordagem psicológica

Uma matéria produzida pela BBC constatou algumas verdades acerca do comportamento do eleitor na hora do voto. Ocorre que, toda vez que uma importante votação se aproxima, nós, eleitores, passamos meses e meses ouvindo sobre políticos, políticas e ideologias. No dia da eleição, saímos para as urnas com a sensação de termos tomado uma decisão racional sobre em quem votar. Mas será mesmo?

Segundo muitos psicólogos, são possíveis que não tenhamos tanto controle assim sobre nossa escolha política quanto imaginamos. Educação, saúde e economia são, sem dúvida, assuntos importantes, mas eleitores também podem ser “atraídos” por fatores aparentemente sem nenhuma relação, como sensações de medo e repugnância.

Já se sabe que nossas decisões conscientes são frequentemente influenciadas por processos inconscientes, emoções e ideias preconcebidas. Jon Krosnick, professor de ciência política da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, dedicou sua carreira a estudar o fenômeno. “Todas as escolhas são, na realidade, inconscientes”, defende.

Segundo Krosnick, durante um debate na televisão, muitos fatores podem ter impacto na decisão do eleitor – e não apenas o que cada candidato está dizendo. Ele e seus colegas descobriram que, durante as eleições presidenciais americanas de 2008, muitos eleitores não perceberam o quanto foram influenciados pela etnia dos candidatos Barack Obama e John McCain. Pessoas que marcaram mais pontos em um teste para medir o racismo implícito tinham menos tendência a optar por Obama.

 

Propensão à repulsa

Já Yoel Inbar, professor de Psicologia da Universidade de Toronto, no Canadá, estuda outra maneira como podemos ser influenciados: coisas que despertam sensações de nojo. Sua equipe testou voluntários em uma “escala de repugnância” e, em seguida, apresentou a eles um questionário sobre suas visões políticas.

O estudo descobriu que aquelas pessoas que sentem repulsa mais facilmente tendem a ser mais conservadoras politicamente.

Inbar acredita que associações políticas e morais com a repugnância podem ser explicadas pela biologia pré-histórica: quando o homem passou a permanecer mais tempo em grupos sociais maiores, ele desenvolveu uma série de comportamentos para minimizar seus riscos de contrair doenças, o que psicólogos chamam de “sistema imunológico comportamental”.

Segundo Inbar, isso significa “evitar grupos com quem não se está familiarizado, aderir a práticas sociais tradicionais e se impor uma certa restrição sexual”. “O nojo é uma emoção que realmente nos avisa: ‘não faça isso, fique longe daí, isso é perigoso'”, afirma o cientista.

A principal implicação é algo que alguns marqueteiros políticos já perceberam: usar uma linguagem que desperte uma sensação de nojo – como dizer que “tal político ou tal partido fede” – pode ter uma influência muito mais profunda em algumas pessoas do que se pensa.

Jogo do medo

Outro estudo, que avaliou o impacto da “sensibilidade ao medo” na ideologia política, sugere conclusões semelhantes. Um grupo de 46 voluntários do Estado americano de Nebraska foi convidado a dar sua opinião a uma série de assuntos, da guerra ao Iraque à pena de morte. Os que mostraram ter opiniões fortes, foram chamados para uma segunda fase.

Nela, os voluntários foram expostos a uma série de imagens ameaçadoras e a vários ruídos barulhentos, enquanto eram avaliados em sua suscetibilidade ao medo. Os pesquisadores descobriram que as pessoas que se assustavam mais facilmente tinham mais opiniões alinhadas com uma ideologia de direita.

Portanto, um discurso político que provoque medo – enfatizando o risco de instabilidade econômica ou de ataques terroristas, por exemplo – pode ter um efeito impactante em alguns grupos quando é usado para tentar atrair votos.

 

Força da rejeição

Outras respostas subconscientes já são bem exploradas em campanhas políticas. Uma delas é o negativismo – uma tendência das pessoas de se lembrarem preferencialmente de informações negativas e permitirem que emoções negativas dominem suas decisões.

A pesquisa de Krosnick sugere que quando um político enfatiza as características negativas de seus rivais, ele pode fazer com que mais simpatizantes seus compareçam às urnas (em países onde o voto não é obrigatório).

Da mesma maneira, o estudo mostrou que apenas gostar de um determinado candidato não necessariamente faz o eleitor sair de casa para votar: a rejeição é um motivo muito mais forte para levar uma pessoa às urnas. “Se você não gosta de um dos candidatos, fica mais incentivado a participar. Ou seja, é a rejeição que motiva o comparecimento”, afirma Krosnick.

 

Punição nas urnas

Também há cada vez mais indícios de que eleitores inconscientemente punem políticos quando se sentem decepcionados com eles – mesmo em questões completamente desassociadas da política.

Os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, têm a teoria de que a disputada e polêmica eleição de 2000, nos Estados Unidos, entre Al Gore e George W. Bush, foi também influenciada por uma série de secas e enchentes que castigaram várias partes do país.

Ao analisarem o resultado das urnas e o clima em cada Estado, os pesquisadores perceberam que os democratas, que estavam no poder até então, obtiveram até 3,6% menos votos do que normalmente receberiam – o que pode indicar que muitos eleitores resolveram “castigar” o partido por sua má sorte com o tempo.

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Fonte: Diário da Manhã

“Vista cansada”, uma crônica a quem não se fez cego de indiferença

“Vista cansada”, uma crônica a quem não se fez cego de indiferença

Otto Lara Resende

Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.

Otto Lara Resende nasceu no dia 1°. de maio de 1922,em São João del Rei, Minas Gerais. Foi, dentre outras atividades, professor, jornalista e escritor, tendo publicado 10 livros.

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Fotografia de Elena Shumilova

“Ahasverus e o Gênio” – momento de reler Castro Alves

“Ahasverus e o Gênio” – momento de reler Castro Alves

Sabes quem foi Ahasverus?… — o precito,
O mísero judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda
Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Co’a mão vazia — viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe — o grão de areia,
A gota d’água — rejeitou-lhe o mar.

D’Ásia as florestas — lhe negaram sombra
A savana sem fim — negou-lhe alfombra
O chão negou-lhe o pó!…
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares

E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do norte à de Sevilhas
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!…

E caminhou!… E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra…
Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre” a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
— “Ai! mas nunca vivi!” —

O gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo de existir.
Invejado! A invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…

Pede u’a mão de amigo — dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor — e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: — “Ele não morre”
Responde o desgraçado: “Eu não vivi!…”

Castro Alves, no livro “Espumas Flutuantes”

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Que tudo fique apenas entre nós

Que tudo fique apenas entre nós

Por Patrícia Dantas

Hilda Hilst é uma transgressão necessária, um soco no estômago, daqueles que nos obriga parar a leitura e respirar ofegante, porque nossa santíssima dignidade já se perdeu ou foi parar em algum lugar mais sórdido que escondemos dos nossos hábitos. E, tendo Hilst nas mãos, também é a certeza que teremos alguma coisa desfigurada e pedindo clemência dentro da gente – porque se queimou com a brasa de sua própria pele e já foi engolido por um riso tolo e nostálgico que jamais compreendeu a necessidade de se pertencer, ter a si mesmo revelado entre mãos corajosas e dentes famintos. Hilst faz você comer a si e dentro de si num ato de gratidão e contentamento pela vida. Tudo é dentro e vem de dentro. E Deus, pai tão misterioso e observador contumaz dos nossos atos acha graça de tudo e nos olha com uma bondade estampada na cara.

É do paradoxo pessoa-humano-pessoa que vem essa sensação de esvaziamento para se chegar a algum lugar que faça tão bem ao processo interior da criação; é não morrer de tédio, mas asfixiar-se por dentro, de excesso de vida. É desse poder que tomamos das mãos de Hilst – o “divino ato criador” – esse arregaçar de mangas para exteriorizar o concreto de energias que se lança ao mundo e que se necessita de uma linguagem mais intensa e nua galgando cada fio limítrofe das nossas palavras.

Ela nos faz ver – e vemos sem mais transgredir a brutalidade cega e perspicaz como tomamos proporções desconexas e insanas, porque esse mesmo poder é também do extravio de algo que deixamos inerte por um tempo dentro da gente, é o que faz sentido na esfera do existir e não-existir. É o que somos em tempos cruzados. Não é questão de intimidade, mas de um tato revelador de corpos ausentes.

Existe uma coisa da qual não podemos fugir: o amor e o temor pelos nossos personagens. Não posso deixar de questionar com a minha profunda desaprovação de mim quando olho o outro (é que me vejo muito mais nos personagens que me falam, e não no real palpável que me açoita). Como posso não depender deles, se assim vivo e morro dentro de todos eles? Apossam-se de mim e me transmitem como gostariam de ser na pequena e elástica realidade que deles se desprende. A história de cada um segue as curvas e o contexto de roteiros muito particulares. Gesticulam e atuam com devoção e compaixão pelo substrato do humano.

O que fazer com alguém que nem sabemos ao certo se existe, se não se declara, se não fala, nem se define, não apresenta virtudes ou defeitos, que apenas se deixa existir livremente, de fomes, tormentos e algumas insaciedades? Eu nunca soube o que fazer deles, nem de mim. Também vou me descobrindo aos poucos – como eles que se deixam levar pelas suas chamas ardentes de curiosidade pelo estranho.

Do meu medo passando pelo eco do estranhamento e solidão encontro o familiar que me adapta ao mundo e remove toda a sensação de que algo é revelado somente em pleno contato. A revelação às vezes só precisa que fiquemos um pouco sozinhos e conectados com nosso estado de graça.

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Restaurante projeta animação 3D no prato dos clientes e promove experiência sem igual

Restaurante projeta animação 3D no prato dos clientes e promove experiência sem igual

Existem limites para as percepções humanas? Segundo a equipe da Skull Mapping não há. Em um genial projeto de tecnologia 3 D eles nos provam que sempre é possível aumentar a satisfação de um cliente.

No vídeo abaixo, os clientes aguardam por suas refeições quando um mini chef francês assume o preparo de seus pratos. Humor, sensações e diversas surpresas são exploradas em uma experiência lúdica que faz de um jantar um momento de total entretenimento.

Sirvam-se desse delicioso vídeo.

A indicação foi de nosso site parceiro Psique em Equilíbrio.

Woody Allen e a felicidade plena

Woody Allen e a felicidade plena

Por Josie Conti

Por indicação do crítico de cinema Octavio Caruso assisti recentemente  Woody Allen: Um Documentário. (2012), dirigido por Robert B. Weide.

Regado com depoimentos de diversos artistas que já trabalharam com o grande mestre, o documentário conta a história da carreira de Woody Allen. Após assisti-lo, é quase impossível não rememorar as cenas que mostravam como, quase sem nenhuma experiência prévia, o franzindo Woody obteve aval completo dos patrocinadores para trabalhar nos filmes sendo, além de roteirista, o diretor e na maioria das vezes também ator de seus filmes.

Em um dos trechos, quando questionado, após um período de queda de popularidade, se, ao invés de fazer um filme por ano- como tem feito há 40 anos- se teria interesse em fazer um a cada dois anos, Woody mal cogitou a hipótese. Para ele a constância do trabalho aparenta ser muito mais interessante que as críticas. É o movimento de criação e de execução que o alimenta. Já o glamour e os tapetes vermelhos nada mais são do que um obstáculo a ser ultrapassado. Woody aparece muito à vontade na privacidade de seu quarto, onde datilografa seus textos na mesma máquina que o acompanhou por quase toda sua carreira. São cenas que, se me permitem a liberdade de dar uma opinião totalmente pessoal, ilustram um estado de felicidade plena.

Há em Woody a característica essencial de identificação da neurose social e a transformação desse olhar em um humor simples, mas sagaz. Em suas qualidades ou mesmo enfrentando grandes polêmicas, ele é autêntico. E, como Woody Allen não é como ninguém, ninguém é como Woody Allen.

Não tenho dúvidas que é essa autenticidade inigualável que o mantém onde está, com quase 80 anos, ainda fazendo um filme por ano e, em um dos últimos, “Meia noite em Paris”, de 2012, obtendo uma das maiores bilheterias de sua carreira.

Abaixo o trailler do documentário.

“O rato e a ratoeira” – uma fábula de Esopo

“O rato e a ratoeira” – uma fábula de Esopo

Numa planície da Ática, perto de Atenas, morava um fazendeiro com sua mulher; ele tinha vários tipos de cultivares, assim como: oliva, grão de bico, lentilha, vinha, cevada e trigo. Ele armazenava tudo num paiol dentro de casa, quando notou que seus cereais e leguminosas, estavam sendo devoradas pelo rato. O velho fazendeiro foi a Atenas vender partes de suas cultivares e aproveitou para comprar uma ratoeira. Quando chegou em casa, adivinha quem estava espreitando?

Um rato, olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua esposa abrindo um pacote. Pensou logo no tipo de comida que haveria ali.

Ao descobrir que era uma ratoeira ficou aterrorizado.

Correu para a esplanada da fazenda advertindo a todos:

– Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira na casa !!

A galinha disse:

– Desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor, mas não me prejudica em nada, não me incomoda.

O rato foi até o porco e disse:

– Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira !

– Desculpe-me Sr. Rato, disse o porco, mas não há nada que eu possa fazer, a não ser orar. Fique tranqüilo que o Sr. Será lembrado nas minhas orações.

O rato dirigiu-se à vaca. E ela lhe disse:

– O que ? Uma ratoeira ? Por acaso estou em perigo? Acho que não !

Então o rato voltou para casa abatido, para encarar a ratoeira. Naquela noite ouviu-se um barulho, como o da ratoeira pegando sua vítima.

A mulher do fazendeiro correu para ver o que havia pego.

No escuro, ela não viu que a ratoeira havia pego a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a mulher… O fazendeiro chamou imediatamente o médico, que avaliou a situação da esposa e disse: sua mulher está com muita febre e corre perigo.

Todo mundo sabe que para alimentar alguém com febre, nada melhor que uma canja de galinha. O fazendeiro pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal.
Como a doença da mulher continuava, os amigos e vizinhos vieram visitá-la.

Para alimentá-los, o fazendeiro matou o porco.

A mulher não melhorou e acabou morrendo.

Muita gente veio para o funeral. O fazendeiro então sacrificou a vaca, para alimentar todo aquele povo.

Moral:
“Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda fazenda corre risco. O problema de um é problema de todos.”

Biografias não autorizadas podem ser publicadas por decisão do STF

Biografias não autorizadas podem ser publicadas por decisão do STF
RC SHOW TERESINA

O Supremo Tribunal Federal decidiu, na semana passada, pela liberação das biografias não autorizadas. A ministra-relatora Cármen Lúcia frisou que o direito à liberdade de expressão sobrepuja o dos indivíduos à privacidade.

A vida de um homem público pertence ao público, quer dizer, à sociedade. Portanto, deve ser descrita com liberdade por pesquisadores qualificados — como Lyra Neto (Getúlio Vargas, Castello Branco e José Alencar), Fernando Morais (Olga Benario e Assis Chateau­briand), Ruy Castro (Nelson Rodri­gues, Garrincha e Carmen Miranda), Sérgio Cabral (Tom Jobim, Ataulfo Alves, Elizeth Cardoso e Nara Leão), Mário Magalhães (Carlos Marighella), Leonencio Nossa (Sebastião Curió), João Máximo (João Saldanha e Noel Rosa), Paulo Cesar Araújo (Roberto Carlos), Fernando Molica (Antonio Expedito Perera), Luiz Maklouf Carvalho (David Nasser).

Destes exímios biógrafos, apenas Ruy Castro (com a família de Garrincha) e Paulo Cesar Araújo (com Roberto Carlos) enfrentaram problemas judiciais. Nenhum pode ser qualificado de sensacionalista ou de ter achincalhado a vida das pessoas examinadas. As biografias colaboraram para o entendimento dos pesquisados, de suas obras e, em alguns casos, serviram mesmo para “reabilitá-los”. Nelson Rodrigues já era grande, mas, como estava meio esquecido, “cresceu” com o denso estudo de Ruy Castro.

A liberdade para dissecar uma personalidade pública não equivale à liberdade para achincalhá-la. Porém a maioria dos biógrafos pretende muito mais explicar a vida das pessoas, com suas contradições, do que agredi-las. A biografia de Assis Chateaubriand é tão bem feita que, mesmo a exibição de sua faceta pantanosa, não o diminui como empreendedor jornalístico e criador do Museu de Arte de São Paulo. Os problemas são apontados, mas as virtudes são conectadas. Um leitor pode avaliar que se trata de um escroque. Outro leitor pode percebê-lo como um empresário modernizador na área da comunicação.

Biografias laudatórias não servem para a compreensão da vida e da obra dos pesquisados. Biografias críticas e equilibradas ajudam a entender a história das pessoas e do país. Com a decisão do Supremo, o brasileiro poderá ler, brevemente, biografias de Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Geraldo Vandré e Roberto Carlos.

 

 

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RC SHOW TERESINA


Fonte: Jornal Opção Trata-se de um jornal goiano cuja riqueza da informação e a abordagem de assuntos cosmopolitas fazem por merecer recorrentes visitas.

Do outro lado da janela – uma crônica de domingo

Do outro lado da janela – uma crônica de domingo

Por Josie Conti

Minha casa fica em uma esquina e, não raro, pessoas param para conversar. Hoje acordei com uma dessas conversas. Sob minha janela um senhor com opinião sobre tudo monopolizava o “diálogo” com seu interlocutor. Clima, política, vizinhança, família, não havia assunto que não pudesse ser encarrilhado em seu fôlego.

Em psiquiatria existe um termo utilizado para pessoas que falam sem parar: verborragia. Nunca vi termo mais adequado. É uma real hemorragia das palavras e, por coincidência ou não, costuma vir em voz alta. É uma falta de controle, uma falta de freio. Assim, como a hemorragia, é um sintoma que, se não controlado, temo que possa matar. No meu caso, um verdadeiro matador de sonhos.

É no diálogo que mora a relação, que existe a troca. O monólogo é vaidoso. Não conhece empatia.

É necessário perceber o tempo do outro, sua resposta é até seu silêncio. Quem fala demais não enxerga olhar de tédio, não ouve bocejo e nem se atém a inquietação física da vítima que está desesperada para sair correndo ou escorrer pela guia da calçada.

Penso que para viver melhor precisamos da inteligência do silêncio. Silenciar é dar tempo a si mesmo e ao outro para que o mundo todo se acomode, e mundo acomodado é mundo macio, confortável, com sentido.

É no silêncio dos amigos que surge a troca de olhares cúmplices, é esse silêncio que precede as gargalhadas.

É no silêncio dos amantes que os olhares conversam e trocam juras de amor. É o silêncio que precede o beijo.

É no silêncio da emoção que não encontramos palavras exatas para descrever o que sentimos, que ficamos embargados e gaguejamos, porque as palavras vieram na hora errada.

Mesmo na dor, há beleza. Lá dentro, no escuro, no silêncio, na essência de si, no sentido do mundo.

Vou me levantar. O homem ainda fala.

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Aos 73 anos, modelo vivo diz que não sabe o sentido da vida, mas quer posar para artistas até morrer

Aos 73 anos, modelo vivo diz que não sabe o sentido da vida, mas quer posar para artistas até morrer

Por Gabriela Gasparin

Vera França tinha 19 anos quando posou nua pela primeira vez como modelo vivo para artistas fazerem obras de arte com as curvas de seu corpo. Profissão que mantém até hoje, aos 73 anos. “Depois que comecei, só trabalhei como modelo a vida toda”, revelou.

Ela não faz a menor ideia de quantas pinturas, desenhos, esculturas e fotografias já foram feitas com suas formas em todas as fases da vida, passando pela juventude, períodos de gravidez e velhice, mas garante: “é muito, muito, muito mesmo.”

Nascida em um sítio no interior de Pernambuco, ela se mudou ainda jovem com a família para a Bahia. A mais velha de 13 irmãos, aos 15 anos saiu de casa e foi cuidar da própria vida. Morou em pensões e foi operária em fábricas de roupas e sapatos em Salvador.

Interessou-se pelo meio artístico e tentou ser bailarina de cancan num circo. “Eu gostava dessas coisas de se enfeitar toda”. Após um tempo, conseguiu o papel de “menor mulher do mundo” num espetáculo ilusionista na capital baiana. Ela ficava de biquíni numa sala com espelhos. As pessoas entravam e a viam bem pequeninha de longe, por trás de um aquário.

Em uma dessas apresentações foi vista por um estudante que a indicou para ser modelo vivo na Faculdade de Belas Artes de Salvador. Vera fez a entrevista num dia e começou a trabalhar no outro.

O teste consistia em fazer algumas poses nua. “Eu fiz uma pose em pé, uma sentada, outra de costas, uma deitada com a mão na cabeça e outra deitada de novo. E ai já comecei a posar.” No mesmo dia, recebeu a recomendação para não pintar os cabelos, nem tomar sol na praia ou posar maquiada. “Tem que ser a pessoa natural”, explicou.

‘Com gordura e tudo’

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Vera França diz que tem como missão posar

E Vera ficou sem pintar os cabelos até hoje – mesmo com a idade avançada, ainda preserva um grisalho natural. Sente-se feliz e valorizada por ainda ser procurada para posar, mesmo na velhice. “Eles precisam de modelo diferente, com gordura e tudo. Enfim, natural, né? Eles não ligam para a barriga.”

E é justamente o fato de ser valorizada como é o que mais a encanta na profissão. “Se eu não tivesse valor, com a idade que eu estou e meu corpo já mudado, eles não me procuravam. Então eu fico contente, fico alegre, me considero valorizada. A arte copia a vida e a arte não tem fim, né?”

A modelo nunca se esqueceu de certa vez, aos 29 anos, quando pensou que teria que deixar a profissão ainda jovem. “Eu falei assim para um professor, ‘nossa, já estou com 29 anos, logo eu vou deixar a profissão porque ninguém vai me aceitar mais’. Ele falou, ‘imagina, você ainda tem chão pela frente, só se você não quiser, mas quanto mais idade, melhor ainda’. Aquilo ali me alegrou. Pronto, até hoje estou aqui nessa palavra.”

‘Guerriei, guerriei’

Não que a vida como modelo vivo tenha sido fácil. Vera batalhou muito todos esses anos e, mesmo assim, nunca conseguiu pagar um convênio médico. “Infelizmente eu nunca consegui. Lutei, lutei lutei. Guerriei, guerriei e nunca consegui.”

Mãe de duas filhas, posou grávida e até de madrugada para sustentar as crianças – uma nasceu em Salvador e a outra em São Paulo, 18 anos depois – ela saiu do Nordeste rumo à capital paulista em busca de mais trabalho. Disse que nunca se casou e criou as filhas praticamente sozinha.

Vera nunca teve vergonha de ser observada em todos os mais íntimos detalhes pelos artistas. Pelo contrário, sempre fica tão concentrada em fazer a pose corretamente que nem percebe que está nua. “Eu digo aos estudantes, ‘é assim mesmo, [a obra] não precisa ficar bonita, é só vocês aprenderem e pronto. Eu quero passar meu astral para vocês levarem para o papel, para a tela, o barro, a escultura’.”

Em São Paulo, disse que até tentou voltar a trabalhar em fábrica uma vez, mas não se sentiu respeitada e pediu as contas. “Não me dei bem. Eu não gostava de ser mandada. Aliás, ser mandada tudo bem, mas com respeito, mas não fazendo pouco caso (…). Eu disse, eu prefiro é trabalhar nua, que ninguém me desrespeita. Eu nasci para isso. E aí fiquei até hoje.”

Preconceito

Vera guarda uma ou outra história de estudantes que a assediaram ou que queriam namorar com ela por ficarem encantados com as curvas de seu corpo. Revelou, ainda, que sofria certo preconceito no passado, principalmente no Nordeste, de pessoas que julgavam sua profissão por desconhecimento. “Tinhas muitos que entendiam a profissão, mas a maioria achava que era mulher de programa antigamente.”

Em São Paulo, disse que até tentou voltar a trabalhar em fábrica uma vez, mas não se sentiu respeitada e pediu as contas. “Não me dei bem. Eu não gostava de ser mandada. Aliás, ser mandada tudo bem, mas com respeito, mas não fazendo pouco caso (…). Eu disse, eu prefiro é trabalhar nua, que ninguém me desrespeita. Eu nasci para isso. E aí fiquei até hoje.”

Sentido da vida

E mesmo aos 73 anos, Vera revelou que ainda não sabe o sentido da vida, mas afirma que não alcançou seu objetivo final, que é viver em paz. “Ah, eu nem sei te responder o sentido da vida… Se eu não consegui meu objetivo até agora então eu tenho que dar uma parada para ver qual é o futuro que eu tenho que encontrar, estou procurando ainda, ainda não deu certo.”

Perguntei qual seria esse “objetivo”: “A única coisa é poder comprar meu remedinho, minha comidinha e morrer sossegada. Morar num lugar onde eu fique sossegada. Ainda não alcancei isso aí, estou na luta. Talvez venha logo ou talvez demore muito, enquanto eu tiver força eu vou puxando o carro, né, até cansar e parar.”

O sentido da vida Vera pode até não saber, mas é com bastante certezas que ela fala sobre para que veio ao mundo. “A minha missão é de ajudar meus netos e pousar ainda pras pessoas que gostam de me usar como artista. Isso é que eu gosto. É uma missão e eu quero terminar ela posando mesmo.

Nem que seja uma pose não tão retorcida, mas a pose natural, a pose da vida. Eu quero que aconteça isso. Agora vai fazer 54 anos no mês de março que estou trabalhando como modelo. Por isso eu acho que essa é minha missão e eu vim para cumpri-la.”

Vidaria é um projeto parceiro Conti outra.

Leia mais histórias como essa em Qual o sentido da vida?

Conheçam mais essa linda mulher em uma entrevista que ela fez no Jô.

 

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